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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231
Aná. Psicológica vol.31 no.3 Lisboa set. 2013
Validação do Inventário Feminino de Vivências do Processo de Separação e Divórcio (IFVPSD)
M. Graça Pereira*; José Cunha Machado**; Henrique Pinto***
* Escola de Psicologia, Universidade do Minho;
** Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho;
*** Instituto de Reinserção Social de Braga
RESUMO
O divórcio contribuiu para uma mudança da estrutura familiar estando associado a um declínio da qualidade da relação conjugal com implicações a nível pessoal, interpessoal e social e tem vindo a aumentar nos últimos anos. Participaram 165 mulheres separadas ou divorciadas, com pelo menos um filho do casamento, com idades entre os 24 e os 55 anos que responderam ao inventário feminino de vivências do processo de separação ou divórcio (IFVPSD).
A análise factorial revelou cinco dimensões: disfuncionalidade conjugal, conflito, emocionalidade, apoio social e adaptação. A disfuncionalidade remete para a crise conjugal e conflitualidade durante o casamento; o conflito centra-se no relacionamento com o ex-cônjuge; a emocionalidade foca-se nos sentimentos vivenciados no processo de separação; o apoio social centra-se no papel de familiares e amigos durante o processo de separação e, finalmente, a dimensão da adaptação remete-nos para a adaptação ao processo de separação. A consistência interna das cinco dimensões aponta para alfas entre .72 e .82 que explicam 49.25% da variância total. O inventário feminino de vivências do processo de separação ou divórcio reúne as condições necessárias para ser utilizado como instrumento de rastreio para identificar mulheres com dificuldades no processo de adaptação ao divórcio.
Palavras-chave: Divórcio, Mulheres, Questionário, Separação.
ABSTRACT
The divorce has contributed to a change in family structure associated to a decline in the quality of the marital relationship with implications for personal, interpersonal and social life that has been increasing in the last years. Participants were 165 women separated and divorced, with at least one child of the marriage, with current ages between 24 and 55 that answered the Inventory of Women’s Experiences in the Process of Separation or Divorce (IWEPSD). The factor analysis revealed five dimensions: dysfunctionality, marital conflict, emotionality, social support and adaptation. The marital dysfunctionality is focused the marital crisis and conflict during the marriage; conflict brings us to the relationship with the former spouse; emotionality is focused on the feelings experienced in the process of separation; social support emphasizes the role of family and friends during the process of separation and divorce and finally, the adaptation dimension brings us to the process of adaptation to the separation process. The internal consistency for the five dimensions showed alphas between .72 and .82 which explained 49.25% of the total variance. Thus, the inventory of women’s experiences of the process of separation or divorce meets the necessary conditions to be used as a screening tool to identify women with difficulties in the adaptation process to separation and divorce.
Key-words: Divorce, Questionnaire, Separation, Women.
INTRODUÇÃO
O divórcio contribuiu nas últimas décadas, nos países desenvolvidos, para uma mudança da estrutura familiar que afecta cada vez mais famílias (Teachman, Tedrow, & Hall, 2006). Segundo Cummings e Davies (1994), aproximadamente 40% das crianças nascidas nos finais dos anos 70 e início dos anos 80 experienciaram o divórcio dos seus pais. Sensivelmente metade das crianças no mundo Ocidental, com menos de 18 anos de idade, viva no seio de famílias divorciadas (Amato, 2000).
Entre outras, duas ordens de razões fundamentais são avançadas para este crescimento das taxas de divórcio, uma de natureza jurídica, outra relacionada com a forma de viver a conjugalidade (De Putte & Matthijs, 2001; Emery, 1994; Guttmann, 1993; Torres, 1996). As alterações jurídicas passaram a consignar o divórcio na base das incompatibilidades pessoais e não apenas por violação reiterada dos deveres conjugais como motivo de separação, isto é, foram eliminadas as barreiras jurídicas à separação e ao divórcio, tornando mais fácil o divórcio por mútuo consentimento (De Oliveira, 2002; Théry, 1996).
Por outro lado, as pessoas divorciam-se mais que no passado, porque casam de uma forma diferente, com valores que enfatizam mais a relação interpessoal, do que a dimensão institucional do casamento (Amato, 2007; Cherlin, 2004). Nesta perspectiva, o casamento teria evoluído de uma dimensão instrumental de sobrevivência, para uma dimensão afectivo-relacional moderna, perdendo o seu sentido de perenidade e tornando-se mais vulnerável à dissolução. De facto, a sociedade moderna, incentiva a selecção do parceiro conjugal na base dos afectos e não da sobrevivência. Mas, o sentimento é mais efémero do que a sobrevivência, pelo que o casamento baseado no amor, é mais vulnerável do que o baseado nas necessidades económicas (Huston, Caughlin, Houts, Smith, & George 2001; Mitterauer & Sieder, 1983).
Em Portugal, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2007), o rácio casamento/divórcio tem vindo a aumentar de forma gradual e sustentada (numero de divórcios por 100 casamentos). Em 1999, um em cada quatro casamentos terminou em divórcio. As estatísticas demográficas mostram uma aceleração da percentagem de divórcios que passou de 12,6%, em 1989, para 30% em 2000, 46, 4% em 2005 e 68.9% em 2010.
Segundo Wallerstein e Blakeslee (1990) e Mikusko (2008), o divórcio quase nunca é uma decisão mútua, e quando numa família há filhos a experiência é única. Em alguns aspectos, é o mais parecido à morte de um ente querido, ambas as experiências implicam alterações vitais, tanto internas, quanto externas. Ambas as experiências implicam perda e dor, ambas implicam, como consequência, mudanças perduráveis na vida quotidiana e ao nível das relações íntimas. No entanto, o divórcio é diferente, na medida em que contém em si uma opção (pelo menos para uma das partes), com a promessa de um resultado positivo. O divórcio é uma crise especial porque, simultaneamente, cria novas soluções e novos problemas (Wegscheider-Cruse, 1999) alterando as rotinas familiares, papéis, circunstâncias económicas e as relações familiares obrigando a uma restruturação familiar (Baum, 2007; Greeff & Van Der Merwe, 2004). Os sentimentos de perda e sofrimento combinam-se com amor e ódio. Surgem os ciúmes sexuais, reforçados pelo sentimento de traição particularmente quando o ex-esposo(a) volta a casar (Portnoy, 2006). Quando ocorre a separação de um matrimónio que durou muitos anos, a própria identidade da pessoa pode ver-se ameaçada do ponto de vista da saúde física e psicológica como está bem documentado na literatura (Christian-Herman, O’Leary, & Avery-Leaf, 2001; Cutright & Fernquist, 2005; Portnoy, 2006; Sweeney & Horwitz, 2001). Nem todos os adultos lidam mal com a separação marital. Alguns conseguem lidar bem com a transição (Amato, 2010; Mancini, Bonanno, & Clark, 2011) mas para outros, a separação marital está associada a um decréscimo no bem estar psicológico (Lucas, 2005) e no aumento de riscos para a saúde física (Sbarra, Law, & Portley, 2011.
Emery (1994) refere que o sofrimento da perda no divórcio é muito semelhante ao experien ciado com a morte de alguém que nos é querido, com apenas uma excepção: nada é definitivo no divórcio. Para muitos ex-cônjuges, bem como para muitas crianças, a possibilidade de reconci liação mantém-se de pé, mesmo após terem decorrido vários anos. Este aspecto significa, que a experiência de sofrimento no divórcio é mais provável que se venha a repetir, prolongar e, eventualmente, a não resolver-se.
O divórcio engendra um conjunto de perdas sucessivas: a perda dos sonhos, dos objectivos por atingir, da fé, da confiança e segurança. Paralelamente, para muitos dos casais que se separam, o processo de ruptura parece conhecer certo desfasamento, isto é, os sentimentos vivenciados por cada um dos ex-cônjuges, poderão não coincidir no tempo (Wegscheider-Cruse, 1999).
No processo de divórcio, predominam o papel de alguns afectos, nomeadamente, o amor, a raiva e a tristeza, sendo frequentes as oscilações de cada uma destas emoções contraditórias (Emery, 1994). Todavia, estes sentimentos parecem ser experienciados de forma diferente pela parte que primeiro toma a decisão de ruptura do casamento e pelo cônjuge que o segue, tanto no que se refere às consequências interpessoais dos conflitos, no sentimento de desgosto e confiança (Rosenstock, Rosenstock, & Weiner, 1988) como ao nível do conflito de identidade e na redefinição de novos papéis no pós divórcio (Erickson, 1991; Kitching, 2008).
A relação de amor entre os elementos do casal altera-se radicalmente com o divórcio. O que parece menos óbvio, é que as novas fronteiras de intimidade não são automaticamente definidas com a separação conjugal ou com o divórcio. A decisão de divórcio é tipicamente acompanhada por muita ambivalência e incerteza, mesmo da parte do indivíduo que iniciou a acção (Gilbert, Pinel, Wilson, Blumberg, & Wheatley, 1998) pelo que a redefinição de novas fronteiras leva, muitas vezes, anos a completar.
As mudanças familiares após o divórcio podem também variar desde a amizade a constantes batalhas sobre qualquer assunto relacionado com os filhos (Krumrei, Coit, Martin, Fogo, & Mahoney, 2007) já que o divórcio não termina a relação mas transforma-a noutro tipo de relação que persiste findo o casamento. O facto de muitas separações e divórcios não resultarem de acordos comuns contribui para perceber como é difícil, para os divorciados, renegociar as regras de intimidade entre os ex-cônjuges particularmente nas situações de divórcio litigioso o que causa erosão na relação posterior entre os filhos e os pais (Elrod, 2001; Elrod & Ramsey, 2001).
Antes do divórcio, habitualmente, um dos cônjuges abandona primeiro o casamento. Neste caso, uma das partes quer que a relação termine, enquanto a outra quer que a relação continue; portanto, cada uma das partes pretende diferentes delimitações de intimidade para o futuro relacionamento. Habitualmente, o que primeiro decide abandonar a relação estará menos envolvido no relacionamento que o outro (Emery, 1994). O cônjuge abandonado, normalmente, teve pouco tempo para se preparar para o fim do casamento e, mesmo no caso de ter tido algum tempo, este é utilizado para reparar a relação e não para lidar com o sentimento de perda. Consequentemente, a intenção do cônjuge que tomou a decisão de separação, pode ser interpretada pelo abandonado, no sentido do primeiro ainda o continuar a amar, não estando disposto a aceitar a sua proposta. O resultado destes diferentes sentimentos e desejos é que nenhuma das partes está inclinada a concordar, ou satisfeita com as delimitações de intimidade que a outra lhe desenha (Erickson, 1991) e este aspecto tem implicações na adaptação ao divórcio. De facto, de acordo com Amato e Previti (2003), os indivíduos que desejam o divórcio mais que os seus cônjuges apresentam melhor ajustamento ao divórcio, mais satisfação com a vida e menor vinculação ao parceiro e, por sua vez, aqueles que inicializam oficialmente o divórcio (abandonadores) apresentam mais ajustamento ao divórcio.
Parte do problema que os ex-cônjuges têm na redefinição da vivência da emocionalidade pode ser entendido em termos das diferentes experiências de sofrimento relacionadas com o divórcio. As diferenças, entre aquele que primeiro abandona a relação e o que a abandona depois, dizem respeito mais à intensidade do que à variedade e tonalidade dos sentimentos (Emery, 1994; Gray & Silver, 1990). Em geral, a intensidade dos sentimentos daquele que primeiro tomou a decisão é menos intensa, porque a sua dor inicia-se antes da separação (Wallerstein & Blakeslee, 1990). A dor ou sofrimento do que decide abandonar é semelhante à experienciada na sequência de uma doença crónica na fase terminal pelo contrário, aquele que é abandonado experiência uma dor semelhante à da morte súbita e inesperada de um ente próximo (Emery, 1994; Théry, 1996). Assim, o apoio social torna-se fundamental e, muitas vezes devido ao divórcio, a rede social dos parceiros quebra-se e os laços com os amigos mútuos e família dissipam-se (Garner, 2008) particularmente para os homens (Coley, 2006; Warshak, 2000).
O nível de educação mais elevado parece ser protector do casamento. De facto a literatura revela que os casais com um nível de escolaridade mais baixo divorciam-se mais (Bumpass, Castro Marim, & Sweet, 1991; South, 1995). Contudo, outros estudos não encontraram uma relação entre nível socioeconómico do marido e o risco do divórcio (Bracher, Santow, Morgan, & Trussel, 1993). O divórcio acontece com mais frequência nos casais com nível de escolariedade baixo contudo a idade com que se casaram parece ser um mediador na relação entre educação e dissolução marital (Kiernan & Mueller, 1998).
Em suma, o divórcio afeta um grande número de adultos, De facto, o número de pessoas afectadas negativamente pelo divórcio é maior que o número de pessoas afectadas pelo consume do tabaco que desenvolvem cancro (Wallerstein, 2005). O Centro de Controlo de Doenças dos Estados Unidos (2007) revelou que 400.000 Americanos morrem cada ano devido ao consumo de tabaco que corresponde a menos de 1% comparado com os 10% de adultos e crianças que experienciam problemas graves devido ao divórcio.
O presente estudo teve por objectivo a criação de um questionário que avaliasse as vivências do processo de separação e divórcio por parte das mulheres com filhos no sentido de rastrear no futuro as mulheres com dificuldades para poderem ser referenciadas para programas de intervenção psicológica, e desta forma minorar o impacto do divórcio nelas e seus filhos.
MÉTODO
Participantes
Participaram nesta investigação 165 mulheres separadas e divorciadas, com pelo menos um filho do casamento, com idades actuais compreendidas entre os 24 e os 55 anos (mediana=38, média=38.8, desvio padrão=8.1). As idades do casamento estão compreendidas entre os 16 e os 35 anos (média=22.8, desvio padrão=4).
Em termos de escolaridade, 46.6% das mulheres têm como grau de escolaridade máximo o 9º ano, 30.7% tem escolaridade compreendida entre o 10º ano e o 12º ano completo e 22.7% tem o bacharelato ou licenciatura. As mulheres têm entre 1 e 5 filhos, sendo que 93.3% tem 1 ou 2 filhos. Apenas 2.5% eram reformadas e 4.3% estavam desempregadas, As restantes encontravam-se no activo. Na altura da separação, 66.9% residiam em zona urbana e 33.1% em zona rural.
Da totalidade da amostra, 71.9% mulheres são divorciadas e 28.1% estão separadas de facto. No que respeita aos fundamentos do divórcio judicial, 33.8% seguiram a via do divórcio litigioso e 66.2% seguiram a via do divórcio por mútuo consentimento. No que se refere à culpa na separação, 36.8% das mulheres consideram que a culpa da separação é exclusivamente do excônjuge e em 39.3% consideram que a culpa é de ambos.
Instrumento
As participantes preencheram um questionário constituído por uma série de afirmações relativas ao casamento, separação e divórcio. Para cada afirmação são propostas cinco possibilidades de resposta, numa escala tipo de Likert de 5 pontos: 1=“discordo totalmente”, 2=“discordo”, 3=“nem concordo nem discordo”, 4=“concordo” e 5=“concordo totalmente”.
O presente questionário foi elaborado a partir de narrativas de mulheres separadas e divorciadas tendo os dados sido tratados através do software informático NUD*IST. Foram realizadas entrevistas não estruturadas, com apenas duas perguntas abertas: 1 – “Gostaria que me falasse do seu processo de separação”; 2 – “Como viveu o processo em termos emocionais”. Através de um processo de categorização emergente foram identificadas categorias, subcategorias e tópicos, que deram origem à construção do Inventário Feminino de Vivências do Processo de Separação e Divórcio (IFVPSD). Os itens foram formulados a partir das categorias, subcategorias e tópicos da categorização emergente (Pinto & Pereira, 2005).
Procedimento
As mulheres foram identificadas através do Tribunal de Família e de Menores de Braga e das equipas do Instituto de Reinserção Social do Núcleo de Braga. A participação foi voluntária. As mulheres foram convidadas a participar quando se deslocavam ao tribunal de menores ou ao instituto.
Análise de dados
Para estudar a validade de conteúdo, procedeu-se a realização duma analise factorial exploratória tendo-se procedido previamente à realização do teste de esfericidade de Bartlett (sig≤.001) e a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin com o objectivo de aferir da adequabilidade da amostra à análise factorial. Apresentam-se as saturações para cada item que compõe a escala e os valores próprios e a variância explicada por cada factor após a rotação pelo método ortogonal de Varimax bem como a média, o desvio padrão e o alfa da Cronbach para cada escala e as correlações entre cada item e o total da escala.
Posteriormente para analisar as diferenças nas cinco dimensões do questionário ao nível da escolaridade, perceção da culpa na separação e tipo de divórcio, foram realizadas Manovas dados os pressupostos, nos três casos, para a utilização de testes paramétricos estarem cumpridos.
RESULTADOS
Pelo teste de esfericidade de Bartlett (sig≤.001) e pela medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO .753) concluiu-se pela existência de correlações significativas entre as variáveis em análise e, concomitantemente, pela adequação da amostra à análise factorial. Com base no scree plot, foram, considerados apenas 5 factores, com uma explicação da variância superior a 8% e com valores próprios superiores a 2.5, explicando 49.25% da variância total.
Neste contexto, o primeiro factor explica 11.08%, o segundo factor explica 10.62%, o terceiro factor explica 10.53%, o quarto factor explica 8.92% e o quinto factor explica 8.10% da variância. Assim, o primeiro factor, constituído por 6 itens, com uma explicação de 11.08% da variância apresenta um alfa de Cronbach de .82 (Tabela 1) remete-nos para a crise conjugal e conflitualidade durante o casamento, bem como para o desejo e previsibilidade da separação. Este factor centra-se na crise relacional e no conflito anterior ao processo de separação, pelo que denominamos esta dimensão de disfuncionalidade conjugal. Assim, valores elevados neste factor remetem-nos para um mau relacionamento conjugal. Neste sentido, os itens 4 e 5 são cotados de forma inversa (Tabela 1).
O segundo factor explica 10.62% e apresenta um alfa de Cronbach de .81 (Tabela 2) e remete para o relacionamento com o ex-cônjuge, quer nos aspectos referentes ao relacionamento com o ex-cônjuge de uma forma directa, quer através do relacionamento do ex-cônjuge com os filhos.
Como podemos observar, o segundo factor inclui itens relativos ao relacionamento com o excônjuge ao longo do processo de separação, mas também após a separação. Inclui constructos relacionados com a conjugalidade e com a parentalidade. Valores elevados apontam para uma conflitualidade mais elevada. Neste sentido, os itens 16, 17 e 28 são invertidos (Tabela 2).
O terceiro factor explica 10.53% da variância e tem um alfa de Cronbach de .72 (Tabela 3). Este factor centra-se nos sentimentos vivenciados no processo de separação: sentimentos de tonalidades afectivas negativas, como solidão, tristeza, raiva, desespero, frustração, bem como nos conflitos de identidade e processo de luto resultantes do processo de separação.
Este factor mede as vivências emocionais, o que significa que valores elevados neste factor apontam para vivências emocionais mais negativas (Tabela 3).
O quarto factor explica 8.92% da variância e tem uma fidelidade de .79 (Tabela 4) e centra-se na falta de apoio e suporte dos familiares e amigos. Denominamos este factor de apoio social. Valores elevados nesta dimensão apontam para reduzido apoio social por parte de familiares e amigos. Neste sentido, os itens 9 e 15 são cotados de forma inversa (Tabela 4).
O quinto factor tem uma explicação de 8.10% da variância e possui um alfa de Cronbach de .74 (Tabela 5), que embora mais baixo que nos anteriores factores, se situa em valores considerados aceitáveis (Almeida & Freire, 1997).
O quinto factor remete-nos para a adaptação à separação, e para a forma como as mulheres separadas e divorciadas superaram as dificuldades inerentes à separação. Assim esta dimensão aponta para a recuperação pós separação, isto é para a adaptação à separação. Valores elevados nesta dimensão apontam no sentido de uma má adaptação à separação. Neste sentido, o item 26 é cotado de forma inversa (Tabela 5)
Diferenças nas Dimensões do IFVPSD em função do Nível de Escolaridade
No nível de escolaridade mais baixa, até ao 9º ano, a disfuncionalidade conjugal e emocionalidade negativa são mais elevadas (Tabela 6). Os testes de Scheffé revelaram que as diferenças significativas só se situam entre o grupo de ensino básico e o grupo de ensino secundário ao nível emocionalidade negativa (p=.020) e ao nível da disfuncionalidade conjugal mas, neste caso, apenas para um nível de significância de 10% (p=.087).
Diferenças nas Dimensões do IFVPSD em função Tipo de Divórcio Judicial
Verificaram-se diferenças nas dimensões disfuncionalidade conjugal e conflito entre o divórcio litigioso versus mútuo consentimento com ambas dimensões a apresentarem resultados superiores no divórcio litigioso (Tabela 7).
Diferenças nas dimensões do IFVPSD em função da Perceção da Culpa na Separação
As mulheres que atribuem, a “culpa” da separação exclusivamente ao marido vivenciam de forma mais negativa o processo de separação do que aquelas que repartem as culpas da separação com o ex-cônjuge. Os testes de Scheffé revelaram que a diferença se situa entre a culpa atribuída ao ex-marido versus atribuída a ambos (p=.018).
DISCUSSÃO
As mulheres com escolaridade mais baixa apresentam mais disfuncionalidade conjugal e conflito. Estes resultados estão provavelmente associados ao facto de serem mais vítimas de maus tratos enquanto que as mulheres de escolaridade elevada percepcionam mais frequentemente como motivos de separação as incompatibilidades pessoais, como verificamos nos resultados do questionário demográfico, o que explica em particular, ao nível da disfuncionalidade. Para um nível de conflitualidade mais elevado contribui esta ligação contínua à disfuncionalidade, mas também o facto de no presente estudo, existir maior representatividade das mulheres de escolaridade baixa no divórcio litigioso. De facto, a literatura, refere que as mulheres de escolaridade mais baixa percepcionam a ruptura do seu casamento devida a motivos de separação ligados à sobrevivência, enquanto nas mulheres de escolaridade mais elevada valorizam mais a insuficiente qualidade da relação, i. é, a dimensão afectivo-relacional (Ambert, 2009).
Os resultados obtidos apontam para a existência de diferenças ao nível da conflituosidade no divórcio litigioso e por mútuo consentimento, como seria de esperar. A percentagem de divórcios litigiosos em Portugal tem vindo a decrescer, embora muitos dos divórcios, iniciados através de um processo litigioso sejam depois convertidos em divórcios por mútuo consentimento. Os divórcios litigiosos decorrem num prazo mais alargado e em tribunal, sendo necessário fazer prova da violação culposa e reiterada de um, ou mais dos deveres conjugais, com testemunhas e com todo o ritual judiciário (De Oliveira, 2002). Segundo o autor, a política legislativa relativamente ao divórcio conheceu alterações significativas nas últimas décadas. A alteração legislativa mais importante, tem a ver com a introdução do divórcio sem culpa ou divórcio por mútuo consentimento. O divórcio por mútuo consentimento não requer que uma das partes seja declarada culpada e pode ser obtido quando ambos os cônjuges estão de acordo que a continuação do casamento é incompatível. Nesta perspectiva, o divórcio por mútuo consentimento parte do princípio, como refere Guttmann (1993), que as diferenças de personalidade irreconciliáveis provocaram a ruptura do casamento.
De facto, o divórcio por mútuo consentimento baseia-se no facto de não ser necessário declarar a culpa, isto é, ambos os cônjuges aceitam que o casamento falhou devido a incompatibilidades pessoais. Ao invés, o divórcio litigioso é um divórcio sanção e assenta numa violação reiterada de um ou mais dos deveres conjugais (De Oliveira, 2002).
Por outro lado, as mulheres que seguem a via do divórcio litigioso fazem-no habitualmente porque não conseguem resolver algumas divergências no processo de separação por via consensual, e daí ser natural, que as mulheres que seguem a via do divórcio litigioso tenham um nível mais elevado de disfuncionalidade conjugal. Acresce, também, que o ritual dos tribunais, com a necessária atribuição da culpa a um dos cônjuges, acaba por dificultar um entendimento pós divórcio agravando a conflitualidade. Neste contexto, se o ritual judiciário do divórcio litigioso tende a agravar o conflito, a determinação da culpa, acaba por ditar que um dos cônjuges sai vencedor e outro perdedor, o que tenderá a exacerbá-lo e a vincar as emoções negativas (Tesler & Thompson, 2008). Assim, da análise dos resultados, conclui-se que as mulheres que recorrem ao divórcio litigioso eram também as mulheres que já apresentavam maior conflitualidade relacional.
Em termos de culpa, as mulheres, habitualmente, culpam o ex-cônjuge em exclusividade da separação, ou a ambos, mas raramente se culpam unicamente a si próprias. Na nossa amostra, das 96 mulheres nenhuma se culpa a si própria em exclusivo. Assim, também se verifica que as mulheres que atribuem, a “culpa” da separação exclusivamente ao marido vivenciam de forma mais negativa o processo de separação do que aquelas que repartem as culpas da separação com o ex-cônjuge. Parece, pois, que as mulheres ao partilharem a responsabilidade da separação assumem-na internamente, o que contribuirá para ajudar a reorganizar e recuperar emocionalmente após o divórcio e a perdoar (Enright & Fitzgibbons, 2000). Ao invés, a atribuição da responsabi lidade ao ex-cônjuge, a projecção da culpa no “outro”, não ajuda a reorganizar internamente os sentimentos e emoções e poderá contribuir para tornar as emoções negativas mais vincadas e prolongadas enfatizando sentimentos de vingança e rejeição muitas vezes associados ao desejo de ter algum controlo na situação e restaurar a dignidade perdida (Fitness, 2001). A atribuição da responsabilidade ao ex-cônjuge poderá contribuir para tornar as emoções negativas mais vincadas e prolongadas. Investigações futuras são necessárias para testar esta hipótese.
Por outro lado, quando as mulheres assumem que a culpa é dos dois cônjuges, provavelmente o casamento estava baseado numa dimensão afectiva-relacional e a sua ruptura deve-se, em grande medida, a características de incompatibilidade pessoal. Investigação futura deveria testar esta hipótese tendo em consideração a relação entre atribuição de culpa e motivos do divórcio em ambos os cônjuges.
Este estudo apresenta algumas limitações em relação à sua validade externa, nomeadamente a amostra ter sido recolhida só numa região do país, com especificidades próprias, especialmente no que se refere à ambiência religiosa que, como vimos é um importante aspecto a ter em consideração na análise da problemática da separação e divórcio.
Investigações futuras devem avaliar se a duração do casamento funciona como um factor moderador entre cada uma das dimensões avaliadas e o ajustamento a monoparentalidade, por um lado, e de que forma estas vivências do processo de separação e divórcio contribuem para o ajustamento dos filhos e para o ajustamento a uma nova reconstrução familiar.
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Nome autor principal, M. Graça Pereira, Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga. E-mail: gracep@psi.uminho.pt