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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231
Aná. Psicológica v.27 n.1 Lisboa mar. 2009
Satisfação sexual feminina: Relação com funcionamento sexual e comportamentos sexuais
Pedro Pechorro (*)
António Diniz (**)
Rui Vieira (*)
RESUMO
O objectivo da presente investigação foi o estudo em mulheres da relação entre satisfação sexual e funcionamento sexual, e entre satisfação sexual e comportamentos sexuais. Recorreu-se ao Índice de Satisfação Sexual (ISS; Hudson, Harrison, & Crosscup, 1981) e ao Índice de Funcionamento Sexual Feminino (FSFI; Rosen et al., 2000). Utilizou-se uma amostra de conveniência recrutada da população feminina geral com N=152 (leque etário=26-70 anos; M=41 anos). Os resultados obtidos não demonstraram qualquer relação significativa entre a satisfação sexual e as fases do ciclo de resposta sexual, mas demonstraram uma relação significativa entre a satisfação sexual e o comportamento sexual carícias e preliminares.
Palavras chave: Comportamentos sexuais, Funcionamento sexual, Satisfação sexual, Sexualidade feminina.
ABSTRACT
The goal of the present study was to understand the relation between sexual satisfaction and sexual function in women, and also the relation between sexual satisfaction and sexual behaviors in women. The Index of Sexual Satisfaction (ISS: Hudson, Harrison, & Crosscup, 1981) and the Female Sexual Function Index (TSFI: Rosen et al., 2000) were used as measures. A convenience sample was recruited from the general population (N=152; age range=26-70; mean age=41). The results showed no significant relation between sexual satisfaction and sexual satisfaction and the sexual behavior of caresses and foreplay.
Key words: Female Sexuality, Sexual behaviors, Sexual function, Sexual satisfaction.
A satisfação sexual é um dos factores psicológicos mais avaliados na área das disfunções sexuais (Cardoso, 2003; Davis & Petretic-Jackson, 2000; Pechorro, 2006). Todavia, da revisão da literatura relacionada com o tema conclui-se que existe uma falta de consenso quanto à definição e à operacionalização do conceito, que se revela nas diferentes conceptualizações teóricas de satisfação sexual e nas diferentes metodologias de avaliação. DeLamater (1991) propõe a definição de satisfação sexual como o grau no qual a actividade sexual de uma pessoa corresponde aos seus ideais. Já Davidson, Darling, e Norton (1995) consideram que o sentimento de satisfação com a vida sexual está intrinsecamente relacionado com as experiências sexuais passadas do indivíduo, expectativas actuais, e aspirações futuras.
Pinney, Gerrard, e Denney (citados por DeLamater, 1991) identificaram duas dimensões: satisfação sexual geral (relativa à satisfação da mulher com os tipos e frequência dos seus comportamentos sexuais), e satisfação com o seu companheiro. A satisfação teria, então, uma componente pessoal e uma componente interpessoal. Em qualquer dos casos dependeria dos desejos da pessoa por determinados tipos e frequências de actividades sexuais, e tipos e comportamentos de companheiros. Numa dada relação, o casal desenvolve um dado guião sexual, definido como uma sequência de comportamentos específicos que usualmente levam ao coito. Uma vez criado, o guião tende a ser seguido cada vez que o casal tem actividade sexual. Para estes casais, a satisfação depende de o guião permitir a quantidade desejada de prazer sexual. O desejo de dada pessoa se envolver certos tipos de comportamentos e experienciar certos tipos de prazer depende da sua experiência sexual passada, que permite a comparação a um padrão.
Em geral, a satisfação sexual tem sido positivamente relacionada com a satisfação conjugal. Os homens e as mulheres que relatam estar satisfeitos com os seus relacionamentos conjugais também relatam estar satisfeitos com os seus relacionamentos sexuais (Reiss & Lee, citados por DeLamater, 1991). Todavia, foram encontradas diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito às causas imediatas da insatisfação sexual (Hatfield et al., citados por DeLamater, 1991) que aparentemente tendem a esbater-se com a idade: para as mulheres, a qualidade emocional das interacções sexuais parece ser a influência mais importante nas suas avaliações do relacionamento sexual, indicando que as mulheres que estão insatisfeitas querem mais amor, afeição e carinho; para os homens, a quantidade da actividade sexual é mais importante, dado que os homens que se declaram insatisfeitos querem mais frequência e variedade de actividades sexuais.
Seguindo a linha de que a satisfação sexual nas mulheres implica mais do que frequência de actividade sexual ou de orgasmos, Jayne (citada por Davis & Petretic-Jackson, 2000) procurou explicar porque é que as mulheres têm mais frequência de coito do que de masturbação. Esta autora atribui tal à componente intima do coito, apesar do facto de o orgasmo ter menos probabilidade de ocorrer durante o coito e de que os orgasmos coitais são tipicamente menos intensos do que os conseguidos através de masturbação. Jayne (citada por Davis & Petretic-Jackson, 2000) conclui que as taxas de satisfação com a actividade sexual não são dependentes da quantidade ou da intensidade do prazer derivado dos orgasmos. Em vez disso, parece que muitas mulheres relatam ter maior satisfação sexual através da intimidade com os companheiros (i.e., os aspectos emocionais e interpessoais da actividade sexual), mesmo que tal não inclua o prazer orgástico.
A insatisfação sexual pode resultar de disfunções sexuais na própria pessoa ou no companheiro, ou pode existir independentemente de disfunções. É possível e até relativamente frequente encontrar mulheres que querem ter actividade sexual, ficam excitadas, têm orgasmo, e mesmo assim se sentem insatisfeitas (Jehu, citada por Davis & Petretic-Jackson, 2000). Foi precisamente nessa linha que a CID-10 (1992) introduziu o diagnóstico de falta de prazer sexual, que possibilita a categorização dos casos clínicos em que homens e mulheres, apesar de passarem sequencialmente pelas várias fases do ciclo de resposta sexual, referem uma ausência de prazer subjectiva.
Na Conferência para o Desenvolvimento de Consenso Internacional sobre Disfunção Sexual Feminina (Basson et al., 2001) foi proposta a criação da categoria diagnóstica perturbação da satisfação sexual, que seria aplicada às mulheres incapazes de atingir uma satisfação sexual subjectiva apesar de terem desejo, excitação, e orgasmo adequados. Devido à dificuldade em incorporar tal eventual perturbação na moldura nosológica existente, em definir critérios diagnósticos claros, e à ausência de evidências epidemiológicas e clínicas consistentes, acabou por não haver acordo quanto à criação da categoria diagnostica de perturbação da satisfação sexual.
Vejamos alguns estudos que avaliam a prevalência de insatisfação sexual e que tentam esclarecer a relação entre a satisfação sexual e as disfunções sexuais. Heiman, Gladue, Roberts, e LoPiccolo (1986) compararam casais aceites para terapia sexual com casais da população normal dos 16 aos 69 anos, evidenciando que os problemas sexuais e a insatisfação sexual podem ser vistos como distintos e independentes, dado que inúmeras pessoas da população normal que se afirmaram sexualmente satisfeitas foram na verdade diagnosticadas como tendo uma disfunção sexual.
Nettelbladt e Uddenberg (citados por Dunn, Croft, & Hackett, 2000), numa amostra aleatória de homens suecos casados, e Shahar et al. (citados por Dunn et al., 2000), numa amostra de utentes de uma consulta de clínica familiar, não conseguiram demonstrar uma associação geral entre problemas sexuais e insatisfação sexual, concluindo que a satisfação sexual do casal estava relacionada com a sua relação emocional e não com a sua função sexual.
Snyder e Berg (1983) chegaram à mesma conclusão através de uma amostra clínica de casais com queixa de disfunção sexual, tendo estes autores demonstrado que, apesar das disfunções serem frequentes tanto em homens como em mulheres, nenhuma das disfunções sexuais das mulheres e apenas a incapacidade ejaculatória dos homens durante o coito se relacionava com a sua insatisfação sexual. A insatisfação correlacionava-se sim de forma forte em ambos os sexos com a falta de receptividade do companheiro à actividade sexual, e com a baixa frequência de coito.
Na direcção oposta, Frank, Anderson, e Rubinstein (1978), a partir de uma amostra não representativa de 100 casais americanos, analisaram a relação entre a satisfação sexual e a existência de problemas sexuais. No caso das mulheres pode-se concluir que quanto mais disfunções e dificuldades afirmavam ter e acreditavam que os maridos tivessem, mais sexualmente insatisfeitas estavam; no caso dos homens essa tendência não atingiu resultados estatisticamente significativos.
Kilmann et al. (citados por DeLamater, 1991) encontraram uma associação entre a insatisfação sexual e um aumento da incidência das disfunções sexuais, evidenciando que os casais com disfunção sexual tinham mais probabilidade de relatar insatisfação relativamente à sua interacção sexual que os casais normais. Também Laumann, Paik, e Rosen (1999), num trabalho sobre a prevalência e os preditores de disfunção sexual nos Estados Unidos, demonstraram uma forte associação entre disfunção sexual e a insatisfação emocional e física, demonstrando que o desejo sexual hipoactivo, a perturbação da excitação nas mulheres, e a disfunção eréctil eram os quadros clínicos mais fortemente relacionados com a insatisfação.
Hawton, Gath, e Day (1994), numa amostra aleatória retirada da população geral constituída por 436 mulheres dos 35 aos 59 anos, analisaram diversas variáveis de funcionamento sexual, entre as quais a satisfação sexual. Os dados obtidos demonstraram que 61% das mulheres estavam inteiramente satisfeitas, 19% estavam moderadamente satisfeitas, 14% expressaram alguma insatisfação, e 6% disseram estar acentuadamente insatisfeitas. Foi encontrada uma forte correlação entre o bem-estar marital e a satisfação sexual.
Dunn, Croft, e Hackett (2000), utilizando uma amostra aleatória de 1768 homens e mulheres ingleses dos 18 aos 75 anos dos quais 782 eram mulheres, demonstraram que 21% das mulheres (e 30% dos homens) afirmaram estar insatisfeitos com a sua vida sexual. Foi encontrada uma forte correlação entre a satisfação e a maior frequência de sexo, tendo sido também demonstrado que a insatisfação sexual tendia a ser mais alta quando os sujeitos consideravam ter eles próprios problemas sexuais e a ser ainda mais alta quando pensavam que o companheiro tinha um problema sexual.
Deeks e McCabe (2001), utilizando uma amostra de 304 mulheres entre os 35 e os 65 anos retirada da população geral, investigaram os efeitos da idade, da menopausa, e do funcionamento sexual do companheiro no funcionamento sexual dessas mulheres. Os resultados demonstraram que a satisfação sexual era melhor prevista pela idade e pela menopausa. As mulheres mais novas tinham maior probabilidade de estarem satisfeitas com o seu relacionamento sexual e tinham também uma maior frequência de coito. As mulheres menopáusicas tinham mais probabilidade de sofrerem de um problema sexual. A idade também era melhor preditora de o companheiro sofrer de uma disfunção sexual, que por sua vez teria efeito no funcionamento sexual da mulher menopáusica.
Hisasue et al. (2005), numa investigação efectuado com uma amostra de 5042 mulheres japonesas dos 17 aos 88 anos avaliadas através de um questionário postal construído pelos autores, não encontraram qualquer correlação entre a satisfação sexual e a idade, mas encontraram correlações estatísticas significativas entre a satisfação sexual e preliminares, orgasmo, e frequência de actividade sexual. Estes autores evidenciaram que, paradoxalmente, a capacidade eréctil do companheiro não contribuía para a satisfação sexual da mulher, apesar de contribuir para a frequência sexual, e salientaram a importância dos preliminares para essa satisfação sexual. Os resultados obtidos vão na linha dos estudos de Hulbert et al. (citados por Hisasue et al., 2005), que demonstraram que 58% das mulheres consideravam os preliminares como a componente mais satisfatória do sexo com o companheiro, e apenas 11% consideravam o coito como a componente mais satisfatória.
Haavio-Manilla e Kontula (1997) procuraram preditores da satisfação sexual numa amostra de 1718 mulheres e homens finlandeses dos 18 aos 74 anos. Os resultados demonstraram que nas mulheres a satisfação sexual se correlacionava directamente com a idade jovem e com o início precoce da vida sexual; indirectamente a satisfação sexual correlacionava-se com uma educação liberal e não religiosa, escolaridade de nível superior, assertividade sexual, sentimentos recíprocos de amor, atribuição de importância à sexualidade, utilização de materiais sexuais, coito frequente, técnicas sexuais versáteis, e obtenção frequente de orgasmo. Os autores provaram ainda que a satisfação sexual global estava relacionada, em níveis idênticos, quer com a satisfação sexual física quer com a emocional. Este estudo finlandês demonstrou que a satisfação sexual aumentou grandemente nos últimos vinte anos, principalmente entre as mulheres, apesar destas ainda revelarem maior insatisfação sexual que os homens, argumentando os autores que tal se deve ao começo tardio da vida sexual, a atitudes sexuais conservadoras, à atribuição de menor importância à esfera sexual, à falta de assertividade sexual e ao facto de não utilizarem técnicas sexuais dotadas de maior plasticidade, aspectos que no seu conjunto as tornam mais inibidas sexualmente que os homens.
Podemos concluir que os resultados dos diversos estudos efectuados variam dependendo da amostra estudada, do tipo de design do estudo, e da definição operacional de satisfação utilizada (Davis & Petretic-Jackson, 2000; Hayes & Dennerstein, 2005). O presente estudo pretende contribuir para elucidar as seguintes questões de investigação: Será que a satisfação sexual está relacionada com o funcionamento sexual? Será que a satisfação sexual está relacionada com certos comportamentos sexuais?
MÉTODO
Participantes
A amostra ficou com um total de 152 mulheres (n=152; leque etário=26-70 anos; M=41 anos; desvio-padrão=12 anos). Todas as mulheres eram caucasianas e residiam em meio urbano (distrito de Lisboa), tendo sido seleccionadas através de um processo de amostragem intencional por conveniência.
Procedeu-se à análise descritiva de algumas variáveis descritas como influenciando a sexualidade feminina (e.g., Laumann, Paik, & Rosen, 1999), nomeadamente Posição Social, Religiosidade, Toma de anti-depressivos e presença de Menopausa.
Relativamente à posição social (De Castro & Lima, citados por Diniz, 2001) 63.8% das mulheres ficaram colocadas na Posição Social II (classe média mais instruída), seguidas de 20.4% colocadas na Posição Social III (classe média menos instruída), de 11.9% colocadas na Posição Social IV (estrato operário e rural), e de 3.9% colocadas na Posição Social I (classe superior).
Quanto à religiosidade, analisando a amostra total, obtivemos uma maioria de 55.3% das mulheres a considerarem-se religiosas não-praticantes, 27.6% religiosas praticantes, e 17.1% das mulheres declararam não ser religiosas.
No que diz respeito à toma de anti-depressivos obtivemos 12.5% das mulheres a tomar anti-depressivos, e quanto à presença de Menopausa obtivemos 28% de mulheres em estado de menopausa ou peri-menopausa.
Instrumentos
O Index of Sexual Satisfaction (ISS; Hudson, 1998; Pechorro, Diniz, Vieira & Almeida, in press) é uma escala unidimensional destinada a avaliar a satisfação sexual no contexto do relacionamento de casal. Devido às suas boas propriedades psicométricas e à longa tradição da sua utilização no campo da sexualidade humana foi o instrumento eleito para se proceder à medição do construto da satisfação sexual.
O Índice de Funcionamento Sexual Feminino (FSFI; Pechorro, Diniz, Vieira, & Almeida, in press; Rosen et al., 2000), tornou-se o instrumento de eleição na avaliação de disfunções sexuais femininas devido às suas consensualmente boas propriedades psicométricas e à actualidade dos seus critérios diagnósticos (Meston & Derogatis, 2002). Foi por isso o instrumento escolhido para medir o construto do funcionamento sexual.
Adicionalmente foi construído um Questionário Demográfico, para descrever as características sócio-demográficas da amostra. Foi também construído um questionário de Comportamentos Sexuais em que se questionava se a participante era sexualmente activa, quais os comportamentos sexuais praticados e a frequência com que esses comportamentos eram praticados (escala Likert de 7 pontos), e o seu estado relativamente à menopausa.
Procedimentos
As participantes foram recrutadas em instituições de ensino superior (alunas do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Universidade Internacional da Terceira Idade, e Universidade de Lisboa para a Terceira Idade) e em hospitais (funcionárias do Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente).
No processo de recolha da amostra sempre que possível utilizou-se preferencialmente o método de aplicação em grupo com recurso a urna para manter a confidencialidade. Adicionalmente foram utilizadas Informantes Privilegiadas, principalmente psicólogas às quais foram previamente explicados os procedimentos de aplicação, que aplicaram os questionários com recurso à metodologia preferencial acima referida. Relativamente à amostra clínica, devido a esta ter sido recolhida em contexto clínico teve de se seguir uma metodologia de recolha individual feita durante a triagem para a consulta.
Após a recolha procedeu-se à selecção dos questionários que cumpriam critérios mais específicos, nomeadamente ser maior de idade, ser sexualmente activa, ser casada ou viver em união de facto e ser caucasiana. Todos os questionários com respostas omissas foram excluídos. Seguidamente os questionários foram cotados segundo os procedimentos recomendados pelos autores das escalas e os dados inseridos no programa informático SPSS.
Para o teste dos modelos estruturais utilizou-se o programa informático LISREL8-SIMPLIS (Jöreskog & Sörbom, 1993a,b, 1996) e alguma literatura disponível na área (Floyd & Widaman, 1995; Grapentine, 2000; Kline, 2000). Os testes de identidade dos modelos que representam a estrutura factorial unidimensional do ISS e pentadimensional hierárquica do FSFI, foram realizados seguindo uma lógica de “geração de modelos” (Jöreskog & Sörbom, 1993b). Calculou-se, no PRELIS2 (Jöreskog & Sörbom, 1993a), a matriz de covariância assimptótica das correlações policóricas dos dados obtidos, a qual foi lida e trabalhada pelo LISREL8-SIMPLIS (Jöreskog & Sörbom, 1993b). Utilizou-se o método de estimação por máxima verosimilhança (ML), mas com recurso ao Qui-quadrado de Satorra-Bentler (χ2Satorra-Bentler; Satorra & Bentler, 1994). Este método é adequado para trabalhar dados com problemas de (multi)normalidade em amostras de média e grande dimensão (Ullman, 2000). Considerou-se a significância da estatística χ2Satorra-Bentler e os resultados obtidos nos seguintes índices de ajustamento: CFI (Comparative Fit Index), RMSEA (Root Mean Square Error of Aproximation) e ECVI (Expected Cross-validation Index) (vd. Diniz & Almeida, 2005). Também se recorreu ao Critical N. Os resultados neles obtidos foram tidos interactivamente e em conformidade com os critérios que a seguir se apresentam.
A significância do χ2Satorra-Bentler foi analisada considerando a divisão do seu valor pelos graus de liberdade (qui-quadrado relativo), por forma a torná-la menos dependente da dimensão amostral. O valor obtido para este ratio deve ser menor do que 2.00 (vd. Ullman, 2000). No CFI valores superiores a .90 indicam um ajustamento aceitável e valores superiores a .95 um bom ajustamento. No RMSEA o valor deve ser igual ou menor do que .05 – Hu e Bentler (1999) sugerem um valor igual ou menor do que .06 – para indicar um bom ajustamento do modelo ou deve ser igual ou menor do que .08 para indicar que o modelo está razoavelmente ajustado; o valor p (RMSEA<.05) deve ser maior que .50. O valor do ECVI deve ser inferior ao do ECVI para o modelo saturado, mas se o valor do limite superior do seu intervalo de confiança (IC) de 90% for superior ao ECVI do modelo saturado e se o limite inferior desse IC lhe for inferior, isso indica uma razoável aproximação do modelo numa outra amostra da mesmo dimensão; se o limite superior do IC de 90% for inferior ao ECVI do modelo saturado, isso indica uma boa aproximação nessa amostra. Quanto ao Critical N, ele deve ser maior do que 200 para que a dimensão da amostra possa ser considerada suficiente para aceitar o valor do χ2, presumindo que o modelo está bem especificado.
As re-especificações feitas nos modelos, nomeadamente a estimação de correlações do erro de mensuração entre itens, partiram da inspecção da matriz de resíduos estandardizados e dos resultados obtidos nos índices de modificação (MI) fornecidos pelo LISREL8-SIMPLIS. Isto foi feito sabendo que a geração de modelos pode envolver enviesamento confirmatório, uma vez que se admite a modificação empiricamente derivada do modelo, suscitando, assim, a possibilidade de o melhorar com base simplesmente no acaso (MacCallum, Rosnowski, & Necowitz, 1992). Então, procurou-se que as reespecificações fossem substantivamente interpretáveis. Também atendemos à relação entre os resultados obtidos para a quantidade de variância dos itens que se encontrava associada à variância do respectivo factor (coeficiente de determinação; R2) e a quantidade de variância dos itens devida ao erro (termo de erro): o R2, desejavelmente, deveria ser superior a .50. Assim, se o R2 obtido para um dado item fosse bastante baixo (R2<.15) ele seria eliminado por ser pouco preciso.
Por último, para estabelecer a unidade de mensuração dos factores de primeira ordem no modelo pentadimensional hierárquico do FSFI, igualizámos a um (1.00) a carga factorial (coeficiente de regressão não-estandardizado, λ) num dos seus itens; a chamada “variável de referência” do factor (Jöreskog & Sörbom, 1993b). A escala de primeira ordem ficou, assim, a ser a mesma da dos itens (estes, em razão das correlações policóricas, passaram a possuir uma escala estandardizada: M=0.0, DP=1.00). Note-se que o programa igualiza, por defeito, a variância do factor de segunda ordem a um (1.00). Acresce que neste modelo o programa também adicionou um valor constante (.10) à diagonal da matriz de covariância em análise, dado esta não ser positivamente definida em razão de problemas de quase-colinearidade entre factores (Jöreskog & Sörbom, 1996).
RESULTADOS
Relativamente à relação existente entre as dimensões do FSFI e a satisfação sexual (ISS) a única relação de predição estatisticamente significativa que se encontrou foi entre a dimensão Satisfação do FSFI e o ISS [β=.75(.13); t(151)=-5.85, p<.001] (vd. Figura 1). A Satisfação foi a principal responsável pela elevada quantidade de variância extraída do ISS pelos factores do FSFI (R2=.69). As correlações dos erros de mensuração entre itens justificam-se pela proximidade do seu conteúdo semântico-lexical.
FIGURA 1
Modelo estrutural completo da relação entre FSFI e ISS
Legenda: Ratio χ2Satorra-Bentler/gl=1.50; CFI=1.00; RMSEA=.058, intervalo de confiança de 90%=.050; .065, p(RMSEA<.05)=.045; ECVI=8.08, intervalo de confiança de 90%=7.54; 8.68, ECVI modelo saturado=10.33; Linha a tracejado indica relação estatisticamente não significativa.
Relativamente à relação existente entre comportamentos sexuais e satisfação sexual, foi analisada a relação dos comportamentos sexuais Carícias e preliminares, Sexo oral e Sexo vaginal (que demonstraram ser os que possuíram maior variabilidade de frequência) com a satisfação sexual (ISS). Encontrou-se uma relação estatisticamente significativa apenas entre o comportamento sexual Carícias e preliminares e a satisfação sexual [β=-.33(.16); t(151)=-2.11, p<.01] (vd. Figura 2). O comportamento sexual Carícias e preliminares foi o principal responsável pela elevada quantidade de variância extraída do ISS pelos comportamentos em análise (R2=.71). As correlações dos erros de mensuração entre itens justificam-se pela proximidade do seu conteúdo semântico-lexical.
FIGURA 2
Modelo estrutural completo da relação entre comportamentos sexuais e ISS
Legenda: Ratio χ2Satorra-Bentler/gl=1.35; CFI=.93; RMSEA=.050, intervalo de confiança de 90%=.034; .064, p(RMSEA<.05)=.49; ECVI=2.91, intervalo de confiança de 90%=2.61; 3.26, ECVI modelo saturado=3.94; Linha a tracejado indica relação estatisticamente não significativa.
DISCUSSÃO
O facto de na nossa amostra não se ter encontrado qualquer relação entre a generalidade das dimensões de funcionamento sexual e satisfação sexual corrobora a perspectiva de que nas mulheres estas são relativamente independentes. A única relação encontrada foi entre a dimensão Satisfação do FSFI e o ISS, e pode ser explicada pela evidente sobreposição dos construtos que são medidos por ambas as escalas dado que a dimensão de Satisfação do FSFI mede a satisfação sexual subjectiva da mulher e o ISS mede a satisfação sexual no contexto da relação de casal.
A ausência de relação entre a satisfação sexual e as dimensões do funcionamento sexual reforça a perspectiva teórica de que as mulheres valorizam sexualmente mais outros aspectos que não o funcionamento sexual estrito. Esses aspectos, como a intimidade, o afecto ou o bem-estar conjugal (e.g., Reiss & Lee, citados por DeLamater, 1991; Jayne, citada por Davis e Petretic-Jackson, 2000), terão paradoxalmente mais influência na satisfação sexual que o próprio funcionamento sexual tal como é operacionalizado pelo FSFI.
Relativamente à relação existente entre satisfação sexual e comportamentos sexuais em mulheres encontramos a forte associação esperada entre a satisfação sexual e o comportamento Carícias e preliminares (Hisasue et al., 2005; Hulbert et al., citados por Hisasue et al., 2005). Nenhum dos outros comportamentos sexuais estudados, nomeadamente, Sexo vaginal e Sexo oral, demonstrou ter uma associação com a satisfação sexual. O nosso estudo confirmou pois a enorme importância das carícias e preliminares para a satisfação sexual das mulheres.
Devemos apontar algumas limitações ao nosso estudo. O FSFI tem sido criticado devido ao seu sistema de cotação (e.g., Meyer-Bahlburg & Dolezal, 2007), e é possível que a ausência de relação entre a generalidade das dimensões de funcionamento sexual e a satisfação sexual evidenciada pelo nosso estudo seja devida a deficiências nesse mesmo sistema de cotação. Adicionalmente, seria recomendável ter-se usado uma amostra maior (e.g., N≥200) para o teste dos modelos estruturais dado que a correcção pelo χ2Satorra-Bentler pode não ter sido suficiente para colmatar o problema da pequenez da amostra quando se utiliza o método das equações estruturais.
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(*) Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
(**) Instituto Superior de Psicologia Aplicada.