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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.34 no.3 Lisboa set. 2016

https://doi.org/10.14417/ap939 

Resposta coletiva compassiva: Impacto de estrutura e missão organizacional

Maria Araújo1, Helena Marujo1, Miguel Lopes1

1Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

Correspondência

 

RESUMO

A capacidade coletiva compassiva tem claras implicações no desempenho e no bem-estar dos indivíduos no contexto organizacional (Lilius, Worline, Maitlis, Kanov, Dutton, & Frost, 2008). O presente estudo tem como objetivo descrever a forma como o efeito combinado de práticas e características de flexibilização de estrutura organizacional contribuem para o aumento de respostas coletivas compassivas (RCC) em organizações com missão pró-social, quando comparadas com organizações cuja missão é focada na produtividade. Este objetivo tem como pressuposto que todas as organizações, independentemente da sua missão (pró-social vs. produtiva), podem ter a capacidade de se auto-organizar de forma compassiva para minimizar o sofrimento dos colaboradores, embora o possam fazer através de mecanismos diferentes. Esta resposta poderá, contudo, ser mais facilitada nas organizações com uma estrutura flexível e com valores culturais humanizados.

Palavras-chave: “Estrutura flexível”, Missão, Práticas organizacionais, Compaixão coletiva.

 

ABSTRACT

A compassionate collective capacity has clear implications on performance and well-being of individuals in the context of organizations (Lilius, Worline, Maitlis, Kanov, Dutton, & Frost, 2008). This study aims to describe how the combined effect of organizational and structural characteristics of flexibility practices contributes to the increase of compassionate collective responses (in organizations with pro-social mission vs. mission focused on productivity). This objective presupposes that regardless of their mission (prosocial vs. productive), all organizations may have the capacity to self-organize in a compassionate manner to minimize the suffering of employees, although they can do so through different mechanisms. This response may, however, be more facilitated in organizations with a flexible and humanized cultural values.

Key words: “Flexible structure”, Mission, Organizational practices, Collective compassion.

 

Introdução

O movimento teórico dos Estudos Organizacionais Positivos (Positive Organizational Scholarship – EOP) permitiu o desenvolvimento de um número considerável de pesquisas focadas, inicialmente, nos aspetos positivos (e.g., virtudes humanas) ou seja, naquilo que funciona nas instituições (Cunha, Rego, & Lopes, 2013; Lopes, Cunha, Kaiser, & Muller-Seitz, 2009). De entre as muitas virtudes estudadas, a este artigo interessa a compaixão, que segue o movimento teórico dos EOP (e.g., Cameron, Dutton, & Quinn, 2003). A compaixão é definida como uma ação empática para aliviar a dor ou o sofrimento do outro (Frost, Dutton, Worline, & Wilson, 2000). O presente artigo pretendeu assim um contributo para a compreensão da forma como as práticas organizacionais e as condições de estrutura organizacional podem afetar a organização coletiva de respostas compassivas. Enquanto instituições humanas, as organizações são locais onde inevitavelmente as situações de sofrimento podem ocorrer. Destacam-se por exemplo as situações de doença, perda de um familiar ou colaborador, divórcio, as mudanças organizacionais, tais como demissões ou restruturação, a que os colaboradores, líderes e cultura organizacional não podem ficar indiferentes (Dutton, Lilius, & Kanov, 2007). Apesar de ser considerado um aspeto significativo da vida organizacional, o sofrimento é muitas vezes esquecido na vida das organizações (Frost, 2003). Sendo o local de trabalho o espaço onde as pessoas passam grande parte da sua vida, considera-se importante serem desenvolvidas competências de compaixão, nomeadamente através da dinamização de práticas coletivas, de modo a ser possível minimizar o sofrimento dos colaboradores. Segundo a perspetiva teórica que estuda o fenómeno de compaixão, esta virtude humana é descrita de acordo com um processo tripartido (Kanov et al., 2004), com 3 subprocessos: (a) perceber o sofrimento do outro; (b) expressar sentimentos que se assemelham à preocupação empática face a esse sofrimento; e (c) agir (responder) de modo a minimizar esse sofrimento ao outro (Frost et al., 2000; Kanov et al., 2004). As práticas organizacionais (Orlikowski, 1992) referem-se aos padrões de ações repetidas e desenvolvidas pelas organizações que podem facilitar o processo de compaixão. Por exemplo, em contextos pouco caracterizados pela participação dos colaboradores, ou quando estão unicamente focados em regras, o processo de compaixão poderá não ocorrer, pelo menos, na forma como esta teoria pressupõe (Dutton, Worline, Frost, & Lilius, 2006). A partir destes dados poder-se-á eventualmente admitir uma maior probabilidade destes pressupostos teóricos (Kanov et al., 2004) poderem ser mobilizados em contextos organizacionais em estruturas com políticas de organização mais flexíveis. O ambiente complexo e dinâmico que carateriza, atualmente, o contexto laboral, com trocas constantes entre o ambiente externo e o interno, permite às organizações desenvolver competências para conviver com esta turbulência e tirar partido dela de modo a evoluir (Olson & Eoyang, 2001 e Seel, 2001, citados por Obadia, Vidal, & Melo, 2007) através da auto-organização de novos padrões de comportamento. Segundo Anselmo (2005, citado por Gonçalves et al., 2014), a auto-organização espontânea, é um tipo de propriedade emergente dos sistemas adaptativos complexos, em que a organização se organiza sem a intervenção de um controle central. Os mecanismos de gestão e de práticas de estrutura flexível (e.g., de menor controlo) foram considerados com tendo maior implicação na facilitação dos mecanismos de mudança, de adaptação e de auto-organização dos sistemas laborais bem como na capacidade de lidar com as incertezas (e.g., Neto, Rocha, Helal, & Raimundo, 2006). Bernardo (2009) destaca as seguintes características de organização flexível: qualidade de interações, participação, trabalho em equipa, diálogo e comunicação interna, autonomia, criatividade, valorização, confiança mútua, coordenação de ações, construção de estratégias com objetivos claros com base num entendimento mútuo, cooperação profissional e qualidade do trabalho de equipa. Em paralelo, no que se refere ao tipo de organização se há alguns estudos que referem que as organizações humanitárias, com estatuto não-governamental, são, à partida, mais competentes para a organização de uma resposta compassiva (Kanov et al., 2004), fundamentada pela sua missão institucional e práticas de suporte emocional e social (em locais como Hospitais, Escolas), outros trabalhos consideram que, só por isso, este critério não é suficiente, admitindo que esta competência depende, sobretudo, da capacidade de auto-organização do coletivo para a resposta compassiva (Madden, Duchon, Madden, & Plowman, 2012). Poderá haver assim práticas organizacionais que limitam as condições de resposta compassiva de acordo com o tipo de organizações (Lilius, Worline, Dutton, Kanov, & Maitlis, 2011), como é por exemplo as relações difusas constatadas nas organizações não-governamentais (Dutton et al., 2006) salientando-se, no entanto, a necessidade do desenvolvimento de mais estudos para conclusões mais sólidas. Não obstante, para melhorar o conhecimento das condições de organização que podem influenciar a capacidade de resposta compassiva, a atual literatura sugere o desenvolvimento de novos estudos, incluindo a análise da relação dos efeitos combinados de práticas contextuais diárias e de características organizacionais, como por exemplo da estrutura flexível e da missão organizacional (pró-social vs. produtividade). Complementarmente, dado que a investigação atual sobre compaixão organizacional foca sobretudo uma análise de situações vividas de compaixão que decorrem face aos acontecimentos traumáticos (Dutton et al., 2006), verifica-se a necessidade de aprofundar o conhecimento de análise das práticas contextuais e das condições de estrutura organizacional que influenciam a capacidade coletiva compassiva (Lilius, Worline et al., 2011; Madden et al., 2012) sendo esperado reforçar a perspetiva de que a capacidade organiza -cional compassiva pode ser mobilizada de forma não planeada e não formal, mediante a existência de estruturas flexíveis, a partir do momento em que se verifiquem algumas condições particulares. Espera-se que a aplicação do nosso modelo conceptual proposto ajude a explicar a influência das práticas e das características de flexibilização de estrutura e do tipo de missão organizacional, na mobilização e coordenação de recursos para a auto-organização do coletivo para o aumento das respostas coletivas compassivas.

 

Revisão de literatura: Compaixão organizacional

 

Estudos de compaixão no contexto organizacional: Benefícios e limitações

Em consequência da inclusão de pesquisas sobre compaixão nos contextos de gestão organizacional foram evidenciados vários benefícios da compaixão (e.g., Dutton et al., 2006; Lilius et al., 2008). Por exemplo, Rego, Ribeiro e Cunha (2010) mostraram que a perceção dos colaboradores em relação às virtudes organizacionais foi proditora do seu bem-estar e do seu desempenho. A pesquisa desenvolvida por Dutton e colaboradores (2006) evidenciou que a compaixão, quando definida segundo um processo dinâmico tripartido (Kanov et al., 2004), permite a auto-organização de forma coordenada, agilizando recursos, especialmente quando acontece como resposta a acontecimentos de sofrimento traumático. Lilius e colaboradores (2008) também encontraram uma associação positiva entre a experiência de compaixão no trabalho e o compromisso organizacional afetivo. Os colaboradores que vivem a experiência de compaixão no trabalho referiram sentir um compromisso afetivo profundo com a organização e experienciaram mais emoções positivas como orgulho, gratidão, inspiração e alívio do sofrimento (Lilius et al., 2008). A partir de uma metodologia de análise do discurso de narrativas relativas a vivências de compaixão, foi evidenciado que as organizações que eram particularmente compassivas poderiam trazer, de facto, benefícios positivos tanto para os colaboradores (Madden et al., 2012), como para toda a organização (Lilius, Kanov, Dutton, Worline, & Maitlis, 2011). Destaca-se que a liderança compassiva pode facilitar a cura de situações de sofrimento, o crescimento pós-traumático (Dutton, Frost, Worline, Lilius, & Kanov, 2002; Dutton et al., 2006; Frost et al., 2000; Lilius, Kanov et al., 2011) e também alimenta emoções positivas e o aumento dos níveis de compromisso com os colegas de trabalho e da organização como um todo (Grant, Dutton, & Rosso, 2008; Lilius et al., 2008). Segundo a teoria sociológica das interações sociais, foi considerado importante analisar expetativas e perceções de julgamento face à legitimidade das respostas compassivas, tanto do ponto de vista do doador, como do recetor (Simpson, Stewart, & Pitsis, 2013). A dinâmica de compaixão começou, neste sentido, a ser enquadrada segundo o processo de relações sociais, ideologias sociais e valores e começam também, assim, a ser questionados os benefícios da compaixão nas organizações. A integração dos diferentes pressupostos teóricos, permite admitir que o conceito de compaixão não pode ser compreendido exclusivamente de acordo com o ponto de vista ético, mas deve ser também entendido enquanto processo social, numa lógica de relações de poder, com base na análise das representações para legitimar a aceitação ou a recusa dos atos de compaixão. Tendo em conta os benefícios e as potenciais barreiras para a expressão de compaixão no contexto organizacional, considerou-se importante analisar efeitos das práticas quotidianas e características da organização que facilitam as respostas compassivas nesses contextos: (a) indiretamente, através da promoção de condições em que o processo espontâneo de compaixão é mais provável de se mobilizar; e (b) diretamente, através de tentativas explícitas para incluir a compaixão nas rotinas, por meio da institucionalização de processos de compaixão. O primeiro estudo empírico de compaixão organizacional foi uma pesquisa realizada por Frost e colaboradores (2000) com base em narrativas de 22 académicos que descrevem uma ecologia organizacional de compaixão, onde as políticas organizacionais, valores, liderança e práticas facilitam ou inibem as relações de compaixão. Dutton e colaboradores (2002) explicam que quando os líderes reconhecem o sofrimento doloroso, há uma maior probabilidade de que essa consciência seja generalizada na organização. Os líderes podem facilitar a cultivo de compaixão dentro da organização, reconhecendo e recompensando atos de compaixão e contando histórias para disseminar recursos relacionais, valores, comportamentos e crenças que geram comportamentos compassivos (Dutton et al., 2007). Num outro trabalho (Dutton et al., 2006) realizado no Estado de Michigan, dedicado à análise da resposta compassiva da Universidade é descrito que o coletivo da organização se auto-organizou de forma coordenada para perceber, sentir e responder à dor dos estudantes que foram alvo de um incêndio no seu dormitório. Neste processo, as rotinas existentes e a qualidade das interações relacionais constituíram características e práticas que facilitaram a mobilização de partilha de informação sobre o acontecimento, a expressão de sentimentos e de empatia face aos lesados e ações concertadas para minimizar os danos. Este estudo revelou que as instituições se podem mobilizar no sentido de se organizar para a resposta compassiva, sem no entanto ser necessário uma orientação formal. Uma pesquisa desenvolvida por Lilius e colaboradores (2008) em contexto hospitalar, que incluiu 239 funcionários, também demonstrou benefícios positivos similares de compaixão organizacional, nomeadamente o reforço da identidade individual e o compromisso organizacional demonstrando ainda que as ações de compaixão, como fornecer apoio emocional, tempo, flexibilidade e bens materiais para apoiar outros membros da organização, estão associados a níveis elevados de emoções positivas. Os benefícios de compaixão organizacional para os colaboradores, especialmente em tempos de crise económica e social, incluem crescimento pós-traumático (Dutton et al., 2002), construção de emoções positivas, como recursos (Dutton et al., 2007) e reforço do compromisso dos funcionários com os colegas e com a organização. Dutton e colaboradores (2006) referem que a implementação de certas práticas laborais como a realização de reuniões regulares (arquitetura aberta), permitem que as pessoas tenham maior possibilidade de perceber sinais de sofrimento nos colegas (Kanov et al., 2004). Alguns dos mecanismos para a compaixão organizacional incluem o estabelecimento de uma rede de reconhecimento do dano e o estabelecimento de políticas, rotinas e sistemas de compaixão (e.g., Dutton et al., 2007; Lilius et al., 2008), bem como os valores que refletem o respeito pela humanidade (e.g., Dutton et al., 2006). Lawrence e Maitlis (2012), ao defenderem a ideia de ética organizacional, sublinham a importância da necessidade da existência de mecanismos e programas de cuidadores qualificados para o suporte e resposta compassiva face aos demais. Não obstante, o reconhecimento de que o efeito de relações de compaixão não é necessariamente positivo, foi um avanço importante. O estudo empírico desen volvido por Lilius, Worline et al. (2011) evidenciou que certas práticas organizacionais relacionadas com normas caracterizadas por limites mais permeáveis, facilitam o trabalho coletivo de compaixão, legitimando assim a expressão e partilha de informação acerca do sofrimento e de ajuda. Os autores reconhecem a importância das organizações promoverem práticas promotoras da capacidade compassiva, embora sublinhem, por outro lado, o potencial negativo dos efeitos da compaixão. Resumindo, a nível de benefícios, de acordo com a Teoria tripartida de compaixão (Kanov et al., 2004), a facilitação e organização da resposta coletiva compassiva estarão associadas a caracte rísticas de contexto organizacional caracterizadas pelas normas, práticas compassivas, estrutura de qualidade dos relacionamentos (Dutton et al., 2007; Lilius et al., 2008) partilha de valores compassivos e de respeito pela humanidade (Dutton et al., 2007) assim como comportamentos de liderança compassiva (Dutton et al., 2002). Estes aspetos são referidos como tendo repercussões positivas no aumento de emoções positivas, na auto-organização e adaptação da RCC, no bem-estar e desempenho, alimentando também emoções positivas e o aumento dos níveis de compromisso com a organização (e.g., Lilius et al., 2008). Não obstante, à luz da teoria sociológica das interações sociais e das relações de poder (Simpson et al., 2013) a legitimação da aceitação ou da recusa da resposta coletiva compassiva está dependente do tipo de julgamentos, de expetativas e de perceções presentes no contexto relacional estabelecido entre “dador (ator de ajuda)-recetor”(em sofrimento) no momento do episódio de sofrimento, assim como no tipo de políticas, cultura e estruturas caracterizadas que podem facilitar ou inibir as relações de compaixão.

 

Características e práticas organizacionais que influenciam a resposta coletiva compassiva

Kanov e colaboradores (2004) consideram a compaixão organizacional como um processo relacional e propõem um modelo teórico sociológico, para explicar o fenómeno de compaixão organizacional, baseado em 3 subprocessos: (a) perceção individual do sofrimento de um colaborador, enquanto processo social, onde os membros de uma organização tendem a apresentar um reconhecimento coletivo de presença da dor; (b) expressão e partilha da sua preocupação empática; (c) resposta ao sofrimento de forma coletiva e de modo coordenado através de ações. Trata-se assim de um processo coletivo de reconhecimento, expressão e resposta ao sofrimento do outro (e.g., Lilius et al., 2008). Estes três subprocessos representam as condições que interagem e que fazem aumentar a capacidade de auto-organização, que culmina na resposta coletiva para minimizar o sofrimento dos colaboradores. A manifestação de sofrimento pode criar um desequilíbrio na organização, o que leva à necessidade de reformulação das funções dos colaboradores e à mobilização de novos padrões de comportamento compassivo, que passam a fazer parte das crenças e dos valores da organização (Madden et al., 2012). No contexto das organizações, as práticas institucionais estão enquadradas de forma inseparável com a estrutura, a missão e a cultura da organização que define os valores institucionais sobre os quais os colaboradores se devem reger (Wagner, Newell, & Picooli, 2010). Com base nestes pressupostos, alguns estudos (Dutton et al., 2006; Madden et al., 2012) têm destacado relações entre práticas e características organizacionais que contribuem para a capacidade dos colaboradores se auto-organizarem de modo a adotarem padrões de resposta coletiva para a minimização do sofrimento humano. Esta questão de pesquisa refere-se à forma como as características contextuais ou de arquitetura social da organização possibilitam ou não a ativação e a mobilização coletiva de respostas compassivas. Dutton e colaboradores (2006) tentam dar ênfase à forma como as características do contexto organizacional se coordenam para ativar padrões de resposta coletiva compassiva. Recursos como atenção, emoção, confiança e julgamentos de legitimidade, não são fixos (Feldman, 2004) e são por isso alteráveis de acordo com a dinâmica da organização. Assim, os sentimentos coletivos serão mais prováveis de se encontrar nas organizações onde os colaboradores podem expressar as suas emoções. Neste sentido, as organizações variam na sua capacidade de resposta coletiva, sendo que algumas reagem rapidamente no sentido de minimizar os traumas e o sofrimento dos colaboradores e outras falham nessa capacidade (Dutton et al., 2002). As diferenças na capacidade compassiva resultam, assim, das divergências de características onde se incluem liderança, estrutura, práticas e regras das organizações. A compaixão pode, assim, ser definida e avaliada de acordo com as características organizacionais (Kanov et al., 2004). Por exemplo, McLelland (2010) avalia a compaixão de uma organização de acordo com o grau em que as suas rotinas são sugestíveis de perceber, sentir e responder ao sofrimento do outro. As respostas de compaixão organizacionais são por isso legitimadas e coordenadas através da aplicação de políticas de compaixão, rotinas (Kanov et al., 2004) e valores de respeito pela humanidade (Dutton et al., 2006, 2007). Exemplos de tais práticas incluem o estabelecimento formal de programas de assistência aos colaboradores (Lilius, Kanov et al., 2011). Da mesma forma, as rotinas relacionadas com o serviço comunitário existente, embora não sejam consideradas ações de compaixão coletiva, podem ajudar a divulgar informações sobre a atenção a dar ao sofrimento dos demais. Simultaneamente, têm sido desenvolvidos estudos de análise das condições contextuais e de estrutura das organizações, que procuram identificar as características do sistema, práticas e rotinas, que parecem ser influentes na emergência da capacitação de auto-organização da resposta coletiva compassiva (Chiles, Meyer, & Hensch, 2004; Madden et al., 2012). Neste sentido, foi demonstrado que quanto maior a diversidade de colaboradores no sistema organizacional, a nível dos recursos emocionais, cognitivos e sociais (Chiles et al., 2004), maior é a probabilidade do sistema perceber, sentir e responder ao sofrimento dos outros. Adicionalmente, foi evidenciado que quanto maior for a interdependência de funções dos colaboradores e coordenação associada (Benner, Tanner, & Chesla, 1996) e a qualidade de interações sociais, que são a base do comportamento de auto-organização (Goldstein, Hazy, & Lichtenstein, 2010) maior é a probabilidade do coletivo responder de forma compassiva ao sofrimento dos demais com preocupação empática (Eisenberg, 2000). Por outro lado, as pressões para a produtividade e a eficiência reduzem a probabilidade dos funcionários reconhecerem o sofrimento, onde a comunicação verbal e a interação são substituídas pelas novas tecnologias (Hallowell, 1999). Estudos organizacionais recentes (Lilius, Worline et al., 2011; Madden et al., 2012) evidenciam efeitos combinados de práticas organizacionais e características de estrutura, valores, e de comportamento dos líderes que contribuem para a capacidade coletiva compassiva, legitimando a aplicação do modelo teórico do processo de compaixão (Kanov et al., 2004), a saber: (a) características de qualidade de interações sociais e a existência de interdependência de funções, permeabilidade de normas, diversidade de colaboradores e de um modelo de liderança compassiva; (b) práticas diárias de reconhecimento, resolução de problemas, atribuição de recompensas, partilha de sentimentos, celebração e tomada de decisão coletiva. Os resultados dos estudos desenvolvidos evidenciam, assim, a existência de um conjunto de práticas e de características de estrutura organizacional com implicação na facilitação e inibição da resposta de compaixão a nível pessoal, relacional e organizacional (Tabela 1).

 

 

 

Influência da flexibilização da estrutura na capacidade coletiva compassiva

Como vimos a qualidade de deteção e resposta dada pelo coletivo para minimizar o sofrimento depende de características de contexto das organizações. As limitações criadas pelas configurações institucionais de estrutura e pela missão apelam ainda para a necessidade do desenvolvimento de pesquisas adicionais sobre compaixão em organizações focadas na produtividade (Madden et al., 2012). No que se refere, por exemplo, às limitações e às pressões para a produtividade e a eficiência, estas poderão reduzir a probabilidade dos funcionários reconhecerem o sofrimento dos colegas e diminuir a capacidade de conectar-se e estar presente para saber mais sobre os mesmos (Hallowell, 1999), adotando uma postura mais individualista. Podemos assim admitir que os aspetos de formalização, controlo e de burocracia nas instituições poderão limitar a auto-organização da resposta compassiva, devido à pouca liberdade e à pouca autonomia dos colaboradores. Outros estudos referem que as relações difusas de poder em organizações com missão pró-social são uma limitação para o processo de compaixão (Dutton et al., 2006). A perspetiva que sublinha que a competência compassiva pode ocorrer em qualquer tipo de estrutura organizacional também não está ainda empiricamente comprovada. A constatação de divergência de perspetiva levam-nos a colocar as seguintes questões: Q1. Será que a condição de flexibilização da estrutura organizacional poderá influenciar o processo de resposta coletiva compassiva? Q2. Poderá o processo de resposta coletiva compassiva surgir em contextos laborais com estruturas organizacionais rígidas? Tendo em conta as evidências na literatura científica sobre a influência das características de estrutura e práticas do contexto organizacional sobre capacidade compassiva, legitimadas pela teoria de processo tripartido de compaixão (Kanov et al., 2004), no presente trabalho é também reforçada a necessidade de se analisar as características de flexibilização estrutural e o tipo de missão institucional (produtiva vs. pró-social) associadas às práticas contextuais (participação, autonomia, trabalho em equipa, cooperação, inovação), contributivas para a capacidade de resposta coletiva compassiva. Em particular, é de referir que a partir da década de 90 começou a surgir uma mudança de discurso no mundo do trabalho relacionada com a área de gestão das empresas. Segundo Bernardo (2009, p. 93) “o novo discurso de gestão defendida destaca a noção de flexibilidade organizacional como contraponto aos modelos hierárquicos rígidos de controlo e de certeza anteriores e incorpora temas como participação, trabalho em equipa e autonomia”. Estão ainda associadas à flexibilização da organização aspetos como a aplicação de novas tecnologias, a inovação, a mão-de-obra qualificada, a autonomia (criatividade e participação), valorização e cooperação profissional e a qualidade do trabalho de equipa (Bernardo, 2009). Para sobreviver, as organizações precisam desenvolver a sua capacidade de antecipar, atualizar e de se adaptar. Em simultâneo, pode considerar-se que a maioria das estruturas organizacionais e práticas gerenciais não foram criadas para responder a este ritmo de mudança (Bernardo, 2009). A noção do modelo flexível de organização do trabalho, que se aproxima do modelo denominado como toyotismo, mostra-se apropriada para marcar a mudança em relação aos modelos rígidos (Taylorista-fordista) que predominaram até meados do século XX” (Bernardo, 2009, p. 95), em que o trabalhador deve apenas executar tarefas simples concebidas por um departamento da organização (Braverman, 1974/1977), não sendo previsto integrar nenhum tipo de participação, autonomia ou trabalho em equipa por parte dos colaboradores. Neste sentido, uma orientação de forte controlo organizacional burocrático é antídoto à inovação. Segundo Blanch-Ribas e colaboradores (2003, citados por Bernardo, 2009, p. 96), “o principal objetivo dos modelos flexíveis de gestão do tipo toyotista, está relacionado com as estratégias de maximização dos benefícios para o capital e a minimização dos custos com pessoal”. De acordo com esta perspetiva (Neto et al., 2006, p. 5), “nas organizações flexíveis, os recursos humanos trabalham em equipas, que são intermitentes, e são dotados de maior autonomia para tomar decisões”. Neste sentido, a implementação de estratégias e de práticas flexíveis pressupõe a descentralização da organização e a capacitação dos profissionais com poder de participação e de decisão para que estes possam lidar com as diversas expetativas dos clientes. Defende-se, neste sentido, um novo discurso que tem em conta os interesses do capital humano, que integra ideias de humanização no trabalho e de valorização dos trabalhadores. Conforme o ambiente de negócios se modifica, a organização adapta-se e, internamente, a estrutura organizacional precisa ganhar a fluidez para se adaptar e inovar. Neste sentido, ao contrário dos pressupostos do modelo teórico mecanicista, tradicional (causa-efeito), destaca-se um novo paradigma, que viabiliza a necessidade de mudança das organizações. Trata-se da teoria dos sistemas complexos dinâmicos (e.g., West, 1985, citado por Lichtenstein, 2000) que quando aplicada às organizações, constitui o melhor enfoque para a explicação da sua necessidade constante de alteração (e.g., Pavard et al., 2007 e Seel, 2007, citados por Obadia et al., 2007). Considera-se, assim, que o ambiente complexo das organizações atuais (West, 1985, citado por Lichtentein, 2000) não pode ser visto de forma estável a funcionar com mecanismos controláveis, mas deve ser antes enquadrado num sistema organizacional permeável a trocas de informações entre o ambiente interno e externo, cujos agentes são caracterizados também por uma natureza complexa, tendo em conta a sua diversidade (Goldstein et al., 2010, citados por Madden et al., 2012). A imprevisibilidade dos sistemas significa a possibilidade de inovação e adaptação contínua das organizações para a geração de novos produtos e serviços (Gonçalves, Martins, & Vieira, 2014). São, também caracterizadas como organizações “dissipativas”, na qual a sinergia entre seus colaboradores pode, a partir de uma determinado ponto crítico (conflito), vir a produzir de forma autónoma, respostas alternativas e inovadores (Bauer, 2000; West, 1985, citado por Lichtentein, 2000). O interior das organizações complexas, é de facto, permeável às constantes ruturas de ideias, desordens internas ou desequilíbrios (e.g., Goldstein et al., 2010, citados por Lichtentein, 2000), criados, em parte, por um potencial de conflito (e.g., que emerge do próprio contexto organizacional, de forma não proporcional; West, 1985, citado por Lichtenstein, 2000), o que é considerado positivo para a emergência de novas respostas (Lichtenstein, 2000) necessárias para a evolução da organização (Bauer, 2000). Por exemplo, quando uma organização introduz uma nova prática para solucionar um determinado problema, caso esta solução, proposta, funcione durante um certo período de tempo, os colaboradores terão tendência para legitimá-la e, como tal, passará a fazer parte dos valores e crenças da organização (Obadia et al., 2007). De acordo com a perspetiva de sistema adaptativo complexo, com base numa estrutura organizacional informal, é facilitada a auto-organização espontânea de uma dada organização (MacDaniel, 2007, citado por Madden et al., 2012). Segundo esta perspetiva (Capra, 1996, citado por Lichtenstein, 2000) as organizações caracterizadas por maior flexibilidade de estrutura, onde os membros têm qualidade de interações, maior autonomia, liberdade e capacidade para inventar novas estruturas, recursos e regras sem ser necessário a existência de uma instrução formal (Capra, 1996, citado por Lichtenstein, 2000; Stacey, 2005, citado por Madden et al., 2012) os colaboradores vão desenvolvendo formas mais eficazes para lidar com problemas, como o sofrimento, influenciando a qualidade de deteção e de resposta dada para minimizar o sofrimento. Tendo por base os pressupostos teóricos dos sistemas adaptativos complexos das organizações (Capra, 1996, citado por Lichtenstein, 2000), a explicação da emergência da auto-organização do comportamento coletivo de compaixão em contexto laboral poderá ser enquadrada na legitimação deste tipo de comportamento pelo coletivo, de tal forma que este padrão de comportamento corresponde a uma resposta mais eficaz para a organização resolver os problemas de sofrimento. Tais padrões de comportamentos, quando incutidos na rotina diária laboral encorajam outros recursos e influenciam a qualidade de deteção e de resposta dada pelo coletivo para minimizar o sofrimento (Madden et al., 2012). Tal como a cultura, as normas, as rotinas e as práticas também mudam de modo a incorporar comportamentos coletivos compassivos para diferentes tipos de sofrimento. Consideramos, que, neste sentido, ficam, assim, satisfeitas as condições de estrutura flexível que permitem a resposta coletiva compassiva, formuladas de acordo com a teoria tripartida de compaixão (Kanov et al., 2004). Baseado neste tipo de questões, com base no modelo adaptativo dos sistemas complexos (e.g., Lichtenstein, 2000), colocamos a seguinte proposição: P1: Espera-se que uma maior flexibilização da estrutura organizacional facilite a coordenação e a auto-organização da resposta coletiva compassiva.

 

Influência da missão organizacional na capacidade coletiva compassiva

A literatura científica tem referido várias limitações das organizações sem fins-lucrativos, descrevendo-as como tendo maior ambiguidade e falta de métodos de avaliação estandardizados para avaliar o desempenho (Lio & Hull, 2006). Estas organizações são também identificadas como tendo baixos salários, poucos benefícios, pouca flexibilidade, constrangimentos devido à responsabilidade alargada e dispersa da rede de apoio (Lio & Hull, 2006) pelo facto das suas práticas serem influenciadas e controladas por aspetos políticos e por financiamentos (Birdi, Patterson, & Wood, 2007), em que os empregados têm que desempenhar vários papéis e funções (Mintzberg, 1979, citado por Madden et al., 2012). De referir ainda que estas organizações (3º sector) são caracterizadas por terem práticas de relação difusa e uma estrutura complexa de responsabilidades de modo a poder responder às necessidades de todos os stakeholders. Estes aspetos poderão constituir limitações para a aplicação da teoria de processo de organização compassiva (Dutton et al., 2006). Ao estabelecerem diferenças na descrição de missão entre as organizações com (2º sector) e sem fins-lucrativos (3º sector), alguns autores (Lio & Hull, 2006) associam às primeiras um tipo de missão com objetivos e atividades orientados para a concretização, rentabilidade e maximização do lucro financeiro e, às segundas, um tipo de missão orientada para os objetivos estratégicos, para a concretização global da missão organizacional e para a mudança social. Por outro lado, noutros estudos (Benz, 2005) é referido que a motivação intrínseca dos empregados, a perceção de utilidade do seu trabalho e a perceção de suporte foi mais claramente associada às organizações sem fins-lucrativos, enquanto a perceção de competência foi associada às lucrativas (Mogilner, Vohs, & Aaker, 2010). Nas organizações sem fins-lucrativos os empregados parecem confiar mais nas práticas dirigidas aos objetivos e têm maior autonomia e variedade nas tarefas executadas (Mirvis & Hacklett, 1983, citados por Benz, 2005). A constatação deste conjunto de argumentos e a ambiguidade dos dados evidenciados nos estudos leva-nos, em concomitância, a colocar as questões: Q3: Será que as organizações com fins lucrativos terão uma maior capacidade de auto-organização de resposta coletiva compassiva, em consequência dos objetivos e das funções dos colaboradores parecerem estar melhor definidas? Q4: Será que as organizações sem fins lucrativos, com um tipo de missão orientado para a mudança social, estarão mais habilitadas para fazer emergir padrões de resposta coletiva compassiva? A missão de uma organização representa a razão da sua existência (Collins & Porras, 1996). Para providenciar algumas orientações em relação à conceção de missão, os autores consideram que a mesma deve abranger: (a) o propósito básico da organização (objetivos); e (b) os valores estratégicos (metas) que a organização pretende agregarem a elementos que com ela interagem. De salientar ainda que na análise efetuada por Cristley (2013), é descrito que a integração da cultura e política da missão de cuidar dos outros nas organizações sem fins lucrativos, requer uma coordenação alinhada das declarações de missão estratégica, visão, valores, práticas e padrões de comportamento organizacional de compaixão que devem ser comunicadas de forma clara, partilhadas, defendidas e identificadas pelos interesses dos stakeholders, devendo emergir, neste sentido, uma identidade cultural organizacional (Pearce & David, 1987). Assim, quando os colaboradores percecionam uma missão organizacional (objetivos, metas) comum com valores reais e credíveis, desenvolvem maior confiança e comprometimento, dedicação e desempenho com a organização (Pendleton & King, 2002, citados por Cristley, 2013). No mesmo sentido, Grant e Sumanth (2009) reforçam que quando os colaboradores percecionam as comunicações sobre a missão organizacional por parte dos líderes como mais confiáveis e credíveis tendem a atribuir maior significado e utilidade às tarefas de cuidar e aumentam a sua motivação e desempenho pró-social. No que se refere à relação existente entre o tipo de missão organizacional e a capacidade de resposta compassiva, a conclusão dos estudos não é unânime. Alguns estudos mais recentes admitem que o tipo de resposta compassiva pode acontecer tanto nas organizações empresariais, focadas sobretudo no objetivo de produtividade, como nas não-governamentais, considerando que todas as organizações têm capacidade de organização da resposta compassiva. Neste sentido, Madden e colaboradores (2012) defendem que os valores e as normas subjacentes à compaixão possam requerer uma oportunidade para emergir, admitindo, assim, que qualquer organização poderá desenvolver este tipo de resposta de compaixão. Ao contrário, estudos anteriores referem que a capacidade de resposta de compaixão organizacional pode ser mais facilmente aplicada em organizações não-governamentais que prestam serviços comunitários, com objetivo pro-social (Kanov et al., 2004). As estruturas organizacionais são fatores refletidos nas práticas e valores, que irão influenciar a forma como a organização vai responder às situações de sofrimento, sempre que estas ocorrerem (Nussbaum, 2001). Acreditamos, assim, que quando uma organização é caracterizada por uma estrutura flexível com elevada qualidade de relacionamentos, legitimada por valores e crenças de respeito pela humanidade (compassivos) é são nutridas uma variedade de rotinas e práticas de compaixão (Kroth & Keller, 2009, citados por Madden et al., 2012) que são incorporados nos comportamentos pelas quais se regem os colaboradores e se dedicam aos objetivos ou metas organizacionais (Dutton, Workman, & Hardin, 2014). Neste sentido a forma como estão definidos os comportamentos dos líderes (com vs. sem atitudes compassivas), as normas (padrões normativos sobre o significado e o modo como a organização pode expressar e agir face ao sofrimento) e valores estruturais (controlo vs. expressão de sentimentos) a nível do contexto organizacional, no que refere ao sofrimento humano e compaixão no contexto laboral, irão influenciar de forma direta na facilitação ou inibição da resposta de compaixão na organização, bem como na forma como os colaboradores (Trice & Beyer, 1993, citados por Madden et al., 2012) se mobilizam face ao sofrimento e em relação aos objetivos ou metas organizacionais (natureza produtiva vs. social) que podem ser ou não legitimados também pelo coletivo (Cristley, 2013), a nível do contexto social e relacional (Dutton et al., 2014). À luz da teoria dos sistemas adaptativos complexos (Capra, 1996, citado por Lechtenstein, 2000) podemos admitir que a auto-organização para a emergência de comportamentos compassivos é mais facilitada em contextos laborais caracterizadas por um funcionamento ou gestão de estruturas com regras mais flexíveis (com menos controlo), permeáveis às trocas e à mudança, em que este comportamento pode surgir sem orientação de líder, com base numa cultura e identidade coletiva definida com valores humanos e crenças caracterizadas pela qualidade de interações. Assim a nível do contexto organizacional os gestores precisam de tratar de questões ambíguas, trazer as controvérsias, promover a expressão de opiniões e comportamentos dos colaboradores, deixar fluir os conflitos à superfície de modo a se gerar novas perspetivas (Lechtenstein, 1999 e West, 1985, citados por Lechtenstein, 2000). Ao contrário do que se poderia esperar de que a resposta de compaixão estaria sobretudo associada a um contexto cuja orientação é cuidar e servir os outros (pró-social), isso não é garantido, pois segundo a teoria de mudança dos sistemas adaptativos complexos (e.g., Stacey, 2005 e West, 1985, citados por Lichtenstein, 2000) a auto-organização do comportamento coletivo, não necessita de orientação superior formal e está sobretudo dependente do tipo de valores, liderança, de crenças e de práticas definidas na estrutura organizacional flexível humanizada em que os objetivos da organização, independentemente da sua natureza (produtiva vs. pró-social) são partilhados e legitimados pelo coletivo (e.g., Cristley, 2013) e sobre os quais os colaboradores se identificam. Baseado neste tipo de questões, com base nos pressupostos subjacentes à teoria dos sistemas complexos (Lechtenstein, 2000), colocamos a seguinte proposição: P2: A capacidade para a auto-organização da resposta coletiva compassiva é influenciada diretamente pela estrutura hierárquica flexível e valores culturais humanistas que orientam a forma de atuação dos colaboradores para atingir os objetivos, independentemente da sua natureza. Chegamos assim à proposta de um novo modelo teórico, que se deseja seja testado empiricamente no futuro.

 

Modelo teórico: Influência de flexibilização da estrutura e da missão organizacional na capacidade coletiva compassiva

No presente artigo sugere-se que o estudo da análise de práticas quotidianas contextuais é importante para explicar a forma como determinadas características do sistema organizacional influenciam a capacitação da resposta coletiva compassiva, sendo esta associação entendida à luz da teoria das práticas organizacionais (Orlikowski, 2002). As características específicas de maior flexibilização organizacional, aqui refletidas, relacionadas com as práticas quotidianas da organização permeáveis à mudança (participação, trabalho de equipa, autonomia dos colaboradores e inovação) sem a necessidade de instrução formal permitem aos trabalhadores perceber, expressar e responder à minimização do sofrimento dos demais. À luz da teoria do sistema adaptativo complexo (Lichtenstein, 1999 e West, 1985, citados por Lechtenstein, 2000), o processo de auto-organização da resposta coletiva compassiva nas organizações caracterizadas pela qualidade de interações sociais e interdependência de funções, pode ser explicado da seguinte forma: devido à atenção dada a uma tragédia pessoal ou episódio de sofrimento (desequilíbrio) por parte de um colaborador (ator de ajuda) a um colega (em sofrimento), o primeiro afasta-se das suas funções laborais habituais para minimizar o sofrimento do segundo. As características de estrutura flexível informal, ao permitir uma maior facilitação da coordenação para a auto-organização de um comportamento coletivo de compaixão facilitam, a sua emergência no tipo de resposta nas práticas, valores e cultura da organização (Madden et al., 2012), constituindo-se como um novo padrão de comportamento, mais adaptável para responder de forma a minimizar o sofrimento (Olson & Eoyang, 2001, citados por Obadia et al., 2007). Assim, com base na teoria dos sistemas complexos (Chiles et al., 2004, citados por Madden et al., 2012) as condições de qualidade de processos sociais, o trabalho de equipa (e.g., interação e o mútuo ajustamento de regras e papéis); a diversidade de agentes, e a criatividade (Holland, 1995 e Thompson, 1967, citados por Madden et al., 2012) podem influenciar a auto-organização da resposta compassiva, e por sua vez, a modificação de normas, valores e práticas de tal forma que a capacidade compassiva passará a constituir um novo padrão de comportamento social e relacional. Neste sentido, considerando que todas as organizações possam ter a capacidade de se auto-organizar e desenvolver o modelo do processo coletivo compassivo, independentemente do tipo de organização (1º, 2º e 3º setor) ou de missão (produtividade vs. pró-ativo) desde que as condições e práticas contextuais consideradas facilitadoras deste processo estejam presentes na organização, nomeadamente com estrutura flexível com permeabilidade a características de missão, cultura, normas, práticas e comporta mentos sociais (mutuamente dependentes) baseada em princípios de um sistema organizacional dinâmico, complexo e adaptativo (Capra, 1996 e West, 1985, citados por Lechtenstein, 2000). O modelo teórico que propomos no presente estudo é que a flexibilização de estrutura das organizações, estando no atual estudo a serem analisados especificamente as componentes de participação, autonomia, equipa de trabalho, inovação e cooperação, independentemente do objetivos ou metas da organização (produtivos vs. social) permitem aumentar: (a) a perceção do sofrimento; (b) a atitude empática em relação ao sofrimento; (c) a resposta em relação ao sofrimento; (d) a coordenação de recursos e a capacitação de auto-organização. O nosso modelo teórico, agora proposto, exprime como as características de estrutura flexível, de cultura, bem como as práticas contextuais e comportamentos e objetivos se auto-organizam no coletivo e são capazes de efetuar mudanças no sistema para gerar compaixão ao nível organizacional, de tal forma que influenciam a qualidade de deteção e resposta dada pelo coletivo para minimizar o sofrimento. De acordo com o modelo teórico proposto formulamos assim a seguinte proposição (Figura 1): P3: Uma maior flexibilização da estrutura organizacional quando combinada com uma cultura organizacional onde são definidos valores humanos (compassivos), facilita a auto-organização da resposta coletiva compassiva e o tipo de comportamento dos colaboradores para alcançarem os objetivos esperados pela organização que constituem uma identidade cultural organizacional.

 

 

 

Conclusão

O reconhecimento de que as situações de sofrimento dos colaboradores são aspetos significativos do contexto organizacional (Frost, 2003), tem influenciado o crescente desenvolvimento de estudos científicos sobre as emoções em sistemas laborais. A compaixão que se enquadra no movimento teórico de POS e tem sido enfatizada como fulcral para minimizar o sofrimento dos colaboradores nas organizações (Dutton et al., 2007; Madden et al., 2012). A forma como o coletivo age no sentido de minimizar o sofrimento dos colaboradores tem evidenciado inúmeros benefícios no desempenho e no bem-estar dos indivíduos (e.g., Lilius et al., 2008; Lilius, Kanov et al., 2011). Na tentativa de explicar o processo de compaixão no coletivo organizacional, a literatura atual tem evidenciado um forte suporte teórico ao modelo tripartido da compaixão organizacional (Kanov et al., 2004).Alguns estudos empíricos têm possibilitado a explicação do processo de compaixão por parte do coletivo, através da análise das narrativas dos colaboradores que vivenciam situações de compaixão decorrentes de situações de sofrimento experienciados nos contextos laborais (Lilius et al., 2008). Ao considerar que a compaixão não é necessariamente uma virtude e que deve ser entendida enquanto processo relacional e social complexo, que vai para além de noticiar e responder ao sofrimento do outro, este fenómeno envolve também os julgamentos de legitimidade efetuados por parte de ambos os doadores e recetores em relação à decisão de aceitar ou de rejeitar os atos de compaixão. Os estudos sobre a compaixão organizacional começaram assim a integrar ambos os aspetos: os seus benefícios e as suas limitações. Relativamente às práticas e características organizacionais facilitadoras da resposta compassiva coletiva, apesar de algumas evidências referidas na literatura recente (Lilius, Worline et al., 2011, Madden et al., 2012), tendo em conta a teoria dos sistemas complexos e os princípios subjacentes à auto-organização dos comportamentos (Lichtenstein, 2000), considera-se que ainda muito está por estudar, a nível da relação entre práticas, cultura, políticas, valores, como do tipo de estruturas organizacionais e de contexto relacional que facilitam a auto-organização da resposta coletiva compassiva. No que se refere aos aspetos de missão organizacional (objetivo), se por um lado há estudos que defendem com maior convicção que a capacidade de organização coletiva compassiva pode emergir seja qual for o tipo de missão organizacional (Madden et al., 2012) outros, não obstante admitirem essa possibilidade, consideram que este processo teórico tripartido de compaixão poderá ser mais facilitado nas organizações com missão diária orientada para a função de minimizar o sofrimento humano (Kanov et al., 2004). Relativamente aos aspetos de maior flexibilização de estrutura organizacional, que influencia a forma como os colaboradores se vão comportar em relação em relação aos objetivos, apesar da evidência de influências positivas na resposta coletiva compassiva, quando presentes os componentes relacionados com as práticas quotidianas do funcionamento das equipas, como interdependência de papéis, diversidade de funções, trabalho realizado em equipa, ou liderança ela mesma compassiva, ainda falta estudar a relação de outros componentes práticos, a saber, autonomia, inovação, participação e cooperação. É assim de igual modo considerado imperiosa uma melhor compreensão da influência das condições de estrutura na organização da resposta coletiva compassiva. O presente estudo pretende também integrar a análise desta virtude humana no coletivo das organizações com missão focada na produtividade tendo, neste sentido, um contributo científico que se deseja inovador. Considerando que todas as organizações possam ter a capacidade de se auto-organizar para desenvolver o processo coletivo compassivo (embora o possam fazer através de mecanismos diferentes), o modelo teórico que propomos no presente estudo é pressupor que os modelos de flexibilização na estrutura das organizações permitirão o aumento da capacidade de compaixão organizacional e influenciam no tipo de comportamento dos colaboradores para alcançarem os objetivos, fundamentando assim o modelo teórico do processo tripartido de compaixão (Kanov et al., 2004). A principal implicação deste modelo reporta-se à importância da análise da influência do efeito combinado de práticas contextuais e de características de flexibilização de estrutura, cultura de valores humanos e de missão organizacional (produtiva vs. Pró-social) na auto-organização do processo coletivo compassivo, área deficitária de estudos na literatura científica, para que futuramente as organizações possam integrar estas práticas, e assim contribuir para a melhoria da qualidade da resposta compassiva e, consequentemente, para o bem-estar dos colaboradores. Finalmente, é sugerido que os pressupostos teóricos propostos possam ser testados em futuros estudos empíricos, recorrendo à metodologia da grounded theory (Strauss & Corbin, 1998) através da análise de narrativas associadas à vivência de situações de dor ou de sofrimento experienciadas no contexto das instituições (quer pró-social, quer produtiva) e estudados através da descrição e análise da dinâmica do processo compassivo decorrente de acontecimentos traumáticos vivenciados pelos colaboradores. Tal permitirá aprofundar as limitações e os contributos deste constructo e da sua prática nas organizações, e compreender as condições que favorecem o bom desenvolvimento da compaixão e das capacidades coletivas compassivas no espaço laboral.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Maria Araújo, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Rua Almerindo Lessa, 1300-663 Lisboa, Portugal. E-mail: mmle@sapo.pt

 

Submissão: 04/08/2014 Aceitação: 13/12/2015

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