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Silva Lusitana

versão impressa ISSN 0870-6352

Silva Lus. vol.20 no.1-2 Lisboa dez. 2012

 

Notas do Herbário Florestal do INIAV (LISFA): Fasc. XXXV

 

Comunidades de Asphodelus bento-rainhae P. Silva : diversidade, ecologia e dinâmica serial

 

Silvia Ribeiro *, Fernanda Delgado **, Maria Dalila Espírito-Santo ***

* Eng.ª Biofísica, Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, Instituto Superior de Agronomia silvia.sbenedita@gmail.com

** Professor adjunto, Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco fdelgado@ipcb.pt

*** Invª. Coordenadora, Centro de Botânica Aplicada à Agricultura, Instituto Superior de Agronomia dalilaesanto@isa.utl.pt

 

Introdução

A espécie Asphodelus bento-rainhae P. Silva (P. Silva, 1956) é um endemismo lusitano considerado "Em Perigo Crítico de Extinção" de acordo com critérios de ameaça IUCN. É também uma espécie prioritária (1840) para conservação e incluída na Convenção de Berna.

Tem uma área de distribuição muito localizada, ocorrendo apenas na vertente norte da serra da Gardunha, dos 490 aos 850 m.s.m (DÍAZ LIFANTE & BENITO VALDÉS, 1996; COTRIM et al., 2002) em carvalhais mistos de Quercus pyrenaica, Quercus robur, castinçais de Castanea sativa, em pomares de Prunus avium (terraços e taludes) e em algumas áreas de pinhal de Pinus pinaster. Em 1996, Pinto Gomes et al., associou o A. rainhae a habitats de orla nos quais a luz é necessária para a floração, constatando que o fogo parece estimular a perpetuação da espécie.

A área de ocorrência designada por Sítio Serra da Gardunha apresenta solos profundos, geologicamente derivados de metamorfismo de contacto dos xisto-grauvaques, menos frequentemente de granitos (ADESGAR, 2004).

A variabilidade genética intra-populacional é baixa, resultado das baixas percentagens germinativas in situ, comprometendo a adaptabilidade da espécie a alterações que ocorram na natureza; pelo contrário a reprodução vegetativa é a forma preferencial desta espécie se preservar anualmente (COTRIM et al., 2002; ICN, 2006; DELGADO, 2010).

As comunidades estudadas inserem-se nas séries de carvalho-negral (Holco mollis-Querco pyrenaicae S.) e de sobreiral (Poterio agrimonioidis-Querco suberis S.).

Os principais objectivos deste estudo são:

- estabelecer a relação entre a presença de Asphodelus bento-rainhae e as diferentes etapas seriais envolvidas;

- comparar a diversidade florística das comunidades de Asphodelus bento-rainhae em situações de carvalhal, castinçal e cerejal e avaliar as respectivas consequências para conservação.

 

Metodologia

A área de distribuição de A. bento-rainhae insere-se no Distrito Zezerense (Subsector Surbeirense, Sector Beirense, Subprovíncia Luso-Extremadurense, Província Mediterrânica Ibérica Central) (Rivas-Martínez, 2007). Do ponto de vista bioclimático, a área de estudo insere-se no andar mesomediterrânico superior de ombrótipos sub-húmido a húmido. Seguiu-se o enquadramentio sintaxonómico proposto por Rivas-Martínez (2002a).

Foram efectuados 25 inventários segundo a metodologia fitossociológica desenvolvida por Braun-Blanquet (1979) modificada por Géhu & Rivas-Martínez(1981). Foi aplicado o conceito de área mínima (a menor área representativa da comunidade) de acordo com Mueller-Dombois & Ellenberg (1974).

As comunidades de A. bento-rainhae, foram comparadas em 4 parcelas de 200 m2 de carvalhal (40º07'46,2''N; 7º30'42,8''W;574 m.s.m), castinçal (40º07'27,0''N; 7º31'58,8''W;658 m.s.m) e cerejal (40º07'26,6''N; 7º31'11,1''W;721 m.s.m). As parcelas de carvalhal têm estado sujeitas ao longo do tempo, a fogo e gestão florestal (corte), enquanto que as parcelas de castinçal não foram alvo de qualquer mobilização ou alteração há mais de 30 anos. Por sua vez, o cerejal é produzido em modo biológico não lhe estando associada qualquer utilização de herbicidas.

A diversidade específica, foi avaliada pelo cálculo do índice de Shannon (1949) (H'), equitatibilidade (J) e riqueza específica. Estes índices são uma medida de diversidade local, conhecida também por diversidade alpha ou intra-habitat. Permitem, pois, estimar a diversidade das comunidades inventariadas.

O índice de Shannon não tem limites superiores estabelecidos (no entanto é sensível à presença de espécies de fraca cobertura) e é tanto maior quanto maior for o número de espécies, o seu grau de abundância e a aproximação da distribuição das mesmas. Este índice mede a probabilidade de um indivíduo, retirado de uma amostra constituída por s espécies e n indivíduos, pertencerem a um determinado taxa (Magurran, 1988).

A partir do cálculo do índice anterior, pode ser calculada a equitatibilidade (J), que traduz a relação entre a diversidade real e a diversidade máxima teórica. Varia entre zero e um e quanto mais próxima de um for a equitatibilidade mais equilibrada é a distribuição das espécies na comunidade. Valores de equitatibilidade próximos de zero significam que todos ou quase todos os indivíduos são da mesma espécie.

 

Resultados

Verificou-se que A. bento-rainhae ocorre em comunidades de clareira de bosques, seja em mosaico com comunidades arbustivas, seja com prados vivazes, no subcoberto e clareiras dos bosques de Quercus pyrenaica ou Castanea sativa, nas encostas N, NE e NW da serra da Gardunha. Assim, reconhece-se o enquadramento na aliança Agrostion castellanae da classe Stipo-Agrostietea castellanae (Quadro 1). Observam-se características como Dactylis glomerata subsp. lusitanica, Centaurea aristata e Rumex acetosella subsp. angiocarpus (Quadro 1). Ocupa solos derivados de granito e xisto de textura franco-arenosa a franco-argilosa. O A. bento-rainhae permanece nos taludes do cerejal biológico, não se verificando aqui, contudo, a ocorrência de muitas das espécies características de Stipo-Agrostietea castellanae.

 

Quadro 1 - Comunidades de Asphodelus bento-rainhae (ifs 1 a 5; 6 a 9: fragmentos) (Stipo giganteae-Agrostietea castellanae, Agrostietalia castellanae, Agrostion castellanae)

 

Os valores de riqueza e diversidade florística mais elevados (figura 1) verificaram-se nas comunidades de A. bento-rainhae em carvalhais. Este facto poderá ser explicado pela possibilidade de nestes bosques existir um maior banco de sementes, sendo que, estes constituem o bosque natural potencial neste território biogeográfico. Por outro lado, estes carvalhais apresentam um mosaico de vegetação mais diversificado alternando, muito frequentemente, com as suas várias etapas seriais arbustivas e herbáceas, traduzindo-se assim, numa maior diversidade de espécies.

 

Figura 1 - Gráficos de diversidade (riqueza específica, índice de Shannon e equitatibilidade) nas parcelas de carvalhal (com gestão florestal), castinçal (sem alteração há mais de 30 anos) e cerejal biológico, da serra da Gardunha

 

De acordo com a Figura 1, verifica-se que apesar de os valores de riqueza e diversidade florística no castinçal e cerejal se revelarem equivalentes, salienta-se o elevado interesse conservacionista do castinçal estudado. Este apresenta uma maturidade fitocenótica muito elevada, ao mesmo tempo que o seu elevado grau de cobertura reduz bastante a entrada de luz, limitando assim, o desenvolvimento de espécies anuais e heliófilas. Por outro lado, nas parcelas de cerejal, as comunidades de A. bento-rainhae contactam muito frequentemente com comunidades anuais de Helianthemetea guttatae, favorecidas pela mobilização do solo e pela exposição solar. Contudo estas comunidades anuais são de reduzido valor para conservação.

 

Esquema sintaxonómico

Apresenta-se de seguida o esquema sintaxonómico das comunidades inventariadas ou identificadas na zona de estudo

STIPO GIGANTEAE-AGROSTIETEA CASTELLANAE Rivas-Martínez, Fernández-González & Loidi 1999

   Agrostietalia castellanae Rivas-Martínez in Rivas-Martínez, Costa, Castroviejo & Valdés-Bermejo 1980

      Agrostion castellanae Rivas Goday 1957 corr. Rivas Goday & Rivas-Martínez 1963

         Comunidades de Asphodelus bento-rainhae

CALLUNO-ULICETEA Br.-Bl. & Tüxen ex Klika & Hadač 1944

   Ulicetalia minoris Quantin 1935

      Ericion umbellatae Br.-Bl., P. Silva, Rozeira & Fontes 1952 em. Rivas-Martínez 1979

         Ericenion umbellatae Rivas-Martínez 1979

            Erico australis-Cistetum populifolii Rivas-Goday 1955

CYTISETEA SCOPARIO-STRIATIRivas-Martínez 1974

   Cytisetalia scopario-striati Rivas-Martínez 1974

      Genistion floridae Rivas-Martínez 1974

         Cytisetum multifloro-eriocarpi Rivas Goday 1964 nom. mut..

      Ulici europaei-Cytision striati Rivas-Martínez, Báscones, Díaz, Fernandez-González & Loidi 1991

         Genisto falcatae-Adenocarpetum anisochili Castro Antunes, Capelo, J.C. Costa & Lousã in Costa, Capelo, Lousã, Antunes, Aguiar, Izco & Ladero 2000

QUERCETEA ILICIS Br.-Bl. Ex A. & O. Bolòs 1950

   Quercetalia ilicis Br.-Bl. Ex Molinier 1934 em. Rivas-Martínez 1975

      Quercion broteroi Br.-Bl., P. Silva & Rozeira 1956 em. Rivas-Martínez 1975 corr. V. Fuente 1986

         Quercenion broteroi

            Sanguisorbo agrimonioidis-Quercetum suberis Rivas Goday in Rivas Goday, Borja, Esteve, Galiano, Rigual & Rivas-Martínez 1960 nom. mut.

            Holco mollis-Quercetum pyrenaicae S. Br.-Bl., P. Silva & Rozeira 1956

      Querco rotundifoliae-Oleion sylvestris Barbéro, Quézel & Rivas-Martínez in Rivas-Martínez, Costa & Izco 1986

            Asparago aphylli-Quercetum suberis J.C. Costa, Capelo, Lousã & Espírito-Santo 1996

   Pistacio lentisci-Rhamnetalia alaterni Rivas-Martínez 1975

      Ericion arboreae Rivas-Martínez (1975) 1987

      Phillyreo angustifoliae-Arbutetum unedonis Rivas Goday & Galiano in Rivas Goday et al. 1959

 

Conclusão

A gestão dos habitats onde ocorre Asphodelus bento-rainhae é fundamental para a preservação da espécie bem como para a conservação da biodiversidade associada às suas comunidades. Deste ponto de vista, há maior interesse em conservar as áreas de carvalhal e castinçal sendo, assim, útil promover uma maior ligação entre as mesmas, através de corredores ecológicos e zonas tampão que garantam um continuum naturale e melhorem a sua conectividade.

Será importante promover a sustentabilidade económica do cerejal favorecendo ao mesmo tempo a conservação do A. bento-rainhae, sendo que a gestão dos habitats onde a espécie ocorre é fundamental para a sua preservação, bem como da comunidade de que faz parte.

Por outro lado, tendo em conta a diversidade florística associada às parcelas de carvalhal bem como o facto de esta espécie ter o seu ótimo desenvolvimento em clareiras e orlas de bosque, será importante privilegiar a gestão dessas clareiras e bosques em especial do carvalhal de Quercus pyrenaica climatófilo na Serra da Gardunha.

 

Referências bibliográficas

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Agradecimentos

Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto «PEst-OE/AGR/UI0681/2011 e da bolsa SFRH/BD/29515/2006.

 

Nomenclatura: a nomenclatura botânica seguiu as publicações de Castroviejo et al.(1986-2010), Franco (1984) Franco & Rocha Afonso (1994, 1998, 2003) e, para o género Asphodelus seguiu-se Díaz Lifante & Benito Valdés (1996). A tipologia bioclimática, biogeográfica e sintaxonómica foi adoptada  de acordo com Rivas-Martínez et al. (2001, 2002a, b) e Rivas-Martínez (2007).