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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.33 no.1 Lisboa mar. 2015

https://doi.org/10.14417/ap.886 

Casamento, casamentos? Representações sociais do casamento heterossexual e do casamento homossexual

Gabrielle Poeschl1, Bruno Pereira da Silva2, Filipa Tenreiro Cardoso2

1Centro de Psicologia, Universidade do Porto

2Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto

Correspondência

 

RESUMO

Partindo da constatação de que, na actualidade, o poder atractivo do casamento parece diminuir por parte das pessoas heterossexuais enquanto aumenta por parte das pessoas homossexuais, examinaram-se as representações do casamento heterossexual e do casamento homossexual de 240 adultos heterossexuais portugueses, que responderam a um questionário constituído por questões abertas e questões fechadas. Os resultados sugerem que ambas as formas de casamento são consideradas como tendo por finalidade principal cimentar o amor, mas que constituir família será uma melhor justificação para o casamento heterossexual do que para o casamento homossexual. Os discursos acerca das duas formas de casamento apresentam apenas uma dimensão comum, que remete para a partilha e o companheirismo. Enquanto a representação do casamento heterossexual engloba referências à família, às relações amorosas e aos compromissos, a representação do casamento homossexual esvazia-se na problemática dos direitos e dos preconceitos. De acordo com os resultados habitualmente encontrados na literatura, as mulheres e as pessoas com nível de educação mais elevado apresentam uma representação do casamento homossexual mais positiva mas, contrariamente ao esperado, este não é o caso das pessoas mais jovens.

Palavras-chave: Representações sociais, Casamento heterossexual, Casamento homossexual, Preconceito.

 

ABSTRACT

On the basis of the observation that, nowadays, the attractive power of marriage seems to diminish among heterosexual individuals whereas it increases among homosexual people, we examined the representations of heterosexual marriage and of homosexual marriage of 240 heterosexual adults from Portugal, who answered a questionnaire that was composed of open and close questions. Results suggest that both types of marriage are considered to have the main aim of sealing spouses’ love, but that constituting family is a better justification for heterosexual marriage than for homosexual marriage. Respondents’ discourses about the two types of marriage present only one common dimension, which refers to sharing and companionship. Whereas the representation of heterosexual marriage includes references to family, to romantic relationships and to commitments, the representation of homosexual marriage comes down to the question of rights and prejudice. In line with the findings usually presented in the literature, female participants and respondents with higher educational level have a more positive representation of homosexual marriage, but, contrary to what was expected, this is not the case for the younger respondents.

Key-words: Social representations, Heterosexual marriage, Homosexual marriage, Prejudice.

 

O casamento coloca-nos perante um paradoxo: enquanto, por um lado, parece ter perdido o seu poder atractivo na população heterossexual, por outro lado, o seu interesse parece ter aumentado por parte da população homossexual (Casper & Bianchi, 2002; INE, 2013). Com efeito, ao mesmo tempo que, nas sociedades ocidentais modernas, observamos a luta dos homossexuais pelo direito ao casamento, assistimos a mudanças sociais que vão no sentido de desvalorizar a importância do casamento. Em Portugal, por exemplo, a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada em 2010. No entanto, as estatísticas demográficas publicadas no mesmo ano revelam uma diminuição do número de casamentos entre pessoas de sexo diferente e um aumento do número de divórcios (INE, 2010).

Parece-nos, assim, importante perceber melhor os significados associados ao casamento no sentido de compreender as tomadas de posição actuais sobre esta instituição. Casar é, para todos os efeitos, um comportamento normativo, associado a valores, crenças e práticas diferentemente valorizados ou reprovados segundo as épocas e as culturas (Héritier, 2005). Por exemplo, a importância do amor, o direito das mulheres a escolher o parceiro ou, ainda, a organização conjugal em que o homem desempenha o papel de ganha-pão e a mulher o papel de doméstica, são características recentes do casamento nas nossas sociedades (Saraceno, 1997).

Este modelo moderno de casamento, que vigorou a partir da Revolução Industrial, tornou-se, por sua vez, gradualmente menos normativo em consequência do acesso à contracepção, da elevada escolarização das mulheres, e do seu regresso à actividade profissional que lhes proporciona a independência económica e o estatuto social (Saraceno, 1997). Assim, em meados do Século XX constatou-se que a coabitação ia aumentando, que muitos parceiros não queriam ter filhos e, quando os queriam, as crianças nascidas fora do casamento usufruíam dos mesmos direitos do que as outras (Casper & Bianchi, 2002).

Estas alternativas ao casamento tradicional são vistas por alguns como uma crise do casamento, como se o modelo burguês tenha sempre sido o único modelo de casamento possível. Esquece-se que, para além das transformações que o casamento tem sofrido ao longo da história das sociedades ocidentais, existem também, na actualidade, múltiplas variações interculturais (Héritier, 2005).

Numa altura em que se fala muito do casamento e da família, entre outros por causa da quebra da nupcialidade e da natalidade que ameaça a economia nacional (cf. Barreto, 2004) e do debate sobre a (co)adopção de crianças por casais do mesmo sexo (ver, por exemplo, Tribunal Constitucional, 2014), pode perguntar-se quais são as razões que justificam a vontade das pessoas em casar e se as finalidades atribuídas ao casamento heterossexual são estendidas ao casamento homossexual.

 

Porquê casar?

Em meados do Século XX, face à diversificação na escolha dos estilos de vida, vários autores interrogaram-se sobre os motivos que ainda levam as pessoas a querer casar. Nos inquéritos realizados na altura, as razões evocadas foram principalmente de quatro tipos (cf. Bawin-Legros, 1998): (a) social – responder à pressão social ou da família, obter estatuto social, corresponder a convicções morais ou religiosas; (b) emocional – favorecer um melhor relacionamento, assegurar a estabilidade do casal¸ ser a consequência normal de amar alguém; (c) económico-pragmático – facilitar a vida quotidiana, ou (d) familiar – ter filhos ou ter filhos legítimos.

Uma comparação das razões para casar evocadas pelas pessoas que tinham ou que não tinham uma experiência de coabitação pré-matrimonial revelou que as primeiras sentiam-se menos compelidas a declarar que o casamento é uma prova de amor e mostravam-se mais susceptíveis de evocar razões administrativas e financeiras, ou ainda a gravidez (Bozon, 1992). Na ausência de coabitação prévia, respeitava-se mais as tradições do casamento (noivado, casamento religioso, mais convidados e maior festa, etc.).

Por sua vez, vários estudos realizados nos Estados-Unidos na década de 1990 procuraram comparar as pessoas que escolhem a coabitação com as que escolhem o casamento (cf. Casper & Bianchi, 2002). Estes estudos evidenciaram que as pessoas que optam pela coabitação têm valores mais igualitaristas, são mais individualistas e mais materialistas. São pessoas que atribuem menos importância aos padrões normativos (em termos de raça, idade ou nível de formação) e que se mostram mais sensíveis à motivação das mulheres para investir na carreira.

A procura de benefícios próprios surge em estudos mais recentes (cf. Zordan, Falcke & Wagner, 2009) nos quais se verifica que as pessoas casam para “satisfazer as suas necessidades sexuais, serem reconhecidas e admiradas, não envelhecerem sozinhas, fugirem à solidão” (p. 61), ou para se libertarem de uma situação familiar incómoda. Encontram-se ainda razões económicas e sociais como a obtenção de valores materiais e de prestígio social.

Constata-se também que, embora seja ainda visto de forma positiva pelos jovens que afirmam querer casar “um dia”, o casamento já não faz parte das prioridades dos seus projectos de vida, para os quais está posicionada em primeiro lugar a procura de felicidade e de realização pessoal e profissional (cf. Zordan, Falcke, & Wagner, 2009). O casamento parece, portanto, ser considerado não como uma obrigação mas antes como uma escolha e, independentemente do sexo de pertença, ocorre preferencialmente quando as pessoas se sentem profissionalmente realizadas.

Do ponto de vista legal, contudo, o casamento proporciona uma série de benefícios, nomeadamente financeiros, como o usufruto de uma renda de viuvez, ou o direito à herança, o que faz com que as pessoas que casam tenham uma melhor situação económica comparativamente à das que apenas coabitam. A maior segurança económica está associada a uma melhor saúde física e mental nos casamentos felizes (Herek, 2011). As pessoas casadas gozam ainda de direitos que as outras não têm, como o direito de visita em hospitais e prisões, o direito de não testemunhar contra o cônjuge, de não ver o seu parceiro ser expulso do país, ou de partilhar as responsabilidades educativas. Por último, as pessoas casadas recebem mais apoio por parte da comunidade para manter a sua relação em caso de dificuldades, o que contribui para dar maior segurança aos parceiros e mais estabilidade à relação (Herek, 2006).

Parece, pois, que o casamento oferece vantagens concretas que motivam as pessoas para o realizarem. É talvez por causa destas vantagens que a representação positiva do casamento sobrevive às mudanças sociais que levam alguns a preferir a coabitação, a não ter filhos ou, ainda, a divorciar-se (cf. Gillis, 2004).

 

O casamento entre pessoas do mesmo sexo

As transformações do casamento ao longo da história e as múltiplas formas nas quais se reveste em diferentes sociedades salientam que se trata de uma instituição culturalmente construída, com regras destinadas a responder a necessidades económicas ou sociais específicas que delineiam as práticas normativas (Héritier, 2005). Esta constatação deveria relativizar o problema que o casamento entre pessoas do mesmo sexo coloca às nossas sociedades modernas. Porém, a aceitação do casamento homossexual requer duas transformações radicais no sistema de pensamento: por um lado, torna-se necessário rejeitar a crença de que a homossexualidade é um crime ou uma doença que deve ser curada (cf. Poeschl, 2011) e, por outro, torna-se necessário renunciar à ideia comum de que o casamento se baseia nas diferenças entre os sexos e na sua subsequente complementaridade (Rees, 2002). Admitir a legitimidade do casamento homossexual implica, portanto, repensar a natureza atribuída ao masculino e ao feminino e questionar as relações assimétricas entre homens e mulheres.

Sendo assim, não é de estranhar que, na actualidade, sejam ainda poucos os países que acederam à reivindicação da minoria homossexual de legalizar a união entre pessoas do mesmo sexo. Os Países-Baixos foram os primeiros a conceder este direito em 2001 e, em Portugal, a alteração da lei do casamento de pessoas não heterossexuais foi aprovada na Assembleia da República no dia 8 de Janeiro de 2010 e promulgada pelo Presidente da República no dia 17 de Maio de 2010, Dia Internacional da luta contra a homofobia.

É também forçoso constatar que o debate entre apoiantes e oponentes ao casamento entre pessoas do mesmo sexo continua acalorado. Os apoiantes do casamento entre pessoas do mesmo sexo argumentam que a concessão do direito ao casamento às pessoas homossexuais é garantia do usufruto dos benefícios e regalias conferidos pela instituição e comprova que todos, independentemente da sua orientação sexual, são iguais, significando a igualdade no casamento a igualdade de estatuto. Fundamentalmente, para os apoiantes do casamento homossexual, casar constitui um direito humano básico (Gillis, 2004). Além disso, os apoiantes salientam que, embora seja escassa, a investigação sobre a organização familiar dos casais do mesmo sexo revela que existem mais semelhanças do que diferenças entre famílias homossexuais e heterossexuais (cf. Casper & Bianchi, 2002).

Pelo contrário, os oponentes ao casamento homossexual defendem a complementaridade dos dois sexos que assegura a estabilidade do casamento e a fidelidade entre cônjuges (Rosik & Byrd, 2007) e criticam os resultados da investigação que, supostamente no intuito de apoiar os direitos dos casais homossexuais, refuta a ideia de que a orientação sexual dos pais tem consequências para os filhos (ver, a este respeito, Stacey & Biblarz, 2001). Para os oponentes, a aceitação de tipos alternativos de união ameaça a instituição do casamento, a família e, em última análise, a sociedade no seu todo (Rosik & Byrd, 2007).

Em suma, para muitas pessoas, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode ter a mesma razão de ser que o casamento entre pessoas de sexo diferente. Quando consideramos, por exemplo, a oposição à adopção por casais do mesmo sexo, fica claro que as finalidades dos dois tipos de casamento não são vistas como equivalentes.

 

O casamento em Portugal

Durante o Século XX, o casamento em Portugal mostrou uma tendência crescente até 1975, ano a partir do qual se verificou uma descida da taxa de nupcialidade, acompanhada por outras tendências comuns nas sociedades ocidentais: um aumento do número de divórcios, uma subida da média de idade dos cônjuges no primeiro casamento e no nascimento do primeiro filho e uma diminuição do número médio de filhos por mulher (Torres, 2002). A proporção de casamentos pela igreja católica também registou uma descida regular entre 1960 e 2000 (Torres, 2002). As estatísticas demográficas de 2012 confirmam estas tendências: elas assinalam uma taxa de nupcialidade de 3.3 casamentos por mil habitantes e uma média baixa de 1.28 filhos por mulher (INE, 2013).

Embora a coabitação ou a coabitação prévia ao casamento sejam menos frequentes do que nos países do Norte da Europa, esta prática também aumentou (Santos, 2010). Apesar de atrair a simpatia dos jovens solteiros, a união de facto prévia ao casamento revela-se, ainda, uma prática minoritária (Santos, 2010) e o aumento da coabitação parece dever-se sobretudo aos casais recompostos (INE, 2013).

Um inquérito sobre as razões que podem explicar a preferência pelo casamento em relação à união de facto destacou quatro tipos de razões, que correspondem às que foram avançadas nos outros países (Torres, 2002): pragmáticas (não levantar problemas com a família ou marcar o seu território), estatutárias (ganhar estatuto e respeitabilidade), ritualistas (conformar-se às normas sociais) e espiritualistas (ser católico praticante). Contudo, os respondentes sublinham que o importante não é casar, mas ter um bom relacionamento entre os parceiros: a relação conjugal é vista como fonte de realização pessoal, baseando-se a felicidade no respeito mútuo, na compreensão e na fidelidade mais do que na possibilidade de constituir família e ter filhos (Torres, 2002).

Relativamente ao casamento homossexual, é necessário ter-se presente que o percurso para a alteração das atitudes e das leis relativas às pessoas homossexuais teve um início tardio em Portugal, ou seja, após a Revolução de 25 de Abril de 1974. Diversos movimentos participaram na luta para os direitos dos homossexuais, exigindo a descriminalização jurídica da prática homossexual que era ainda punível com prisão. Este objectivo foi atingido em 1982 (Venâncio, 2010). A lei que reconhece as uniões de facto para casais do mesmo sexo foi aprovada em 2001 e a discriminação com base na orientação sexual foi proibida na revisão de 2004 da Constituição da República Portuguesa. Actualmente, Portugal faz parte do círculo dos poucos países europeus que aprovaram o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Em consequência da alteração da lei do casamento foram celebrados, em 2012, 324 casamentos entre pessoas do mesmo sexo (INE, 2013).

Resumidamente, as finalidades atribuídas ao casamento como as expectativas que lhe estão associadas sofrem alterações no tempo e variações interculturais. Neste sentido, podemos considerar que a instituição do casamento é um objecto de representações sociais, definidas como “uma modalidade de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objectivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989, p. 36).

 

Objectivos e hipóteses

O nosso estudo partiu da observação da existência de alguma ambivalência acerca do casamento que, parecendo negligenciado pelas pessoas heterossexuais, é negado às pessoas homossexuais. Baseando-nos nesta constatação, procurámos captar as representações actuais desta instituição e, nomeadamente, examinar em que medida as diferentes finalidades que lhe foram sendo atribuídas ao longo do tempo (prova de amor, pacto económico, procriação legítima, integração social) ainda lhe são aplicadas.

Procurámos também perceber em que medida a promulgação, em Portugal, da lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo levou a conceber o casamento homossexual como fundado nas mesmas razões que justificam o casamento entre pessoas de sexo diferente ou se existem representações diferenciadas dos dois tipos de casamento que apenas partilham alguns elementos comuns.

Inferindo que existem representações diferenciadas dos dois tipos de casamento, procurámos observar se, de acordo com a tipologia introduzida por Moscovici (1988), a representação do casamento heterossexual é uma “representação hegemónica”, largamente partilhada na nossa sociedade, e a representação do casamento homossexual uma “representação polémica”, reflectindo grandes discordâncias entre grupos sociais. Neste intuito, examinámos em que medida diversas variáveis sociodemográficas, como o sexo ou o estado marital, introduziam variações nas representações captadas.

Constituímos três conjuntos de hipóteses:

1) Apesar da sua introdução na legislação portuguesa, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é ainda aceite de forma tão natural como o casamento entre pessoas de sexo diferente. Por isso, as características associadas ao casamento homossexual serão parcialmente diferentes e globalmente menos positivas do que as características associadas ao casamento heterossexual (Hipótese 1).

2) Dado o consenso existente entre autores relativamente à importância atribuída ao amor nas concepções actuais do casamento (por exemplo, Saraceno, 1997), prevemos que será o amor a finalidade que recolhe mais acordo relativamente ao casamento heterossexual (Hipótese 2a). Por sua vez, dado que os argumentos económicos são muitas vezes avançados em prol do casamento entre pessoas do mesmo sexo (Herek, 2011), esperamos que os aspectos económicos constituam a finalidade mais aceite nas concepções do casamento homossexual (Hipótese 2b). Pelo contrário, e dado que a impossibilidade de procriação justifica muitas vezes a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (Pickett, 2011), prevemos que constituir família seja a finalidade menos reconhecida deste tipo de casamento (Hipótese 2c).

3) Tendo em conta as conclusões relativamente consensuais no que respeita às atitudes mais tolerantes das mulheres do que dos homens em relação às pessoas homossexuais e aos direitos dos homossexuais (Herek, 2002), esperamos que as mulheres apresentem uma representação mais positiva do casamento homossexual do que os homens (Hipótese 3a). Além disso, dada a relação positiva entre a idade e o preconceito sexual e a relação negativa entre o nível de escolaridade e o preconceito sexual encontradas em vários estudos (Herek, 2002), prevemos que os jovens e as pessoas com maior nível educacional tenham uma representação mais positiva do casamento homossexual do que as pessoas mais velhas (Hipótese 3b) e com mais baixo nível educacional (Hipótese 3c).

 

Método

 

Amostra

Foram inquiridos 240 respondentes, metade sobre o casamento heterossexual e outra metade sobre o casamento homossexual. Os respondentes, distribuídos equitativamente por sexo, são quase todos (98.3%) de nacionalidade portuguesa, sendo 115 solteiros, 91 casados, 18 a viver em união de facto, e 16 divorciados ou viúvos. As suas idades estão compreendidas entre os 15 e os 65 anos (36 anos em média) e eles pertencem a duas faixas etárias previamente definidas, os jovens (com idades compreendidas entre os 15 e os 35 anos: n=121) e os “adultos” (com idades compreendidas entre os 36 e os 65 anos: n=119). Relativamente às habilitações literárias, 31 respondentes concluíram o 9º ano de escolaridade, 49 o ensino secundário, e 159 frequentaram o ensino superior. No que respeita à actividade profissional, 64 respondentes são empresários ou quadros superiores, 50 são quadros médios, 38 são empregados ou operários, 82 não têm emprego (de entre os quais 64 estudantes). Três respondentes não indicaram profissão.

Na sua maioria os respondentes declararam professar a religião católica (72.9%) mas, em média, não ser muito praticantes (3.41 numa escala de 7 pontos em que 1=nada praticante e 7=muito praticante). Por último, 40% dos respondentes referiram não ter qualquer tendência política, situando-se os restantes, em média, no centro (3.86 numa escala de 7 pontos em que 1=extrema esquerda e 7=extrema direita).

 

Questionário

No início do questionário, um breve texto introduzia a problemática do casamento. Mais precisamente, no caso do casamento heterossexual, apresentava-se aos respondentes os seguintes dados estatísticos que denotam mudanças no casamento em Portugal (Leite, 2003): “Segundo as estatísticas nacionais de 2008, publicadas em Janeiro de 2010, observa-se uma mudança dos comportamentos sociais, nomeadamente em relação ao casamento. Esta mudança é revelada por vários indicadores. Assim, o número de casamentos tende a diminuir, e representa em 2008 cerca de 2/3 dos casamentos celebrados em 2000; o número de divórcios, pelo contrário, duplicou entre 1990 e 2000 e continua a crescer. O número de famílias monoparentais, constituídas na maioria por mulheres, está a crescer, como o número de nascimentos fora do casamento que representam 36.2% do total dos nascimentos em 2008”.

No caso do casamento homossexual, referia-se o acórdão do Tribunal Constitucional autorizando o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (Ilga-Portugal, 2010): “Segundo o Acórdão n.º 121/2010 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República de Abril de 2010, o Tribunal Constitucional considera que a extensão do casamento a pessoas do mesmo sexo não colide com o reconhecimento e protecção da família como elemento fundamental da sociedade, sublinhando que o casamento é um conceito aberto, que admite diversas concepções políticas. Observa-se deste modo uma mudança dos comportamentos sociais, nomeadamente em relação ao casamento, que poderia traduzir uma mudança das opiniões acerca da importância do casamento”.

Seguiam-se três partes idênticas para todos os respondentes. Na primeira parte propunha-se aos respondentes que enunciassem “5 palavras ou expressões” que associam ao casamento entre indivíduos de sexo diferente (vs. do mesmo sexo), pedindo-lhes que classificassem, em seguida, as suas respostas (1=muito negativa; 5=muito positiva). Na segunda parte os respondentes deviam indicar o seu grau de acordo (1=discordo totalmente; 7=concordo totalmente) com cada uma de 20 afirmações susceptíveis de justificar o casamento entre indivíduos de sexo diferente (vs. do mesmo sexo). Estas afirmações dividiam-se em quatro grupos de cinco itens que esperávamos estarem associados às quatro finalidades do casamento, de acordo com a perspectiva histórica do casamento e da sua evolução apresentada por Zordan, Falcke e Wagner (2005): (1) pacto económico, (2) prova de amor, (3) filhos legítimos (4) integração social. A última parte continha algumas questões de natureza sociodemográfica.

 

Procedimento

Começou-se por realizar um pré-teste, com oito respondentes para cada uma das duas versões do questionário. Sendo introduzidas as alterações sugeridas, os questionários foram administrados pelos investigadores a homens e mulheres pertencendo às duas faixas etárias previamente definidas. Os respondentes foram abordados em locais públicos como cafés, escolas, ou faculdades, entre Dezembro de 2010 e Fevereiro de 2011, e preencheram os questionários individualmente ou em pequenos grupos nos locais onde eram abordados. O tempo de resposta não excedeu os 15 minutos.

 

Análise dos dados

Começámos por aplicar as regras de redução habitualmente utilizadas nas tarefas de associação livre de palavras (Rosenberg & Jones, 1972) ao conjunto de respostas recolhidas acerca do casamento. Foram calculados diversos índices para conhecer a extensão e a natureza da informação contida nas representações do casamento. Assim, a informação (ou “campo semântico”) associada aos dois tipos de casamento foi descrita por meio de três índices (cf. Deconchy, 1971): (1) o índice de fluidez, ou seja, o número total de palavras evocadas, que traduz a facilidade com que as pessoas se exprimem acerca de um objecto; (2) o índice de amplitude, ou seja, o número de palavras diferentes evocadas, que traduz o número de elementos que se tornam acessíveis quando as pessoas se exprimem acerca do objecto; (3) o índice de riqueza, que é a razão entre a amplitude e a fluidez, e fornece uma medida da integração da informação acerca do objecto.

Procedemos também a dois tipos de comparação entre campos semânticos. Em primeiro lugar, calculámos uma medida global de semelhança entre os campos semânticos através do índice Rn de Ellegard (cf. Di Giacomo, 1981). Este índice, que varia entre 0 e 1, é obtido pelo número de palavras comuns aos campos semânticos dividido pela raiz quadrada do produto da amplitude dos dois campos. Em segundo lugar, analisámos em mais pormenor o conteúdo dos dois campos semânticos e comparámos, por meio do teste do qui-quadrado, a frequência de evocação das palavras mais acessíveis, provavelmente as mais importantes nas representações formadas.

De seguida, procurámos verificar a percepção da existência das quatro finalidades distintas do casamento, realizando uma análise factorial em componentes principais sobre os vinte itens referentes a este assunto incluídos no questionário, e avaliámos em que medida os respondentes concordam com a ideia de que o casamento actual preenche cada uma destas finalidades.

Por último, procurámos sintetizar a informação recolhida, recorrendo ao programa de análise de dados textuais Alceste. Este programa permite estudar a estrutura formal da co-ocorrência das palavras num determinado corpus, extraindo classes a partir de uma classificação hierárquica descendente baseada na distância do qui-quadrado. O Alceste permite ainda associar às classes extraídas variáveis ilustrativas, correspondentes às informações sobre os respondentes, não incluídas no cálculo das classes mas acrescentadas posteriormente como variáveis suplementares (ver, por exemplo, Poeschl, Múrias, & Costa, 2004).

 

Resultados e discussão

 

Características associadas ao casamento

Os respondentes evocaram um total de 1182 palavras, das quais 226 são diferentes. As frequências de evocação variam entre 1 (102 palavras únicas) e 118 (amor). Como se pode constatar pela leitura do Quadro 1, os índices de fluidez dos campos semânticos associados ao casamento heterossexual e ao casamento homossexual são semelhantes, χ2(1)=.27, ns, ao contrário dos índices de amplitude, significativamente diferentes, χ2(1)=34.32, p<.001. Esta diferença reflecte-se nos índices de riqueza: o casamento heterossexual surge como um conceito estereotipado, cujo significado é largamente partilhado, ao passo que o casamento homossexual aparece como um conceito pouco estruturado.

 

 

Por sua vez, e dado que existem apenas 37 palavras comuns aos dois tipos de casamento, o cálculo do índice de Ellegard evidenciou uma fraca semelhança entre campos semânticos, Rn=.30. Uma comparação das palavras mais frequentes, ou seja, das palavras evocadas por pelo menos 10% do conjunto dos respondentes, ou por 10% dos respondentes que preencheram cada uma das versões do questionário, confirma as diferenças que caracterizam o pensamento acerca do casamento heterossexual e do casamento homossexual (ver Quadro 2).

 

 

As palavras registadas no Quadro 2 revelam a importância do amor no casamento: “amor” foi a palavra mais frequentemente evocada, relativamente quer ao casamento heterossexual, f=78, quer ao casamento homossexual, f=40. Todavia, esta palavra foi mais associada ao casamento entre pessoas de sexo diferente do que ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, χ2(1)=12.24, p<.001. Observa-se ainda que, de entre as respostas mais frequentes, existem apenas duas palavras, “união” e “respeito”, que foram produzidas com a mesma frequência em relação aos dois tipos de casamento. Muitas palavras evocadas por um tipo de casamento não surgiram uma única vez em associação com o outro tipo de casamento. Assim, ao contrário do casamento homossexual, o casa mento heterossexual foi associado a “parentalidade”, “amizade”, “fidelidade”, “sustentabilidade” e “divórcio”, enquanto que, ao contrário do casamento heterossexual, o casamento homossexual levou a pensar em “liberdade”, “direitos”, “exibicionismo”, “anormalidade”, “paneleiros”, “discriminação” e “doença”.

No seu conjunto, as respostas foram avaliadas pelos respondentes como sendo ligeiramente positivas, obtendo uma média de 3.54 (numa escala em que “5” corresponde a “muito positivo”). Contudo, as palavras associadas ao casamento homossexual são globalmente menos positivas (M=3.06) do que as palavras associadas ao casamento heterossexual (M=4.02), t(236)=7.56, p<.001. Assim, e como previa a nossa Hipótese 1, as características associadas ao casamento homossexual são parcialmente diferentes e globalmente menos positivas do que as características associadas ao casamento heterossexual.

 

Finalidades atribuídas ao casamento

No que respeita às finalidades atribuídas ao casamento, a análise factorial em componentes principais realizada sobre as 20 afirmações apresentadas extraiu quatro factores com um valor próprio superior a 1, que explicam, no seu conjunto, 57.91% da variância total. Como se pode ver no Quadro 3, os factores não agrupam os itens exactamente da forma prevista, mas remetem, apesar disso, para as quatro finalidades contempladas. Assim, o casamento poderá permitir “cimentar o amor, “constituir família”, “ter um estatuto na sociedade”, e “obter benefícios económicos”.

 

 

O grau de acordo dos respondentes quanto às quatro finalidades do casamento contempladas está patente no Quadro 4. A análise de variância que cruza as quatro finalidades do casamento (cimentar o amor, constituir família, ter um estatuto na sociedade, obter benefícios económicos) com os dois tipos de casamento (heterossexual e homossexual) revelou um efeito significativo de Finalidades, F(3,714)=92.14, p<.001, e uma interacção significativa entre Finalidades e Tipo de casamento, F(3,714)=16.72, p<.001.

 

 

O efeito significativo de Finalidades indica que os respondentes têm opiniões diferentes relativamente à importância das quatro finalidades propostas. Eles pensam que o casamento permite, em primeiro lugar, cimentar o amor (M=5.17), depois constituir família (M=4.42), obter benefícios económicos (M=4.33), e discordam ligeiramente que permita ter um estatuto na sociedade (M=3.81). Contudo, a interacção significativa entre Finalidades e Tipo de casamento qualifica a ordenação geral, revelando que este padrão difere em função dos tipos de casamento, à excepção de cimentar o amor, que é visto, em ambos os casos, como a finalidade principal.

Assim, no casamento heterossexual, os respondentes avaliam todas as finalidades de forma significativamente diferente, sendo elas, por ordem de importância, constituir família, obter benefícios económicos e ter um estatuto na sociedade. Por sua vez, eles acreditam que, no casamento homossexual, obter benefícios económicos é mais importante do que constituir família ou ter um estatuto na sociedade, cujas médias não são significativamente diferentes. Apesar da ordenação das finalidades ser diferente em função dos tipos de casamento, apenas constituir família parece ser uma melhor justificação para o casamento heterossexual do que para o casamento homossexual, t(238)=5.63, p<.001.

Assim, em concordância com a nossa Hipótese 2a, o amor é a finalidade que recolhe mais acordo no que respeita ao casamento heterossexual. Contudo, o amor é também a finalidade mais aceite no que respeita ao casamento homossexual, o que infirma a nossa Hipótese 2b, que previa que a finalidade mais aceite seria a económica. A semelhança entre os dois tipos de casamento, no que concerne a sua finalidade principal, constitui, na nossa opinião, um argumento forte a favor do casamento homossexual.

Os benefícios económicos são vistos como a segunda finalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo e recolhem mais acordo do que constituir família ou ter um estatuto na sociedade, o que apoia apenas parcialmente a nossa Hipótese 2c, que previa um maior desacordo com a finalidade de constituir família. Note-se, ainda, que ter um estatuto social encontra-se no último lugar das finalidades dos dois tipos de casamento, o que apoia a observação de alguns autores relativamente à desvalorização do casamento enquanto instituição social (Zordan, Falcke, & Wagner, 2009) ou enquanto norma de vida socialmente aprovada (Casper & Bianchi, 2002).

 

Variações e fontes de variações nas representações do casamento

Para sintetizar a informação recolhida, recorremos ao programa de análise de dados textuais Alceste, procurando evidenciar a existência de dimensões representacionais do casamento e examinar a sua relação com as finalidades atribuídas ao casamento e as diferentes variáveis sociodemográficas contempladas.

A análise incidiu sobre 240 unidades de contexto, correspondentes às respostas que os 240 respondentes forneceram para descrever um dos dois tipos de casamento. Os respondentes foram descritos pelo seu sexo (masculino ou feminino), faixa etária (“jovem” ou “adulto”), estado marital (solteiro, união de facto, casado ou viúvo/divorciado), nível de educação (básico, secundário ou superior), prática religiosa (“sem religião”, ou na escala proposta “não praticante”, de 1 a 3, “mediamente praticante”, 4, “praticante”, de 5 a 7), tendência política (“sem”, ou de “esquerda”, 1 a 3, “centro”, 4, “direita”, de 5 a 7). Foram também descritos pelas respostas que forneceram relativamente à positividade das palavras evocadas (“negativas”, de 1 a 2.50, “neutras”, de 2.51 a 3.50, “positivas” de 3.51 a 5) e ao grau de acordo com as quatro finalidades do casamento (“desacordo”, de 1 a 3.50, “sem opinião”, de 3.51 a 4.50, ou “acordo”, de 4.51 a 7).

A análise considerou todas as palavras com frequência mínima de 4 ocorrências. O programa classificou 85.83% das respostas em 7 classes de palavras, cuja relação é ilustrada no dendograma da Figura 1.

 

 

Como se pode observar nessa figura existe, por um lado, um grupo de 4 classes dividido em dois subgrupos compreendendo, o primeiro, as classes 2 e 4 e, o segundo, as classes 5 e 7. Este primeiro grupo aparece mais relacionado com o casamento heterossexual, à excepção da classe 2, comum aos dois tipos de casamento. Por outro lado, encontram-se três classes mais relacionadas com o casamento homossexual, um subgrupo constituído por duas classes, as classes 3 e 6, e uma classe relativamente independente das outras, a classe 1. Começamos por apresentar o primeiro grupo de quatro classes.

A classe 2, a única que caracteriza tanto o casamento heterossexual como o casamento homossexual, agrupa respostas como “partilha” (χ2=54), “companheirismo” (χ2=27), “confiança”, “união”, “cumplicidade”, “respeito” (χ2>10). Estas palavras, que sublinham a relação de proximidade entre parceiros, traduzem expectativas largamente partilhadas acerca do casamento actual (cf. Zordan, Falcke, & Wagner, 2009). Trata-se de palavras evocadas por pessoas que exprimem ideias positivas em relação ao casamento (χ2=7) e que têm uma opinião neutra relativamente às finalidades do casamento de ter estatuto na sociedade e de constituir família (χ2=2). Esta classe é mais representativa dos respondentes do sexo feminino (χ2=3), que pertencem à faixa etária com mais idade (χ2=2), e com formação universitária (χ2=2).

A classe 4, que lhe fica próxima, estrutura-se em torno de “carinho” (χ2=40), “amizade”, “cumplicidade” (χ2>30), “sexo”, “fidelidade” (χ2>20), “amor” e “respeito” (χ2>10), respostas mais associadas ao casamento heterossexual (χ2=25). Estas palavras, que evocam relações de intimidade amorosa, são mais frequentemente produzidas por pessoas que atribuem às suas respostas uma conotação positiva (χ2=9), que acreditam que as finalidades do casamento são constituir família (χ2=3) e cimentar o amor (χ2=3). A classe 4 é mais representativa dos respondentes que vivem em união de facto (χ2=4) ou são viúvos ou divorciados (χ2=2), têm uma formação universitária (χ2=3), situam-se politicamente à esquerda (χ2=3), e são do sexo feminino (χ2=2).

Na classe 5, encontram-se palavras como “sustentabilidade” (χ2=77), “coabitação” (χ2=73), “maturidade” (χ2=38), “sexo” (χ2=27) e “responsabilidade” (χ2=14), que apontam para os compromissos resultantes do casamento. Esta classe, associada sobretudo ao casamento heterossexual (χ2=26), é mais típica dos respondentes que exprimem palavras positivas relativamente ao casamento (χ2=10) e que discordam da ideia de que a finalidade do casamento é simplesmente ter um estatuto na sociedade (χ2=3). Esta classe é mais representativa dos respondentes do sexo masculino (χ2=11), com uma educação secundária (χ2=5) e que se situam politicamente ao centro (χ2=2).

A última classe do primeiro grupo, a classe 7, inclui as palavras “família” (χ2=47), “parentalidade” (χ2=31), “felicidade” (χ2=28), “divórcio, “amor”, “bem-estar”, “celebração”, “compromisso” (χ2>10). Esta classe, associada ao casamento heterossexual (χ2=23), está centrada na família e na felicidade que proporciona. É mais particularmente evocada por respondentes que fornecem respostas positivas (χ2=4), acreditam que a finalidade do casamento é constituir família (χ2=5) e se declaram neutros relativamente à finalidade de ter um estatuto na sociedade (χ2=3). É a classe de maior peso e também a mais comum ao conjunto dos respondentes. Parece assim que, tal como foi observado por outros autores, as mulheres já não associam mais estreitamente a família ao casamento do que os homens (Zordan, Falcke, & Wagner, 2009).

No terceiro grupo de duas classes, a classe 3, organizada em torno de “liberdade” (χ2=81), agrupa “vontade”, “diferença” (χ2>40), “mudança” (χ2>20), “coragem”, “direitos”, “aceitação”, “luta” (χ2>10), ou seja, palavras que evocam o esforço para o reconhecimento dos direitos e a aceitação da diferença. Estas respostas, mais frequentemente associadas ao casamento homossexual (χ2=28), são mais representativas de pessoas que concordam que a finalidade deste tipo de casamento é cimentar o amor (χ2=4), ter um estatuto social (χ2=3) e constituir família (χ2=2), assim como dos respondentes do sexo feminino (χ2=3) e solteiros (χ2=2).

A pequena classe 6, que lhe está próxima, inclui “preconceito” (χ2=71), “direitos”, “normal” (χ2>50), “vergonha” (χ2>30), “discriminação” (χ2>10). Estas palavras, mais particularmente produzidas em associação com o casamento homossexual (χ2=13), apontam para a falta de reconhecimento dos direitos que deveriam ser concedidos a todas as pessoas. Trata-se de uma classe representativa do conjunto de pessoas que exprimem ideias de conotação neutra (χ2=24) e que partilham a opinião de que o casamento tem uma finalidade económica (χ2=5).

Por último, na classe 1 encontramos “anormalidade” (χ2=62), “paneleiros” (χ2=53), “contranatura”, “indiferença (χ2>40), “doença”, “aberração” (χ2>30). Estas palavras, sobretudo associadas ao casamento homossexual (χ2=45), remetem para os protagonistas do casamento e não para o casamento em si mesmo. Elas são evocadas por respondentes que exprimem palavras predominante -mente negativas (χ2=103), e que discordam que o casamento homossexual seja inspirado pelo desejo de constituir família (χ2=38), o amor (χ2=27), a procura de estatuto social (χ2=8) ou até razões económicas (χ2=3). Esta classe é também mais representativa dos respondentes que têm uma educação básica (χ2=14), casados (χ2=7), não praticantes (χ2=5) e do sexo masculino (χ2=2).

Em suma, a análise textual evidencia grandes diferenças nas representações do casamento heterossexual e do casamento homossexual: as palavras evocadas foram positivas para todas as dimensões do casamento heterossexual, remetendo para a partilha, o carinho, os compromissos e a família, e neutras ou negativas para o casamento homossexual, quase reduzido (com excepção da ideia de partilha) a um direito contrariado por um preconceito contra pessoas “anormais”. Os respondentes que consideram o casamento homossexual como um direito, tal como os respondentes que têm uma visão do casamento heterossexual como uma relação de carinho, concordam que as finalidades do casamento são cimentar o amor e constituir família ao passo que os respondentes sensíveis ao preconceito associado ao casamento homossexual salientam a finalidade económica do casamento.

As associações realçadas pela análise entre variáveis ilustrativas e classes de palavras não são muito fortes. Estas sugerem que, de acordo com a nossa Hipótese 3a, as mulheres têm uma representação mais positiva do casamento homossexual do que os homens: as mulheres percepcionam mais do que os homens que o casamento entre pessoas do mesmo sexo traduz um bom relacionamento entre parceiros, parecem mais empáticas para com a luta das pessoas homossexuais para a igualdade de direitos, e denigrem menos as pessoas com base na sua orientação sexual. Contudo, a nossa Hipótese 3b, que previa que os jovens têm uma representação mais positiva do casamento homossexual do que as pessoas com mais idade não foi confirmada. Pelo contrário, a única diferença entre as duas faixas etárias reside no facto de os respondentes com mais idade conceberem melhor que exista partilha e companheirismo no casamento entre pessoas do mesmo sexo tal como no casamento entre pessoas de sexo diferente. O facto de os jovens portugueses desaprovarem menos, globalmente, o casamento homossexual (Poeschl, 2011) não parece portanto impedir que estabeleçam diferenças entre as vidas privadas das pessoas homossexuais e heterossexuais. Por último, a nossa Hipótese 3c que predizia uma representação mais positiva por parte das pessoas com maior nível educacional é apoiada pelo reconhecimento da existência de uma relação de proximidade entre cônjuges do mesmo sexo e pela menor associação de palavras depreciavas às pessoas homossexuais.

 

Conclusão

Apesar das mudanças observadas nos comportamentos sociais na actualidade, o casamento ainda é visto de forma positiva e permanece como uma forma de união privilegiada para as pessoas de sexo diferente que querem oficializar o seu amor e constituir família. Como evidenciaram outros estudos (por exemplo, Torres, 2002; Zordan, Falcke, & Wagner 2009), casar já não tem tanto as finalidades económicas ou sociais que tivera no passado, antes visando assegurar a realização pessoal de cada um dos cônjuges e contribuir para o seu bem-estar e felicidade. A procura de benefícios próprios parece assim constituir o ponto de intersecção entre o casamento heterossexual e o casamento homossexual, ou seja, é o argumento que permite compreender a razão pela qual duas pessoas do mesmo sexo poderiam querer casar e, logo, que permite aceitar esta possibilidade.

Isto não significa que, quando pensam no casamento entre pessoas do mesmo sexo, as pessoas tenham uma representação semelhante à situação em que se encontram os cônjuges de sexo diferente. Pelo contrário, os nossos resultados evidenciam grandes diferenças nas representações dos dois tipos de casamento, que se reflectem tanto na informação que lhes está associada, como na avaliação dessa informação ou, ainda, nas finalidades que lhes são atribuídas.

Se o casamento heterossexual parece ainda constituir uma representação largamente partilhada, o casamento homossexual aparece, como previsto, como uma representação polémica que reflecte as discordâncias entre as pessoas que o consideram um direito e as que o consideram uma aberração. De facto, os nossos resultados demonstram que ainda há muitas pessoas que percepcionam as pessoas homossexuais – e, sobretudo, os homens homossexuais – como “anormais”.

Os nossos resultados sugerem também que uma percepção menos negativa das pessoas homossexuais não está associada a uma representação muito elaborada do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para além da noção de companheirismo, que partilha com o casamento heterossexual, o conceito remete apenas para as noções de direito (ou de liberdade de casar) ou para o preconceito que impede que todos possam igualmente beneficiar deste direito. Parece, portanto, existir uma resistência por parte dos heterossexuais em considerar que o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo pode oferecer todas as vantagens proporcionadas pelo casamento entre pessoas de sexo diferente como, por exemplo, o desejo de constituir família.

Porém, é necessário sublinhar as limitações do nosso estudo, em particular o facto de a amostra não ser representativa da população adulta portuguesa e a impossibilidade de avaliar o impacto dos textos introdutores dos questionários sobre as respostas dos inquiridos. Futuros estudos poderão também incluir dimensões do casamento que não foram aqui contempladas e poderão, em particular, examinar a relação entre as representações da parentalidade e as representações do casamento, de modo a perceber melhor as razões que sustentam a oposição à adopção de crianças por casais homossexuais.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Gabrielle Poeschl, FPCE, Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto. E-mail: gpoeschl@fpce.up.pt

 

Submissão: 21/04/2014 Aceitação: 05/12/2014

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