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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231
Aná. Psicológica v.26 n.3 Lisboa jul. 2008
Métodos de observação e análise para identificação das estruturas afiliativas de grupos de crianças em meio pré-escolar (*)
António J. Santos (**)
Brian E. Vaughn (***)
F. Francis Strayer (****)
João R. Daniel (*****)
RESUMO
Os modelos etológicos em desenvolvimento social sublinham que os grupos naturais proporcionam uma variedade de contextos sociais que influenciam de forma diferencial o crescimento e desenvolvimento individual. Contudo, os estudos comportamentais de primatas humanos e não-humanos têm sobretudo incidido nas relações de agressividade e estruturas de dominância. A investigação da organização do comportamento afiliativo tem sido impedida devido à falta de modelos e métodos para o estudo das estruturas sociais coesivas. As análises de agrupamento e redes sociais dos padrões de associação entre pares fornecem uma base alternativa para investigar a organização social de grupos infantis estáveis e para avaliar como é que os tipos afiliativos no interior do grupo podem influenciar o desenvolvimento individual. Os resultados do presente estudo contribuem directamente para a operacionalização de tais modelos descritivos das estruturas coesivas dos grupos de pares. A discussão dos resultados centra-se na forma como a inserção da criança na estrutura afiliativa do grupo de pares constrange o seu comportamento social e proporciona experiências específicas que servem como contextos para a construção de relações interpessoais mais íntimas.
Palavras-chave: Estruturas afiliativas, análise de redes sociais, relações entre pares.
ABSTRACT
Ethological models of social development stress that natural groups provide a variety of social contexts that differentially shape individual growth and development. However, behavioral studies of human and non-human primates have most often been limited to aggressive relations and social dominance structures. Investigations of the organization of affiliative behavior have been hampered by a lack of models and methods for the study of cohesive social structures. Network analyses of patterns of peer association provide an alternative basis for investigating the social organization of stable play groups and for assessing how structured roles within the group may influence individual development. Findings of the present research contribute directly to the operationalization of such descriptive models for representing cohesive structures in children’s peer groups. Results are discussed in terms of how the child’s insertion in the peer group affilliative structure constrains his or her social behavior and provides specific experiences that serve as contexts for the construction of more intimate personal relationships.
Key words: Affiliative structures, social network analysis, peer relations.
IDENTIFICAÇÃO DAS ESTRUTURAS AFILIATIVAS DE GRUPOS DE CRIANÇA SEM MEIO PRÉ-ESCOLAR
A investigação em etologia social, ao debruçar-se sobre quais são os princípios fundamentais da organização social de um grupo animal ou humano, examina quer as actividades agressivas como as cooperativas, a partir de uma perspectiva dinâmica que sublinha os constrangimentos contextuais impostos pela estruturação das relações interpessoais no interior do grupo estável. Kummer (1968) e Crook (1970) foram dos primeiros etólogos a propor que as diferenças na adaptação individual são mediadas ou moduladas pela estrutura social do grupo estável. Ao distinguir a etologia social da etologia clássica, Crook (1970) sublinhou que a variação do comportamento individual devia ser compreendida em termos das relações diádicas e dos papéis sociais no interior do grupo estável. Segundo esta perspectiva, depender exclusivamente de medidas globais de actividade individual para indexar diferenças individuais em comportamentos ou competências sociais, negligencia a importância fundamental dos ajustamentos transitórios dos indivíduos enquanto se movem de um cenário interpessoal para outro. O comportamento social em grupos naturais não é distribuído aleatoriamente entre os parceiros disponíveis, pelo contrário, são dirigidas acções específicas para membros particulares do grupo, que respondem usualmente de maneira previsível. Nos grupos naturais a qualidade e quantidade da actividade social flutua de um contexto interpessoal para o outro, contudo, e para um dado par de indivíduos, o padrão de trocas diádicas permanece frequentemente estável durante períodos extensos de tempo.
Na primatologia, o reconhecimento de regularidades na actividade social espontânea dos membros de grupos estimulou o interesse teórico e empírico na análise de relações e papéis sociais no interior de unidades sociais estáveis (Chance, 1967; Chance & Jolly, 1970; Hinde, 1974, 1979; Soczka, 1974). Apesar da ênfase na dinâmica relacional do grupo, a maior parte dos primeiros estudos de comportamento social de primatas elegeu apenas o conflito como tópico central de investigação (Bernstein, 1970; Strayer, 1976). No entanto, as análises da agressão e conflito sociais nesta classe proporcionaram ilustrações empíricas de distinções conceptuais necessárias e fundamentais entre estilos de comportamentos individuais, qualidades de relações (diádicas, triádicas e poliádicas) e ainda papéis sociais, no interior de grupos estáveis (Bernstein, 1980, 1981; Strayer, 1980c; Strayer & Trudel, 1984). Até cerca da década de noventa do século passado, o estudo do conflito interpessoal e da dominância social jogou um papel igualmente central nos estudos etológicos do comportamento social de crianças em meio pré-escolar (ver Strayer, 1989). Embora tais estudos tenham fornecido informação irrefutável sobre a existência e desenvolvimento de propriedades estruturais nas actividades precoces agressiva e competitiva, apresentaram, contudo, não só menos consensos sobre a escolha e natureza última dos indicadores comportamentais da dominância social (Hawley & Little, 1999; Vaughn, 1999; Vaughn & Santos, 2007), mas sobretudo também consideravelmente menos insights acerca da génese e desenvolvimento da organização das relações afiliativas (Santos & Winegar, 1999; Vaughn & Santos, 2008).
Hinde e Stevenson-Hinde (1976), ao elaborarem um quadro metodológico multi-dimensional para o estudo das relações sociais, ajudaram a identificar algumas das limitações conceptuais que impediram um primeiro balanço da investigação sobre a organização social de grupo. Esta reflexão conceptual também estimulou o interesse renovado na natureza e organização das ditas actividades pró-sociais da criança (ver Strayer & Noël, 1986). Mais precisamente, um determinado número de investigadores explorou a relação entre as formas coesivas do comportamento social e a posição da criança na estrutura de dominância do grupo. Os primeiros resultados indicaram que a dominância social estava associada à recepção de atenção social e de comportamentos de imitação (Abramovitch, 1976; Hold, 1977), a papéis de liderança no grupo (Savin-Williams, 1976; Strayer, 1981), a padrões de escolhas afiliativas, amistosas e sociométricas entre pares (Strayer, 1980a, 1980b; Vaughn & Waters, 1980). Importa sublinhar, que Vaughn e Waters (1981) questionaram prontamente as assumpções etológicas sobre o papel da dominância, enquanto princípio organizador central para os grupos de pares pré-escolares, e defenderam a primazia da competência social individual, preconizando de algum modo o abandono subsequente nos estudos de psicologia social e de psicologia do desenvolvimento da concepção estrutural etológica da dominância social (ver Vaughn, 1999). Mais importante para o tema deste artigo, foi o facto do foco sobre a agressão e competição na investigação inicial da dominância social em etologia da criança ter impedido a consideração do papel das relações coesivas, primeiro, na regulação da adaptação ou actividade social das crianças e segundo, no desenvolvimento comportamental a longo termo.
Strayer (1980a, 1980b), persistindo na ênfase estrutural etológica e com base no trabalho seminal de Kummer (1968, 1971) e McGrew (1970, 1972), defendeu que a organização social de grupos pré-escolares devia ser operacionalizada em termos de duas classes funcionalmente distintas da actividade social entre pares. Neste sistema de classificação do comportamento social, as categorias básicas que promovem a coesão de grupo incluíam actividades afiliativas tais como orientação, aproximação, sinalização e contacto, e também actividades centradas em objectos tais como oferecer, dar, tirar e partilhar. Em contraste, as categorias básicas que promovem a dispersão de grupo e a disrupção da comunicação incluíam comportamentos agonísticos tais como ataque, ameaça, competição e submissão.
De forma algo surpreendente, as análises da distribuição diferencial da disrupção e coesão entre pares acima referidas e seus desenvolvimentos empíricos em estudos centrais posteriores (i.e. Strayer & Noël, 1986; Strayer, Tessier, & Gariépy, 1985; Strayer & Trudel, 1984), indicaram que as relações e hierarquias de dominância eram estruturalmente semelhantes através dos anos pré-escolares embora as relações afiliativas entre pares familiarizados se tornassem cada vez mais complexas entre os três e cinco anos de idade. Contudo, e como já Cairns (1983) tinha sublinhado em relação à investigação em psicologia do desenvolvimento, devido à lacuna de modelos adequados para investigar as estruturas coesivas do grupo de pares, as análises ao nível do comportamento afiliativo foram apenas limitadas à identificação de preferências individuais e estatutos sociométricos, e portanto, de cariz último apenas psicométrico. Embora, não tenham considerado mudanças desenvolvimentais em papéis sociais ou na natureza das estruturas afiliativas dos grupos de pares estáveis, é importante referir, que foi a partir deste conjunto principal de estudos, que se originou o cerne da hipótese geral sobre a existência de uma complexidade crescente nas estruturas afiliativas dos grupos de pares à medida que as crianças se aproximavam do fim do período pré-escolar.
A introdução de técnicas analíticas multivariadas para a derivação de redes sociais no estudo do desenvolvimento social e afiliativo dos grupos de pares de adolescentes (Cairns, Cairns, Neckermann, Gest, & Gariépy, 1988; Cairns, Perrins, & Cairns, 1985), permitiu finalmente o início do estudo da estruturação das relações coesivas de forma, senão equiparada, pelo menos muito aproximada do racional aplicado na representação das estruturas hierárquicas. Mais do que acentuar a frequência relativa ou absoluta de contactos sociais positivos, a referida técnica de análise de redes centrou-se na similitude do padrão de escolha de parceiros afiliativos no interior do grupo. A semelhança destes perfis de associação diádica no interior do grupo, efectuada com base na informação percepcionada pelos seus diferentes membros, permitiu a identificação de subgrupos coesivos, social clusters, que servem no fundo como grupos de referência primária para os seus membros, para além de referência social potencial para qualquer outro subgrupo ou indivíduo do grupo (ver Cairns, Gariépy, & Kinderman, 1989).
Com base no procedimento de nomeação de subgrupos acima indicado (Cairns et al., 1985), os métodos de análise de redes acima referidos foram adaptados e aplicados à identificação de estruturas afiliativas de crianças em meio escolar primário. A título histórico, tais estudos foram realizados pela primeira vez no Québec (Canadá) e Portugal (e.g., LaFerté & Legault, 1991; Veríssimo, 1992; Veríssimo & Santos, 1991). De um modo geral, estes resultados descritivos permitiram alargar as análises de redes de pré-adolescentes e adolescentes a crianças entre os sete e os dez anos de idade. Procedimentos de análise de redes baseados em observação directa do comportamento, e análogos aos propostos por Cairns et al. (1985), foram também desenvolvidos e aplicados com sucesso na investigação das relações afiliativas em meio pré-escolar (LaFerté, Leclerc, & Gariépy, 1989; Leclerc, 1991; Strayer, Leclerc, & LaFerté, 1988; Strayer & Santos, 1996).
No estudo de Strayer e Santos (1996), a consistência das estruturas afiliativas de quinze grupos de pares pré-escolares assim como as respectivas mudanças em função dos cinco níveis de idade das crianças, testemunharam a robustez dos procedimentos de análise de redes para avaliar a organização coesiva em grupos de pares. Embora esta técnica de análise ao estudo dos grupos de pares tenha sido originalmente introduzida para mapear consensos sobre a percepção social verbalizada pelas crianças sobre a sua entourage social (Cairns et al., 1985), os procedimentos agora propostos parecem funcionar igualmente bem com registos directos de ocorrências naturais de comportamentos afiliativos. O padrão consistente de associações diádicas afiliativas no interior de grupos de pares estáveis, demonstra clara evidência para a importância dos contextos colectivos de pares no desenvolvimento social da criança. Mais de 75% das crianças destes quinze grupos foram identificadas como membros de uma clique.
Contudo, ocasional e especialmente nos grupos mais novos, crianças identificadas como membros de subgrupos afiliativos não tinham preferência significativa para com nenhum membro do seu subgrupo. Este resultado indicava que similitudes na escolha de parceiros de jogo podia inicialmente ocorrer sem uma forte atracção interpessoal. Ou seja, duas crianças podem associar-se com os mesmos membros do grupo de pares, mas não se associarem frequentemente entre si. Em tais casos, que expressam preferências diádicas semelhantes sem selectividade entre si, a associação repetida futura pode proporcionar um contexto de socialização para a coordenação de actividades conjuntas e facilitar a emergência de novos laços afiliativos. Por outro lado, dado o alto grau de preferências afiliativas endo-clique entre crianças com cinco anos de idade, parece prevalecer um modo diferente de funcionamento social no fim do período pré-escolar. Entre estas crianças mais velhas, mais do que 80% das escolhas afiliativas significativas foram dirigidas aos seus co-membros de cliques; enquanto as restantes 20% incluíram segundas e terceiras escolhas dirigidas a pares do mesmo sexo noutro subgrupo afiliativo.
No geral, as preferências diádicas endo-clique foram sobretudo evidentes nos subgrupos afiliativos das crianças mais velhas e também mais consolidados. Estas tendências em função da idade sugerem que as semelhanças nas escolhas de parceiros de jogo estão associadas em termos de desenvolvimento com uma maior probabilidade de amizade mútua. Quer seja a emergência de amizades mais íntimas que promova a construção conjunta de um consenso local sobre o valor relativo de outros parceiros potenciais (Youniss, 1980), ou seja o interesse comum em membros específicos do grupo de pares que conduz ao crescimento de laços interpessoais mais íntimos (Hallinan, 1981), trata-se de uma questão central para as teorias contemporâneas sobre o desenvolvimento social da criança. No futuro, a investigação empírica deve traçar as mudanças desenvolvimentais nas preferências interpessoais e pertença a cliques para ajudar a distinguir a influência relativa destes dois aspectos da adaptação social da criança. Intuitivamente, esperamos que ambos os fenómenos possam ocorrer. Por vezes as crianças mudam de cenário social porque mudam de amigos, enquanto outros desenvolvem novas amizades porque são aceites por um subgrupo social particular.
Embora estes resultados apresentassem estruturas afiliativas relativamente complexas mesmo em grupos de crianças muito novas, o esforço subsequente para aumentar o alcance desses mesmos resultados descritivos levantou um certo número de questões técnicas sobre a medida e análise de estruturas de rede em grupos estáveis. As teorias da aprendizagem social e da ecologia social proclamavam que a pertença a subgrupos ou cliques afiliativas particulares molda ou constrange o comportamento social futuro do indivíduo (Cairns et al., 1985, 1988; Strayer, 1989; Strayer et al., 1988). Contudo, o uso exclusivo de comportamentos afiliativos como índice d e base para a identificação de redes sociais impunha limites lógicos na análise de como é que a inserção na estrutura afiliativa do grupo de pares influencia o padrão de comportamento social da criança. Por outras palavras, se as redes sociais são definidas em termos de actividade afiliativa observada torna-se circular perguntar como é que a posição da criança na rede influencia o seu comportamento afiliativo. A estrutura coesiva das relações entre pares era claramente uma componente importante na investigação sobre a socialização da criança, mas para evitar a circularidade no uso da informação descritiva e explanatória, era também importante desenvolver e testar índices de associação alternativos para representar as estruturas afiliativas.
Estas considerações chamaram portanto a atenção para a escolha de medidas apropriadas para a análise sócio-estrutural de redes afiliativas. Neste sentido Santos (1990, 1993), em vez de indexar a estrutura afiliativa em termos de actos sociais dirigidos, utilizou mapas de registo da ocorrência de subgrupos naturais a partir da proximidade social e espacial como dados primários de associação de grupos pré-escolares de crianças com cinco anos de idade. Os seus resultados estruturais eram consistentes com os obtidos através da observação de acções afiliativas dirigidas e também indicavam que a maior parte das crianças estavam integradas em cliques sociais no final do ano pré-escolar. De uma forma geral, esta linha de trabalho sugeria a generalização dos procedimentos de proximidade para a avaliação das estruturas afiliativas precoces.
Erguia-se entretanto um último obstáculo em torno da questão básica de as redes afiliativas obtidas não oferecerem mais do que um mero sumário das estruturas já impostas pelos procedimentos de recolha de dados. De facto, quer o procedimento de nomeação verbal de subgrupos (Cairns et al., 1985) como o de observação directa de subgrupos por proxémia (Santos, 1990, 1993) requerem a extracção de informação com base na percepção social de subgrupos. O primeiro método emprega as percepções e cognições sociais das crianças sobre os subgrupos afiliativos específicos do seu grupo de pares, enquanto o segundo reflecte a percepção da ocorrência espontânea de subgrupos por parte de observadores treinados. Em ambos os métodos, o algoritmo de preenchimento utilizado para transformar listas de subgrupos numa matriz de co-ocorrência diádica pode inflacionar artificialmente as medidas de similitude de perfis de associação. As múltiplas entradas na matriz de co-ocorrência podem também distorcer os índices de densidade de associação entre pares. Portanto, as unidades sociais – cliques, agregados e periféricos – que emergem nas análises sócio-estruturais podem apenas reflectir produtos acessórios estatísticos da agregação de dados gerados por informadores sociais seleccionados.
Na investigação etológica, as matrizes de co-ocorrência diádica são usualmente construídas a partir de medidas não-enviesadas de proporções ou probabilidades de interacção social (Lehner, 1979; Strayer et al., 1988). Utilizando amostragens repetidas, mas independentes, de proximidade espacial para cada membro do grupo de pares, Santos (1993) conseguiu identificar e descrever as mesmas unidades sociais e assim ultrapassar as potenciais limitações metodológicas da observação directa de subgrupos. As observações focais derivadas da técnica de observação e registo do vizinho-mais-próximo (que providencia medidas não relacionadas com o tamanho da entourage social imediata do sujeito) permitiram uma avaliação independente dos padrões individuais e colectivos de associação social (Santos, Vaughn, & Bonnet, 2000; Santos, Vaughn, & Bost, 2007). O uso de tais medidas não-enviesadas proporcionou a necessária evidência confirmatória da adequação da análise sócio-estrutural para o estudo da organização afiliativa dos grupos de crianças em infantário.
O presente artigo pretende em primeiro lugar realizar uma revisão dos principais aspectos metodológicos e descritivos da identificação de estruturas afiliativas a partir da observação de padrões de proximidade. Pretende-se também discernir não só as vantagens como as respectivas limitações deste tipo de índices de associação para o desenvolvimento da análise de redes afiliativas em geral. Para alcançar tais objectivos, são revisitados e discutidos os dois primeiros estudos empíricos e paradigmáticos da abordagem com base na proxémia, o primeiro baseado em observação de padrões de proximidade social e espacial para identificação de subgrupos, o segundo tendo por base a pura proximidade espacial através da técnica clássica do vizinho-mais-próximo.
A análise de redes da organização afiliativa em grupos estáveis providencia o necessário complemento à investigação descritiva do passado sobre a dominância social e as preferências afiliativas. Esta análise estrutural dos padrões de associação proporciona uma ferramenta empírica para identificar mudanças em função da idade na estrutura afiliativa dos grupos de pares da criança ao longo do período pré-escolar. A representação da organização afiliativa através da análise de redes oferece uma perspectiva alternativa para o estudo da actividade afiliativa entre crianças em meio pré-escolar. Mais do que acentuar noções intuitivas sobre preferências pessoais e características individuais, o estudo da organização afiliativa através da análise de redes tenta identificar sub-estruturas sociais específicas, que constituem os contextos interpessoais recorrentes em que os processos de referência e consenso social têm a possibilidade de impor constrangimentos específicos e diferenciais, sobre a acção dos seus membros. Compreenda-se que cada criança não é assim e de modo algum apenas um agente passivo nestes processos. Pelo contrário, co-constrói mútua e activamente o seu campo pessoal e interpessoal, quiçá mesmo os primórdios das várias facetas da sua identidade futura, através de um processo fundamental de partilha e pertença, em que o conceito de si mesmo (vulgo self), parafraseando Sarbin (2004), é sempre resultado, em última instância, de um processo de co-autoria, e logo de modo algum auto-dirigido ou estimado.
PRIMEIRO ESTUDO
MÉTODO
Participantes
A amostra consistiu em 64 (25 raparigas e 39 rapazes) crianças portuguesas com cinco anos de idade que frequentavam dois infantários da Santa Casa da Misericórdia de Cascais. A idade das crianças variava entre 54 a 65 meses (M=60 meses). As crianças eram oriundas de bairros de classe média e predominantemente caucasianas. A participação efectuou-se numa base voluntária e requereu a aceitação de directoras, educadoras, pais e crianças. As crianças pertenciam a três grupos diferentes: Grupo A (13 raparigas e 10 rapazes); Grupo B (5 raparigas e 16 rapazes) e Grupo C (7 raparigas e 13 rapazes). Todos os grupos foram observados durante a Primavera. Os Grupos A e C foram observados no mesmo infantário.
Procedimentos
Este estudo examinou padrões de proximidade e envolvimento colectivo como índices de associação das crianças sem utilizar uma taxonomia específica (Oliveira & Pires, 1989). A ocorrência natural de subgrupos foi definida em termos de proximidade íntima (ao alcance do braço estendido) e partilha de interesse em actividades comuns (e.g. manipulação de brinquedos ou materiais, jogo colectivo). A informação sobre os subgrupos sociais foi recolhida por dois observadores que realizaram observações directas nas salas e registaram manualmente a localização dos subgrupos identificados em mapas previamente preparados. Os mapas representavam a planta da sala de cada um dos grupos, incluindo a mobília e as zonas particulares de actividades das crianças (e.g. colchões e carpetes, cavaletes para pintura, mesas, casa das bonecas, mercearia). As observações foram conduzidas durante períodos de actividade livre. A observação sistemática foi iniciada depois de um período de treino que coincidiu com a familiarização das crianças com os observadores.
Foi utilizada uma técnica de amostragem instantânea por varrimento (scan sampling). Durante cada hora de observação, e a intervalos de um minuto, foram registados dois tipos de informação: a localização de cada criança no grupo e o sub-conjunto corrente de parceiros de brincadeira. As iniciais de cada criança foram registadas no local apropriado dos mapas espaciais e foram desenhados círculos para englobar os membros dos subgrupos observados. Ao completar os mapas espaciais foram feitos esforços para ter em conta a proximidade espacial e a actividade social em curso. Por exemplo, se num dado varrimento, a criança A, B, e C estivessem a jogar às cartas e outra criança D se aproximasse e interagisse com C, então (A, B, C) seriam incluídos num círculo e (C, D) noutro. A situação podia ainda ser mais complexa, se por exemplo, a criança (D) estivesse envolvida num jogo de construção de blocos com as crianças (E) e (F), enquanto interagia brevemente com (C). Neste caso, um terceiro círculo incluindo as crianças (D, E, F) seria também desenhado. Cada minuto de observação proporcionou um mapa. Cada sessão durava cinquenta minutos. Um número total de doze sessões de observação foram calendarizadas durante o período de três meses. Estes procedimentos forneceram seiscentos mapas espaciais para cada um dos três grupos.
RESULTADOS
Identificação das Redes Afiliativas
O tratamento estatístico dos dados foi iniciado pela construção de uma matriz de co-ocorrência diádica, a partir do registo dos diversos subgrupos existentes em cada minuto de observação. A apresentação de um exemplo hipotético, permite uma melhor compreensão da aplicação global desta técnica. Por exemplo, num determinado minuto do primeiro dia de observação, foram registados os subgrupos (A, B, C), (C, D), (D, E, F). A contabilização deste registo na matriz de co-ocorrência diádica decorre da seguinte forma: o subgrupo (A, B, C) produz uma observação para a díade (A e B), uma outra para a díade (B e C) e uma última para a díade (A e C); ao subgrupo (C, D), corresponde uma observação da díade (C, D); por sua vez o grupo (D, E, F) produz três observações diádicas, (D, E), (D, F) (F, D). Este processo foi repetido para todos os mapas de cada um dos três grupos observados de forma a obter três matrizes que englobam o total das observações.
As matrizes simétricas de co-ocorrência diádica foram posteriormente transformadas em matrizes de semelhança dos perfis de associação diádica, através do cálculo da correlação de Pearson. As matrizes de similitude foram subsequentemente analisadas segundo procedimentos de agrupamento hierárquico de ligação completa. A Figura 1, proporciona uma representação visual dos resultados. As crianças foram identificadas individualmente como membros de um subgrupo social quando os índices de similitude entre si excedem significativamente o acaso (p<.05). O ponto de corte dos dendrogramas para este nível de similitude separou as crianças não-agrupadas das incluídas nos subgrupos afiliativos.
De forma a verificar se as crianças incluídas num mesmo agrupamento também se associavam selectivamente com os co-membros da sua unidade social, foram realizadas análises de qui-quadrado para examinar a densidade relativa de associação entre os membros de subgrupos. Os testes foram efectuados de forma a determinar se a frequência de associação ultrapassava o valor esperado. O uso conjunto destes dois critérios estatísticos distinguiu três unidades sociais qualitativamente diferentes nas redes afiliativas dos grupos (ver Figura 1):
Dendrograma de um grupo de crianças (cinco anos)
-Cliques Sociais: subgrupos de crianças cujos perfis de associação eram semelhantes e cujo nível de associação mútua era significativamente superior ao esperado pelo acaso (Chi Square (1) > 10.51, p<.001);
-Agregados Sociais: subgrupos de crianças cujos membros possuíam perfis de associação semelhantes, mas não mostravam uma proporção significativa de associação mútua (Chi2 (1) < 10.51, p>.001);
-Periféricos: crianças cujos perfis de associação não eram significativamente semelhantes a nenhuma outra criança do grupo.
Estes diferentes tipos affiliativos são idênticos àqueles já identificados em investigação prévia das redes sociais de crianças em meio escolar primário (e.g., La Ferté & Legault, 1991; Veríssimo, 1992; Veríssimo & Santos, 1991).
Composição das Unidades Sociais
A vasta maioria das crianças (76%) estava integrada em cliques sociais. Os agregados sociais eram evidentes apenas num dos três grupos; e portanto este tipo de agrupamento social emergiu como um tipo relativamente raro (8% da amostra total). Finalmente, uma pequena percentagem de crianças (16%) foi identificada como periféricos. Não existiu evidência de diferenças de género em termos dos três tipos afiliativos (Chi2 (2) = 3.50, p>.17). A Tabela 1 apresenta um sumário da distribuição dos tipos afiliativos no interior dos três grupos de pares.
Composição dos Grupos por Tipo Afiliativo
Tipo Afiliativo | Grupo A | Grupo B | Grupo C | Total |
---|---|---|---|---|
Raparigas | N=13 | N=5 | N=7 | N=25 |
Membros de Cliques | 85% | 80% | 86% | 84% |
Membros de Agregados | 0% | 0% | 0% | 0% |
Periféricos | 15% | 20% | 14% | 16% |
Rapazes | N=10 | N=16 | N=13 | N=39 |
Membros de Cliques | 90% | 56% | 77% | 62% |
Membros de Agregados | 0% | 31% | 0% | 13% |
Periféricos | 10% | 13% | 23% | 15% |
Total | N=23 | N=21 | N=20 | N=64 |
Membros de Cliques | 87% | 62% | 80% | 76% |
Membros de Agregados | 0% | 24% | 0% | 8% |
Periféricos | 13% | 14% | 20% | 16% |
Os resultados da análise de redes para os três grupos comportou um total de 16 subgrupos (14 cliques e 2 agregados) e 10 periféricos para um total de 26 unidades sociais. A Tabela 2 resume a informação sobre a composição dos subgrupos para cada um dos grupos pré-escolares. Globalmente, as estruturas afiliativas dos três grupos eram similares quer em termos do número total de subgrupos como do número de periféricos. A tendência para a homogeneidade de género nas cliques sociais foi evidente nos três grupos. De facto, apenas duas das cliques sociais eram de composição mista em relação ao sexo, uma no Grupo A e a outra no Grupo C. As cliques sociais eram compostas por uma média de 3,5 sujeitos (desvio-padrão de 1,2). Um teste t de Student não revelou diferenças significativas no tamanho médio entre as cliques de raparigas e as de rapazes (t (10) = -0.04, 2-tails, p>.97). Os dois agregados sociais identificados no Grupo B eram compostos respectivamente por dois e três rapazes. Globalmente, a inspecção dos resultados indicou que o número de periféricos era proporcional ao número de subgrupos em ambos os sexos.
Composição dos Grupos por Unidades Sociais
Unidades Sociais | Grupo A (N=23) | Grupo B(N=21) | Grupo C(N=20) | Total |
Raparigas | ||||
Cliques | 3 | 1 | 1 | 5 |
Agregados | 0 | 0 | 0 | 0 |
Periféricos | 2 | 1 | 1 | 4 |
Rapazes | ||||
Cliques | 1 | 3 | 3 | 7 |
Agregados | 0 | 2 | 0 | 2 |
Periféricos | 1 | 2 | 3 | 6 |
Cliques Mistas | 1 | 0 | 1 | 2 |
Total de Unidades Sociais | 8 | 9 | 9 | 26 |
DISCUSSÃO
No geral, os resultados empíricos forneceram suporte consistente ao nosso objectivo principal. A análise revelou uma marcada semelhança nas estruturas afiliativas dos três grupos de pares com a larga maioria das crianças integradas em cliques sociais coesivas. Os resultados obtidos suportam a diversidade de tipos afiliativos assim como a consolidação progressiva dos laços afiliativos verificada nos resultados anteriores baseados na observação directa dos padrões de comportamento afiliativo de crianças do primeiro ao terceiro ano de idade (Leclerc, 1991). Os resultados alargam também os procedimentos multivariados baseados na percepção social de subgrupos para identificação de tipos afiliativos em grupos escolares (Laferté, 1992) à observação directa de subgrupos afiliativos em grupos pré-escolares. A análise de redes afiliativas a partir da proximidade espacial e interesse partilhado em actividades conjuntas pode ainda complementar os resultados obtidos a partir do procedimento de nomeação verbal de subgrupos com crianças mais velhas. É mais provável que as diferenças em função da idade das crianças na capacidade de representar com acuidade a estrutura coesiva do seu grupo, traduzam mudanças cognitivas do que mudanças na organização afiliativa de grupos de pares estáveis.
SEGUNDO ESTUDO
MÉTODO
Participantes
A amostra é constituída por um grupo de crianças americanas, predominantemente caucasianas, que frequentavam um infantário no Institute of Child Development em Minneapolis, Minnesota. As crianças foram observadas durante três sessões do ano escolar (Outono, Inverno e Primavera). No princípio do Outono, o grupo era composto por 22 crianças (8 raparigas e 14 rapazes; com idades variando entre 48 e 58.8 meses). Duas raparigas deixaram o grupo depois da sessão de Outono, uma voltou a entrar no início da sessão da Primavera. Vinte crianças participaram regularmente ao longo de todo o ano escolar. Mais de metade das crianças eram provenientes de famílias de trabalhadores com profissão liberal, enquanto o resto pertencia a famílias de vários estatutos socio-económicos.
Procedimentos
A proximidade espacial foi identificada utilizando a técnica do vizinho-mais-próximo (Lehner, 1979; Kummer, 1968). A amostragem focal s equencial das crianças foi conduzida na sala durante períodos de jogo livre nas três sessões do ano escolar. Cada criança foi observada durante trinta segundos e o nome do seu vizinho-mais-próximo foi registado. Foram realizadas no mínimo quarenta observações por criança durante a sessão de Outono e no mínimo cem durante as sessões de Inverno e Primavera. Os dois observadores responsáveis pela recolha de dados mantiveram uma percentagem de concordância acima dos 80%.
RESULTADOS
Identificação das Redes Afiliativas
O primeiro passo da análise de redes envolveu a tabulação das observações do vizinho-mais-próximo para cada criança. Foram designadas linhas da matriz diádica às crianças e as frequências observadas de proximidade espacial com cada um dos pares foram introduzidas em colunas. Esta operação foi realizada separadamente para cada sessão. Como resultado foram obtidas três matrizes diádicas assimétricas. Num segundo passo, cada matriz sofreu uma r otação pela diagonal e somada a si própria. Após esta transformação, foram obtidas três matrizes diádicas simétricas. As matrizes de co-ocorrência diádica foram utilizadas para examinar a similitude dos perfis de associação. Os coeficientes de correlação de Pearson proporcionaram medidas de similitude da associação independentes da frequência da mesma. Os coeficientes de similitude dos perfis de associação foram obtidos para cada sessão.
As matrizes de similitude foram analisadas com procedimentos de agrupamento hierárquico com ligação completa. O ponto de corte dos dendrogramas (p<.05) separou as crianças com perfil único para este nível de significância das incluídas em subgrupos sociais. As análise de qui-quadrado permitiram distinguir agregados sociais (Chi2 (1) < 10.51, p>.001) das cliques coesivas (Chi Square (1) > 10.51, p<.001) em termos da associação selectiva entre co-membros. A Figura 2 resume a identificação das redes afiliativas para cada uma das três sessões. Os tipos afiliativos evidentes em cada uma das três estruturas incluíram mais uma vez, membros de cliques, agregados e periféricos.
Estrutura afiliativa por sessão
Legenda: (C) Clique; (A) Agregado; (P) Periférico; (X) Ausente.
A Tabela 3 mostra a informação sobre a composição dos tipos afiliativos no grupo ao longo das três sessões. Estes resultados descritivos revelam informação estrutural consistente nos dois conjuntos de dados qualitativamente diferentes (proximidade social versus vizinho mais próximo) e de diferentes contextos sócio-culturais (Portugal versus EUA). A maioria das crianças esteve claramente integrada em cliques sociais na primeira sessão escolar (68%). Embora durante a sessão de Inverno apenas metade das crianças foi identificada como membros de cliques, na Primavera esta proporção aumentou para 76%. Não se verificaram diferenças de género em termos da adopção de tipos afiliativos particulares em nenhuma das três sessões (Chi2 (2) = 3.90, p>.14). As frequências relativas dos diferentes tipos afiliativos na sessão da Primavera são francamente semelhantes às obtidas nos três grupos portugueses.
Composição do Grupo por Tipo Afiliativo e Sessão
Tipo Afiliativo | Outono | Inverno | Primavera |
Total | N=22 | N=20 | N=21 |
Membros de Cliques | 68% | 50% | 76% |
Membros de Agregados | 18% | 35% | 10% |
Periféricos | 14% | 15% | 14% |
Rapazes | N=14 | N=14 | N=14 |
Membros de Cliques | 64% | 50% | 79% |
Membros de Agregados | 29% | 43% | 7% |
Periféricos | 7% | 7% | 14% |
Raparigas | N=8 | N=6 | N=7 |
Membros de Cliques | 75% | 50% | 72% |
Membros de Agregados | 0% | 17% | 14% |
Periféricos | 25% | 33% | 14% |
Composição das Unidades Sociais
Cliques, agregados e periféricos, caracterizaram a natureza e diversidade de contextos afiliativos ao longo do ano. A Tabela 4 resume a informação sobre a composição de unidades sociais para cada uma das três sessões. Globalmente, as três estruturas são bastante semelhantes. O número de periféricos manteve-se relativamente constante indicando que a ligeira redução no número total de unidades sociais se deveu ao aumento do tamanho dos subgrupos. Este aumento foi acompanhado da redução do número de agregados sociais; as crianças nestes subgrupos tendiam a tornar-se membros de cliques na sessão da Primavera.
Composição do Grupo por Unidades Sociais e Sessão
Unidades Sociais | Outono (N=22) | Inverno (N=20) | Primavera (N=21) | Total |
Raparigas | ||||
Cliques | 2 | 1 | 1 | 4 |
Agregados | 0 | 0 | 0 | 0 |
Social Outliers | 2 | 2 | 1 | 5 |
Rapazes | ||||
Cliques | 3 | 3 | 4 | 10 |
Agregados | 2 | 2 | 0 | 4 |
Social Outliers | 1 | 1 | 2 | 4 |
Cliques Mistas | 1 | 1 | ||
Agregados Mistos | 1 | 1 | 2 | |
Total | 11 | 10 | 9 | 30 |
Verificou-se uma forte tendência para a homogeneidade de género no interior das cliques sociais em cada sessão. Uma única clique mista, composta de duas crianças, foi identificada no Outono. Ainda nesta sessão foi identificado um agregado misto, composto por duas crianças. Finalmente, um segundo agregado misto também composto por duas crianças, foi identificado durante a sessão de Inverno. As cliques sociais eram compostas por uma média de 2.7 crianças (DP=0.88). Um teste t de Student não revelou diferenças significativas de tamanho médio entre as cliques de raparigas e as de rapazes (t (12) = -1.258, bi-caudal, p>.23). Testes semelhantes não revelaram diferenças significativas no tamanho das cliques entre as sessões (Outono: M=2.5, DP=.55; Inverno: M=2.5, DP=.58; Primavera: M=3.2, DP=1.30).
DISCUSSÃO
Os resultados descritivos deste estudo alargam os procedimentos multivariados de análise de redes à observação não-enviesada de pura proximidade espacial, e providenciam uma técnica inovadora e complementar para a investigação em etologia social. Quer para comparações intra como inter-espécies, a aplicação de procedimentos de agrupamento multivariados pode ser realizada com uma diversidade de grupos e populações sociais estáveis. Em estudos desenvolvimentais e comparativos, a identificação de redes coesivas com base na identificação do vizinho-mais-próximo oferece uma técnica adequada para observação a distâncias relativamente grandes, em contextos mais ou menos diversos e entre diferentes classes de idade e sexo.
DISCUSSÃO GERAL
A aplicação de procedimentos de análise de redes no estudo da actividade afiliativa, fornece o complemento necessário aos estudos etológicos tradicionais do conflito e dominância social entre pares. Ainda que há quase duas décadas, vários autores tenham repetidamente sublinhado que as actividades pro-sociais ocupam a vasta maioria das trocas sociais em grupos de pares pré-escolares, muita pouca atenção tem sido dada para traçar as mudanças desenvolvimentais na estruturação das relações sociais coesivas. A similitude de associações diádicas oferece uma representação da organização afiliativa que difere radicalmente dos procedimentos mais clássicos que constroem sociogramas a partir das preferências diádicas individuais. No geral, a organização das relações afiliativas no interior do grupo de pares deve ser vista como uma instância de co-adaptação dinâmica. As trocas sociais endo-clique podem promover interesses comuns e sentimentos de solidariedade crescente entre pares particulares. Por outro lado, a interacção social entre co-membros de cliques pode também influenciar sentimentos de oposição interpessoal. A competição individual pela liderança ou papéis de controlo pode fazer decrescer os interesses comuns e em última instância levar ao colapso da unidade social. Em ambos os casos, a experiência partilhada no subgrupo social pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias mais complexas de participação social.
A análise de similitude da associação diádica fornece um modelo gráfico do sistema de grupo de pares como uma estrutura colectiva compartimentalizada numa série de unidades sociais discretas. É claro que, a descrição da natureza das dinâmicas sociais intra e inter-subgrupos sociais distintos representa um dos maiores desafios em estudos futuros sobre como é que a ecologia social de grupo constrange diferencialmente a adaptação e o desenvolvimento individuais. O uso complementar de procedimentos psicométricos e estruturais em sociometria, para além da validação recíproca, permitirá contextualizar muita da informação dinâmica subjacente aos modelos contemporâneos de aceitação e rejeição entre pares, assim como interpretações correntes sobre a natureza e função do estatuto sociométrico no interior do grupo de pares.
Questões futuras sobre como é que as escolhas afiliativas – avaliadas quer em termos de observação de comportamento como de entrevista sociométrica – se relacionam com o estatuto sociométrico e a inserção da criança na rede afiliativa do grupo, possibilitarão uma interface importante entre duas metodologias de investigação, até agora sobretudo independentes, do estudo contemporâneo das relações entre pares. De um modo geral, estudos mais sistemáticos da aceitação-rejeição da criança no grupo de pares e respectiva relação com potenciais mudanças s ituacionais de pertença a subgrupos afiliativos, prometem novos insights em relação processos de grupo dinâmicas do desenvolvimento comportamental precoce.
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(*) Agradecimentos: Os autores gostariam de agradecer a todas as mães, pais e crianças que aceitaram participar neste estudo. Os autores gostariam ainda de agradecer a todos os colegas da Linha 1, Psicologia do Desenvolvimento, da UIPCDE pelos seus comentários valiosos.
Contactos: asantos@ispa.pt, UIPCDE, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal.
(**) UIPCDE, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa, Portugal.
(***) Department of Family and Child Studies, Auburn University, USA.
(****) Département de Psychologie, Université Victor Segalen Bordeaux 2, France.
(*****) Bolseiro FCT (FCT-SFRH/BD/27489/2006), UIPCDE, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa, Portugal.