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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.33 no.1 Lisboa mar. 2015

https://doi.org/10.14417/ap.816 

Desenvolvimento da Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades Psicológicas de Proximidade e Autonomia: Relação com o bem-estar e mal-estar psicológicos

Filipe Bernardo1, António Branco Vasco2

1Irmãs Hospitaleiras

2Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa

Correspondência

 

RESUMO

As Necessidades Psicológicas têm tido um papel chave no estudo do Bem-estar Psicológico. O Modelo da Complementaridade Paradigmática propôs que este Bem-estar resulta da regulação da satisfação de sete pares de Necessidades dialécticas, entre as quais a Proximidade e Autonomia. Por sua vez, esta regulação é realizada através de um processo contínuo de negociação e balanceamento de cada par dialéctico. Pretendeu-se criar a Escala de Regulação de Satisfação de Necessidades – Proximidade/Autonomia, ERSN-P/A, que avaliasse o grau de regulação destas necessidades e compreender a sua relação com o Bem-estar e Mal-estar Psicológicos, medidos pelo Inventário de Saúde Mental (ISM). Ambos os instrumentos foram aplicados a 237 participantes através de uma plataforma digital online. Os resultados, tal como esperado, revelam uma boa consistência interna da ERSN-P/A. Outrossim, verifica-se uma relação positiva e significativa entre o Bem-estar Psicológico e as regulações de Proximidade e Autonomia. Para estas necessidades, o Mal-estar Psicológico apresenta associações negativas e significativas. Na comparação de quatro grupos com regulação de necessidades distintas, registam-se diferenças significativas em termos de Bem-estar e Mal-estar Psicológicos. Discutem-se as limitações do estudo, as suas implicações para a prática clínica e propostas para investigações futuras.

Palavras-chave: Bem-estar psicológico, Mal-estar psicológico, Necessidade psicológica, Proximidade, Autonomia, Modelo de complementaridade paradigmática.

 

ABSTRACT

Psychological Needs have played a key role in Psychological Well-being research. The Paradigmatic Complementarity Model suggests that Well-being results from the regulation of seven pairs of dialectical Psychological Needs, including Relatedness and Autonomy. In turn, this regulation is accomplished through a continuous process of negotiation and balancing of each dialectical pair. This study intended to create a Needs Satisfaction Regulation Scale – Relatedness/Autonomy (NSRS-R/A) that assessed both needs’ regulation degree and to understand its association with Psychological Well-Being and Distress, who were both measured by the Portuguese version of the Mental Health Inventory. Both instruments were applied to 237 subjects through a web platform. As expected, results suggest good reliability for the NSRS-R/A. Furthermore, results indicate a significant positive association between Psychological Well-being and both needs’ regulation degree. Psychological Distress, on the other hand, presents a significant negative association with both needs. By comparing four groups with different needs’ regulation levels, significant differences were found concerning Psychological Well-being and Distress. Study constraints as well as clinical and psychotherapeutic implications and further research suggestions are presented.

Key-words: Psychological well-being, Psychological distress, Psychological need, Relatedness, Autonomy, Paradigmatic Complementarity Model.

 

A investigação sobre o bem-estar psicológico tem tentado explicitar os seus correlatos ou determinantes, tais como idade, género, etnia, educação, estado conjugal, crenças religiosas, inteligência, contacto social e variáveis de personalidade (Diener, 1984; Diener, Suh, Lucas, & Smith, 1999). Entre as últimas, encontram-se as necessidades psicológicas.

O interesse actual por este constructo originou várias listas de necessidades candidatas a forças motivadoras do comportamento (e.g., Murray, 1938/2008) ou nutrientes psicológicos essenciais ao bem-estar psicológico (e.g., Deci & Ryan, 2000). Contudo, apesar da multiplicidade, diversidade e abrangência de propostas, as necessidades de proximidade (i.e., estabelecimento e manutenção de relações íntimas) e autonomia (i.e., auto-determinação e diferenciação) são frequentemente referidas como precursoras de um funcionamento adaptativo (e.g., Baumeister & Leary, 1995; Deci & Ryan, 2000; Epstein, 1993; Sheldon, Elliot, Kim, & Kasser, 2001).

Contudo, a relação entre estas necessidades não tem sido descrita de forma suficientemente clara, encontrando uma formulação explícita no Modelo de Complementaridade Paradigmática (Vasco, 2009). Este modelo propôs sete pares de necessidades dialécticas, entre as quais se incluem as necessidades supracitadas, cuja regulação teria efeitos nos níveis de bem e mal-estar psicológicos. Concretizando, pressupõe-se que o Bem-estar Psicológico resulta de um processo contínuo de negociação e balanceamento das polaridades dialécticas, o qual é responsável por uma regulação satisfatória das necessidades de Proximidade e Autonomia. Deste modo, o Bem-estar e Mal-estar Psicológicos resultam da capacidade do indivíduo em atender, simbolizar e negociar os requisitos experienciais inerentes ao estabelecimento/manutenção de relações próximas e à auto-determinação.

O presente artigo pretende contribuir para o desenvolvimento de um instrumento de avaliação do grau de regulação destas necessidades, bem como explorar a natureza da relação entre as mesmas.

 

Necessidades psicológicas e bem-estar psicológico

O interesse pela natureza das necessidades psicológicas e o seu impacto no funcionamento humano iniciou-se nos princípios do século XX, tendo sido estudadas por diversos autores, os quais propuseram listas de necessidades universais (e.g., Deci & Ryan, 1985; Epstein, 1993; Freud, 1920; Maslow, 1943; McDougall 1908; Murray, 1938/2008; Sheldon et al., 2001).

No princípio dos anos 80, e após algumas décadas de escassa investigação, com o desenvolvimento da Teoria da Auto-Determinação (TAD), resumiu-se o estudo das necessidades psicológicas e o seu impacto em vários domínios do comportamento humano (e.g., trabalho, relações interpessoais, educação, parentalidade, saúde física e mental, Deci & Ryan, 2008). Neste período, a TAD foi aplicada e investigada num domínio que mereceu um destaque consistente: o Bem-estar Psicológico.

Para estes autores, as Necessidades são requisitos experienciais ou nutrientes psicológicos essenciais à regulação de níveis de bem-estar e mal-estar psicológico. De uma forma mais específica, propuseram três necessidades psicológicas (Autonomia, Proximidade e Competência) cuja satisfação é essencial para que seja experienciado Bem-estar. A Autonomia refere-se à experiência de escolha, autoria e apoio ao mais alto nível de consciência de um determinado comportamento. A Proximidade é a experiência de ser compreendido, de estar em ligação com e de ser apreciado pelos outros. Já a noção de competência respeita ao sentido de auto-eficácia na obtenção de resultados em tarefas exigentes.

A investigação empírica realizada tem sustentado os pressupostos teóricos apresentados pela Teoria da Auto-Determinação, na medida em que a satisfação destas necessidades associa-se positivamente a medidas de Bem-estar Psicológico (e.g., Reis, Sheldon, Gable, Roscoe, & Ryan, 2000S; heldon, Ryan, & Reis, 1996) e a sua privação ao longo do ciclo vital constitui uma condição facilitadora para o desenvolvimento de perturbações mentais, como a anorexia e bulimia nervosa, a título de exemplo (Strauss & Ryan, 1987).

 

Proximidade e autonomia: Necessidades dialécticas

A relação dialéctica entre estas necessidades implica afirmar que existe um elemento de contraste e de síntese nas estruturas psicológicas envolvidas na regulação da satisfação das necessidades de Proximidade e Autonomia. Ou seja, por um lado, é-lhe inerente um elemento de oposição e tensão, na medida em que, em algumas circunstâncias, os requisitos necessários para a satisfação conjunta e simultânea são incompatíveis. Este cenário ocorre quando, por exemplo, numa relação interpessoal abdicamos de certas actividades preferidas a favor de outras, de maneira a satisfazer os interesses do outro, permitindo a manutenção do laço relacional (Deci & Ryan, 2000). Por outro lado, a relação entre necessidades poderá caracterizar-se por ser sinérgica e mutualista, no sentido em que o desenvolvimento da capacidade de regulação de Proximidade com qualidade (não dependente) influi e beneficia a regulação da necessidade de Autonomia com qualidade (não evitante) e vice-versa.

Esta relação dialéctica foi posta em evidência por Blatt (2008). Baseando-se na Teoria de Desenvolvimento Psicossocial de Erikson (1982), o autor defendeu que o desenvolvimento saudável da personalidade envolve a maturação ao longo de duas linhas de desenvolvimento – individuação e relacionamento. Contudo, o desenvolvimento ao longo destas não é serial e estanque, mas sim, sinérgico e dialéctico. Assim, o desenvolvimento de uma personalidade organizada e madura implica a progressão emparelhada entre estas linhas, sendo que a diferenciação ao nível da Individuação potencia o desenvolvimento de estruturas e processos psicológicos mais capazes de estabelecer e manter relações interpessoais; e estes, por sua vez, potenciam níveis superiores de Individuação e definição do Self. Deste modo, o desenvolvimento psicológico do indivíduo, ao longo do ciclo vital, requer uma série de transacções mutualistas e dialécticas entre estes dois eixos de organização da personalidade.

Blatt (2008) relacionou o desenvolvimento destas duas dimensões de personalidade com a regulação de necessidades de Proximidade e Autonomia. Para tal, fez a correspondência entre individuação e necessidades de Autonomia e Competência, bem como entre relacionamento e necessidade de Proximidade. Assim, tendo em conta esta associação entre o modelo de Blatt e a TAD, foi possível retirar duas conclusões. Em primeiro lugar, a diferenciação progressiva destes selves (i.e., self relacional e self individuado) permite níveis progressivamente superiores de regulação da satisfação de necessidades de Proximidade e Autonomia. Isto é, quanto mais relacionais e individuados formos, mais capazes seremos de regular a satisfação de necessidades de Proximidade e Autonomia. Em segundo lugar, o desenvolvimento dos processos psicológicos responsáveis pela regulação de necessidades tem o mesmo carácter sinérgico e dialéctico da perspectiva desenvolvimentista de Blatt, no sentido em que se influenciam mútua e reciprocamente.

Nesse sentido, a investigação empírica realizada sobre este tema tem apresentado dados que apoiam a relação dialéctica entre estas necessidades, existindo associações positivas entre a autonomia e estilos de vinculação seguros (Leak & Cooney, 2001, citado em LaGuardia & Patrick, 2008) e satisfação relacional (Hodgins, Koestner, & Duncan, 1996; Patrick, 2007, citado em LaGuardia & Patrick, 2008).

 

Modelo de complementaridade paradigmática

O Modelo de Complementaridade Paradigmática (Vasco, 2009) hipotetizou sobre a natureza e relação entre necessidades psicológicas. Para esse efeito, propôs sete pares de necessidades dialécticas cuja regulação teria efeitos nos níveis de bem e mal-estar psicológico obtidos pelas pessoas. Estas necessidades são: (1) Prazer – Dor (capacidade de obtenção e apreço de prazer físico e psicológico; capacidade de suportar dores inevitáveis e de atribuir significado à dor); (2) Proximidade – Autonomia (capacidade de estabelecer e manter relações íntimas; capacidade de auto-determinação e diferenciação); (3) Produtividade – Lazer (capacidade para concretizar feitos valorizados pelo próprio; capacidade para se envolver e desfrutar em actividades não-produtivas); (4) Controlo – Cedência (capacidade de influenciar o ambiente; capacidade de delegar e abdicar de controlo); (5) Actualização/Exploração – Tranquilidade (capacidade para explorar e expor-se à novidade; capacidade para apreciar o que se possui); (6) Coerência do Self – Incoerência do Self (congruência entre o Eu real e o Eu ideal, congruência entre o que se pensa, sente e faz; capacidade para tolerar conflitos e incongruências ocasionais); (7) Auto-estima – Auto-Crítica (capacidade para sentir-se satisfeito consigo próprio; capacidade para identificar, tolerar e aprender com insatisfações pessoais).

A par de sugerir estas necessidades, este modelo vincou a relação dialéctica entre as mesmas, explicitando os processos psicológicos subjacentes à regulação contínua das mesmas. Assim, pressupõe-se que o Bem-estar Psicológico resulta de um processo contínuo de negociação e balanceamento das polaridades dialécticas, o qual é responsável por uma regulação satisfatória das mesmas. Aplicando este processo ao caso específico das necessidades destacadas no presente estudo, o Bem-estar e Mal-estar psicológicos serão consequências da capacidade do indivíduo em atender, simbolizar e negociar os requisitos experienciais de Proximidade e Autonomia.

Assim e em jeito de resumo, a investigação feita nesta área tem vindo a demonstrar a existência de uma associação positiva entre a satisfação de necessidades de Proximidade e Autonomia e o Bem-estar psicológico e uma associação negativa ao Mal-estar Psicológico. Simultaneamente, tem havido um aumento de conhecimento em termos conceptuais relativamente à relação dialéctica e sinérgica entre o funcionamento autónomo e a capacidade de estabelecer e manter relações próximas. Contudo, esta conceptualização não reconhece, de forma suficientemente explícita, a ligação entre os diferentes níveis de funcionamento em ambas as dimensões (Proximidade e Individuação, nos termos usados por Blatt, 2008) e a regulação da satisfação de necessidades propostas no presente estudo.

Tendo em conta esta limitação, achou-se pertinente a construção de um novo instrumento de avaliação do grau de regulação destas necessidades, o qual tivesse em consideração a conceptualização teórica proposta pelo Modelo de Complementaridade Paradigmática. Apesar de existirem instru mentos aptos a medir a satisfação da necessidade de Proximidade e de Autonomia (e.g., Reis et al., 2000; Sheldon et al., 1996), a estrutura dos mesmos não contempla de forma suficientemente explícita a natureza dialéctica e sinérgica destas necessidades. Noutras palavras, não incorporam o conceito de influência mútua e recíproca entre estas necessidades, no sentido de que o desenvolvimento da capacidade de regular a necessidade de Proximidade requer e beneficia do desenvolvimento da capacidade de regular a necessidade de Autonomia e vice-versa.

A par disso, a construção da Escala de Regulação da Satisfação das Necessidades de Proximidade e Autonomia (ERSN-P/A) disponibilizaria um instrumento que avalie, num determinado momento, o estado da capacidade das pessoas em regular as duas necessidades tidas como fundamentais a um funcionamento óptimo. Como tal, este instrumento poderá constituir uma ferramenta útil a terapeutas de várias formações teóricas, permitindo uma monitorização da progressão do paciente ao longo da terapia no que diz respeito à capacidade de estabelecer e manter relações íntimas e de ser autónomo.

A par desta lacuna, não foi feito nenhum estudo que tivesse como objectivo fundamental a determinação do funcionamento conjunto da capacidade de regulação da satisfação de necessidades de Proximidade e Autonomia no Bem-estar e Mal-estar Psicológico. Considerando o Modelo de Complementaridade Paradigmática, seria expectável que os indivíduos mais capazes de negociar e balancear as polaridades dialécticas de Proximidade e Autonomia obtivessem níveis elevados de regulação da satisfação de ambas as necessidades e, consequentemente níveis elevados de Bem-estar Psicológico e reduzidos de Mal-estar Psicológico. Este desempenho diferencial em termos de bem-estar seria válido para este grupo de indivíduos quando comparados com outros que não fossem tão capazes de tal equilíbrio, pois este último grupo, pelas dificuldades inerentes a este processo, teria um desempenho inferior.

Em suma, o processo de negociação e balanceamento de necessidades (variável que não é medida directamente no nosso estudo) tem efeito na regulação da satisfação das mesmas e consequentemente nos níveis de bem-estar. Ou seja, em teoria, quanto mais capazes forem os indivíduos a negociar e balancear as necessidades, melhores serão os seus níveis de regulação de necessidades e, consequentemente, de bem-estar. Como tal, esperou-se demonstrar a provável importância do processo dialéctico de regulação indirectamente, através da comparação do grupo com níveis elevados de regulação em proximidade e autonomia com os restantes grupos.

Assim, este estudo propôs-se a desenvolver um instrumento de medida de regulação da satisfação de necessidades de Proximidade e Autonomia, bem como a clarificar a relação entre estas medidas e resultados de Bem-estar e Mal-estar Psicológicos.

De uma forma mais concreta, hipotetiza-se que:

1) A regulação da satisfação da necessidade de Proximidade e Autonomia influencie, individualmente, o Bem-estar Psicológico. Isto é, os valores mais elevados em cada uma destas variáveis corresponderão a valores mais elevados de Bem-estar Psicológico.

2) A regulação da satisfação da necessidade de Proximidade e Autonomia influencie, individualmente, o Mal-estar Psicológico. Isto é, os valores mais reduzidos em cada uma destas variáveis corresponderão a valores mais elevados de Mal-estar Psicológico.

3) O grupo de indivíduos com níveis mais elevados de regulação simultânea de Proximidade e Autonomia apresentem resultados superiores de Bem-estar e inferiores de Mal-estar Psicológico, quando comparados com o grupo de indivíduos com níveis mais reduzidos em ambas as variáveis e com o grupo de indivíduos com níveis elevados em apenas uma delas (Proximidade ou Autonomia).

 

Método

 

Procedimento e participantes

De maneira a concretizar os objectivos propostos, foram colocados dois instrumentos (i.e., Inventário de Saúde Mental e Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades Proximidade/Autonomia) numa plataforma informática online privada (i.e., cujo acesso aos dados dos participantes era exclusiva aos investigadores), durante um período de dois meses. Por motivos de conveniência, a par da ERSN-P/A foram apresentados aos sujeitos duas outras escalas integrantes da Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades, correspondentes a outros pares dialécticos de necessidades: a Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades – Prazer/Dor e a Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades – Coerência/Incoerência.

A página de apresentação da plataforma informática consistiu num enunciado do tema, objectivo e método da investigação, bem como das condições de participação no mesmo, incluindo a garantia de confidencialidade e anonimato. De forma mais específica, e elaborando sobre o procedimento de selecção da amostra, estabeleceram-se as seguintes condições de participação necessárias: idade igual ou superior a 18 anos; nível de escolaridade mínimo equivalente ao 9º ano; Português como língua materna; e por último, o não-acompanhamento psicoterapêutico ou psiquiátrico no momento da participação no estudo. Esta última condição foi inserida com o propósito explícito de obter uma amostra não-clínica. A recolha destes dados identificativos (i.e., idade, género, estado civil e habilitações literárias) limitou-se ao estritamente necessário, pretendendo-se garantir a confidencialidade da informação prestada pelos participantes. Após a leitura desta página de apresentação do estudo, os participantes tinham a possibilidade de avançar para o preenchimento dos questionários.

Com a aplicação deste procedimento obteve-se uma amostra de 237 participantes. Esta amostra foi constituída pelos participantes que acederam à plataforma informática e completaram todos os itens propostos, tendo sido excluídos 10 participantes os quais iniciaram os questionários, mas não os concluíram. Na sua maioria, os participantes eram do sexo feminino (72.57%), com uma idade média de 30.2 anos (DP=9.97), variando entre os 18 e os 64 anos e habilitações literárias predominantemente de nível superior (84.81%). Na sua maioria, tinham uma relação amorosa estável (62.45%).

 

Medidas

A Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades – Proximidade/Autonomia (ERSN-P/A) foi elaborada como medida da regulação de necessidades de Proximidade e Autonomia.

A ERSN-P/A consiste num instrumento de auto-relato composto por 2 subescalas (Proximidade; Autonomia) e 16 itens. Para cada item, os participantes indicam o seu grau de acordo. A sua resposta é classificada numa escala de tipo Likert, com oito pontos, a qual varia entre o valor 1 (discordo completamente) e 8 (concordo completamente). Ambas as sub-escalas basearam-se na revisão de literatura existente (e.g., Blatt, 2008) e na experiência clínica, a partir da qual formulou-se 16 itens alinhados conceptualmente com os modelos teóricos relevantes. Tendo em conta esta formulação conceptual, a versão disponibilizada aos participantes foi idêntica à versão inicialmente concebida pelos autores.

A sub-escala Proximidade é constituída por 8 itens, 2 dos quais invertidos e implica o desenvolvimento e manutenção de relações interpessoais significativas. Estas relações são caracterizadas por interacções agradáveis e frequentes (exemplificado no item “Tenho prazer em estar com os outros”). Simultaneamente, as interacções indicadoras de Proximidade implicam que as pessoas envolvidas nas mesmas experienciem afectos ou estados emocionais sensíveis ao bem-estar do outro (por exemplo, “Sinto-me preocupado(a) quando sei que pessoas próximas estão a sofrer”). Por último, incluiu-se na sub-escala de Proximidade o item “É inevitável que, por vezes, me sinta só” reflectindo um componente distinto associado às relações interpessoais: a experiência de conforto com a solidão. Esta característica deriva da conceptualização de Winnicott (1958), o qual defendeu que a capacidade de estar só deriva da experiência de relações interpessoais suficientemente boas.

A sub-escala de Autonomia é composta igualmente por 8 itens, 3 dos quais invertidos. Considerou-se que esta contém três componentes: agência, concordância com o self e diferenciação do self. A agência consiste num locus de causalidade interna ou de auto-determinação, em que a escolha subjacente a um acto resulta de características do próprio (i.e., crenças, desejos e valores). Em resultado da percepção da determinação causal interna, um indivíduo autónomo experiencia-se como a origem e causa das suas escolhas e comportamentos (por exemplo, “Sinto-me livre para escolher a maneira como vivo a minha vida”). O segundo componente de Autonomia define-se pela concordância com o self de decisões, objectivos e comportamentos, os quais podem variar no grau em que são aceites, apoiados e congruentes com valores pessoais (por exemplo, “Sinto-me confortável e bem comigo próprio(a) quando tomo uma decisão, mesmo que esta seja contrária à dos outros”). O terceiro e último componente consiste na diferenciação do self, conceito defendido por Brewer (1991, citado em Sheldon & Bettencourt, 2002), sendo medido pelo item “Ainda que possa preferir estar acompanhado(a), sou capaz de me sentir bem quando estou sozinho(a)”.

O Inventário de Saúde Mental (ISM) foi utilizado para avaliar os níveis de Bem-estar Psicológico e Mal-estar Psicológico (versão portuguesa de José L. Pais-Ribeiro, 2001; adaptação por M. Eugénia Duarte-Silva e Rosa Novo, 2001. FPCE – Universidade de Lisboa), versão portuguesa do Mental Health Inventory (MHI) (Ware, Johnston, Davies-Avery, & Brook, 1979, citado em Ribeiro, 2001).

Tal como o MHI, a versão portuguesa deste instrumento, o ISM, caracteriza-se por ser um inventário de auto-relato, com resposta de tipo ordinal de cinco ou seis categorias, que visa avaliar a Saúde Mental em dimensões positivas e negativas. Os 38 itens que compõem este Inventário agrupam-se em cinco destas dimensões. A subescala de Distress Psicológico é composta por três dimensões negativas (Ansiedade – 10 itens, Depressão – cinco itens, Perda de Controlo Emocional/Comportamental – nove itens). Por sua vez, a subescala de Bem-estar Psicológico é constituído pelas restantes duas dimensões, de valência positiva (Afecto Positivo – 11 itens, Laços Emocionais – três itens). As duas subescalas resultam do somatório dos resultados brutos de cada item, podendo variar entre 24 e 142 pontos para a subescala de Distress Psicológico e entre 14 e 84 pontos para a subescala Bem-estar Psicológico.

A versão portuguesa (ISM) apresenta valores de consistência interna que variam entre o satisfatório a elevado, sendo comparáveis ao instrumento original (Ribeiro, 2001). No presente estudo, a consistência interna oscilou entre .67 (sub-escala Depressão) e .95 (Escala Total). O Quadro 1 apresenta as medidas de consistência do MHI, do ISM, bem como as referentes ao presente estudo.

 

 

 

Resultados

 

Estudo I. Avaliação das qualidades psicométricas da ERSN-P/A

O Quadro 2 mostra os resultados (média e desvio-padrão) por item e por sub-escala.

 

 

 

Análise factorial. Os 16 itens da ERSN-P/A foram submetidos a uma análise de componentes principais. Contudo, apesar de ser revelada uma estrutura factorial, esta não fez sentido do ponto de vista teórico, podendo ser o resultado da correlação forte entre as variáveis de Proximidade e Autonomia.

 

Consistência interna. A consistência interna foi analisada através do coeficiente alfa de Cronbach, em termos de escala global e de cada uma das subescalas (Proximidade e Autonomia). Considerou-se um resultado alfa superior a .7 como um bom indicador de consistência interna. Assim, a escala global obteve uma medida de consistência interna boa (α=.761). Por outro lado, as duas subescalas obtiveram níveis inferiores ao esperado (Proximidade, α=.697; Autonomia, α=.647). De forma a melhorar a precisão das sub-escalas, procedeu-se a uma análise às correlações entre itens, da qual resultou a decisão de retirar itens a cada uma das subescalas de maneira a torná-la mais precisa: (1) na subescala de Proximidade, procedeu-se à retirada do item “É inevitável que, por vezes, me sinta só” devido à correlação negativa com a restante subescala (r=-.211); (2) na subescala de Autonomia, decidiu-se retirar o item com a correlação mais baixa com os restantes itens da sub-escala (“É-me muito difícil tomar uma decisão sem ouvir a opinião dos outros”, r=.257).

Fundamentando estas escolhas, decidiu-se retirar apenas um item da sub-escala de Autonomia porque a sua ausência permitiu aumentar a média da correlação entre itens, tornando a precisão da escala mais aceitável. Optou-se por afastar apenas um item pois um número reduzido de itens numa escala influencia negativamente as medidas de precisão (Pallant, 2007). Por outro lado, com a exclusão destes itens, a consistência interna do instrumento global (ERSN-P/A) é de α=.836.

Após estas alterações, a consistência interna da Proximidade é de α=.833 e da subescala de Autonomia é de α=.641. Ou seja, o alfa de Cronbach da subescala de Autonomia manteve-se inferior ao desejável. Contudo, com base em Pallant (2007), é possível argumentar que os resultados inferiores a .7 são aceitáveis em escalas com um número de itens inferior a 10. Aliás, nestes casos, é possível utilizar uma medida de consistência interna alternativa, a média da correlação entre itens, a qual, para ser aceitável, deverá encontrar-se entre .2 e .4 (Briggs & Cheek, 1986). Para esta subescala, este valor é de r=.206, encontrando-se, desta forma, dentro de parâmetros aceitáveis.

O Quadro 2 apresenta os dados de consistência das subescalas de Proximidade e Autonomia.

 

Validade dos itens. A validade dos itens foi analisada com base na correlação de cada item com a subescala a que pertence (validade convergente). Considerou-se como correlação adequada um valor superior a .3. Apenas 2 itens da subescala de Autonomia não cumpriram com estes critérios, apresentando um valor inferior a .3 (ver Quadro 2).

Em termos de validade divergente, decidiu-se que a diferença entre a correlação do item com a sub-escala a que pertence deveria ser superior em .1 relativamente à correlação com a subescalas a que não pertence (Ribeiro, 2001). Quanto a este critério, verificou-se que dos 14 itens, apenas 3 não cumpriram os critérios especificados (A1, A3 e A8).

 

Estudo II – Análise da relação entre as variáveis

 

Correlações entre variáveis. Analisaram-se as correlações entre as quatro variáveis, usando o coeficiente de Pearson. Os resultados encontram-se no Quadro 3.

 

 

 

Regressão linear múltipla. Foi realizada uma Regressão Linear Múltipla standard de maneira a estudar a capacidade explicativa das variáveis Proximidade e Autonomia no Bem-estar e Mal-estar Psicológico.

Os resultados apresentados no Quadro 4 demonstram que as variáveis Proximidade e Autonomia têm, no seu conjunto, um valor explicativo do Bem-estar Psicológico [=.34, F(2,234)=58.86, p=.000]. A mesma constatação verifica-se para cada uma das variáveis, de forma individual [Proximidade, β=.47, t(236)=7.42, p<.001] [Autonomia, β=.16, t(236)=2.54, p=.01].

 

 

Quanto ao Mal-estar Psicológico, os resultados indicam que existe pelo menos uma variável com influência nos valores de Mal-estar, já que o conjunto destas variáveis explicam 32.8% da variância dos resultados de Mal-estar Psicológico [=.33), F(2,234)=57.21, p<.001]. Concretizando, quer a Proximidade [β=-.38, t(236)=-5.90, p<.001], quer a Autonomia [β=-.27, t(236)=-4.21, p<.001], explicam significativamente o Mal-estar Psicológico.

 

Análise de variâncias Multivariada – MANOVA. Utilizou-se uma Análise de Variâncias Multivariada (MANOVA) para verificar as diferenças de variâncias de grupos com diferentes valores em Proximidade e Autonomia. Para tal, os grupos foram divididos pelas medianas dos resultados nestas variáveis. Como variáveis dependentes foram considerados o Bem-estar e o Mal-estar. O grupo 1 é composto pelos participantes com resultados inferiores à mediana em Proximidade e Autonomia (P-A-; N=89). O grupo 2, os participantes com resultados inferiores em Proximidade e superiores em Autonomia (P-A+; N=40). O grupo 3 reúne os participantes com resultados superiores em Proximidade e inferiores em Autonomia (P+A-; N=72). E por último, o grupo 4 contém os participantes com resultados superiores em Proximidade e Autonomia (P+A+; N=72).

Através da MANOVA pretendeu-se comparar os vários grupos em termos de Proximidade e Autonomia. Para tal, realizaram-se duas comparações: o grupo 4 (P+A+) com o conjunto dos outros grupos (P+A-; P-A+; P-A-) e entre todos os grupos. Esta análise permitiu, por um lado, testar a hipótese de que os indivíduos com elevados níveis de regulação de ambas as necessidades (Grupo 4, P+A+) teriam resultados superiores de Bem-estar Psicológico e inferiores de Mal-estar Psicológico, quando comparados com o conjunto dos restantes grupos (Grupos 1, 2 e 3). Por outro, ao comparar cada grupo individualmente, almejou-se avaliar o impacto de diferentes níveis de regulação de Proximidade e Autonomia no Bem-estar e Mal-Estar Psicológico. Recorde-se que o presente estudo propôs que os indivíduos com níveis elevados de regulação de Proximidade e Autonomia (grupo 4) teriam resultados superiores de Bem-estar e inferiores de Mal-estar Psicológico, quando comparados com os grupos com apenas uma necessidade com nível elevado (grupo 2, P-A+; grupo 3, P+A-). Estes grupos, por sua vez, deveriam ter resultados superiores em Bem-estar e inferiores em Mal-estar Psicológico, quando comparados com o grupo com resultados inferiores em ambas as necessidades (grupo 1, P-A-).

No que diz respeito ao Mal-estar, obteve-se um resultado F(1,235)=35.64, p<.001, partial eta squared=.13. Através dos resultados médios, verifica-se que o grupo 4 (Grupo 4: M=50.97; DP=1.17) tem uma média significativamente inferior ao conjunto dos grupos 1, 2 e 3 (Grupo 123: M=63.67; DP=1.17).

No que diz respeito à comparação entre cada grupo, os resultados indicam que existe uma diferença significativa entre os 4 grupos, quer para a variável Bem-estar [F(3,23)=31.26; p<.001; partial eta squared=.29], quer para a variável Mal-estar Psicológico [F(3,23)=29.89; p<.001; partial eta squared=.27].

Comparando as diferenças entre os 4 grupos, verificaram-se diferenças significativas entre estes. O Quadro 5 resume as comparações entre grupos nas variáveis Bem-estar e Mal-estar Psicológico.

 

 

Relativamente à variável Bem-estar Psicológico, observam-se os seguintes resultados: o grupo 4 (P+A+) obtém níveis de Bem-estar significativamente superiores ao grupo 1 (P-A-) (p<.001) e ao grupo 2 (P-A+) (p=.002); o grupo 3 (P+A-) obtém níveis de Bem-estar significativamente superiores ao grupo 1 (P-A-) (p<.001); e o grupo 2 (P-A+) obtém níveis de Bem-estar significativamente superiores ao grupo 1 (P-A-) (p=.012).

Relativamente à variável Mal-estar Psicológico, verifica-se que: o grupo 4 (P+A+) obtém níveis de Mal-estar significativamente inferiores ao grupo 1 (P-A-) (p<.001); o grupo 3 (P+A-) obtém níveis de Mal-estar significativamente inferiores ao grupo 1 (P-A-) (p<.001); o grupo 2 (P-A+) obtém níveis de Mal-estar significativamente inferiores ao grupo 1 (P-A-). Ainda no que diz respeito à variável Mal-estar Psicológico, os resultados indicam que o grupo 1 (P-A-) tem resultados significativamente superiores ao grupo 2 (P-A+) (p<.001), grupo 3 (P+A-) (p<.001) e grupo 4 (P+A+) (p<.001).

 

Discussão de resultados

O presente estudo teve como objectivos a elaboração de um instrumento de avaliação do grau de regulação da satisfação das necessidades de Proximidade e Autonomia e a exploração da relação entre o grau de regulação das mesmas em medidas de Bem-estar e Mal-estar Psicológico.

Quanto ao referido instrumento (ERSN-P/A), após a remoção de dois itens, este mostrou ser preciso, apresentando um nível bom de consistência interna. Por sua vez, as subescalas de Proximidade e Autonomia revelaram uma consistência interna boa e aceitável, respectivamente, de acordo com Briggs e Cheeks, 1986.

Em termos de validade, a sub-escala de Proximidade apresentou boas medidas de validade convergente e divergente, enquanto a sub-escala de Autonomia revelou algumas limitações com três itens. Não obstante estas limitações, este incumprimento do critério de validade divergente (i.e., correlação superior a .1 com a sub-escala a que pertence relativamente à restante sub-escala) pode ser explicado pela formulação dos itens em causa [Sinto-me livre para escolher como vivo a minha vida; Consigo sentir-me eu próprio(a) durante a maior parte do tempo; Ainda que possa preferir estar acompanhado(a), sou capaz de me sentir bem quando estou sozinho(a)]. De forma mais concreta, estes poderão distinguir-se dos restantes por reflectirem, não só os componentes de carácter experiencial da necessidade de Autonomia (i.e., locus de causalidade interna, concordância com o self e diferenciação do self), mas também as características de um self autónomo e diferenciado. Como tal, numa eventual reformulação desta sub-escala, estes itens poderão ser construídos de forma a reflectir a experiência “directa” da necessidade de autonomia. Apesar destas limitações, tendo em conta as qualidades psicométricas globais verificadas na ERSN-P/A, esta revelou-se uma escala de avaliação suficientemente precisa e adequada ao seu propósito. Consequentemente, poderá ser considerada na inclusão de uma futura Escala de Regulação da Satisfação de Necessidades (ERSN), destinada a medir a regulação da satisfação dos sete pares de necessidades dialécticas propostos pelo Modelo de Complementaridade Paradigmática (Vasco, 2009). Esta escala, por sua vez, poderia ser útil quando utilizada num contexto psicoterapêutico, considerando os efeitos que a regulação de necessidades tem ao nível de Bem-estar e Mal-estar Psicológicos.

Este carácter útil da Escala provém da relevância do próprio conceito de Necessidade Psicológica. Conceição e Vasco (2005) propuseram que as Necessidades Psicológicas poderiam ser conceitos relevantes a vários modelos psicoterapêuticos de diferentes orientações teóricas. De facto, alguns modelos incluíram o conceito de Necessidades nas suas teorias de perturbação, de funcionamento adaptativo e de mudança. Numa tradição mais cognitivista, por exemplo, Young, Klosko e Weishar (2003) associaram a origem de esquemas desadaptativos à não-satisfação de necessidades. Dentro de uma linha mais humanista e experiencial, Greenberg, Rice e Elliot (1993) identificaram o mesmo motivo (i.e., a não-satisfação de necessidades) como tendo uma relação causal com alguns tipos de dificuldades de processamento emocional, nomeadamente assuntos inacabados. Acrescentaram também que a resolução deste tipo de queixas implica a utilização de tarefas terapêuticas que envolvem, por exemplo, o contacto experiencial e simbolização de necessidades.

Assim, tendo em conta a relevância potencial do constructo Necessidade Psicológica (e sua regulação) para o funcionamento adaptativo e óptimo, génese e manutenção de sofrimento mental e mudança, considera-se oportuna esta proposta de 7 pares de Necessidades dialécticas, bem como de uma escala que permita avaliá-las.

No que respeita à relação entre as variáveis, os resultados obtidos apoiaram uma das hipóteses propostas: a regulação das necessidades de Proximidade e Autonomia previu, individualmente, os níveis de Bem-estar e Mal-estar Psicológico. De uma forma resumida, quanto maior foi a capacidade de regulação da Proximidade ou de Autonomia, maior foi o Bem-estar e menor o Mal-estar e sofrimento psicológico.

Este resultado vem confirmar aquilo que tem sido colocado em evidência pela Teoria da Auto-Determinação (e.g., Deci & Ryan, 2000) sobre a influência de cada uma destas necessidades no Bem-estar Psicológico. Simultaneamente, vem salientar um ponto que tem sido menos explorado pela literatura até ao momento: as dificuldades na regulação da satisfação de necessidades de Proximidade ou Autonomia poderão ter influências ao nível de Mal-estar Psicológico e da probabilidade de ocorrência de algum tipo de perturbação mental.

A confirmação destas hipóteses acrescenta validade à proposta apresentada anteriormente relativamente à relevância do trabalho terapêutico que incida sobre necessidades psicológicas, nomeadamente a Proximidade e Autonomia. De forma mais concreta, os resultados apresentados neste estudo relativamente à regulação individual das necessidades de Proximidade e de Autonomia parecem confirmar o valor de intervenções terapêuticas promotoras de mudança ao nível de estruturas e processos psicológicos responsáveis pela regulação destas necessidades.

Em seguida, reflicta-se sobre as comparações entre grupos de participantes. A comparação do grupo de participantes com níveis mais elevados em ambas as variáveis, Proximidade e Autonomia (grupo 4), com o conjunto dos outros (grupo 1+2+3) revela, tal como esperado, diferenças significativas nos níveis de Bem-estar e Mal-estar Psicológico. Este resultado parece indicar que os indivíduos com capacidades elevadas de regulação de ambas necessidades obtêm níveis superiores de Bem-estar e inferiores de Mal-estar Psicológico, quando comparados com os restantes indivíduos.

Este padrão de resultados obtidos por indivíduos com elevadas capacidades de regulação de ambas as necessidades encontra suporte parcial noutras comparações efectuadas. A título de exemplo, o grupo de participantes com resultados elevados em Proximidade e Autonomia (Grupo 4, P+A+) está significativamente melhor em termos de Bem-estar e Mal-estar Psicológicos relativamente ao grupo com resultados inferiores em ambas as variáveis (Grupo 1, P-A-).

Contudo, este padrão de resultados significativos é quebrado ao comparar os grupos 3 (P+A-) com o grupo 4 (P+A+) na variável Bem-estar Psicológico e entre os grupos 2 (P-A+), 3 (P+A-) e 4 (P+A+) em termos de Mal-estar Psicológico. Em todas estas comparações, a diferença entre os grupos não é significativa. Não obstante, e apesar da não-significância obtida na comparação entre estes dois grupos, os resultados comprovam a estrutura global do modelo como foi anteriormente referido, na medida em que o grupo 1 (P-A-) obtém os piores resultados em termos de Bem-estar e Mal-estar Psicológicos, o grupo 4 (P+A+), os melhores resultados, e os grupos 2 (P-A+) e 3 (P+A-) colocam-se numa posição intermédia.

A ausência de uma diferença significativa entre os grupos 3 (P+A-) e 4 (P+A+) poderá ter uma interpretação adicional. Aparentemente, a partir do momento em que a regulação de Proximidade é elevada, o aumento da regulação de Autonomia parece acrescentar pouco em termos de Bem-estar. Simultaneamente, o grupo 3 (P+A-) apresenta um nível de Bem-estar superior ao grupo 2 (P-A+). Um padrão semelhante ocorre quando se analisa os resultados em termos de Mal-estar Psicológico. Ou seja, quando são comparados os resultados entre grupos com níveis elevados em apenas uma necessidade, a regulação de Proximidade sobressai-se.

Estas diferenças obtidas nas comparações de grupos, juntamente com o facto de a regulação de Proximidade ter um maior poder explicativo sobre o Bem-estar Psicológico quando comparado com a Autonomia, sugerem um padrão. Este padrão remete-nos para a possibilidade de que a regulação da necessidade de Proximidade poderá ter um peso superior no que diz respeito à influência em níveis de níveis de Bem-estar. Estes dados parecem estar em linha com a literatura disponível, a qual sublinha a o papel fundamental da necessidade de Proximidade em termos de Bem-estar Psicológico (e.g., Baumeister & Leary, 1995).

Estas diferenças sugerem que bastará sermos capazes de regular uma destas necessidades para ter uma diminuição significativa em termos de Mal-estar e sofrimento mental. Apesar de não existirem diferenças significativas entre os indivíduos capazes de regular apenas uma necessidade, a capacidade de regular a Proximidade parece estar associada a menores níveis de Mal-estar.

Em suma, apesar de nem sempre significativos, os resultados apontam no sentido de a regulação conjunta das duas variáveis (Proximidade e Autonomia) influenciar decisivamente o funcionamento adaptativo das pessoas, tendo um impacto relevante nas experiências de Bem e Mal-estar Psicológico.

Uma possível limitação do presente estudo diz respeito aos mecanismos causais subjacentes (i.e., processos dialécticos de regulação de necessidades) à oscilação de níveis de Proximidade e Autonomia, limitação a qual deriva, pelo menos em parte, do método utilizado. Embora seja possível concluir que os indivíduos com resultados elevados em ambas as variáveis tenham um funcionamento próximo e autónomo, não é possível determinar se o mesmo se deve ao balanço dialéctico inerente à regulação destas necessidades ou a outras causas. A par desta limitação, salientamos também as limitações inerentes à investigação mediada pela internet, a qual implica levantar dúvidas sobre a representatividade da amostra utilizada e o controlo de variáveis passíveis de influenciar o comportamento dos participantes durante o preenchimento dos questionários. Por último, a precisão (apenas) aceitável da sub-escala de Autonomia constitui um factor a ter em conta na análise de resultados. Em termos de investigações futuras, olhando para além do par de necessidades Proximidade – Autonomia deste estudo e com base no modelo da complementaridade paradigmática, seria interessante estudar quais das polaridades dialécticas têm um maior impacto no Bem e Mal-estar Psicológicos, bem como a relação entre cada par. Esse hipotético estudo poderia responder a algumas perguntas, tais como: (1) Haverá pares de necessidades cuja regulação seja mais influente que outros?; (2) será que a regulação de algum par dialéctico funciona como variável moderadora de outro par? Fica a sugestão para nova investigação.

Adiantando, o estudo das necessidades psicológicas poderia beneficiar da inclusão de variáveis relativas a processos de negociação e balanceamento de regulação de necessidades. Nesse sentido, Conceição e Vasco (2005) esboçaram aquilo que entenderam ser o funcionamento patológico dos processos reguladores implicados na regulação de necessidades. Este funcionamento é caracterizado por: (1) Ausência ou insuficiência de conhecimento e validação de necessidades próprias; (2) indiferenciação de tipos e relações entre necessidades próprias; (3) ausência ou insuficiência de escolha e/ou compromisso com necessidades próprias; (4) não permitir a satisfação e/ou frustração de necessidades próprias; (5) não-actualização de necessidades próprias.

Estas cinco dimensões poderiam constituir um ponto de partida para o qual seria elaborado um instrumento de medida válido e preciso quanto ao grau de salubridade ou patologia dos processos dialécticos responsáveis pela regulação da satisfação de necessidades. Com base neste instrumento, seria possível estudar as relações recíprocas entre essa variável, a regulação de necessidades e os níveis de bem-estar e mal-estar psicológicos.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Filipe Bernardo, Irmãs Hospitaleiras, Rua do Lazareto, nº 125, 9060-021 Funchal. E-mail: filipejlbernardo@gmail.com

 

Submissão: 17/01/2014 Aceitação: 01/11/2014

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