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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231
Aná. Psicológica vol.34 no.2 Lisboa jun. 2016
https://doi.org/10.14417/ap.1028
Estudo de adaptação e validação de uma escala de perceção de liderança ética para líderes portugueses
Maria de Lurdes Gomes Neves1, Filomena Jordão1, Miguel Pina e Cunha2, Diana Aguiar Vieira3, Joaquim Luís Coimbra1
1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
2Universidade Nova de Lisboa
3Instituto Politécnico do Porto
RESUMO
Os líderes influenciam o comportamento individual e organizacional, incluindo a sua dimensão ética,sendo igualmente influenciados pelas suas expectativas, interpretações e interações com os outros (Glynn & Jamerson, 2006; Kellerman, 2004). Frequentemente intervêm em diferentes contextos éticos, tornando difícil para as pessoas “boas” “tomarem boas decisões em situações más” (Glynn & Jamerson, 2006, p. 154).
A liderança ética pode ser considerada como “a demonstração de conduta normativamente adequada através de ações pessoais e das relações interpessoais, assim como a promoção de tal conduta para os liderados através de uma comunicação bidireccional, reforço e tomada de decisão” (Brown, Treviño, & Harrison, 2005, p. 120).
O estudo aqui apresentado teve como objectivo desenvolver uma escala de liderança ética (Hanges & Dickson, 2004) para líderes portugueses baseada na adaptação e validação da escala realizada por DeHoogh e Den Hartog (2008).
Os resultados obtidos evidenciam qualidades psicométricas adequadas, e um valor elevado de consistência interna. As análises fatoriais exploratórias revelam uma estrutura que aponta para a existência, no total, de dois fatores para a escala definidos como Liderança Ética e Liderança Despótica. Importa, futuramente, realizar uma análise da estabilidade das escalas com outra amostra para se verificar aconsistência dos valores obtidos.
Palavras-chave: Liderança ética, Escala de liderança ética, Líderes portugueses.
ABSTRACT
Leaders influence their organizations, including their ethical dimension, being likewise influenced by their expectations, interpretations and interactions regarding others, including their own followers (Glynn & Jamerson, 2006; Kellerman, 2004). They are often involved in different contexts, which makes it difficult for “good” people “to make good decisions in bad situations” (Glynn & Jamerson, 2006, p. 154).
Ethical leadership can be regarded as “the demonstration of normatively appropriate conduct through personal actions and interpersonal relationships, in addition to the promotion of such conduct within followers through two-way communication, reinforcement, and decision making” (Brown, Treviño, & Harrison, 2005, p. 120).
The present study aimed to adapt and validate the Hanges and Dickson (2004) scale of ethical leadership for Portuguese leaders based on the adaptation and validation of scale achieved by De Hoogh and Den Hartog (2008).
The results show adequate psychometric qualities, with high internal consistency. Exploratory factor analysis reveals a structure that points to the existence of two factors: Ethical Leadership/Despotic Leadership. In the future, an analysis of the scale’s stability should be performed using new samples, in order to verify the consistency of our results in different contexts.
Key words: Ethical leadership, Ethical leadership scale, Portuguese leaders.
Introdução
A liderança ética poderá ser considerada por parte do líder como a procura de uma conduta de ações pessoais e de relações interpessoais adequada às normas morais inerentes à decisão organizacional. Trata-se de um conceito particularmente importante dado o impacto que pode ter sobre a conduta dos liderados e sobre o desempenho organizacional (cf. com Trevino, Brown, & Hartman, 2003). Integrada no conceito de liderança, a liderança ética constitui, de acordo com Brown e Treviño (2006), um tema ainda pouco explorada no campo das organizações e gestão.
Como resultado das inúmeras mudanças organizacionais que se vivem atualmente, bem como o aumento significativo dos fluxos de comércio internacional, facilitados por tecnologias inovadoras de processamento de informação e de comunicação, a dimensão ética da atividade organizacional tornou-se uma das principais preocupações de gestores, políticos, pesquisadores e da sociedade em geral (Robertson, Crittenden, Brady, & Hoffman, 2002) dado o impacto que os líderes podem ter na conduta da organização, dos seus membros e no desempenho organizacional (cf. com Trevino, Brown, & Hartman, 2003).
Por conseguinte, as consequências da conduta das organizações e dos seus representantes nas relações interpessoais com os seus colaboradores são determinantes para a sua saúde e bem estar psicossocial (Brown, Treviño, & Harrison, 2005; Clegg, Kornberger, & Rhodes, 2007).
A ética, enquanto subdisciplina filosófica, estuda os códigos de valores que determinam o comportamento e influenciam a tomada de decisões num determinado contexto, constituindo uma reflexão filosófica sobre a moral desses mesmos comportamentos. Estes códigos têm por base um conjunto tendencialmente consensual de princípios morais, que determinam o que deve ou não deve ser feito em função do que é considerado certo ou errado por determinada comunidade. No ambiente organizacional, em concreto, a ética estuda os códigos morais que orientam as decisões empresariais, na medida em que estas afetem as pessoas e a comunidade envolvente, partindo de um conjunto socialmente aceite de direitos e obrigações individuais e coletivos. As empresas consideradas éticas são geralmente aquelas cuja conduta é socialmente valorizada e cujas políticas se reconhecem sintonizadas com a moral vigente, subordinando as suas atividades e estratégias a uma reflexão ética prévia e agindo posteriormente de forma socialmente responsável (Brown, Treviño, & Harrison, 2005; Clegg, Kornberger & Rhodes, 2007). A responsabilidade social corporativa implica assim que as organizações assumam a responsabilidade de encontrar uma abordagem reparadora para problemas sociais básicos causados pelo seu impacto, sendo socialmente responsável na adoção, desenvolvimento e difusão dos valores éticos na organização (Drucker, 1999).
A adoção de uma conduta baseada em princípios morais que respeitem o ambiente e os valores da comunidade envolvente é uma exigência incontornável das sociedades contemporâneas e que os responsáveis organizacionais não podem ignorar ao nível das consequências sociais dos trabalhadores e na sua conduta. Por outro lado, à medida que as interações entre gestores de diferentes países são mais frequentes, a capacidade de compreender as diferenças de comportamento e as suas motivações morais é cada mais necessária para garantir o êxito das mesmas (Priem & Shaffer, 2001).
Por não exigirem um conhecimento técnico nem se regerem por leis de oferta e de procura, as decisões que envolvem um julgamento moral são as únicas que, em ambiente empresarial, estão sempre sujeitas a uma avaliação externa que pode condenar definitivamente ou amplificar significativamente o sucesso de qualquer iniciativa de um líder. O desempenho social da organização será, em última análise, a face visível do comportamento ético dos seus dirigentes, refletindo a boa ou a má prática empresarial que se refletirá, por seu lado, nos resultados financeiros e na própria sustentabilidade da atividade da organização (Ruf, Muralidhar, Brown, Janney, & Paul, 2001). Compreender os mecanismos que influenciam e explicam os comportamentos éticos é, portanto, um requisito indispensável às práticas empresariais.
A pesquisa sobre liderança ética tem considerado o modo como os líderes se devem comportar, contrariamente ao modo como se comportam na prática (Brown, Treviño, & Harrison, 2005; Clegg, Kornberger, & Rhodes, 2007). Por outro lado, a análise da ética na liderança também se tem concentrado nas características de líderes éticos e antiéticos, enfatizando as disposições pessoais dos líderes éticos e os fatores contextuais, nomeadamente a cultura organizacional, que promovem comportamentos éticos ou antiéticos. O resultado dessas orientações é uma visão dual de liderança ética: (1) Uma perspetiva positiva, centrada em líderes e organizações éticas, logo abertamente normativa (ou seja, focada no que os líderes devem fazer), e (2) Uma análise pessimista que considera os casos em que a ética é ignorada pelos líderes empresariais e pelos seus liderados, com base em casos de mau comportamento organizacional (Ackroyd & Thompson, 1999). Ambas as abordagens são baseadas na análise retrospetiva e principalmente em estudos de casos, essencialmente com impacto público.
Com base na sua definição e em investigações anteriores (e.g., Trevino et al., 2003), Brown et al. (2005) descrevem os líderes éticos como honestos, confiáveis, justos e solidários, capazes de fazerem escolhas justas e de estruturarem justamente os ambientes de trabalho. Em contraste com estes componentes do comportamento ético do líder, Aronson (2001) descreve a liderança despótica como sendo baseada na dominação pessoal e no comportamento autoritário centrado no próprio interesse do líder e na exploração dos outros.
Por conseguinte, o objetivo principal desta investigação centra-se na adaptação, validação e exploração das propriedades psicométricas da Escala de Liderança Ética realizada por De Hoogh e Den Hartog (2008).
Procurar-se-á, deste modo, salvaguardando os requisitos científicos do processo de tradução, verificar a consistência interna e explorar a estrutura fatorial do instrumento tendo como principal objetivo a sua validação numa amostra portuguesa (vd. Almeida & Freire, 2007).
De acordo com a investigação realizada por De Hoogh e Den Hartog (2008), que consideramos no presente estudo, o constructo de liderança ética pode ser medido através de quatro subescalas, que integram 31 itens, que as autoras, por sua vez, adaptaram do Questionário Multi-Cultural do Comportamento de Liderança1 (Hanges & Dickson, 2004): moralidade e justiça, partilha de poder, esclarecimento do papel e liderança despótica. A sua abordagem multidimensional assume ainda uma relevância particular, dada a abrangência dos fatores envolvidos, que assentam na concepção antagónica das noções de Liderança Ética e Despótica. Para os autores, no questionário, embora exista um contínuo na liderança ética e na despótica, eles são tratados como construtos independentes, correlacionados negativamente e medidos pelas dimensões referidas: moralidade e justiça, partilha de poder, esclarecimento do papel e liderança despótica (De Hoogh & Den Hartog, 2008).
Método
O processo para a adaptação, validação e estudo psicométrico seguiu os critérios definidos por Brislin (1986, ver também Almeida & Freire, 2007) apresentados seguidamente.
Participantes
A amostra do presente estudo consiste em 316 trabalhadores-estudantes que forneceram respostas integrais à totalidade dos itens dos questionários enviados, sendo que do total obtido 52% pertenciam ao sexo masculino, 46% ao sexo feminino, com 7 participantes a não reportarem o seu sexo i.e., 2% da amostra. No que respeita à idade, 43.4% dos participantes tinham entre 20 e 30 anos, 34.8% entre 30 e 40, anos, 15.2% entre 40 e 50 anos, 6.3% entre 50 e os 60 anos e 0.3% apresentavam uma idade superior aos 60 anos de idade. No que respeita às habilitações académicas, 0.9% da amostra tinha o 9º de escolaridade, 12.7% o 12º ano, 51.3% uma licenciatura, 32.3% um mestrado e 2.8% o doutoramento. Ao nível das funções exercidas e de acordo com a Classificação Nacional das Profissões2 podemos referir que os participantes se integravam no Grupo 1 – Quadros Superiores da Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de E mpresas, Grupo 2 – Especialistas de Profissões Intelectuais e Científicas, Grupo 3 – Técnicos e Profissionais de Nível Intermédio e Grupo 4 – Pessoal Administrativo e Similares.
Dados de 316 participantes foram considerados elegíveis para análise (ausência de dados omissos), definindo um rácio sujeitos-item 13.7 favorável ao uso da análise em componentes principais (ver Comfrey & Lee, 1992). Cinco possíveis outliers (identificados na análise descritiva) foram mantidos na análise por não enviesarem os seus resultados.
A recolha de dados com recurso à escala de Liderança Ética foi realizada entre Janeiro e Maio de 2013, por via da ferramenta Google Docs e através de envio de um mensagem de convite na qual se solicitou o preenchimento das subescalas on line – cf. Anexo B) para cerca de 9000 trabalhadores estudantes com funções de liderança de diversas Faculdades (Universidade do Porto: Faculdade de Engenharia, Faculdade de Psicologia, Faculdade de Economia e Faculdade de Direito, Universidade dos Açores, Universidade Nova de Lisboa e Instituto Politécnico de Leiria). Adicionalmente, foi realizado um contacto com os professores desses mesmos trabalhadores-estudantes em cada uma das instituições de ensino respetivas, onde se divulgou o referido link, e foi-lhes solicitado que procedessem ao reencaminhamento do mesmo para os seus colegas professores nas mesmas condições. Deste modo, a amostra foi recolhida numa população de trabalhadores-estudantes tendo em conta os objetivo de validação do estudo e a maior facilidade na recolha de dados no meio académico comparativamente com o meio empresarial.
Procedimento
Procedemos à tradução dos instrumentos para português e de seguida a retradução das versões portuguesas para inglês, tendo sido realizada, num terceiro momento, uma comparação das versões originais das subescalas com as versões traduzidas para inglês, salvaguardando o método “tradução-retradução” (Hill & Hill, 2005) e as indicações de Brislin (1986). Esta fase foi dada como concluída quando a versão portuguesa do instrumento reuniu o consenso dos investigadores, no que toca à equivalência lexical, variação linguística e específica do contexto organizacional e adequação ao contexto cultural português. Optou-se por preservar a estrutura gramatical dos itens traduzidos em relação aos itens originais, sendo que o acordo alcançado se situou nos 80%, considerado adequado na literatura (Almeida & Freire, 2007).
Numa segunda fase, no sentido de adaptar os itens das subescalas à população do nosso estudo a versão portuguesa do instrumento foi enviada para cinco investigadores externos (três psicólogos que apresentavam experiência em contexto empresarial e dois que apresentavam experiência no ensino superior) para a realização da reflexão falada a que atestaram a adequação global de todos os itens ao contexto português, para que o processo de adaptação do instrumento ao nível da reflexão falada fosse dado como concluído.
Posteriormente, a versão portuguesa do instrumento foi ainda enviada adicionalmente para dois tradutores bilingues que efetuaram a sua retroversão para o idioma das versões originais para comparação das versões retrovertidas do instrumento com a respetivas versões originais, e verificação da coincidência do significado linguístico de todos os itens linguístico.
Instrumento: Escala de perceção da liderança ética
O instrumento original designa-se por “Questionário Multi-Cultural do Comportamento de Liderança”3 (Hanges & Dickson, 2004) adaptado de De Hoogh e Den Hartog (2008) com 31 itens integra quatro dimensões: moralidade e justiça, clarificação do papel, partilha de poder, esclarecimento do papel e liderança despótica.
No que concerne à descrição das suas dimensões, a dimensão da moralidade e justiça é medida por seis itens que avaliam a “honestidade”, “confiabilidade e altos padrões éticos”, bem como o “tratamento mais atencioso e justo de seus subordinados, em nome dos líderes”, com os seguintes itens: “Assegura-se de que as suas ações são sempre éticas”, “O que diz é o que realmente quer dizer – é sincero(a)”, “Merece confiança. Pode-se acreditar e confiar que ele/ela vai cumprir a sua palavra”, “É de confiança para servir os interesses dos subordinados e não os seus próprios interesses”, “Não critica os subordinados sem uma boa razão”, “Persegue os próprios interesses à custa dos outros”.
A dimensão da clarificação papel é medida por cinco itens que avaliam a transparência dos líderes, o compromisso da abertura à comunicação, bem como a clarificação das expectativas e responsabilidades e inclui os seguintes itens: “Explica quem é responsável por cada tarefa”, “Explica o que é esperado de cada membro do grupo”, “Explica o limite de autoridade de cada membro do grupo”, “Comunica as expectativas de desempenho que tem em relação aos membros do grupo”, “Clarifica quais são as prioridades”.
A dimensão de partilha do poder é medida por seis itens que avaliam a capacidade de o líder permitir que os subordinados possam participar na tomada de decisões e inclui os seguintes itens: “Permite aos subordinados terem influência nas decisões importantes”, “Reconsiderará decisões com base em recomendações dos que a si reportam”, “Delega responsabilidades desafiantes aos subordinados”, “Não permite que outros participem na tomada de decisões”, “Consulta os subordinados relativamente à estratégia organizacional” e “Permite aos subordinados participar ativamente na definição dos próprios objetivos de desempenho”.
A dimensão liderança despótica é composta por seis itens que refletem o comportamento autoritário que serve o interesse do próprio líder e se traduz no seu egocentrismo, insensibilidade e exploração de outros. Inclui os seguintes itens: “É punitivo(a)”, “Não tem piedade nem compaixão”, “Assume o controlo e não tolera desacordo ou interrogações; dá ordens”, “Atua como um(a) tirano(a) ou um(a) déspota”, “É imperioso(a)”, “Tende a ser incapaz ou a não querer abrir mão do controlo de projetos ou tarefas”, “Espera obediência inquestionável daqueles que a si reportam” e “É vingativo(a); procura vingança quando se sente contrariado(a)”.
Contudo, embora as quatro subescalas constituam as quatro dimensões per se, dada a convergência teórica e empírica entre algumas das dimensões apresentadas, podem ser agregadas, de acordo com Hoog e Den Hartog (2008), numa estrutura simplificada de um único instrumento com dois grandes fatores, conforme referido anteriormente, descritos como (1) Liderança Ética (que agrega os itens das dimensões moralidade e justiça, partilha de poder, esclarecimento do papel), (2) Liderança Despótica (composto pelos itens da respetiva dimensão).
O instrumento final utilizado “Escala de perceção da liderança ética” foi constituído por dois grupos de questões (cf. Anexo A). O primeiro grupo pretendeu reunir dados socioprofissionais dos participantes: sexo, idade, habilitações, função, categoria profissional, setor de atividade, região geográfica. O segundo grupo de questões pretendia avaliar a liderança ética (De Hoogh & Den Hartog, 2008, versão traduzida e adaptada) e era constituído por 31 itens: 25 referentes à avaliação da liderança ética e 6 relativos à compreensão da liderança despótica. Os itens foram avaliados numa escala de tipo Likert de 1 a 7 pontos, em que cada ponto correspondia a: 1 – Discordo Plenamente; 2 – Discordo Bastante; 3 – Discordo Pouco; 4 – Não concordo nem discordo; 5 – Concordo Pouco; 6 – Concordo Bastante; 7 – Concordo Plenamente.
Resultados
Quanto à estratégia de análise de dados propriamente dita, e depois da verificação da existência de erros de inserção e da realização do tratamento dos dados omissos (Tabachnick & Fidell, 2007) passou-se à verificação da normalidade dos itens sendo que o teste Kolmogorov-Smirnov que mostrou desvios significativos em relação à distribuição normal (p<.001) na sua maioria. Contudo, atendendo ao tamanho da amostra (n>300) e a valores de simetria e curtose enquadrados entre -1 e 1, não foram detetados desvios à normalidade suscetíveis de afetar os resultados das análises (Tabachnick & Fidell, 2007) (Tabela 1).
Análise fatorial exploratória e confirmatória
No que respeita à fatorialidade, os estudos internacionais realizados com esta escala têm fornecido evidências empíricas que apontam para uma estrutura bi-factorial (De Hoogh & Den Hartog, 2008). O conjunto destes aspectos garantiu, assim, as condições necessárias para estudar o número de dimensões deste instrumento através da análise factorial exploratória (AFE), partindo da hipótese que a sua estrutura latente se organiza, para a escala, em dois fatores.
Foram verificados os pressupostos relativos ao tamanho da amostra, à inexistência de valores extremos (outliers), à presença de normalidade e à existência de relações lineares entre os itens. Procedemos à avaliação da factorialidade das correlações entre os itens, assente na análise da matriz de correlações inter-item, na matriz de anti-imagem, bem como nos resultados obtidos no teste de esfericidade de Bartlett e da medida de adequação amostral de Kaiser (KMO – Kaiser-Meyer-Olkin Measure of Sampling Adequacy).
Assim, foi considerada, para a avaliação factorial das escalas, uma análise de componentes principais ao conjunto dos itens. Segundo a literatura de referência para este instrumento (e.g., De Hoogh & Den Hartog, 2008; House & Aditya, 1997) consideramos que esta escala apresenta dois grandes fatores distintos, ainda que (negativamente) correlacionados: Liderança Ética (com 3 subescalas no questionário original utilizado por De Hoogh & Den Hartog, 2008) e a Liderança Despótica (com uma subescala).
Posteriormente, o conjunto dos itens foi submetido a uma análise em componentes principais com rotação oblíqua Oblimin e extracção de dois componentes. Note-se que a decisão pela utilização deste tipo de rotação decorreu das razões teóricas e da evidência empírica existente na literatura que suporta a hipótese da existência de dois fatores correlacionados entre si, ainda que negativamente (De Hoogh & Den Hartog, 2008; House & Aditya, 1997). Para definir o número de componentes, para além do critério de Kaiser e do scree test de Cattell, foram tidos em consideração os argumentos de ordem conceptual e os resultados da investigação prévia realizada com este instrumento (De Hoogh & Den Hartog, 2008).
A observação dos scree plots sugeriu a retenção de 3 componentes, em concordância com o critério de Kaiser (eigenvalues superiores a 1), não apresentando desvios substantivos à hipótese inicial de duas componentes, com uma robusta consistência teórica e conceptual.
Consequentemente, a solução factorial final incluiu o número inicial de itens (23), que explicam 62.3% da variância global, com cada um dos itens a saturar no factor correspondente (Tabela 1), com excepção dos itens 1 “Persegue os seus próprios interesses à custa dos outros” e do item 17 “Não permite que os outros participem na tomada de decisão”, os quais, na versão original, pertencem, ainda que com codificação invertida, ao factor de Liderança Ética.
Validade de construto
Utilizando os 23 itens referentes aos dois fatores previamente considerados com base na literatura, verificámos a existência de vários coeficientes de correlação entres os itens superiores a .40, estatistica mente significativos. Por outro lado, os valores presentes na diagonal da matriz de anti-imagem para os 23 itens oscilaram entre .97 e .89, ao passo que os valores externos à diagonal se revelaram reduzidos, sendo -.39 o valor mais alto. A consideração destes indicadores, em conjunto com o resultado do teste de esfericidade de Bartlett, que se revestiu de significância estatística χ²(253)=5529.15, p<.001, e do KMO, que assumiu um valor de .95, permitiu a prossecução das análises.
Análise da consistência interna
A fiabilidade do instrumento foi estimada através da análise da sua consistência interna, com o cálculo dos respectivos coeficientes alfa de Cronbach de cada factor.
A análise de consistência interna revelou a presença de valores de alfa de Cronbach de .82 para o conjunto dos 23 itens, considerada “Boa” pelos critérios presentes na literatura (e.g., Pestana & Gageiro, 2008). Já a análise dos dois fatores considerando os itens pertencentes a cada um, revelou valores de .95 para a Liderança Ética e de .89 para a Liderança Despótica (Tabela 2).
Discussão
Conforme descrito anteriormente, a solução fatorial final para o instrumento incluiu o número inicial de itens (23) em dois fatores cada, à semelhança do perfil obtido por De Hoogh e Den Hartog (2008). As quatro dimensões relacionadas com a liderança ética (moralidade e justiça; esclarecimento do papel; partilha de poder) e liderança despótica explicam 62.3% da variância global dos 23 itens que a compõem, numa solução simplificada, bidimensional, integrando os atores Liderança Ética e Liderança Despótica. Deste modo, cada um dos itens saturou no fator correspondente (Tabela 1), com exceção dos itens 1 e 17, os quais, na versão original, pertencem, ainda que com codificação invertida, à dimensão de Liderança Ética. Para além da validade de constructo dos instrumentos obtida por via dos resultados das análises fatoriais exploratórias, constatou-se que os valores de consistência interna, medida pelo coeficiente alfa de Cronbach, foi de .82 para o conjunto dos 23 itens. A análise dos dois fatores considerando os itens pertencentes a cada uma, revelou valores de .95 para a Liderança Ética e de .89 para a Liderança Despótica, que são próximos dos valores apresentados pelos autores originais.
Embora a versão completa do MCLQ tenha sido alvo de aplicação em vários contextos (e.g., Hanges & Dickson, 2004; House & Aditya,1997), o trabalho de De Hoogh e Den Hartog (2008) é, até à data, do nosso conhecimento da literatura, o único que faz um uso semelhante do presente instrumento e com a mesma estrutura fatorial apresentada, sendo de .81, .88 e .78, para moralidade e justiça, clarificação papel, partilha do poder (que integra a liderança ética) e de .82 para a liderança despótica.
No âmbito do presente trabalho, foi preservada ainda a validade de constructo do instrumento face ao previamente obtido num contexto internacional, bem como aos elevados valores de consistência interna observados para os dois fatores obtidos. Todavia, o presente estudo não está isento de limitações.
Em primeiro lugar, o facto de as subescalas terem sido originalmente pensadas para uma população de trabalhadores, por forma a avaliar a perceção destes relativamente à liderança das respectivas chefias, pode levantar dúvidas relativas à sua aplicação numa amostra de trabalhadores-estudantes, pelo que a aplicação da mesma apenas a trabalhadores poderá conferir resultados diferentes. A aplicação numa amostra de trabalhadores-estudantes, poder-se-á considerar como uma amostra mais suscetível a uma eventual desejabilidade social nos resultados obtidos. A acumulação das funções como trabalhador e estudante estará mais dependente da aprovação pela liderança o que poderá ter contribuído para um viés positivo dos resultados obtidos e influenciar positivamente a perceção do tema e a necessidade de transmissão de uma avaliação socialmente aceite da liderança. Contudo, foi garantido o total anonimato, de forma a salvaguardar quaisquer apreciações individuais por parte dos investigadores ou elementos ligados ao processo, não sendo, contudo, passível o controlo de outros mecanismos mentais inerentes ao tema pudessem estar em desacordo com o que é socialmente esperado em termos de comportamento adequado face à liderança. O facto de, estatisticamente, as respostas aos itens apresentarem valores de simetria e curtose enquadrados entre -1 e 1, sem desvios grosseiros da normalidade nos gráficos de probabilidade, permite-nos assim considerar a inexistência de enviesamentos significativos nas respostas no presente estudo.
Por outro lado, dado o cariz sensível do tema bem como o facto de toda a amostra ser composta de participantes voluntários, sem obrigatoriedade na resposta, é expectável que a participação seja inferior ao número de instrumentos enviados. Mais ainda, considerando o tamanho da amostra (n>300), ainda que não probabilística, bem como a diversidade de respondentes, podemos apenas considerar que o número de participantes dá sustentação à realização da análise e obtenção de resultados com significância estatística.
Em conclusão, será necessário dar continuidade à investigação, e futura aplicação deste questionário em diferentes contextos, por forma a replicar e robustecer os resultados obtidos, possibilitando, de igual modo, o seu uso na avaliação quantitativa de aspetos fundamentais relacionados com a boa prática de gestão e liderança organizacional, bem como da responsabilidade social corporativa das organizações (Drucker, 1999) e dos seus representantes, no seguimento do trabalho desenvolvido por De Hoogh e Den Hartog (2008).
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Maria de Lurdes Gomes Neves, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen, 4200-135 Porto, Portugal. E-mail: mluneves@gmail.com
Submissão: 25/02/2015 Aceitação: 30/07/2015
NOTAS
1 Multi-cultural Leader Behaviour Questionnaire (MCLQ).
2 A Classificação Nacional das Profissões é o conjunto de todas as profissões existentes em Portugal e da sua respectiva descrição funcional, apresentando-se agregadas por grupos profissionais (http://cdp.portodigital.pt/profissoes/classificacao-nacional-das-profissoes-cnp).
3 Multi-cultural Leader Behaviour Questionnaire (MCLQ).