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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.34 no.2 Lisboa jun. 2016

https://doi.org/10.14417/ap.910 

Síndrome de burnout e valores humanos em professores da rede pública estadual da cidade de João Pessoa: Um estudo correlacional

Sandra Souza1, Flaviane Michelly Tenório de Souza1, Silvânia da Cruz Barbosa1, Iranda Rúbia de Sousa Lopes1, Danielle Gomes Fernandes1

1UFPB – Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Correspondência

 

RESUMO

A síndrome de burnout é uma reação ao estresse crônico vivenciado no trabalho. Apresenta três dimensões: Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Profissional. Valores são categorias de orientação consideradas como desejáveis, baseadas nas necessidades humanas, variando quanto a sua magnitude e seus elementos definidores. A pesquisa teve como objetivo verificar a relação entre as dimensões da síndrome de burnout e os valores humanos dos professores da rede pública estadual da cidade de João Pessoa – PB. Participaram 220 professores do ensino médio que responderam a escala Maslach Burnout Inventory – MBI (versão ED), o Questionário de Valores Humanos e uma Ficha Sociodemográfica. Foram realizadas análises estatísticas descritivas, prova de correlação de Pearson e análise de regressão linear múltipla. A subfunção Normativa foi a que mais apresentou correlações com as dimensões do burnout, especialmente tradição e obediência se mostraram valores importantes para a diminuição do distanciamento afetivo interpessoal e para o alívio do esgotamento emocional. Verificou-se a importância de se fomentar os valores centrais e pessoais para promover a sensação de realização profissional.

Palavras-chave: Síndrome de burnout, Valores humanos, Professores.

 

ABSTRACT

The burnout syndrome is a reaction to chronic stress experienced at work. It presents three dimensions: Emotional Exhaustion, Depersonalization and Professional Achievement. Values are categories of orientation considered desirable, based on human needs and the preconditions to satisfy them, can vary as to their magnitude and the elements defined. The research verified the relationship between the dimensions of burnout syndrome and human values of the teachers of the public schools of the city of João Pessoa – PB. Participated 220 teachers who responded to the scale of the Maslach Burnout Inventory – MBI (ED version), the Questionnaire of Human Values and Sociodemographic Data. Were performed descriptive statistics analysis, Pearson’s correlations and linear regression analyses. The subfunction Normative was that showed correlations with the dimensions of burnout, especially tradition and obedience are very important values to decrease interpersonal emotional detachment and for the relief of emotional exhaustion. There was the importance of promoting the central and personal values to the feeling of professional achievement.

Key words: Burnout syndrome, Human values, Teachers.

 

Introdução

Nas duas últimas décadas, algumas reformas vêm sendo introduzidas no sistema educacional brasileiro com vistas a ampliar o acesso à educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, às populações em situação de vulnerabilidade social. Para atender às novas competências e metas educacionais definidas pela Emenda Constitucional nº 14 de 1996, as redes estaduais e municipais desenvolveram algumas ações, construindo novas escolas, aumentando o número de alunos por sala, acolhendo a diversidade, intensificando o turno noturno e, em alguns casos, criando um turno intermediário (Costa & Oliveira, 2011). Essas ações passaram a exigir professores mais autônomos, criativos e flexíveis para atender às novas reformas educacionais, mas sem lhes oferecer melhores recursos econômicos e condições de trabalho adequadas para cumprir as atuais demandas educacionais (Costa, 1995; Hypolito, 1997; Lapa & Pretto, 2010; Sampaio & Marín, 2004).

Sampaio e Marín (2004), citando o estudo realizado por Siniscalco em 2003, mostra que a situação salarial do professorado brasileiro é uma das piores do mundo, inclusive quando comparada a alguns países com inferiores condições sociais e econômicas, como é o caso do Peru e da Indonésia. Mesmo melhorando com o passar dos anos, por meio dos incentivos, como adicionais por tempo de serviço ou de qualificação, o salário continua abaixo desses e de outros países. Os autores concluem que o professorado brasileiro vive um processo de pauperização que incide diretamente na pauperização da sua vida pessoal, que por sua vez reflete no trabalho, sobretudo no acesso a bens culturais. Outras pesquisas (Carlotto & Palazzo, 2006; Codo & Vasquez-Menezes, 1999; Ferenhof & Ferenhof, 2002; Reinhold, 1996) revelam que os professores brasileiros se sentem profissionalmente desvalorizados, dispõem de recursos materiais insuficientes para lecionar, enfrentam salas de aula superlotadas, convivem com a insegurança e a violência nas escolas, com a sobrecarga de trabalho e, para aumentar a renda salarial, assumem vários empregos com horários diversificados, chegando às vezes a lecionar nos três turnos. Diante desse quadro, a saúde do professor vem se deteriorando e provocando adoecimentos psíquicos, de caráter não psicótico, como burnout que se manifesta como reação ao impacto intenso e duradouro de fatores estressantes no trabalho.

Freudenberger (1974, 1987), um dos pesquisadores pioneiros sobre o fenômeno, comparou a síndrome a uma espécie de incêndio subjetivo que devasta a energia, as expectativas e a autoimagem de profissionais que, antes, se sentiam profundamente envolvidos com o trabalho. Esse autor identificou que indivíduos particularmente dinâmicos e engajados no trabalho, e os mais idealistas, como é o caso do professor, são bastante vulneráveis. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também identificou que os profissionais de educação têm-se destacado, em vários países, como um dos grupos mais acometidos por burnout, estimulando pesquisadores a fazerem estudos científicos nesses grupos (Batista, Carlotto, Coutinho, & Augusto, 2010; Carlotto, 2010; Lapo & Bueno, 2003).

A docência é, sem dúvida, um dos mais importantes e necessários ofícios do mundo na preparação de indivíduos reflexivos e educados. Sabe-se que para educar bem e ser um bom artífice na construção de valores humanos positivos, é imprescindível que o professor esteja bem; porém se ele é intensamente exposto a estressores laborais e não consegue enfrentá-los eficazmente, vai se desgastando psiquicamente e perdendo o entusiasmo com o trabalho (Pedro & Peixoto, 2006). O problema é que o desgaste psíquico do professor, na medida em que assume características epidêmicas (Salanova & Llorens, 2011) pode desencadear o burnout, gerando consequências negativas pessoais e para a escola, ocasionando altos custos, conduzindo ao aumento do absenteísmo, diminuição da produtividade, e baixa qualidade dos serviços educacionais oferecidos à sociedade. Em outras palavras, a nocividade do burnout repercute em nível individual, organizacional e societal, justificando assim a importância e urgência de se diagnosticar a síndrome a fim de se planejar medidas mais eficazes para promover a saúde, prevenir e combater o burnout (Benevides-Pereira, 2009; Dériot, 2010; Esteve, 1999).

Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo verificar as relações entre as dimensões da síndrome de burnout e os valores humanos dos professores da rede pública estadual da cidade de João Pessoa – PB.

 

Síndrome de burnout

Os primeiros estudos mais sistematizados sobre burnout surgem na década de 1970, nos Estados Unidos, desenvolvidos pelo psiquiatra Freudenberger (1974) sob o ponto de vista clínico, e pela psicóloga Maslach (1976) sob uma perspectiva psicossocial. Essa psicóloga elaborou um conceito que passou a ser amplamente usado na literatura científica, segundo o qual burnout é uma patologia que surge em resposta a estressores crônicos no trabalho, formada por três dimensões: Exaustão Emocional (EE), que se manifesta pela sensação de cansaço extremo e falta de energia no trabalho e na vida pessoal; Despersonalização (DP), que se caracteriza por atitudes insensíveis e/ou hostis em relação aos usuários e aos colegas de trabalho; Realização Profissional (RP), que diz respeito ao ânimo, empenho, satisfação e eficiência do indivíduo em relação ao trabalho (Maslach, 2009; Maslach & Jackson, 1981; Maslach & Leiter, 1999).

O Maslach Burnout Inventory (MBI-ED), criado por Maslach e Jakcson (1981) é o instrumento mais utilizado para avaliar burnout em professores, tendo sido traduzido e adaptado em vários idiomas. De acordo com esse instrumento, um indivíduo está acometido por burnout quando apresenta elevados escores em EE e em DP, seguidos de baixos escores em RP, visto que nessa última dimensão a escala de pontuação é invertida. Sublinha-se que, diferente da abordagem clínica defendida por Freudenberger, na perspectiva psicossocial, o aparecimento do burnout não se deve à predisposição psíquica de certos indivíduos, e sim, à percepção que eles têm do contexto laboral. Salanova e Llorens (2011) sugerem alguns modelos psicossociais explicativos para a síndrome, por exemplo, as teorias de contágio social, de demanda-controle, social cognitiva e a teoria do intercâmbio social. Essa última, que será usada na presente pesquisa, supõe que o equilíbrio ou desequilíbrio emocional são determinados pela percepção de reciprocidade nas relações, ou seja, quanto o indivíduo percebe que está dando de si e até que ponto se sente recompensado. A fonte do burnout está na ausência de reciprocidade nas relações de troca, que pode se manifestar em três níveis: (1) entre profissionais e usuários; (2) entre companheiros; (3) entre o indivíduo e a organização.

O primeiro nível ocorre quando os trabalhadores se empenham na tarefa, mas sentem que seus esforços não são suficientemente valorizados pelos usuários. Para obter a recompensa, eles passam a investir cada vez mais nas relações, chegando a consumir grande energia psíquica que os leva ao esgotamento. Em consequência do esgotamento surgem as frustrações profissionais. Na tentativa de conter o esgotamento, os profissionais distanciam-se psicologicamente dos usuários, dando margem ao surgimento da Despersonalização.

No segundo nível, os trabalhadores tentam manter as boas relações interpessoais com os companheiros de trabalho por meio de um recurso conhecido na literatura como Suporte Social, que se baseia no equilíbrio entre o apoio social oferecido e recebido dos colegas. O processo de burnout começa quando esse equilíbrio se quebra. Em consequência, os empregados tendem a se afastar afetivamente dos colegas, adotando comportamentos hostis, característicos da Despersonalização, sendo esses comportamentos teoricamente compreendidos como tentativas inconscientes de recuperar a reciprocidade das relações interpessoais.

No terceiro nível, o burnout decorre principalmente da relação desequilibrada entre o que o empregado dá e espera da organização. Quando as expectativas e recompensas são continuamente frustradas, o indivíduo vai se esgotando psiquicamente e perdendo o entusiasmo com a organização.

 

Valores humanos

De acordo com Porto e Tamayo (2007), os valores conduzem os comportamentos e as atitudes do ser, podendo estar relacionados a momentos específicos de sua vida. Dessa forma, eles são de fundamental importância para que se possa compreender uma série de fenômenos psicossociais (Gouveia, Milfont, Fischer, & Coelho, 2009).

A teoria funcionalista dos valores humanos tem apresentado avanços significativos para a compreensão do construto desde o final da década de 1990 (Gouveia, 1998, 2003; Gouveia, Meira, Gusmão, Souza Filho, & Souza, 2008). Trata-se de uma tipologia de valores básicos, descrita como integradora e parcimoniosa, composta por 18 valores primários baseados nas necessidades humanas (emoção, sexualidade, prazer, êxito, prestígio, poder, sobrevivência, estabilidade pessoal, saúde, conhecimento, beleza, maturidade, apoio social, afetividade, convivência, tradição, obediência e religiosidade).

Essa teoria tem como ênfase os valores humanos a partir de duas funções básicas; a primeira, denominada de tipo de orientação, é responsável por guiar nossas ações, sendo representada pelos valores sociais, centrais e pessoais. A segunda, denominada tipo de motivador, é responsável por expressar as necessidades humanas, sendo representada por valores materialistas (pragmáticos) ou humanitários (idealistas). Gouveia et al. (2009) afirmam que, ao se integrarem, as dimensões tipo de orientação e tipo de motivador originam seis subfunções: (1) Experimentação (emoção, sexualidade, prazer), representa um motivador humanitário, mas com uma orientação Pessoal; (2) Realização (êxito, poder, prestígio), compreende um motivador materialista e com orientação Pessoal; (3) Existência (estabilidade pessoal, saúde, sobrevivência), representa um motivador materialista e possui orientação Central; (4) suprapessoal (conhecimento, maturidade, beleza), compreende um motivador humanitário e têm orientação Central; (5) Interativa (afetividade, apoio social, convivência), representa um motivador humanitário e possui orientação social e (6) Normativa (obediência, tradição, religiosidade), compreende um motivador materialista e orientação social.

Estudos sobre a relação entre burnout e valores têm despertado o interesse de alguns pesquisadores, como, Borges, Argolo, Pereira, Machado e Silva (2002) e Borges, Argolo e Baker (2006) com amostras de profissionais de saúde na cidade de Natal-RN, e Langballe, Innstrand, Aasland e Falkum (2011) com médicos da Noruega. Langballe et al. (2011) verificaram que a congruência entre os valores dos empregados e do local de trabalho é um fator importante para a prevenção do burnout independente do sexo, evidenciando, desse modo, a importância dos valores na compreensão da síndrome em questão.

A teoria funcionalista de valores humanos tem contribuído com estudos para a área organizacional, como, comprometimento organizacional, bem estar afetivo, fadiga, burnout (Gouveia et al., 2009), ou mesmo para a área do trabalho, por exemplo, bem estar subjetivo (Chaves, 2007). Gouveia et al. (2009) buscaram compreender a relação entre as prioridades valorativas e o nível de burnout em profissionais de saúde da cidade de João Pessoa-PB, como, médicos, enfermeiros e psicólogos. Concluíram, por um lado, que os valores Suprapessoais e Normativos apresentaram correlação direta com a RP e, por outro, os valores normativos apresentaram correlação negativa com a DE. De outro modo, a DE teve uma relação direta com os valores de Experimentação e Realização.

 

Método

 

Amostra

Trata-se de uma amostra acidental, não probabilística (Sarriá, Guardiã, & Freixa, 1999), na qual foram incluídos sujeitos que se dispuseram a colaborar com a pesquisa. A partir desse procedimento participaram 220 professores do ensino médio da cidade de João Pessoa. O número de participantes foi estipulado com base no Censo Escolar de Educação Básica divulgado pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba. Segundo esse documento, existem 1.240 docentes em atividade nas salas de aula do ensino médio de João Pessoa, dos quais 17,7% contribuíram com a pesquisa.

Foram incluídos na pesquisa os professores que estavam ativos nas escolas e excluídos os que estavam de licença ou afastados do trabalho por algum motivo, bem como os que se recusaram a preencher os protocolos e os que estavam ausentes no momento da coleta.

A amostra tem as seguintes características: 51,4% são mulheres, com idade variando de 22 a 50 anos (M=42.2; dp=11.6). Quanto ao estado civil, 48,2% são casados, 32,7% solteiros, 14,1% separados/divorciados, 3,2% convivem com outra pessoa, e 1,4% viúvo. A religião católica foi prevalente (52,3%), seguida da evangélica (22,3%), 12,3% não têm religião, 6,4% espíritas, e 6,4% outras religiões. Quanto ao número de filhos 44,1% têm entre um e dois, 36,8% sem filhos, 14,1% têm entre três e quatro filhos, e 2,7% acima de quatro filhos.

O tempo de profissão variou de 1 a 45 anos (M=16.4; dp=10.6). Observou-se que 51,8% trabalham exclusivamente em uma escola e que 48,2% em mais de uma escola; 62,3% recebem entre dois e cinco salários mínimos, 26,4% recebem menos de dois salários e 10,5% acima de cinco salários. Observou-se ainda que 37,7% dos docentes trabalham acima de 41horas semanais, 33,2% de 31 a 40 horas e 25,5% até 30 horas.

 

Instrumento

Para avaliar os níveis de burnout, aplicou-se MBI-ED. Tal instrumento é composto por 22 itens distribuídos nas três dimensões: EE (9 itens, a exemplo ‘Quando termino minha jornada de trabalho sinto-me esgotado’); RP (8 itens, a exemplo ‘Sinto-me vigoroso no trabalho’); e DE (5 itens, a exemplo ‘Sinto que me tornei mais duro com as pessoas, desde que comecei este trabalho’). Tomando por base a validação de Carlloto e Câmara (2004) em amostra de professores de Porto Alegre, RS, Brasil, utilizou-se o sistema de pontuação de 1 a 5. As autoras verificaram que os sujeitos apresentavam dificuldades em responder muitos itens do instrumento dentro das especificidades do modelo original americano com escala de 0 a 6. Seguindo a recomendação, a escala de pontos ficou assim definida: 1 para ‘nunca’, 2 para ‘algumas vezes ao ano’, 3 para ‘algumas vezes ao mês’, 4 para ‘algumas vezes na semana’, e 5 para ‘diariamente’. Na referida validação os Alfas de Cronbach encontrados foram de 0.88 para EE, de 0.82 para RP e de 0.58 para DE. Nessa última dimensão, o baixo Alfa é justificado pelas autoras como possível discrepância entre a quantidade de itens nos três fatores, sendo o fator DE o que possui menor número de itens (apenas 5). A análise de confiabilidade realizada para cada uma das dimensões apresentou boa consistência interna em todos os fatores, obtendo um alfa de 0.88 para EE, de 0.79 para RP e de 0.67 para DE, sendo esses resultados muito próximos à validação de Carlloto e Câmara (2004) e, portanto, adequada para a amostra estudada.

Para identificar os Valores Humanos, aplicou-se o Questionário de Valores Humanos (QVB), desenvolvido por Gouveia (1998, 2003), com 18 valores. Os respondentes indicam a importância que cada valor (Ex.: prestígio, saúde, êxito) tem como um princípio-guia em suas vidas, utilizando uma escala de resposta de 1 (Totalmente não importante) a 7 (Extremamente importante). No presente estudo, os valores do Alfa de Cronbach das subfunções oscilaram entre 0.31 (Suprapessoal), 0.44 (Existência), 0.50 (Realização), 0.52 (Interativa), 0.54 (Experimentação) e 0.67 (Normativa).

Gouveia (2013), tomando como base outros autores, alerta que é sempre desejável um alfa de Cronbach acima de 0.70 para fins de diagnóstico, mas que valores próximos a 0.60 são aceitáveis em pesquisas, especialmente quando se avalia um construto resistente à mudança, como é o caso dos valores. Analisando resultados por região do Brasil, o autor observou que no nordeste (região onde a cidade de João Pessoa está localizada), o alfa médio foi de 0.47 (dp=0.06), com valores entre 0.39 (Realização) e 0.55 (Existência). O cálculo da homogeneidade média (0.24, dp=0.05) variou de 0.17 (Realização) a 0.29 (Normativa e Existência). A confiabilidade composta média foi de 0.69 (dp=0.02), variando entre 0.66 (Existência) e 0.72 (Experimentação). Segundo o autor, os índices baixos se devem ao pequeno número de itens por fator (subfunção) e devido ao construto ser pouco variável culturalmente, justificando assim o uso do QVB em pesquisas.

Para caracterizar a amostra utilizou-se uma Ficha Sociodemográfica, contendo dados, como, idade, estado civil, escolaridade, tempo de serviço, salário e turno de trabalho, sendo tais dados já apresentados na seção que descreve a amostra. Todos os instrumentos foram organizados em forma de protocolo para fins de coleta dos dados, os quais foram analisados quantitativamente.

Procedimento de coleta dos dados

A pesquisa foi iniciada após receber autorização da Secretaria de Educação do Estado da Paraíba e aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), protocolo CEP/HULW n°288/1. A aplicação dos instrumentos ocorreu em duas etapas: a primeira realizou-se em ambientes, denominados Polos, durante a execução de um projeto de formação continuada dos professores; a segunda realizou-se nas próprias escolas onde os professores lecionavam, após agendamento com os gestores de cada escola e conforme a conveniência de horário dos professores. Essa segunda etapa foi necessária para atingir professores que, por não estarem inscritos no curso de capacitação docente, não haviam sido convidados a participar da pesquisa.

Os participantes foram informados sobre os objetivos e os aspectos éticos da pesquisa, bem como instruídos a preencher os instrumentos. O tempo gasto para responder todas as questões foi de aproximadamente 15 minutos.

 

Procedimento de análise dos dados

A análise dos dados foi realizada com o auxílio do programa Statistical Package for Social Science (SPSS). Foram feitas análises descritivas (média, desvio padrão, frequência e porcentagem) objetivando caracterizar o grupo, prova de correlação de Pearson para verificar as relações entre as variáveis, e análise de regressão linear múltipla para verificar o poder preditivo da dimensão funcional dos valores denominada tipo de orientação em relação às dimensões do burnout. O nível de significância adotado foi para um p menor do que 0.05.

 

Resultados e discussão

 

Os níveis de burnout em professores do ensino médio

Para averiguar os níveis de Burnout na amostra analisou-se a distribuição dos escores por intervalos (Tabela 1), observando o desvio-padrão e a frequência dos participantes.

 

 

Na escala MBI (de 1 a 5), quanto maior a pontuação, mais elevada é a Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Profissional. Conforme se observa na Tabela 1, a média encontrada em Exaustão Emocional foi de 2.05, sendo que a maioria, 78 participantes (N=220) experimentam a Exaustão de forma moderada, enquanto 59 manifestam essa sensação em níveis acima da média, estando 16 professores com índice bastante elevado.

Quanto à Despersonalização, observa-se que a média foi de 1.49, demonstrando que a maioria não apresenta distanciamento emocional em relação aos alunos, ou seja, 58,6% se encontra no primeiro intervalo (x<2) da escala (Tabela 1). Na distribuição por intervalos, observa-se ainda que 67 participantes apresentam Despersonalização moderada e 18 em nível elevado, sendo apenas 2 numa intensidade muito forte.

A média para a Realização Profissional foi 1.57. Verifica-se que 34 professores apresentam uma reduzida Realização Profissional, contrapondo-se a maioria (166) que se encontra profissionalmente realizada.

 

Relação entre os fatores da síndrome de burnout e os valores humanos dos professores

Esse tópico apresenta as relações entre os indicadores da síndrome de burnout e os valores humanos, respondendo ao principal objetivo proposto no estudo. Verificou-se primeiro as relações entre as funções valorativas do tipo orientador (Social, Central e Pessoal) e as três dimensões do burnout (EE, DP e RP). Foi observado, na Tabela 2, que houve relações significativas negativas entre a função Social e a EE (r=-0.170; p=0.016), assim como com a DE (r=-0.246; p=0.000). Os resultados apontaram ainda uma correlação positiva entre a mesma função e a RP (r=0.200; p=0.005). As funções Central e Pessoal apresentaram relação positiva apenas com RP (r=0.197; p=0.005; r=0.163; p=0.023, respectivamente). Ademais, procurando estimar em que medida os valores explicam as três dimensões do burnout, realizaram-se análises de regressão linear múltipla – método stepwise. Neste caso, os três tipos motivacionais foram considerados variáveis antecedentes e as três dimensões do burnout como consequentes. Os valores sociais predizem, unicamente, a dimensão DE [R=0.21, R2=0.05; F(1,176)=8.49, p<0.05] (β=-0.21 t=-2.91, p<0.05, f2=0.05]. Os valores centrais predizem a dimensão RP [R=0.18, R2=0.03; F(1,177)=5.89, p<0.05] (β=0.18, t=2.42, p<0.05, f2=0.03]. E os valores pessoais, também predizem a dimensão RP [R=0.16, R2=0.03; F(1,174)=4.65, p<0.05] (β=0.16, t=2.16, p<0.05, f2=0.03] (Soper, 2015).

 

 

A forte correlação negativa apontada entre a função Social e a DE revela que os docentes podem estar utilizando inconscientemente seus valores sociais como forma de proteção contra os estressores laborais. Pois, como aponta Gouveia (2003), as pessoas que se deixam conduzir por valores sociais priorizam o grupo e a sociedade, tendendo a buscar estabilidade e manutenção da ordem social. Dessa forma, a frieza e distanciamento afetivo interpessoal, característicos da DE (Maslach, 2009) tenderiam a uma possível violação dos princípios guia desses profissionais. Foram feitas correlações das dimensões do burnout com as subfunções valorativas e seus respectivos valores (Tabela 3).

 

 

Conforme mostra a Tabela 3, de todas as subfunções, a Normativa foi a que mais apresentou correlações com as dimensões do burnout. Verificou-se forte correlação negativa com a EE (r=-0.24; p=0.000) e com a DE (r=-0.26; p=0.000), e positiva com a RP (r=0.19; p=0.005), corroborando os achados de Gouveia et al. (2009), só que em uma amostra de profissionais de saúde, cujos valores normativos apresentaram correlação direta com a realização pessoal no trabalho e negativa com DE. Na presente pesquisa, verifica-se que os valores normativos têm importância na conduta dos professores, sugerindo que a obediência às normas sociais unidas ao desejo do bom convívio pode influenciar o trabalho deles. Esse resultado pode estar sinalizando certa maturidade da amostra, adquirida pela idade (M=42.2; dp=11.6) e pelo tempo de profissão (M=16.4; dp=10.6), indicando, possivelmente, que professores mais maduros e experientes conseguem lidar mais facilmente com as dificuldades diárias. Como já apontado, para Carlotto (2002), os profissionais mais velhos tendem a conviver melhor com os conflitos, uma vez que são menos sonhadores em relação aos mais novos. Isso pode ocorrer pelo fato de professores com maior idade, como no caso da amostra (M=42.2, dp=11.6), por serem mais experientes e já terem desenvolvido estratégias para lidar com as dificuldades no trabalho, pode sugerir maior satisfação em relação ao ofício.

Dos valores representativos da subfunção Normativa, a tradição apresentou correlação negativa com a EE (r=-0.29; p=.000) e com a DE (r=-0.21; p=0.002) e positiva com RP (r=0.16; p=0.021), sugerindo que quanto mais os professores estão sendo guiados por esse valor, menor é a possibilidade de se sentirem esgotados no trabalho e/ou “frios” no trato com as pessoas, capacitando-os a sentirem-se realizados na profissão, pois tendem a aceitar e manter os costumes (Gouveia, 1998). Além da tradição, a obediência apresentou correlação negativa com a DE (r=-0.24; p=0.000) e com a EE (r=-0.20; p=0.003) e positiva com RP (r=0.17; p=0.012). Tais correlações sugerem que a aceitação dos costumes, bem como o respeito pelas regras sociais podem estar atuando no enfrentamento positivo dos docentes diante das dificuldades existentes no âmbito educacional, podendo até mesmo apontar para certa aceitação das condições em que trabalham, possibilitando realização profissional. Porém, não é possível afirmar a existência de uma aceitação total, uma vez que não se tem dados sobre a percepção destes profissionais sobre o contexto de trabalho. Ademais, provavelmente esses valores estejam sendo utilizados como suporte nas relações de troca sociais com alunos, colegas e organização, corroborando os três níveis da teoria do Intercâmbio Social (Salanova & Llorens, 2011). Por fim, ainda no que se refere aos valores Normativos, a religiosidade apresentou correlação negativa apenas com a DE (r=-0.19; p=0.005) e positiva com RP (r=0.14; p=0.036), podendo indicar que a religiosidade, nesse contexto laboral, influencia não somente a relação pessoal com os alunos, colegas de trabalho e organização, mas podendo se estender a outros contextos relacionais fora do ambiente escolar. Vale observar que há um indicativo desse valor na realização profissional. Desse modo, questiona-se se a religiosidade não estaria sendo um mecanismo inconsciente usado como tentativa de recuperar a reciprocidade das relações interpessoais, como indica a teoria do Intercâmbio Social (Salanova & Llorens, 2011).

Como pode ser observado, o valor Suprapessoal apresentou correlação positiva com a RP (r=0.20; p=0.004). Esse valor se caracteriza pelo desejo da autorrealização, onde a luta pela conquista independe do grupo social ou condição imposta (Chaves, 2007), por isso sugere, independente da falta de atenção das organizações aos problemas dos docentes (Tamayo & Tróccoli, 2002), que os profissionais têm buscado realizar-se profissionalmente. Dos valores que englobam essa subfunção, conhecimento teve relação direta com RP, enquanto que maturidade apresentou correlação negativa com EE (r=-0.14; p=0.037) e com DE (r=-0.15; p=0.028). Esse resultado sinaliza que quanto mais conhecimento mais RP e, na mesma direção, quanto mais maturidade, menos EE e DE, corroborando a já mencionada afirmação de Carlotto (2002) de que as pessoas mais maduras parecem lidar melhor com os conflitos.

A subfunção Interativa apresentou correlação negativa apenas com a dimensão DE (r=-0.13; p=0.044). Essa correlação pode ser explicada pelas características da subfunção, uma vez que o indivíduo motivado por ela prioriza as relações interpessoais, buscando mantê-las e regulá-las. Com isso, aponta-se para o fato de que os professores que priorizam as relações interpessoais tendem a não apresentar distanciamento em relação ao outro, mesmo em momentos que possam apresentar conflitos como nas relações entre professor/alunos/administração escolar e pais, evidenciando com a convivência certa RP (r=0.21; p=0.002). Esses valores podem estar mediando o investimento nas relações, na tentativa de obter a recompensa pelo não reconhecimento. Levar adiante esse mecanismo pode indicar uma tentativa de evitação do processo de esgotamento (Salanova & Llorens, 2011).

Por fim, a subfunção Experimentação apresentou correlação positiva com RP (r=0.16; p=0.021), especialmente o valor emoção (r=0.19; p=0.006). Pessoas que valorizam a Experimentação buscam desfrutar novos estímulos (Gouveia, Medeiros, Mendes, Vione, & Athayde, 2010) e, desse modo, uma correlação positiva nesse contexto pode estar refletindo uma busca por formações e reciclagens dos professores, movimentos necessários e característicos da profissão, visto que o professor necessita de constantes atualizações profissionais para se manter em um mercado de trabalho competitivo, possivelmente evitando entrar num processo de falta de compromisso com os objetivos da organização (Salanova & Llorens, 2011). Por fim, tanto prestígio – valor de Realização (r=0.19; p=0.006), quanto saúde – valor de Existência (r=0.16; p=0.020) apresentaram relação positiva com RP. Gouveia (2013), tomando como base o que já se entendia pelo valor prestígio na literatura, pontua que a pessoa que tem este princípio guia em sua vida, necessita ser reconhecido publicamente, o que pode ser uma característica da atividade de ensino. Do mesmo modo, baseado na literatura, Gouveia (2013) entende que as pessoas que priorizam o valor saúde se preocupam com processos de adoecimento ou incertezas vivenciadas no ambiente laboral. No presente estudo, a preocupação com a saúde pode estar representando o cuidado dos professores em não adoecer, evento este que provavelmente culminaria no desencadeamento da síndrome de burnout na categoria estudada, ocasionando a não realização na profissão.

 

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo verificar a relação entre as dimensões da síndrome de burnout e os valores humanos dos professores da rede pública estadual da cidade de João Pessoa – PB. Quanto às dimensões do burnout, os resultados evidenciaram que 26,8% da amostra apresentam níveis de Exaustão Emocional acima da média; 58,6% não apresenta distanciamento emocional em relação aos alunos e 75,4% se encontra profissionalmente realizada.

No que se refere às funções valorativas (Social, Central e Pessoal), verificou-se a importância de se fomentar os valores sociais para a diminuição do processo de distanciamento entre professores e alunos, assim como o caráter positivo dos valores Centrais e Pessoais para o sentimento de Realização Profissional.

As subfunções se destacaram na relação com as dimensões do burnout, especialmente a Normativa. A média de idade (M=42.2; dp=11.6), assim como a média do tempo de profissão (M=16.4; dp=10.6) sinalizam para uma amostra madura e experiente (Carloto, 2002), indicando desse modo que os valores normativos se mostram importantes para a diminuição da “frieza” no trato com o outro, no alívio do esgotamento psíquico, assim como na percepção da realização profissional. Em suma, as correlações encontradas sugerem que os valores de modo geral e, especificamente, os normativos, têm ajudado a enfrentar as dificuldades laborais diárias, corroborando com a teoria do Intercâmbio Social, cujo processo de reciprocidade relacional ganha amplo espaço nesse contexto.

Não obstante este artigo apresente dados relevantes para o incentivo de valores que possam estar contribuindo para a prevenção do burnout entre os professores, importa destacar algumas limitações do estudo. Por se tratar de um delineamento predominantemente correlacional, não é possível tratar de causalidade entre as variáveis em questão, devido a escassez de estudos que relacionem as dimensões do burnout com os valores humanos em professores, o que exige cautela na análise dos dados. Por ser uma amostra acidental, não probabilística, não possibilita generalizações e sugere-se replicação do estudo, além de levar em conta outras categorias profissionais. Quanto aos instrumentos, alerta-se que em muitos estudos de validação do MBI (Carlotto & Câmara, 2007a,b; Gil-Monte, 2005; Meneghini, Paz, & Lautert, 2011) a subescala de Despersonalização tem apresentado baixo coeficiente de consistência interna, sinalizando uma limitação do próprio instrumento. Essa limitação adverte para o cuidado de se evitar que os resultados de uma pesquisa sejam generalizados e, ao mesmo tempo, abre novas possibilidades para a construção de medidas que avaliem a Despersonalização mais fidedignamente. No que tange ao QVB, observa-se que os alfas dos fatores foram baixos, todavia, vale considerar a natureza do construto e sua pouca variabilidade em uma cultura. Mesmo assim, a gama de estudos realizados no país e fora dele aponta para uma teoria já bastante estruturada, podendo-se afirmar que pode ser satisfatoriamente empregada para conhecer e explicar os valores humanos das pessoas (Gouveia, 2013; Medeiros, 2011).

O fato da síndrome de burnout estar relacionada com a percepção que os profissionais têm do contexto laboral sugerem novas pesquisas não apenas com os valores humanos, mas também com valores organizacionais em ambiente escolar. Por fim, considerando que os valores humanos é um construto pouco variável, apresentando modificações em termos de prioridades axiológicas, sugerem-se estudos com delineamento longitudinal com o objetivo de analisar prováveis alterações no perfil valorativo ao longo do tempo.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Sandra Souza da Silva, UFPB – Universidade Federal da Paraíba, Cidade Universitária, s/n, Castelo Branco, João Pessoa, PB, 58051-900, Brasil. E-mail: sandra.souza.psi@gmail.com

 

Submissão: 08/06/2014 Aceitação: 22/05/2015

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