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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231
Aná. Psicológica vol.34 no.1 Lisboa mar. 2016
https://doi.org/10.14417/ap.966
Programas de intervenção para o desenvolvimento de competências socioemocionais em idade escolar: Uma revisão crítica dos enquadramentos SEL e SEAL
Vítor Alexandre Coelho1, Marta Marchante2, Vanda Sousa1, Ana Maria Romão1
1Académico de Torres Vedras
2Projeto Ser a Brincar
RESUMO
Nos últimos anos tem aumentando o interesse pelos programas de desenvolvimento de competências socioemocionais implementados em escolas, face à perceção incrementada destas competências como cruciais para a promoção do sucesso escolar e na vida. Este aumento impulsionou a criação de medidas legislativas de suporte e orientação nos Estados Unidos (Social and Emotional Learning – SEL) e em Inglaterra (Social and Emotional Aspects of Learning – SEAL). O presente artigo pretende analisar as semelhanças e diferenças entre as duas abordagens, comparando vários pontos cruciais como objetivos, âmbito de intervenção, estratégia de implementação, formato dos programas, implementadores empregues e a adequação da implementação dos programas com o respetivo enquadramento teórico. Adicionalmente será analisada a eficácia e a efetividade de cada abordagem, contemplando questões como a existência de diferenças de género no impacto dos programas de desenvolvimento socioemocional, bem como a importância de envolver múltiplos informantes na avaliação dos resultados. Em suma, pretendeu-se analisar criticamente estas abordagens de forma a apoiar a implementação de programas eficazes em Portugal, bem como a identificar as temáticas que requerem investigação adicional. Pode-se concluir que são necessários estudos adicionais sobre a efetividade, o formato mais adequado e o impacto do género sobre os programas de desenvolvimento socioemocional.
Palavras-chave: Desenvolvimento socioemocional, Implementação de programas, Eficácia, Efetividade.
ABSTRACT
In recent years there has been an increase in interest for school-based social and emotional learning programs, given the consistent data that presents this studies as crucial to the promotion of success in school and in life. In England (Social and Emotional Aspects of Learning – SEAL) and the United Stated (Social and Emotional Learning – SEL) this increase in importance led to the creation of legislation to support and guide the development of such programs. The present article aims to analyze the similarities and differences between both approaches, comparing the several crucial point such as objectives, program format, implementers and the fit between program implementation and theoretical framework. Additionally, the efficacy and effectiveness of each approach will also be given attention, focusing in the existence of differential gender impact of the programs, and the use of multiple informants to analyze program impact. In sum, the article aims to critically analyze these approaches in order to support the implementation of effective school-based programs in Portugal, as well as to identify the subjects that require further analysis. It may be concluded that additional studies about effectiveness, program format and differential gender impacts are required.
Key words: Social and emotional learning, School-based programs, Efficacy, Effectiveness.
Introdução
A saúde mental, segundo a Organização Mundial de Saúde, é uma das maiores preocupações da saúde pública a nível mundial (World Health Organization, 2004). Adicionalmente, os custos envolvidos no tratamento de problemas de saúde mental são bastante elevados, por exemplo em Inglaterra, o custo dos serviços de saúde mental por criança com dificuldades complexas está estimado em 50.000£ (Clark, O’Malley, Woodham, Barrett, & Byford, 2005). A antiga diretora-geral da OMS defendeu que “um programa de saúde escolar eficaz pode ser um dos investimentos com uma melhor relação custo-benefício que uma nação pode fazer para simultaneamente melhorar a educação e a saúde” (Gro Harlem Brundtland, comunicação pessoal, 7 de Outubro, 2004). Desta forma, a organização recomenda o investimento na promoção da saúde mental como estratégia de prevenção das perturbações mentais.
Dentro da área da promoção da saúde mental, Knapp, McDaid e Parsonage (2011) apresentam o desenvolvimento de competências socioemocionais como uma das intervenções com o melhor rácio custo/benefício. Também têm crescido as evidências de que o desenvolvimento de competências socioemocionais é crucial para a adaptação das crianças às exigências da sociedade, de forma a adaptarem-se às necessidades complexas do crescimento e desenvolvimento (Day & Koorland, 1997; Greenberg et al., 2003).
Desta forma, tem existido um constante aumento a nível mundial das intervenções de prevenção universal focadas nestas competências (Lendrum, Humphrey, & Wigelsworth, 2013). Multiplicam-se as iniciativas de promoção de saúde mental de base escolar em vários países Europeus (Diekstra & Gravesteijn, 2008), como Portugal (Coelho, Sousa, & Figueira, 2014), Reino Unido (Department for Education and Skills, 2005, 2007) ou Suécia (Kimber, Sandell, & Bramberg, 2008), como também na Austrália (Graetz et al., 2008) e E.U.A. (Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning, 2012).
Este aumento no interesse e no número de estudos foi acompanhado, em alguns países, por iniciativas legislativas para sistematizar e uniformizar práticas no desenvolvimento de competências socioemocionais. As estratégias mais disseminadas foram desenvolvidas nos Estados Unidos – a Social and Emotional Learning (SEL) – pelo Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL, 2012) e no Reino Unido – a Social and Emotional Aspects of Learning (SEAL) pelo Department for Education and Skills (DES, 2005, 2007) e pelo National Institute for Heatlh and Care Excellence (NIHCE, 2008; Lyle, 2013).
As revisões de literatura existentes tendem a analisar os programas que se baseiam na aborda gem desenvolvida pelo CASEL (Durlak, Weissberg, Dymnicki, Taylor, & Schellinger, 2011; Sklad, Diekstra, DeRitter, Ben, & Gravesteijn, 2012), reportando-se a programas implementados nos E.U.A. Assim, para compreender integralmente o estado presente do campo do desenvolvimento de competências socioemocionais, é necessário analisar e comparar as duas grandes correntes, SEL e SEAL, o que constitui o principal objetivo do presente artigo. Especificamente pretende-se analisar a definição e objetivos, âmbito, estratégia de implementação, formato dos programas, implementadores, eficácia, diferenças de género e resultados por forma a comparar a eficácia e efetividade de cada abordagem, compreender se a implementação dos programas está alinhada com o respetivo enquadramento teórico, bem como identificar as questões de debate na conceção e implementação destes programas.
Definição e objetivos
Tanto a SEL como a SEAL apresentam definições de competências socioemocionais e objetivos bastante similares. A SEL foi definida pelo CASEL como “os processos através dos quais as crianças e os adultos adquirem e aplicam de forma eficaz os conhecimentos, atitudes, e competências necessárias para compreender e gerir emoções, estabelecer e atingir objetivos positivos, sentir e mostrar empatia pelos outros, estabelecer e manter relações positivas, e tomar decisões responsáveis.” (CASEL, 2012, p. 4). De acordo com Elias (2006), as competências socioemocionais constituem uma parte da educação que liga o conhecimento académico a um conjunto específico de competências cruciais para o sucesso na escola, social, laboral e na vida em geral. McNeeley, Nonnemaker e Blum (2002) acrescentam que esta também deve potenciar a ligação dos alunos à escola através de práticas escolares e turmas apoiantes e envolventes.
Segundo Weare (2010), a SEAL é definida como uma abordagem de envolvimento de toda a escola para o desenvolvimento de competências sociais e emocionais que serão ensinadas de forma a realçar uma aprendizagem efetiva, comportamentos positivos, uma assiduidade regular, e o bem-estar emocional (DES, 2005). Hallam (2009) afirma que estas competências têm sido organizadas sob os cinco domínios propostos no modelo de Inteligência Emocional de Goleman (1995), nomeadamente: Autoconsciência, Autocontrolo (gestão de sentimentos), Motivação (Competência pessoal), Empatia e Competências Sociais.
Âmbito e estratégia de implementação
O CASEL (2012) prescreve que os programas SEL eficazes devem começar no pré-escolar e continuar até ao final do secundário. A SEAL presentemente é composta por duas estratégias que definem intervenções para o ensino básico e para o ensino secundário, respetivamente.
Greenberg e colaboradores (2003) estabelecem que a abordagem SEL para a prevenção no âmbito escolar, incorpora a promoção da saúde, que integra estratégias para a redução de fatores de risco e melhoria dos fatores de proteção, através de programas coordenados. A CASEL (2012) recomenda ainda que os programas SEL forneçam formação ao pessoal escolar para que este apoie a implementação dos programas, incluam materiais, como manuais com planos de sessão estandardizados, e que disponibilizem apoio e assistência contínua, bem como feedback assim que o programa começa.
O CASEL (2012) sistematiza as diversas formas de promover as competências socioemocionais da seguinte forma: (a) instrução explícita, composta por planos de sessão, conteúdos e diretrizes concretas: tipicamente as atividades que integram estes programas incluem roleplays e técnicas de desenvolvimento de autocontrolo, aplicação de competências socioemocionais a situações de vida real, tais como a utilização de estratégias de resolução de problemas durante conflitos que possam ocorrer nas aulas ou no recreio (CASEL 2012); (b) imersão na prática pedagógica dos professores: aplicada de forma alargada a um conjunto de situações, como o uso de substâncias ou o bullying, ou programas que integram totalmente a SEL com conteúdo académico; (c) programas de envolvimento de toda a escola: consistem num processo que envolve a colaboração entre diferentes turmas, níveis de escolaridade ou pelo envolvimento de assistentes operacionais nas atividades de promoção de competências; (d) currículo informal: a aprendizagem que tem lugar fora da sala de aula (no ensino formal) é utilizada como base para o melhoramento de comportamentos (Zins, Weissberg, Wang, & Walberg, 2004).
Autores que analisaram a eficácia dos programas SEL (Durlak et al., 2011; Sklad et al., 2012) consideram que existe uma grande diversidade entre os diferentes programas SEL relativamente aos comportamentos, atitudes e competências alvo, bem como no formato de implementação.
A SEAL é baseada num currículo que visa o desenvolvimento de qualidades e competências que promovem o comportamento positivo e uma aprendizagem eficaz que se foquem nos cinco aspetos socioemocionais da aprendizagem (Hallam, 2009). Humphrey, Lendrum, Wiglesworth e Kalambouka (2009) sugerem que estas competências devem ser desenvolvidas através de 4 estratégias de implementação: (a) da criação de um clima que promova estas competências; (b) do ensino direto destas mesmas competências; (c) do uso de abordagens de aprendizagem e ensino que apoiem igualmente o desenvolvimento destas competências; (d) do desenvolvimento profissional contínuo do pessoal escolar. Outros autores (Weare, 2010) defendem a importância de coordenar atividades de sala de aula com atividades escolares e atividades na comunidade.
Originalmente, segundo o DES (2005), o programa SEAL criado para o ensino básico utilizava um enquadramento explícito, estruturado e com imersão no currículo para o desenvolvimento de competências sociais, emocionais e comportamentais de todos os alunos (e não apenas daqueles cujo comportamento ou a pobreza de competências sociais causam problemas). Atualmente a SEAL é primariamente uma intervenção universal, no entanto disponibiliza apoio adicional, sob a forma de trabalho de grupo mais focado, a alguns alunos que possam necessitar de maior atenção (Lendrum et al., 2013). De acordo com o DES (2007), o Ensino Secundário também envolve estratégias diretas e universais (durante o tempo de tutoria, ao longo do currículo e fora das aulas formais).
Banerjee, Weare e Farr (2014) referem que as principais barreiras identificadas para a implementação dos programas SEAL incluem as suas características (como a complexidade), a visão do pessoal escolar (como a perceção da importância do programa para o seu trabalho), e fatores contextuais (exigências e prioridades da escola).
No entanto, Lendrum e colegas (2013) concluem que, face à flexibilidade da programação SEAL (que foi concebida para permitir a integração de iniciativas pré-existentes e adaptar-se à realidade de cada escola), as suas linhas de orientação são vagas e existe uma falta de instruções claras sobre como a SEAL deve ser implementada e aplicada, deixando as escolas confusas e inseguras sobre como proceder.
Resumindo, enquanto a SEL é apontada como uma moldura mais rígida para a promoção de desenvolvimento de competências socioemocionais em meio escolar, sob uma forma prescritiva e manualizada (Weare, 2010), a SEAL será, comparativamente, mais flexível, o que levou a uma maior aceitação pela comunidade escolar. No entanto, esta flexibilidade da SEAL, apesar de inicialmente bem acolhida pela comunidade escolar, tem vindo a ser apontada como responsável por esta abordagem ser considerada vaga relativamente à direção e ao foco do processo de implementação. Em termos gerais, pode se considerar que a abordagem SEL tende a basear-se mais em programas, enquanto a abordagem SEAL foca-se no estabelecimento de currículos. Será de salientar que, em termos de estratégia de implementação, tanto a SEL como a SEAL, preconizam formas mais diretas e outras mais implícitas de desenvolvimento de competências socioemocionais, mas os resultados reportados focam-se maioritariamente sobre as intervenções diretas.
Formato dos programas (intensidade, duração)
Os programas SEL apresentam durações muito diversas, variando entre 8 a 140 sessões por ano, no entanto, alguns programas não consistem em conjuntos de sessões pré-definidas mas num conjunto de recomendações para melhorar as práticas e métodos dos professores e nestes casos o número de sessões não se aplica, já que o programa foi concebido para alterar o clima e cultura escolar através do funcionamento regular em sala de aula (CASEL 2012).
Quanto à intensidade das intervenções, os esforços a curto prazo, essencialmente didáticos, isolados (descoordenados), comummente encontrados nas escolas, não são tão eficazes como os esforços coordenados de longo prazo (Zins et al., 2004). No entanto, está bem estabelecido que a implementação adequada dos programas SEL irá influenciar o sucesso dos programas e da expressão dos resultados dos alunos (Durlak et al., 2011; Elias, 2006).
A maioria das intervenções SEAL oferece sessões semanais ou bissemanais às crianças. Originalmente, as abordagens SEAL previam que cada escola encontre o seu próprio caminho no uso de materiais e no desenho das suas intervenções (DES, 2005). Posteriormente, a SEAL passou a ser aplicado nas escolas em 2 momentos, denominado “ondas”. As ondas 1 e 2 do SEAL são aplicadas em 7 “temas”, cada um com a duração aproximada de meio período (7 a 8 semanas), com cada tema a ser desenhado para ser implementado ao nível de toda a escola.
A primeira onda de aplicação foca-se no desenvolvimento universal proporcionando o ethos e o clima necessário para que as competências socioemocionais possam ser efetivamente promovidas. A onda 2 envolve as intervenções para as crianças que requerem suporte adicional no desenvolvimento das suas competências socioemocionais (Department for Education and Skills, 2006). Este currículo deverá funcionar como uma espiral, com cada tema a ser revisitado a cada nível (Hallam, 2009).
Em resumo, o formato dos programas preconizados por ambas as abordagens apresenta várias semelhanças, sendo recomendado que estes tenham uma duração superior a um ano letivo completo (Greenberg et al., 2003; Hallam, 2009). No entanto, meta-análises realizadas sobre a SEL (Durlak et al., 2011; Sklad et al., 2012) analisam programas com duração muito mais curta (o mais curto apresenta uma duração de oito semanas). Relativamente à SEAL, existem recomendações para que os programas tenham uma intensidade superior (pelo menos semanal), e devem ter uma duração superior a um ano escolar, mas boa parte dos estudos quantitativos reportam resultados de unidades com duração de sete sessões (Humphrey, Kalambouka, Wigelsworth, & Lendrum, 2010; Humphrey, Kalambouka, Lendrum et al., 2010).
Implementadores (psicólogos, professores)
Os educadores usam estratégias de ensino e de aprendizagem variadas, focadas nas características culturais e linguísticas dos alunos, com tarefas que condigam com as necessidades, interesses e características desenvolvimentistas dos alunos (CASEL, 2012). Os professores providenciam instruções SEL explícitas, bem como oportunidades para aplicar as competências SEL no contexto da instrução académica e das interações diárias (CASEL, 2012). Os professores em sala de aula podem ajudar os alunos e desenvolver competências socioemocionais ao as ensinarem diretamente, ao usar materiais curriculares, e ao implementar práticas de instrução específicas e de gestão de sala de aula (Durlak et al., 2011; January, Casey, & Paulson, 2011; Kress & Elias, 2006; Weare, 2010; Zins et al., 2004). Os programas SEL focados nos professores treinam-nos para serem mais emocionalmente apoiantes dos seus alunos, ou para usarem práticas disciplinares positivas para responder às necessidades dos mesmos. Estas estratégias, por sua vez, também aumentam o desenvolvimento das competências dos alunos (Allen, Pianta, Gregory, Mikami, & Lun, 2011).
Os dados permitem verificar que os programas SEL foram eficazes quando conduzidos por professores em sala de aula e por outro staff escolar, o que sugere que estas intervenções podem ser incorporadas na prática da rotina educacional (Durlak et al., 2011).
As intervenções SEAL são usualmente aplicadas por psicólogos e outros profissionais externos (o staff escolar raramente é utilizado, para além de quando lhes é pedido que classifiquem o comportamento das crianças e o seu bem-estar) (Humphrey, Kalambouka, Wigelsworth, & Lendrum, 2010).
Lyle (2013) levanta questões relativamente ao envolvimento de professores, que terão um treino mínimo de forma a serem capazes de usar os indicadores SEAL para medir o bem-estar dos alunos. A autora refere também que, mesmo que existisse evidência robusta da eficácia destes “profissionais” no domínio da SEAL, continuaria a existir uma vasta diferença quando estes implementadores passassem à aplicação destas ideias numa prática quotidiana.
Assim, uma das maiores diferenças entre as abordagens SEL e SEAL prende-se com quem deve ser o implementador dos programas, no primeiro caso a prioridade iria para os educadores ou professores (essencialmente pessoal escolar), no segundo caso as intervenção diretas de desenvolvimento de competências socioemocionais deveriam ser implementadas por técnicos especializados (como psicólogos e raramente pessoal escolar). Será necessário considerar, no entanto, que Sklad e colegas (2012) reportam que 39% dos programas SEL analisados na sua meta-análise eram implementados por técnicos especializados ou investigadores, existindo uma discrepância face às recomendações teóricas da CASEL.
Eficácia e efetividade
A realização de estudos sobre eficácia tem conhecido bastantes desenvolvimentos nos últimos anos (Durlak et al., 2011). No início da década passada uma revisão de 80 programas (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning, 2005), disponíveis no contexto americano, apresentava conclusões preocupantes, com apenas 14% a apresentarem resultados positivos em pelo menos uma variável no pós-teste. Apenas um programa relatava um impacto comportamental positivo um ano após a intervenção, adicionalmente não existiam estudos sobre a efetividade dos programas.
Recentemente, um conjunto de meta-análises que analisaram os resultados de programas SEL (Durlak et al., 2011; Sklad et al., 2012) tem concluído que estes promovem melhorias em vários domínios, nomeadamente social, emocional e académico. Mais concretamente, têm sido observadas melhorias nas competências socioemocionais, atitudes relativamente ao próprio, comportamentos sociais (redução de comportamentos antissociais, de conduta e problemas de internalização e aumento de comportamentos pró-sociais), promoção de uma autoimagem positiva, bem como promoção de rendimento académico, onde os programas SEL obtiveram um ganho médio nos resultados dos testes de rendimento de 11 a 17 pontos percentuais (Durlak et al., 2011).
Relativamente aos resultados dos estudos de follow-up a médio prazo (por volta de 6 meses), foi encontrado maior impacto nas competências socioemocionais, atitudes em relação ao próprio e comportamento pró-social, seguido do rendimento académico e redução do comportamento antissocial (Sklad et al., 2012). Por outro lado, Durlak e colegas (2011) reportam que a dimensão dos efeitos nestas competências reduzem-se em magnitude durante as avaliações de follow-up, embora os efeitos tenham continuado a ser estatisticamente significativos por um mínimo de 6 meses após a intervenção. Contudo as conclusões relativas à durabilidade dos efeitos destes programas SEL necessitam de ser cuidadosamente feitas (Sklad et al., 2012). Os programas têm demonstrado efeitos positivos em follow-up, embora alguns destes efeitos tenham diminuído substancialmente em comparação com os efeitos imediatos (Sklad et al., 2012). Contudo, a redução ou prevenção do comportamento anti-social demonstrou efeitos adormecidos, existindo um aumento na avaliação de follow-up (Sklad et al., 2012).
Concomitantemente, as intervenções SEL demonstraram ser eficazes tanto no contexto escolar, como nos programas de prolongamento letivo, tanto para alunos que apresentavam problemas, como para os que não apresentavam (Durlak et al., 2011). No entanto, Durlak e colegas (2011) não encontraram benefícios adicionais de programas com multicomponentes, relativamente aos de um só componente (i.e., apenas em sala de aula), apesar deste dado contradizer as revisões anteriores (Greenberg et al., 2003).
Os programas tiveram igualmente sucesso em todos os níveis educacionais (1º, 2º e 3º ciclos e secundário), para escolas de zonas urbanas, suburbanas e rurais. Contudo, estes programas têm sido menos estudados no secundário e em áreas rurais (Durlak et al., 2011).
Duas variáveis demonstraram resultados significativos: as práticas SAFE (sequenciais, ativas, focadas e explícitas) e os problemas de implementação, sugerindo que os programas benéficos devem ser tanto bem desenhados como bem conduzidos (Durlak et al., 2011). No entanto, nem todos os estudos têm demonstrado efeitos positivos, alguns dos principais estudos recentes têm relatado resultados nulos (Sheffield et al., 2006).
Hallam (2009) examinou a efetividade do programa SEAL no Reino Unido, incluindo o impacto do programa sobre os alunos que nele participaram e uma análise sobre as perceções do pessoal escolar após a implementação do programa. Este autor relatou um aumento da compreensão sobre os aspetos sociais e emocionais da aprendizagem e que os programas ajudaram-no a melhor compreender os seus alunos. No entanto, apesar do pessoal se mostrar em geral agradado relativamente ao impacto do programa, pode não ter sido a introdução dos materiais SEAL por si que promoveu a melhoria da perceção sobre o comportamento e bem-estar das crianças, mas simplesmente o foco da escola sobre a melhoria dos comportamentos. Desta forma, era difícil separar os efeitos do programa dos efeitos mais gerais do clima e cultura escolar. As entrevistas revelaram que as crianças se percebiam como mais apoiantes devido ao programa, apresentavam um vocabulário sobre emoções enriquecido e as relações entre elas estavam fortalecidas. Também nas entrevistas, alguns professores indicaram que, como as crianças estavam mais calmas, a sua aprendizagem tinha melhorado (Hallam, 2009).
No entanto, Craig (2007) avisa que o estudo piloto da SEAL levado a cabo entre 2003 e 2005, era um estudo muito mal concebido, sem grupos de controlo, e no qual os resultados positivos encontrados derivam essencialmente do feedback de professores que foram escolhidos propositadamente com base em critérios não explícitos e que, em função disso, as suas respostas não podem ser vistas como evidência. Concretamente, a autora indica o reduzido número de professores e assistentes operacionais que tinha respondido (reportando efeitos muito positivos sobre os alunos): apenas 31 professores e 19 assistentes operacionais, num total de 78 escolas.
Concomitantemente, Hallam (2009) também concluiu que o programa tendia a consolidar a identidade negativa de uma minoria de alunos (alunos que estavam identificados como estando em risco) e existia uma tendência para serem disponibilizados serviços adicionais de apoio a estes alunos. Estes serviços incluíam trabalho a ser realizado em pequenos grupos, para além do programa principal. Relativamente ao impacto das intervenções SEAL em pequeno grupo no 1º ciclo, Humphrey, Kalambouka, Wigelsworth, & Lendrum (2010) também afirmam que existe evidência estatisticamente significativa do impacto positivo das mesmas, mas reconhecem que análise é de extrema complexidade. No estudo quantitativo sobre o impacto da intervenção, cada uma das quatro intervenções temáticas apresentou melhoria em pelo menos um dos domínios avaliados, apesar do efeito médio ser baixo; este impacto mantinha-se após um período de sete semanas após o fim da intervenção.
No entanto, todas as análises de resultados dos pais na avaliação quantitativa de resultados revelaram-se sem evidência de impactos positivos. Uma hipótese explicativa é a de que as crianças não estejam a generalizar o seu desenvolvimento de competências para além do contexto escolar, o que os autores atribuem a uma falta de envolvimento parental (Lendrum et al., 2013).
No entanto, Craig (2007) conclui que os dados empíricos apresentaram que a SEAL não teve impacto, com virtualmente nenhum efeito no desempenho académico e que os efeitos nos alunos na maior parte das atitudes avaliadas se traduziram numa descida, após o estudo piloto, particularmente nos rapazes. Neste mesmo sentido, o autor considera que este estudo piloto não demonstrou que a abordagem de SEAL tenha sido um sucesso (Craig, 2007, p. 40), chegando a afirmar que “a natureza amorfa da SEAL significa que será difícil avaliar a sua efectividade”.
Ainda, Craig (2007) destaca que as aulas SEAL são intervenções psicológicas, dirigidas a todos, levadas a cabo por pessoas que não são profissionais, alertando sobre os potenciais efeitos negativos. Desta forma há uma falta de evidência sobre a eficácia do programa SEAL, bem como na análise do piloto da SEAL, com Hallam (2009) a reportar mesmo que alguns rapazes acabaram por ser mais negativos em relação a si próprios, como resultado do programa.
Wigelsworth, Humphrey e Lendrum (2013) relembram que a maioria dos trabalhos publicados sobre a eficácia dos programas SEAL foi realizada sob condições estritamente controladas com as escolas a receberem altos níveis de suporte e de assistência que, normalmente, não estão disponíveis. Adicionalmente, Lyle (2013) conclui que existe uma falta de métodos válidos para medir o bem-estar nas intervenções, assim não há certeza se o SEAL apresenta benefícios em termos de custo-benefício, ou se há um impacto positivo mensurável nos resultados de bem-estar.
O NIHCE (2008) relembra que os programas concebidos para promover o bem-estar social e emocional das crianças necessitam de ser rigorosamente avaliados e identifica falhas tanto em relação à SEL, como particularmente em relação à SEAL. Relativamente a ambas abordagens identificam uma falta de evidências sobre o custo-eficácia das intervenções para a promoção do bem-estar emocional e social dos alunos, particularmente em programas com múltiplos componentes. Especificamente sobre a SEAL as duas falhas mais relevantes identificadas são: uma falta de métodos válidos para medir o bem-estar emocional e social de alunos do 1º ciclo; e a falta de monitorização de mudanças ao longo do tempo.
Desta forma, enquanto duas meta-análises recentes (Durlak et al., 2011; Sklad et al., 2012) concluem por vários ganhos a nível social, emocional e académico dos programas SEL (essencialmente junto de alunos que em Portugal estariam a frequentar o 1º e 2º ciclo), o estudo mais completo sobre a eficácia dos currículos SEAL (Wigelsworth et al., 2013) conclui que estes não conseguiram ter um impacto significativo sobre os sintomas emocionais e problemas de conduta da população estudantil nas escolas secundárias em Inglaterra (com idades equivalentes ao 3º ciclo em Portugal), nem sobre a população geral, nem junto de uma subamostra de alunos considerados como em situação de risco.
Diferenças de género
Existem resultados bastante divergentes sobre a existência de impactos diferenciados dos programas SEL e SEAL entre ambos os géneros, enquanto algumas meta-análises (Adi, Kiloran, Janmohamed, & Stewart-Brown, 2007; Diekstra & Gravesteijn, 2008) não concluem pela existência de evidência suficiente na literatura sobre os efeitos diferenciais de género na eficiência dos programas SEL, a maioria dos estudos (Coelho, Marchante, & Sousa, 2015; Conduct Problems Prevention Research Group, 2010; Taylor, Liang, Tracy, Wiliams, & Seigle, 2002) encontra resultados diferenciados por género.
Taylor e colegas (2002), reportaram, relativamente ao programa Reach out to Schools – Social Competency Program, para o mesmo ano de escolaridade, que após a intervenção os rapazes aumentaram os seus níveis de autoconceito, enquanto as raparigas desenvolvem mais a assertividade e um melhor ajustamento escolar geral. Um estudo mais abrangente conduzido pelo Conduct Problems Prevention Research Group (CPPRG, 2010), envolvendo 2937 estudantes do ensino primário, apresenta resultados divergentes: os professores não reportam diferenças relativamente ao género enquanto os pares identificam uma diminuição na agressividade dos rapazes após a intervenção.
No contexto nacional, também existem resultados divergentes. Relativamente a um programa para o 1º ciclo, Coelho, Sousa e Figueira (em preparação) reportam que os alunos de ambos os géneros apresentam aumentos dos níveis de AutoControlo e AutoEstima e reduções do Isolamento Social, mas apenas as raparigas apresentavam benefícios do programa na Consciência Social e na Ansiedade Social (na qual as raparigas apresentavam níveis superiores no início do programa). Relativamente a uma intervenção desenvolvida no 3º ciclo também foram identificadas diferenças de género com as raparigas a relatarem maiores ganhos na Consciência Social, enquanto os rapazes apresentavam maiores ganhos na AutoEstima e Liderança, bem como maiores reduções dos níveis de Ansiedade Social (Coelho, Marchante, & Sousa, 2015).
A análise sobre diferenças de género no impacto dos programas de desenvolvimento de competências socioemocionais torna-se ainda mais complexa quando passamos a considerar a perspetiva de vários informantes (tal como recomendado por Wigelsworth, Humphrey, Kalambouka, & Lendrum, 2010). Num programa de 1º ciclo, os relatos dos professores apresentam um conjunto mais reduzido de resultados significativos, com apenas os rapazes a apresentarem benefícios na Consciência Social e Autocontrolo (Coelho, Sousa, & Figueira, em preparação).
Sobre a SEAL também encontramos alguns efeitos de género. Segundo Hallam (2009), os rapazes apresentaram mudanças positivas enquanto as raparigas permaneceram da mesma forma, no entanto, os rapazes apresentam autopercepções e atitudes face à escola mais negativas.
Em suma, a existência de impactos diferenciados dos programas de competências socioemocionais consoante o género não é clara na presente literatura, com ambas as abordagens a apresentarem evidências contraditórias sobre a existência deste tipo de impacto diferenciado.
Conclusões
O aumento da importância percebida do desenvolvimento das competências socioemocionais tem-se traduzido num aumento e diversificação das estratégias utilizadas na implementação. Em alguns países (Estados Unidos da América e em Inglaterra) tem sido acompanhada de esforços de legislativos que criam estandartes de implementação de programas, bem como de sistemas de avaliação para aferir a eficácia e a efetividade destes formatos. Presentemente já é possível analisar os impactos das duas abordagens de desenvolvimento de competências socioemocionais mais disseminadas nestes dois países e extrair lições que permitam estruturar respostas (a nível nacional), bem como identificar quais as questões prementes na investigação relativamente ao desenvolvimento destas competências.
No caso da SEL, ambas as meta-análises mais recentes (Durlak et al., 2011; Sklad et al., 2012) fornecem algum apoio à eficácia destes programas, enumerando algumas características cruciais para obter resultados positivos com estes programas, nomeadamente que as práticas sejam sequenciais, ativas, focadas e explícitas. Os mesmos autores têm clamado pela importância da condução de estudos que analisem a efetividade (e não só a eficácia) dos programas de desenvolvimento de competências socioemocionais. Relativamente à SEAL Wigelsworth e colegas (2013) alertam que a validade externa de muitas intervenções não foi estabelecida, visto terem sido implementadas com níveis de suporte excepcionais e não sob as condições normais do dia-a-dia escolar. Desta forma, face a ainda não ser muito comum o relato da efetividade de programas SEL e de se ter concluído pela inexistência de efectividade dos currículos SEAL existe um interesse adicional no desenvolvimento de estudos sobre a análise da efetividade destes programas.
Adicionalmente, seria importante o desenvolvimento de estudos que permitam analisar comparativamente a efetividade de programas mais estruturados e rígidos versus a de currículos mais flexíveis nas várias faixas etárias da população escolar.
Desta forma, em investigações futuras deve ser analisado o papel do género, sendo necessário analisar as componentes dos programas que promovem a existência as diferenças de impacto consoante o género reportadas nos estudos.
Também devem ser tomadas em consideração as perspectivas de múltiplos informantes. Efetivamente, muitos dos estudos (Coelho, Sousa, & Figueira, em preparação; CPPRG, 2010; Taylor, Liang, Tracy, Williams, & Seigle, 2002) relativos à eficácia ou efetividade dos programas SEL e SEAL utilizando relatos de múltiplos informantes apresentam dados contraditórios, existindo estudos que reportam ganhos nas competências socioemocionais nos autorrelatos, que depois são reduzidos nos relatos dos professores (Coelho, Sousa, & Figueira, em preparação) ou que não existem no relato dos pais (Humphrey, Lendrum, Wigelsworth, & Kalambouka, 2010). Será ainda de notar que estes dados levantam questões sobre os informantes utilizados, assim como as condições de implementação necessárias para a obtenção de resultados significativos.
Finalmente são necessários estudos que permitam aumentar a compreensão sobre como as características (como género, anos de experiência prévia, formação) podem influenciar os resultados dos programas de desenvolvimento socioemocional.
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Vítor Alexandre Coelho, Académico de Torres Vedras, Apartado 125, 2564-910 Torres Vedras. E-mail: vitorpcoelho@gmail.com
Financiamento: Câmara Municipal de Torres Vedras.
Submissão: 30/10/2014 Aceitação: 10/08/2015