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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231
Aná. Psicológica v.27 n.4 Lisboa out. 2009
(in)Consistências no processo ensino-aprendizagem relação entre a concepção e a prática (resultados comparativos numa amostra de professores de Português, Matemática e Inglês)
Ana Paula Couceiro Figueira (*)
RESUMO
Pretende divulgar-se parte dos resultados obtidos numa investigação realizada com professores de três disciplinas de leccionação (Português, Matemática e Língua estrangeira, o Inglês), de dois ciclos de ensino (3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário), em diferentes fases de carreira, da Região Centro, cujo objectivo principal era a análise das suas epistemologias em torno de toda a actividade docente: das concepções à percepção dos resultados da sua acção. Iremos, neste contexto, dar conta, apenas, dos dados reveladores das (in)consistências das suas orientações metodológicas interdimensões, do processo ensino-aprendizagem, isto é, das relações entre a orientação das concepções e a orientação das preparações, interacções, avaliações e remediações das aprendizagens dos alunos e auto-reflexão dos docentes.
A partir de análise de conteúdo e correspondência múltipla (HOMALS) de entrevistas semiestruturadas, a 89 docentes, constatámos que, genericamente e globalmente, os professores são muito pouco coerentes, existindo pouca articulação, em termos ideológicos, entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da Prática educativa, nas diferentes disciplinas e ciclos de leccionação, reflectida, igualmente, ao longo da carreira.
Palavras-chave: Concepções do processo ensino-aprendizagem, Epistemologias, Orientações metodológicas, Prática educativa, Processo ensino-aprendizagem.
ABSTRACT
This article presents the (in)consistencies in teaching-learning process, or the relation between the methodological orientation of conception and the methodological orientation of educative practice, from Portuguese teachers of mathematics, language and english, i.e., comparative data.
Key words: Conceptions, and educative practice, Epistemologies, Methodological orientations, Teaching-learning process.
Embora não seja consensual a relação unívoca representação-acção, por constrangimentos vários, desde a acção estratégica, a acção dependente do contexto situacional, etc., a verdade é que existe, tendencialmente, grande probabilidade das acções serem, muito ou basicamente, orientadas pelos referenciais teóricos assumidos, isto é, pelas significações que temos, pelas nossas concepções. Neste sentido, no contexto específico dos educadores, as suas decisões, as suas acções, por princípio, ancoram-se nas orientações epistemológicas aprendidas, apreendidas, construídas e reconstruídas. Estes quadros conceptuais ou esquemas funcionam como orientadores, que podem, ou justificam mesmo, as suas opções, sendo, grosso modo, e no limite, o dado mais relevante, pese embora as virtuais mediações de outros dados contextuais (variáveis que podem facilitar ou inibir os pensamentos e as acções dos professores).
Senão, vejamos: “De forma controlada ou automática, e consciente ou não consciente, um grande número dos nossos comportamentos corresponde às nossas representações, (...) aspecto que remete para a problemática da funcionalidade das representações enquanto orientadoras dos comportamentos.” (Vala, 1993, p. 366).
Sabe-se que as representações que os professores têm sobre o que é ciência, sobre o que é fazer ciência, sobre o que é “o” método científico, têm influência não só no que ensinam, mas também no como ensinam as disciplinas científicas curriculares e mesmo qual o significado que parecem atribuir a esse seu ensinar (Praia & Cachapuz, 1998, p. 73).
De facto, a partir destes registos, damos conta da existência de alguma unanimidade na ideia de causalidade recíproca entre representação e comportamento, ou seja, da perspectivação da(s) representação(ões) e do(s)comportamento(s) enquanto variáveis solidárias.
Admitimos, então, que as concepções influenciam todas as acções, sendo influenciadas, igualmente e necessariamente, por toda a experiência de vida, sabendo, todavia, que as nossas interpretações são muito resistentes à mudança (Leyens, 1985).
Neste sentido, inferimos que, no caso dos docentes, as concepções manterão relações estreitas com as preparações das suas acções, com a forma como interagem com os alunos, bem como, com a forma e conteúdo das suas reflexões na e pós-acção (Figueira, 2001). “Entre os domínios do pensamento e da actividade do docente existe uma relação recíproca. As acções desenvolvidas pelo professor têm a sua origem, maioritariamente, nos seus processos de pensamento, os quais, por sua vez, são afectados pelas suas acções” (Clark & Peterson, 1990, p. 451).
No mesmo sentido, o processo de atribuição de causalidade dos resultados obtidos, dos produtos das acções, isto é, o construto concebido enquanto percepção dos resultados do processo ensino-aprendizagem, é regido pelos mesmos pressupostos, sendo, igualmente e provavelmente, orientado por quadros pré-concebidos, não se negligenciando, contudo, os dados de contexto e dados ocasionais.
Daqui decorre a necessidade, para a compreensão da realidade ou situação educativa, tarefa complexa e multidimensional, de resto, e no que concerne, estritamente, ao vector educador, observar, não apenas o que é directamente visível, as suas acções, mas, igualmente, os seus pensamentos, as suas concepções, significações e atribuições, bem como as suas tentativas de clarificação e justificação.
Foi, pois, sob este signo enquadratório que encetámos a investigação, intitulada Das epistemologias pessoais à epistemologia das práticas educativas, de onde derivam os dados que agora divulgamos, realizada com professores de três disciplinas de leccionação (Português, Matemática e Língua estrangeira, o Inglês), de dois ciclos de ensino (3º Ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário), em diferentes fases de carreira, da Região Centro, cujo objectivo principal era a análise das suas orientações metodológicas em torno de toda a actividade docente: das concepções sobre todo o processo ensino-aprendizagem à percepção dos resultados da sua acção (Figueira, 2001). Actividade docente que aglutina, assim, quer as concepções sobre todo o processo ensino-aprendizagem, quer a(s) percepção(ões) dos resultados da sua acção, quer, igualmente, os procedimentos de planificação ou preparação das actividades de ensino, instrução propriamente dita, avaliação das aprendizagens e remediação das dificuldades dos alunos e auto-avaliação das actividades de ensino, por parte do docente. Ou seja, a conceptualização do processo ensino-aprendizagem apresentada ou assente numa concepção de ensino como processo de resolução de problemas, processo trifásico de planificação ou preparação das actividades de ensino-aprendizagem (pré-acção), interacção ou processo de ensino-aprendizagem em contexto, com os alunos (acção) e reflexão do processo ensino-aprendizagem (pós-acção).
Ainda, e desta feita, podemos assumir que a investigação de onde deriva o presente artigo se enquadra sob o Paradigma dos processos mediadores, centrado nos processos cognitivos dos professores – paradigma do pensamento do professor (Figueira, 2001, p. 30 e segs.).
Sumariamente, referimos que este tipo de investigações centra-se, fundamentalmente, no estudo dos pensamentos, crenças, concepções, ou seja, no universo interno dos professores (Zabalza, 1994, p. 35). Assim, o objectivo primordial é conhecer, descrever e interpretar os pensamentos, juízos, decisões e sentimentos dos professores, apreendendo as relações possíveis entre as cognições que ocorrem na mente do professor e as tomadas de decisão no decurso na sua actividade profissional (Shulman, 1989, p. 58).
Segundo este paradigma (Villar Angulo, 1988a,b), o professor é, agora, pensado não, apenas, como um técnico que deve dominar um repertório mais ou menos vasto de competências. O estudo dos processos de ensino focaliza-se, orientando-se, para a descrição da actividade cognitiva dos professores. Esta linha de investigação apoia-se no postulado: os comportamentos dos professores são largamente influenciados pelos seus pensamentos ou cognições (Shavelson & Stern, 1981).
Neste sentido, podemos dizer que a investigação em torno dos processos de pensamento do professor assenta em duas assunções fundamentais:
– os professores são profissionais racionais, ou seja, os professores constróem a sua acção de forma reflexiva, agindo em função dos seus pensamentos, juízos e decisões (Shavelson & Stern, 1981; Zabalza, 1994, p. 30). Isto é, o professor é um sujeito reflexivo, racional, que toma decisões, emite juízos, possui crenças e cria rotinas próprias no decurso do seu desenvolvimento profissional (Villar Angulo, 1988a, 1988b). Os professores são, basicamente, reflexivos, não reactivos (Zabalza, 1994);
– os pensamentos do professor guiam e orientam o(s) seu(s) comportamento(s) (Clark & Yinger, 1979; Shavelson & Stern, 1981; Villar Angulo, 1988a,b; Zabalza, 1994). Os seus pensamentos (concepções, juízos, crenças, teorias, etc.) guiam a sua acção, e esta, por sua vez, influencia os pensamentos, pressupondo, por isso, um processo dialéctico e construtivista, e não relações causais estritas (Clark & Peterson, 1986, 1990; Zabalza, 1994). Pensamento e acção constituem estruturas independentes, mas interligadas, que se vão modificando mutuamente. Neste sentido, embora toda a conduta expressa ou observável esteja organizada ou seja dirigida pelas operações cognitivas dos professores, conhecer o pensamento do professor poderá permitir prever, não predizer, a sua conduta (Lowyck, 1986, 1988, 1990). Através da conduta dos professores, poderemos inferir parcialmente o seu pensamento, mas não explicá-lo e possivelmente nem sequer compreendê-lo (Zabalza, 1994, p. 33).
Grosso modo, e sintetizando, diríamos que as investigações em torno das teorias pessoais dos professores podem ser aglutinadas numa grande dimensão: concepções sobre o processo ensino-aprendizagem, com todos os “tentáculos” que este processo envolve: representação do aluno, do papel do professor, a concepção de curriculum, a escolha de metodologias de ensino, de avaliação das aprendizagens, etc.
E não será de todo abusivo da nossa parte afirmarmos que os estudos efectuados apontam, regra geral, num mesmo sentido: a adopção, preferencial e global, de concepções mais do tipo tradicional1, academicista, transmissiva, empirista, positivista (Figueira, 2001)2. De facto, e na perspectiva de Abreu (1996), os professores adoptam, preferencialmente, concepções tradicionalistas de ensino, aprendizagem, ciência, muito embora, alguns realcem, já, uma tendência para a mudança, revelando opções eclécticas (Abreu, 1996; Canavarro, 1997; Praia & Cachapuz, 1994, 1998; Teixeira, 2001).
Mas, ao levarmos a cabo a tarefa de caracterização e análise das orientações metodológicas dos docentes (epistemologias) (Figueira, 2001), não foi nosso propósito fazer a apologética de qualquer assunção ideológica em termos metodológicos, nem retirar ilações sobre a eficácia das possíveis posturas dos docentes. Não se pretendeu defender ou fazer a apologia de um determinado tipo de concepção e prática, quer seja pela categorização “práticas tradicionais/ /práticas activas”, “práticas reprodutoras/práticas construtivas ou criativas”. Tão só, analisá-las (através dos relatos dos seus actores), à luz das representações prévias que lhes subjazem e das concomitantes percepções delas resultantes. Até porque, “No limite, os critérios de eficácia são relativos aos próprios objectivos e significações epistemológicas das orientações metodológicas. (...) cada modelo define os seus próprios critérios de eficácia. E, como não existe acordo ou coordenação entre essas significações, o que é importante para uns, é inexistente ou secundário para outros e vice-versa. (...) É fundamental, pois, ter-se consciência de que cada orientação estima-se, geralmente, eficaz, produtiva, consequente, etc., em relação aos critérios que se fixaram antecipadamente” (Joyce-Moniz, 1989, p. 7). Será, pois, a filosofia pessoal (re)construída que proporciona o cenário para a interpretação e acção do processo ensino-aprendizagem. E, embora, por vezes, discrepante, até mesmo, paradoxal, facto é que, por princípio, as ideologias orientam o pensamento e, consequentemente, a acção. Até porque, “Qualquer juízo sobre a qualidade pedagógica assenta inevitavelmente em pressupostos filosóficos educacionais. Só à luz de uma filosofia da educação, explícita e assumida, é possível equacionar o problema da qualidade da prática pedagógica. (...) A qualidade é a realização dessa ideia” (Patrício, 1997, pp. 555-556). E, no mesmo sentido, “Não existem filosofias da educação “certas” ou “erradas”. (...) o importante é reflectir sobre as nossas próprias crenças e não fazer julgamentos sobre elas” (Zinn, 1998, p. 72).
Ou seja, o que se pretendeu, com este estudo, foi a análise das vivências metodológicas dos professores, a partir das suas próprias narrativas. Isto é, o conhecimento das posições epistemológicas/metodológicas dos educadores, perfis de (dis)continuidade (Figueira, 2001).
De facto, clarificar as filosofias pessoais afigura-se-nos uma tarefa útil, para podermos especular e reflectir sobre os modos de pensar e de agir dos professores, inferindo, apontando vias de formação (Figueira, 2001).
Julgamos que a clarificação das ideologias, pela reflexão sobre as próprias orientações metodológicas, pode auxiliar a reduzir a confusão, aumentar a clareza e direcção, conduzindo a comportamentos e tomadas de decisão mais consistentes (Zinn, 1998, p. 49). “Filosofar em torno da educação, provavelmente, não faz de nós um filósofo, mas pode ajudar a melhor compreender o educador” (Zinn, 1998, p. 54).
Podemos melhorar, devemos optimizar. Porém, não há que desvirtuar as funções da escola e dos professores. A escola e os professores existem para ensinar e educar. E ensinar e educar implica preparação, actuação e reflexão das acções. É por serem actividades de sempre, existindo e coexistindo em qualquer acto ou perspectivas de ensino, que sobre elas nos debruçámos.
MÉTODO
Os resultados que pretendemos divulgar e analisar, neste contexto, derivam de um estudo mais vasto (Figueira, 2001) de descrição dos pensamentos ou cognições dos professores em torno do processo ensino-aprendizagem, quer em termos das suas concepções, quer em termos da expressão da sua acção docente, antes, durante e após a interacção com os alunos, quer, ainda, em termos das percepções dos resultados dessas mesmas acções.
Pretendia-se o conhecimento das posições epistemológicas/vivências metodológicas dos professores, face ao processo ensino-aprendizagem, quer em termos de concepção quer nas significações das acções. Ou seja, a investigação pressupunha a análise das epistemologias das práticas educativas de professores de diferentes disciplinas de lecciona-ção, com vista à elaboração de perfis de pensa-mento e acção docentes, realizado a partir de entrevistas semiestruturadas, tendo em conta o tipo de concepção do processo ensino-aprendizagem (Concepções), tipo de processo Preparação das actividades de ensino e de aprendizagem, tipo de Interacção, tipo de Avaliação das aprendizagens dos alunos, tipo de Remediação das eventuais dificuldades de aprendizagem dos alunos, tipo de Auto-Avaliação das práticas docentes (Acções) e tipo de Percepção dos Resultados do processo Ensino-Aprendizagem (Percepções) [sete (7)grandes blocos de variáveis)].
Assim,
As Concepções do processo ensino-aprendizagem remetem para as interpretações do ensino e do ensinar, da competência e desempenho dos professores, da sua eficácia, da satisfação nas actividades docentes, do melhor método, da aprendizagem, das funções do professor e do aluno e das dificuldades percepcionadas nas actividades docentes. Grosso modo, remete para o que se diz que se pensa. Ou seja, sobre este título pretende analisar-se as significações pessoais em torno do processo ensino-aprendizagem, a partir de dez operacionalizações: que leitura se tem do ensino e do ensinar, da competência e desempenho dos professores, sua eficácia, satisfação nas actividades docentes, do melhor método, da aprendizagem, das funções do professor e do aluno, e das dificuldades nas actividades docentes.
Quanto aos Comportamentos/acções, ou dimensões da prática, analisam-se vários aspectos da planificação ou preparação das actividades de ensino ou preparação das actividades de ensino [pré-acção], como, por exemplo, as suas tipologias, as formas, os conteúdos, os factores determinantes e os critérios de selecção dos métodos e actividades, escolhidos pelo docente (Figueira, 2001). Sucintamente, ao nível da Interacção, tenta analisar-se a estrutura de uma aula-tipo, os métodos utilizados e os critérios. Ao nível da Avaliação das aprendizagens dos Alunos, analisa-se as modalidades, os parâmetros e os momentos da avaliação. Por fim, quanto à Remediação ou recuperação das eventuais Dificuldades de aprendizagem dos Alunos, analisa-se as estratégias utilizadas e os seus critérios de escolha (Figueira, 2001). No que concerne à dimensão Auto-Avaliação dos professores [pós-acção], tenta analisar-se a sua (in)realização e seus figurinos possíveis (Figueira, 2001).
Relativamente às Percepções dos resultados, grosso modo, remete para o que se diz que se sente. Esta rubrica analisa-se a partir das percepções de autocompetência, autodesempenho e auto-satisfação nas actividades de ensino (Percepções de si) e percepção de participação e de desempenho dos alunos (Percepção sobre os alunos), sendo, pois, estas dimensões apontadas as operacionalizações da percepção dos resultados do processo ensino-aprendizagem (Figueira, 2001).
A percepção de autocompetência apela para o autojulgamento dos professores relativamente ao preenchimento (ou não) dos requisitos e elementos necessários às tarefas de ensinar. Ou seja, a auto-análise dos conhecimentos, capacidades (aptidões) e crenças que o professor possui e pode actualizar nas situações de ensino (Medley, 1982). Incluem-se, pois, nesta categoria, os comportamentos, ou actividades, pré-activos do professor, fora da sala de aula, ou seja, com os alunos ausentes, como a planificação ou preparação das actividades de ensino, a avaliação e outras actividades de preparação do ensino, bem como os conhecimentos, os skills e os valores que possui (Medley, 1987).
A percepção de autodesempenho pretende analisar o grau de julgamento dos docentes, de auto-avaliação, relativamente ao(s) seu(s) próprio(s) desempenho(s) no ensino. Interpretar a valoração da capacidade de actualização das competências necessárias para ensinar. Ou seja, perceber o valor atribuído pelos professores às suas próprias realizações, às performances, aos comportamentos, em contexto de sala de aula. O desempenho considerado, assim, como os comportamentos do professor enquanto ensina, como a implementação ou a actualização das competências, o produto da interacção entre as características do professor (suas competências) e as características do contexto (aluno/escola) (Medley, 1982).
A percepção de satisfação nas actividades de ensino apela para o autojulgamento relativamente ao nível de satisfação obtido, pelos professores, nas actividades de ensino, ou seja, nas actividades ou tarefas que envolvem um contacto directo com os alunos. A satisfação nas actividades de ensino entendida como o sentimento, ou conjunto de sentimentos, a valoração atribuída ao resultado do comportamento, circunscrito às tarefas de ensino, ao acto de ensinar, relacionado com o conteúdo das tarefas em si, e/ou tarefas que envolvem o contacto directo com os alunos. Actividades ou tarefas que são independentes do contexto, ou condições, externo (ex.: equipamento, apoios, salário, relação com os colegas, outros). Fazendo parte da satisfação profissional, a satisfação nas actividades de ensino circunscreve-se ao ensino em si mesmo (Lester, 1987).
Quanto às Percepções sobre os alunos, especificamente, à percepção do grau de participação dos alunos, remete para a percepção que os professores têm relativamente ao grau de participação dos seus alunos nas actividades de ensino. A percepção de desempenho/resultados diz respeito à percepção que os professores têm dos desempenhos/resultados dos seus alunos (Figueira, 2001).
De facto, o que se pretendeu foi saber como os professores encaram e procedem (agem) o processo ensino-aprendizagem, perceber o que dizem pensar, o que dizem fazer e o que dizem sentir, em torno do processo ensino-aprendizagem, verificando, igualmente, o grau de consistência em todos os elementos do processo e a (in)existência de diferenças nas tendências ideológicas, tendo em conta a disciplina e o ciclo de leccionação, em função dos anos de serviço na profissão (Figueira, 2001). Importava perceber se os docentes se situam mais numa lógica educacional centrada neles próprios, ou centrada nos alunos. Ou seja, se são mais do tipo racionalista ou comportamentalista, ou, ao invés, mais do tipo cognitivista ou construtivista, ou se, por outro lado, assumem posições eclécticas, ou mesmo, neutras (Figueira, 2001), o que remete para o seu estilo pessoal de ensino (Conti, 1998). São estes pressupostos que orientarão o docente na escolha dos métodos de ensino, avaliação das aprendizagens, formas de planificar, etc. (Figueira, 2001).
Em síntese, pretendeu-se analisar as relações entre práticas docentes (as acções) à luz das concepções que lhes “subjazem” e das concomitantes percepções delas resultantes, por via de relatos dos professores/actores, em que, grosso modo, as Concepções do processo ensino-aprendizagem remetem para os significados pessoais e gerais em torno do processo ensino-aprendizagem. Os Comportamentos/acções, ou dimensões da prática, dizem respeito às verbalizações (relatos, narrativas) relativas às práticas de planificação ou preparação das actividades de ensino, às metodologias de interacção com os alunos, à avaliação das aprendizagens dos alunos e à remediação das suas dificuldades e à auto-avaliação, do professor, das suas actividades de ensino. Grosso modo, remete para o que se diz que se faz, como e porque se faz, para as actividades pré-activas ou preparativas, actividades interactivas e actividades avaliativas e de remediação das aprendizagens. Relativamente às Percepções dos resultados, estas prendem-se com os pensamentos relativos aos resultados das acções, por parte dos docentes, em termos de autocompetência, autodesempenho, auto-satisfação nas actividades de ensino e percepção de participação e de desempenho dos alunos (Figueira, 2001).
Graficamente,
Porém, e neste contexto, o nosso objectivo é dar conta, apenas, da relação entre a orientação da concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da prática educativa, ou seja, dar conta das suas potenciais (in)congruências.
Neste sentido, o objectivo é analisar estas relações, tendo em conta as hipotéticas variabilidades em função do nível e ciclo de ensino, disciplina de leccionação e tempo de serviço na profissão. E, igualmente, foi nosso intento, ver se existe um padrão (estrutura) ou padrões únicos de pensamento/acção, ou se esta tríade varia (e o que varia) e em função de quê, analisando as virtuais (in)coerências no processo ensino-aprendizagem.
Pretendeu-se, assim, a análise do grau de homogeneidade vs. variabilidade (continuidade vs. descontinuidade) intra e intergrupal nas fases do processo ensino-aprendizagem (desde as concepções, à planificação ou preparação das actividades de ensino à percepção dos resultados do processo), em função da disciplina e ciclo de leccionação (Matemática, Português e Inglês dos 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário), tendo em conta o tempo de serviço na profissão (professores Estagiários, em Início, Meio e em Final de Carreira).
Participantes
Os participantes do nosso estudo foram 89 professores, de três disciplinas distintas3: Língua Portuguesa e Português (N=30), Língua Estrangeira (Inglês) (N=30) e Matemática (N=29), de dois ciclos de ensino: 3º Ciclo do Ensino Básico (N=46), e Ensino Secundário (N=43), sendo 63 do género feminino e 26 do género masculino, subdivididos em quatro níveis4, consoante os anos de serviço na profissão (Quadro 1).
QUADRO 1
Distribuição dos elementos da Amostra
A sua grande maioria é docente em instituições da cidade de Coimbra (escolas básicas e secundárias, bem como colégios), embora existam alguns elementos a leccionar, quer noutras localidades do distrito de Coimbra, quer em alguns outros distritos e cidades do país.
Instrumento
Os dados foram obtidos a partir de questões abertas, por entrevista semiestruturada, com uma duração, por docente, de entre 6 a 8 horas, realizadas em momentos diferentes, em várias sessões (Figueira, 2001).
As questões ao nível da Concepção do processo Ensino-Aprendizagem remetiam para dez operacionalizações: que leitura o docente tem do ensino e do ensinar, da competência e desempenho dos professores, sua eficácia, satisfação nas actividades docentes, do melhor método, da aprendizagem, das funções do professor e do aluno, e das dificuldades nas actividades docentes.
A variável Comportamentos/acções (modus faciendi), ou seja, a prática, compreende as verbalizações relativas às práticas de planificação ou preparação das actividades de ensino, às metodologias de interacção propriamente dita, à avaliação das aprendizagens dos alunos e à remediação das suas dificuldades e à auto-avaliação dos professores da amostra. Remete para as actividades pré-activas ou preparativas, actividades interactivas e actividades avaliativas e de remediação.
Assim, ao nível da planificação ou preparação das actividades de ensino [pré-acção] era solicitado que referissem da realização, ou não, de planificação ou preparação das actividades de ensino, as justificações da preparação (os factores determinantes), a partir de que critérios realizam a preparação, quais os conteúdos da planificação ou preparação das actividades de ensino, o momento em que essas preparações são realizadas, o tempo dedicado à tarefa, os tipos e formas (individual vs. grupo) de preparação das actividades de ensino, sobre as fontes de informação (recursos informativos para esta tarefa), os critérios de escolha dos métodos de ensino e dos recursos materiais, as dificuldades sentidas na preparação, as justificações para a ausência de dificuldades e vantagens da preparação.
As questões ao nível da Interacção propriamente dita remetiam para o (in)cumprimento do plano e suas justificações, para os conteúdos das alterações, para a estrutura de uma aula-tipo, para os critérios de variabilidade, para o tempo ocupado em cada fase da aula, para os métodos utilizados na aula, para o grau de variabilidade e suas justificações, para os critérios de variabilidade na sua utilização e critérios de escolha dos métodos para as vantagens na sua utilização, para as dificuldades sentidas na interacção e para as justificações da não existência de dificuldades.
Quanto à Avaliação das aprendizagens dos Alunos, as questões prendiam-se com a (in)realização de avaliação das aprendizagens dos alunos, com as justificações, para o porquê, funções e factores determinantes, com as modalidades ou tipos de avaliação referidos, ou seja, com os parâmetros de avaliação. Pretendia saber-se o que se avalia e o seu “peso” na nota global, o grau de estabilidade na utilização dos tipos de avaliação referidos e as justificações, saber-se dos momentos, tempos de avaliação, sobre a utilização (ou não) de feedback e suas manifestações, sobre as vantagens percepcionadas pela opção dos tipos de avaliação referidos, as dificuldades sentidas na tarefa de avaliação e sobre as justificações para a ausência de dificuldades na avaliação.
Quanto à Remediação ou recuperação das Dificuldades dos Alunos, surgem questões sobre a (in) realização de recuperação das dificuldades dos alunos, sobre que estratégias são utilizadas na remediação das dificuldades dos alunos, sobre os critérios de escolha das estratégias, as dificuldades sentidas neste processo, sobre as justificações para a ausência de dificuldades e as vantagens percepcionadas, pela utilização das estratégias referidas.
No que concerne à dimensão Auto-Avaliação dos professores [pós-acção], as questões remetem para a (in)realização de auto-reflexão, as justificações apresentadas para a sua (não) realização, para os conteúdos e estratégias tendenciais de auto-avaliação, para o tempo de auto-reflexão e grau de estabilidade e para as vantagens percepcionadas na utilização de auto-reflexão.
Procedimento
As entrevistas, realizadas e gravadas em audio, foram transcritas, de forma descritiva, num segundo momento, e, posteriormente, categorizadas, através de análise de conteúdo. Escolhidas as unidades de contexto e de registo, efectuou-se uma categorização emergente, com base na tipologia aventada pelo Professor Joyce-Moniz (Figueira, 2001).
Todas as entrevistas foram efectivadas por nós, sendo, igualmente, por nós realizada a categorização, analisada e avaliada por mais três juízes, discutida, sendo o resultado final o considerado consensual.
Subsequentemente à análise de conteúdo e à categorização, realizámos o tratamento estatístico dos dados obtidos. Assim, dado tratar-se de dados categoriais ou nominais, utilizámos análises descritivas, tendo como critério a moda, ou seja, o tipo de resposta ou categoria mais frequente e análises de correspondência múltipla (HOMALS) (Figueira, 2001).
O conteúdo obtido, para cada uma destas diferentes dimensões do processo ensino-aprendizagem, descritas anteriormente, foi categorizado, tendo sido encontradas cinco (5) categorias, ou cinco níveis de coloração ideológica, designadas por Racionalista, Positivista, Construtivista, Ecléctica5e Neutra6(5 níveis para cada variável) (Figueira, 2001), ou seja as (meta)metodologias de ensino, ou orientações epistemológicas ou metodológicas de ensino, propostas por Joyce-Moniz (1989), numa taxonomia bastante holística.
A orientação final, para cada uma das dimensões, teve como critério a moda, ou seja, a epistemologia mais frequente.
De uma forma sucinta, diríamos que a orientação Racionalista ou Tradicional concebe o processo ensino-aprendizagem como muito centrado no professor, baseado numa pedagogia de conteúdos, na transmissão de conhecimentos, no enciclopedismo e academicismo, no inatismo e maturacionismo... (Figueira, 2001, p. 233 e pp. 239-256). A orientação Positivista, Comportamental, ou de racionalidade técnica, baseia-se numa pedagogia por objectivos, na operacionalidade, no empirismo, concebendo o processo ensino-aprendizagem centrado no indivíduo, na aprendizagem individual, nos produtos finais directamente observáveis... (Figueira, 2001, p. 233 e pp. 257-283). Contrariamente, a ideologia Construtivista, ou Fenomenológica, entende o processo ensino-aprendizagem enquanto pedagogia dos processos, centrada nos interesses e necessidades da turma, enfatizando o aprender a construir, construir para aprender, aprender a aprender (Figueira, 2001, p. 233 e pp. 284-322).
A título exemplificativo, temos algumas respostas dos professores participantes do estudo (Quadro 2):
QUADRO 2
Exemplos de respostas dos professores e respectivas categorizações (Figueira, 2001)
E, embora tenhamos analisado exaustivamente os dados obtidos na nossa investigação (Figueira, 2001), iremos, neste contexto, dar conta, apenas, da relação, ao nível das orientações epistemológicas, entre a concepção do processo ensino-aprendizagem e as diferentes dimensões da prática educativa. Relação, em termos das suas eventuais (ir)regularidades.
RESULTADOS
De facto, aquando da nossa análise interdimensões, e sua evolução ao longo da carreira, especificamente, a análise da relação entre a orientação da concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da prática do processo nas suas diferentes dimensões, tendo em conta a amostra na sua totalidade, verificamos que as relações de coerência entre a orientação da concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da prática do processo nas suas diferentes dimensões são ténues, ao nível do Ensino Secundário, ou inexistentes, ao nível do 3º Ciclo (Quadro 3).
QUADRO 3
Orientação da Concepção e da Prática (nas diferentes dimensões), para a totalidade da amostra, tendo em conta o ciclo de leccionação e os anos de serviço na profissão
De facto, muito embora, em termos gerais, a orientação da concepção do processo ensino-aprendizagem seja igual (tipo Racionalista), em ambos os ciclos de leccionação, somente ao nível do Ensino Secundário se registam relações de congruência com a orientação das dimensões da prática e, apenas, com a componente Planificação ou preparação das actividades de ensino ou preparação das actividades de ensino ou preparação das actividades de ensino.
Se tivermos em consideração o tempo de serviço na actividade docente, verificamos, igualmente, relações frágeis entre a orientação da concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da prática do processo. Em qualquer dos subgrupos, em função do tempo de serviço na profissão, e nos dois ciclos de leccionação, registam-se, apenas, e de forma muito irregular, relações de coerência entre a orientação da concepção e a orientação de uma ou duas componentes da prática:
- professores Estagiários do 3º Ciclo: relação de coerência com a dimensão Preparação ou planificação ou preparação das actividades de ensino ou preparação das actividades de ensino das actividades;
- professores Estagiários do Ensino Secundário: com as dimensões Preparação e Interacção;
- professores em Início de Carreira do 3º Ciclo: com as dimensões Interacção e Avaliação das aprendizagens dos Alunos;
- professores em Início de Carreira do Ensino Secundário: com as dimensões Interacção, Avaliação e Recuperação das Dificuldades dos alunos;
- professores em Meio de Carreira do 3º Ciclo: com a dimensão Preparação;
- professores em Meio de Carreira do Ensino Secundário: com a dimensão Avaliação dos Alunos;
- professores em Final de Carreira do 3º Ciclo: com as dimensões Preparação e Interacção; e,
- professores em Final de Carreira do Ensino Secundário: com as dimensões Preparação e Interacção, igualmente (Quadro 3).
Quando a nossa leitura tem em conta as diferentes disciplinas e ciclo de leccionação dos sujeitos, e os anos de serviço na profissão, verifica-se, genericamente, pouca articulação entre a orientação da concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da prática educativa, embora os professores de Inglês se manifestem um pouco mais coerentes que os colegas das restantes disciplinas de leccionação (Quadro 4).
QUADRO 4
Orientação da Concepção e da Prática (nas diferentes dimensões), para a totalidade da amostra, tendo em conta o ciclo de leccionação e os anos de serviço na profissão
Constata-se, pois, a tendência para a diferença inter e intragrupos (Quadro 4):
– Os professores de Matemática revelam, genericamente, pouca congruência entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a prática educativa, nas suas múltiplas dimensões, em ambos os ciclos de leccionação, especialmente, ao nível do 3º Ciclo.
Assim, enquanto no 3º Ciclo se registam, apenas, relações coerentes entre a orientação da Concepção do processo ensino-aprendizagem e a componente Planificação ou preparação das actividades de ensino ou preparação das actividades de ensino da prática educativa (tipo Racionalista), no Ensino Secundário, a relação de coerência estabelece-se, não só, entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a componente Planificação ou preparação das da prática, mas estende-se, embora dividida com a orientação Positivista, à dimensão Interacção (tipo Racionalista) (Quadro 4).
Quando analisamos as respostas, tendo em consideração o tempo de serviço na profissão, o dado mais saliente a referir é que, em ambos os ciclos de leccionação, é o grupo dos professores Estagiários o que manifesta menor coerência entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da prática educativa. A coerência é estabelecida, apenas, entre a Concepção e a dimensão Planificação ou preparação das actividades (Quadro 4).
– Os professores de Português, por seu turno, revelam completa incongruência, ao nível do Ensino Secundário, entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a prática educativa, nas suas múltiplas dimensões (Quadro 4).
No 3º Ciclo, a coerência ideológica revela-se entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e as dimensões Planificação ou preparação das actividades de ensino e Interacção (tipo Construtivista) (Quadro 4).
Em termos dos subgrupos, em função do tempo de serviço na profissão, o grau de coerência é ténue ou inexistente, especialmente nos grupos dos professores Estagiários e em Final de Carreira, a leccionar no 3º Ciclo (Quadro 4).
- Os professores de Inglês revelam, genericamente, e, igualmente, pouca consistência entre a sua Concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da sua prática educativa, especialmente o grupo que lecciona no 3º Ciclo (Quadro 4).
Tal como acontece com os seus colegas de Matemática, os professores de Inglês a leccionar no 3º Ciclo manifestam coerência entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e, apenas, uma das dimensões da prática educativa: a Planificação ou preparação das actividades de ensino (tipo Construtivista) (Quadro 4).
Apresentando um perfil diferente, mais coerente, os colegas a leccionar no Ensino Secundário manifestam congruência entre a sua Concepção do processo ensino-aprendizagem e as dimensões Interacção, Avaliação dos Alunos (igualmente, tipo Construtivista), e, de forma mais frágil, com a dimensão Auto-Avaliação (tipo Construtivista/Ecléctica) (Quadro 4).
Quando fazemos a análise, tendo em conta o percurso na carreira, vemos perfis muito diferenciados, primando, no entanto, por fraca consistência ideológica entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e as dimensões da prática educativa. É, porém, de salientar a total incoerência manifesta pelo grupo dos professores em Final de Carreira, a leccionar no Ensino Secundário, e o grupo em que se vislumbra uma maior coerência: professores em Meio de Carreira a leccionar, igualmente, no Ensino Secundário (Quadro 4).
Constatámos que, genericamente e globalmente, os professores são muito pouco coerentes, existindo pouca articulação, em termos ideológicos, entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a orientação da Prática educativa, nas diferentes disciplinas e ciclos de leccionação, reflectida, igualmente, ao longo da carreira.
No entanto, sobressai, em termos globais, uma relação coerente entre a Concepção e o tipo de Preparação da prática educativa, apresentando-se, ambas, Tradicionais (Quadro 5).
QUADRO 5
Opção ideológica tendencial, endogrupo, tendo em conta a totalidade da amostra
Registam-se grandes irregularidades, fundamentalmente, ao nível dos professores Estagiários, das diferentes disciplinas de leccionação.
Todavia, somos de salientar, ao nível das dimensões da Prática educativa, grande constância ideológica entre a Interacção, a Avaliação dos Alunos e a Remediação das suas dificuldades (tipo Positivista), especialmente dos professores do 3º Ciclo, sobretudo nos professores Estagiários e em Meio de Carreira, existindo, no entanto, variações em termos de disciplina de leccionação (Quadro 5). De realçar a coincidência plena, entre as disciplinas de leccionação, ao nível da Avaliação dos Alunos e Recuperação das suas dificuldades.
Regista-se, no entanto, grande desfasamento entre a forma como dizem Planificar ou preparar as actividades e a forma como dizem Interagir junto dos alunos (Quadro5).
Ou seja, genericamente, existe pouca coerência entre a Concepção do processo ensino-aprendizagem e a acção educativa, e, igualmente, entre a forma de planificar e a forma de agir junto dos alunos. Curiosamente, é no grupo dos professores Estagiários que se verifica uma maior discrepância entre a Concepção e a prática, porém, mais congruência nas dimensões interactivas.
DISCUSSÃO
Abstraindo-nos, agora, um pouco, das variabilidades grupais, em função da disciplina, ciclo e percurso profissional, e em rigor, no seu todo, os resultados sugerem que as Práticas educativas não reflectem, de todo, as concepções que os professores possuem sobre o processo ensino-aprendizagem, contrariando, assim, investigações existentes (Figueira, 2001), que sustentam que os pensamentos orientam a acção, que os professores estruturam a sua actividade, fundamentalmente, em função das teorias pessoais que detêm. De facto, várias investigações (Clark & Peterson, 1986; García, 1988; Shavelson & Stern, 1981) sugerem uma relação circular e cíclica entre pensamento e acção, reflectindo, assim, a prática educativa as concepções do processo ensino-aprendizagem. As concepções afectam as percepções, as interpretações e os julgamentos, tendo implicações importantes no como fazem e dizem os professores (Clark, 1988; Praia & Cachapuz, 1998).
Assim, segundo os resultados presentes, existe, para estes grupos de professores, por um lado, congruência entre a Concepção e a orientação nas Preparações, que se revelam de forma Tradicional. Isto é, em termos de pensamento e pré-acção existe, em termos gerais, uma total coerência, mas, por outro lado, as Concepções sendo, tendencialmente, Tradicionalistas conduzem a Práticas, especificamente a Interacções, mais do tipo Positivista, embora, alguns professores já ensaiem outro tipo de alternativas.
De facto, este cenário Tradicionalista é muito característico nos professores de Matemática, pois os restantes professores, em especial os de Inglês, já manifestam outro tipo de Concepção e de Prática.
Todavia, a orientação tendencial da Concepção do processo ensino-aprendizagem, por nós encontrada, não parece afastar-se dos resultados obtidos por outras investigações (Teixeira, 2001), muito embora Brooks e Brooks (1993) refiram que muitos professores assumem e aceitam, teoricamente, os princípios construtivistas. Para estes autores, “Os professores querem que os alunos assumam responsabilidade pela sua aprendizagem, sejam pensadores autónomos, que desenvolvam compreensões integradas dos conceitos e que saibam questionar, reflectir, etc...” (Brooks & Brooks, 1993, p. 13).
No mesmo sentido, os resultados realçam o desfasamento entre o que se planifica realizar com os alunos e o que e como efectivamente se actualiza. Melhor, verifica-se uma décalage entre a orientação das Preparações e a orientação das Interacções. Isto é, a nossa análise denuncia a existência de discrepâncias entre a forma e os conteúdos da preparação e as metodologias interactivas, entre a formulação de intenções e a prática propriamente dita. Resultados, igualmente, consonantes com os obtidos por outros investigadores (Morine-Dershimer, 1976, 1988; Yinger & Hendricks-Lee, 1995; Shavelson & Stern, 1981).
Em rigor, embora alguns professores ensaiem Planificações ou preparações da actividades de ensino de outro tipo, globalmente, a tendência geral é a utilização de Planificações Tradicionais, do tipo Racionalista, ou seja, preparações com recurso ao manual adoptado, aos livros de referência, aos programas, em que “A ordem de apresentação dos temas é aquela que vem no programa.” (Joyce-Moniz, 1989, p. 5), com a repartição dos conteúdos temáticos em cada lição. Preparações que enfatizam os conteúdos, e que se actualizam, em todas as dimensões da prática (Interacção propriamente dita, Avaliação dos alunos e Metodologias de Remediação/ /Recuperação dos alunos), de forma Comportamentalista ou Tecnicista.
De facto, verifica-se bastante consistência, ao nível específico das metodologias de interacção com os alunos, que, embora com variabilidades em função da disciplina, do ciclo de leccionação e dos anos de serviço na profissão, se apresentam de forma Positivista. Todavia, este cenário é mais específico dos professores de Matemática, pois os restantes professores já tentam outros tipos interactivos.
Os grupos de professores sob análise manifestam uma tendência, generalizada, para um tipo pedagógico transmissivo, primando pela transmissão de conteúdos informativos, pela decomposição das matérias nos seus componentes ou unidades, por um trabalho de orientação normativa. No mesmo sentido, relativamente à avaliação dos alunos, existe uma grande preocupação com os produtos visíveis, com as performances, baseada nos resultados aos testes, traduzida pelas notas escolares. Quanto às estratégias de Remediação/ /Recuperação das dificuldades dos alunos, elas actualizam-se, basicamente, num apoio acrescido individualizado, utilizando-se uma dinâmica semelhante à utilizada na aula “regular”.
Todavia, como vimos, existe variabilidade em função do ciclo, disciplina de leccionação e experiência na profissão. Estes resultados vão no sentido dos resultados de investigações de outros autores (Altet, 1988; Bru, 1992; Crahay, 1988) que registam variabilidade (intra e interindividual) nos comportamentos interactivos dos professores, não existindo, muito, um perfil estereotipado. Esta variabilidade verifica-se mais quando existe variabilidade intersituações. Ou seja, a variabilidade intersituações de um professor é mais notória do que a variabilidade entre professores numa situação idêntica (Crahay, 1988), justificada por constrangimentos dos conteúdos. Bru (1992) verifica e regista variabilidade intra e interindividual nas tipologias de acção didáctica (métodos, estratégias, variação nas condições de aprendizagem), variabilidade atribuída a características do meio, das situações, como as matérias, os alunos, constrangimentos administrativos e organizacionais, etc.
Por um lado, os resultados obtidos, concernentes às preparações das actividades de ensino-aprendizagem, são contrários aos relatados por outros autores (Borko & Shavelson, 1988; Clark & Peterson, 1986; García, 1988; Stern & Shavelson, 1981), que apontam a planificação ou preparação das actividades de ensino como tarefa indispensável, instrumental entre o curriculum e a prática propriamente dita, como elemento orientador da acção, embora os professores, fundamentalmente os mais experientes, não sigam um modelo muito racional e prescritivo (Floden & Klinzing, 1990). No caso presente, e genericamente, parece que as preparações funcionam mais como um meio de decidir a instrução (por exemplo, aprender o material, os conteúdos, seleccionar e organizar os materiais, organizar o tempo e o fluxo de actividades) (Clark & Peterson, 1986), e para responder às exigências administrativas (Clark & Peterson, 1986).
Todavia, no que respeita à Prática, a tendência geral das orientações metodológicas encontrada (tipo Positivista, pouco Criativa), com a presente amostra, é próxima da observada, e relatada, pela Inspecção Geral de Educação (IGE, 2001). Este organismo denuncia a existência de práticas educativas tradicionais, quase generalizadas, em termos de disciplina e ciclo de leccionação. Dos pontos fracos, que perpassam todas as disciplinas e todos os ciclos, ressaltam, precisamente, pela ausência ou quase inexistência, a diferenciação de estratégias, a utilização de diferentes tipos de comunicação no processo de ensino-aprendizagem, nomeadamente a discussão e a escrita, os trabalhos de pesquisa, as formas de avaliação dos alunos, nomeadamente a adequação da linguagem aos destinatários, a reflexão sobre os resultados de aprendizagem dos alunos, a verificação das aprendizagens na prática lectiva, a organização de estratégias de recuperação individual dos alunos, a articulação do curriculum, a orientação educativa, auto-avaliação (IGE, 2001, pp. ii-iv), primando-se muito pela exposição (IGE, 2001, p. 30).
De resto, já Brooks e Brooks (1993) referem que os professores querem que os alunos assumam responsabilidade pela sua aprendizagem, sejam pensadores autónomos, que desenvolvam compreensões integradas dos conceitos e que saibam questionar, reflectir, etc., contudo, poucos são os que, na prática, conseguem actualizar estes tópicos e metodologias. É que “A mudança de paradigma está muito dependente das memórias dos professores, quer enquanto estudantes, quer enquanto aprendizes de professor, quer enquanto mesmo professor, das suas crenças, valores, versões privadas de verdade, de presente e de futuro (...)” (Brooks & Brooks, 1993, p. 13).
De facto, verifica-se, em termos de Práticas, resistências dos professores à mudança de paradigma (Brooks & Brooks, 1993). Isto porque consideram, genericamente, que a forma como orientam as suas acções conduz a bons resultados, ou a resultados consonantes com os seus objectivos, isto é, têm percepções positivas das suas opções (Brooks & Brooks, 1993). Parece que “(...) os professores tendem a ensinar mais como foram ensinados do que como foram ensinados a ensinar” (Fosnot, 1996, p. 294).
Igualmente, Nóvoa (1992) refere que, por vezes, os profissionais de ensino são muito rígidos, manifestando uma grande dificuldade em abandonar certas práticas, nomeadamente, quando foram empregues com sucesso em momentos difíceis da sua vida profissional.
Igualmente, Nóvoa considera que
“(...) simultaneamente, os professores são um grupo profissional particularmente sensível ao efeito de moda, o que levou certos pedagogos a criarem ortodoxias como defesa contra o abastardamento dos seus métodos ou técnicas. Uma vez na praça pública, as técnicas e os métodos pedagógicos são rapidamente assimilados, perdendo-se, de imediato, o controlo sobre a forma como são utilizados. As modas estão, cada vez mais, presentes no terreno educativo, em grande parte, devido à impressionante circulação de ideias no mundo actual.” (1992, p. 17)
embora não pareça ser o caso dos nossos resultados.
Todavia, adverte, ainda, o autor que “A adesão pela moda é a pior maneira de enfrentar os debates educativos, porque representa uma ‘fuga para a frente’, uma opção preguiçosa que nos dispensa de tentar compreender. De todas as formas, não vale a pena grandes hesitações, porque atrás de uma moda outra virá, uma alteração à superfície para que nada mude em profundidade” (Nóvoa, 1992, p. 17).
De referir, também, relativamente à auto-reflexão dos professores, que esta, quando realizada (e, na generalidade, os professores dizem que o fazem), o é de maneira muito vaga e geral (tipo Neutra), denotando-se dificuldades na assunção de uma ideologia orientadora neste processo. Subentende-se que os seus conteúdos são marginais ao processo ensino-aprendizagem, não se focalizando especificamente nem no papel do professor, nas suas formas de ensinar, nem no programa, no seu (in)cumprimento, como sugere a perspectiva Racionalista, nem se centrando numa perspectiva tecnicista, aportada no rendimento, resultados, de cada aluno, características da orientação Positivista, nem tão pouco no autoconhecimento, nos interesses, motivações e bem-estar dos alunos e nas virtuais circunstâncias influenciadoras do processo ensino-aprendizagem, aspectos salientados pela posição Construtivista (Figueira, 2001).
Ou seja, grosso modo e em termos gerais, regista-se consistência entre a orientação do modo de pensar e a orientação do modo de agir, em “bastidores” (Preparação), e, igualmente, coerência nas orientações das dimensões da prática directa com os alunos (interacção propriamente dita, avaliação das aprendizagens e remediação das dificuldades dos alunos), havendo, todavia, incongruência entre a orientação do pensamento e a acção propriamente dita, fazendo supor, não que o pensamento orienta a acção, como consideram muitos autores, mas que a acção condiciona, podendo constranger e fazer alterar, o próprio pensamento.
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NOTAS
1Por oposição, ou confronto, com as concepções construtivistas-relacionais (Teixeira, 2001) ou racionalistas-construtivistas ou, mesmo, racionalistas dialécticas (Praia & Cachapuz, 1994, 1998).
2Todavia, somos de alertar para o facto de nós não utilizarmos as mesmas designações que a maioria dos autores consultados. Para nós, as concepções tradicionais ancoram-se nas ideologias racionalistas e não nas orientações comportamentalistas ou positivistas. Admitimos e aceitamos, porém, que as concepções construtivistas ou criativas podem radicar-se, igualmente, nas perspectivas racionalistas e fenomenológicas (Figueira, 2001).
3De referir que, os professores, mesmo que pertencendo ao mesmo grupo disciplinar e podendo leccionar quer a língua materna, quer a língua estrangeira, no nosso estudo, participaram em termos de exclusividade.
4Níveis e Intervalos considerados: Professor Estagiário – [0 anos de serviço]; Professor em Início de Carreira [1-10 anos de serviço]; Professor em Meio de Carreira [11-24 anos de serviço]; Professor em Final Carreira [25-40 anos de serviço].
5Enquadram-se nesta categoria as respostas mescladas, compósitas, ou seja, que apontam para mais do que uma orientação metodológica.
6Nesta categoria, inscrevem-se as respostas que não têm enquadramento em qualquer das orientações previstas.
(*) FPCE, Universidade de Coimbra, Coimbra.