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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.19 n.3 Lisboa jul. 2001

 

O primeiro ano de escolaridade

 

PAULO PASSOS (*)

 

Para o cumprimento das exigências inerentes ao primeiro ano de escolaridade, supõe-se o exercício ajustado e adequado das funções cognitivas/intelectuais, de socialização e afectivas, como critérios de suporte ao conceito de maturidade escolar.

A decomposição destas funções traduz-se num efectivo panorama de determinantes que, na dinâmica do seu conjunto e operacionalidade, constituem a estrutura básica de acesso aos sucessivos patamares de evolução escolar e sobretudo de evolução existencial.

De modo a que seja promovido o sucesso psicológico (que engloba o sucesso escolar), alguns requisitos são de cariz indispensável.

O principal de entre estes requisitos é, naturalmente, o factor maturidade, directamente ligado à idade cronológica. Neste sentido não parece lógico que uma criança seja confrontada com os programas de aprendizagem, bem como com as modalidades comportamentais esperadas, do primeiro ano de escolaridade, antes de efectivar os 6 anos de vida. Seguramente, esta realidade encontra-se saturada de directrizes operativas e funcionais, dirigidas aos conteúdos académicos e igualmente à evolução atitudinal e da personalidade.

Infelizmente e perigosamente, o que se verifica está mais consonante com opiniões infundamentadas ou com o cumprimento de aspirações de outrem, em nada ajustadas ao desenvolvimento infantil. E isto é válido, tanto para os legisladores como para os responsáveis directos do processo de vida da criança.

O fundamento científico e clínico parece estar, na escala de valorização, muito aquém das opiniões (frequentemente extrapoladas para certezas educativas), das crenças, do cumprimento de necessidades subjectivas dos adultos, bem como da habitual constatação de ser feito o que se considera (na base do senso comum) o mais vantajoso.

A tendência usual de transformar uma criança em aluno, aquando a sua entrada na escola é, por si só, significativamente preocupante. Acrescente-se a esta preocupação (séria!!!) o impacto desorganizador, quando tal acontece ainda mais precocemente.

De facto, continua-se a verificar que a primeira matrícula na escolaridade obrigatória é feita ainda aos 5 anos, muitas vezes passando a criança todo o primeiro período escolar com essa idade.

A decisão de matrícula antes dos 6 anos (facilitado pelo absurdo da lei), passa por critérios de avaliação centrados, quase exclusivamente, nos conhecimentos adquiridos, no grau de destreza cognitiva e intelectual, para além da obediência aos níveis de expectativa e aspiração dos adultos, bem como das necessidades institucionais. Contudo, raramente se examina o grau de maturidade da personalidade, a dinâmica afectiva e a conduta de adaptação, que dificilmente acompanha a maturação acelerada das funções.

Fala-se de maturidade escolar, não apenas no que diz respeito à capacidade de desempenho e de rentabilidade académica. Por maturidade escolar entende-se a capacidade de integrar, com uniformidade e harmonia, novos espaços relacionais, de crescimento e desenvolvimento, onde as aprendizagens específicas ocupam igualmente o seu território mas não esgotam o conceito de maturidade para a escola.

Os síndromes de desajustamento ou os de inadaptação, promotores de compromissos desenvolvimentais diversos têm, na sua origem, multifactores de entre os quais a entrada precoce na escola se pode encontrar.

Nos momentos de saturação, geralmente coincidentes com o pedido de ajuda externa à família e escola (consulta), é frequentemente observável a facilidade com que a atribuição de causas recai sobre contextos externos, sem que se assuma o confronto vivido com o não cumprimento de expectativas e/ou exigências. No efectivo, verificase uma difusão de responsabilidades, em que a criança se vê confrontada com mecanismos inoperantes (e reforçadores de desorganização), estando, naturalmente, desprovida de instrumentos mentais de resolução. Observa, com débito de sintomas, as ocorrências da sua vida, muitas vezes assumindo através da culpa, o sentimento de incapacidade de gratificação das figuras parentais, ou melhor, o que dele esperavam. Numa organização mental em formação, com uma capacidade de elaboração reduzida à sua condição de criança, esta vê-se numa rede de articulação de medidas que em nada colaborou.

A instalação de sentimentos de incapacidade, a pressão exercida pelos pares relacionais, as exigências e reforços de estimulação escolar, promovem o agravamento gradual de sensações de menos-valia.

Crescer na convicção da incerteza e da insegurança permite o recurso a medidas defensivas, altamente punidas e refreadas pelos sistemas sociais (com inclusão dos familiares), sem que se consiga pensar (preferencialmente antes!!!) quais as origens da necessidade deste recurso e que níveis de exigências e de responsabilidades (quase com obrigatoriedade) se atribui à população infantil!!!

 

(*) Centro de Saúde de Braga I.

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