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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.34 no.3 Lisboa set. 2016

https://doi.org/10.14417/ap.982 

Inteligência espiritual: Validação preliminar da versão portuguesa da Escala de Inteligência Espiritual Integrada (EIEI)

Diana Filipa Oliveira Jorge1, Graça Esgalhado1, Henrique Pereira1, Paula M. Matos1

1Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior

Correspondência

 

RESUMO

Amram e Dryer (2008) propõem o construto de Inteligência Espiritual [IE] e defendem a inclusão da mesma na Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner. Os autores apontam 5 dimensões para a IEs: “Consciência”, “Transcendência”, “Graça”, “Verdade” e “Significado” que compõem a Integrated Spiritual Inteligence Scale [ISIS]. A presente investigação visa apresentar os dados preliminares de validação de um novo instrumento para avaliação do conceito de inteligência espiritual, na população portuguesa. Participaram no estudo 714 sujeitos, 257 do sexo masculino e 461 do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 14 e os 81 anos. A aplicação dos instrumentos realizou-se online e além da utilização da Escala de Inteligência Espiritual Integrada usámos um questionário sociodemográfico com o intuito de caracterizar a amostra. A escala apresenta uma estrutura penta fatorial (“Coping religioso e espiritual”, “Consciência”, “Graça”, “Significado” e “Missão”). No estudo da consistência interna obtêm-se valores de alpha de Cronbach situados entre os 0.67 e 0.88, e de 0.92 para a escala total. Nesta versão preliminar as dimensões obtidas não foram congruentes com a escala original. Apesar de serem necessários estudos posteriores que se debrucem sobre a validade convergente e discriminante, e uma confirmação da estabilidade da estrutura fatorial obtida em nova amostra, este trabalho constitui um contributo relevante para a análise crítica deste novo constructo, assim como se assume como ponto de partida para outras pesquisas na área da Inteligência Espiritual.

Palavras-chave: Inteligência espiritual, Espiritualidade, Escala de Inteligência Espiritual Integrada.

 

ABSTRACT

Amram and Dryer (2008) suggest a vision of Spiritual Intelligence that can be encompassed in the Multiple Intelligences Theory by Gardner. The authors point 5 domains “Consciousness”, “Transcendence”, “Grace”, “Truth” and “Meaning” that compose the Integrated Spiritual Intelligence Scale [ISIS]. The present investigation aimed to realize a preliminary validation of the Portuguese version of ISIS. A sample of 714 subjects, 257 males and 461 females, aged between 14 and 81 years took part of the study. The implementation of the instruments was performed online and besides the use of Integrated Spiritual Intelligence Scale, we used also a socio-demographic questionnaire in order to characterize the sample. The results showed a Cronbach’s alpha values lying between 0.67 and 0.88. The value of Cronbach’s alpha for the total scale is 0.92. A penta factorial structure was found (“Religious and Spiritual Coping”, “Consciousness”, “Grace”, “Meaning” and “Mission”). In this preliminary version the domains were not congruent with the original scale. Although they are necessary further studies that focus on the convergent and discriminant validity, and a confirmation of the stability of the factor structure obtained in new sample, this work is an important contribution to the review of this new construct, and is assumed as a point of departure for further research in the area of Spiritual Intelligence.

Key words: Spiritual intelligence, Spirituality, Integrated Spiritual Intelligence Scale.

 

A conceptualização de Inteligência Espiritual [IEs] surgiu apenas no ano 2000 através de Zohar e Marshall, no livro “Spiritual Intelligence” (Hosseini, Elias, Krauss, & Aishah, 2010). Zohar e Marshall (2004) adotam uma postura distinta relativamente a outros investigadores da área, ao postularem três tipos de inteligências primárias – intelectual, emocional e espiritual – que combinadas entre si originam os outros tipos de inteligências propostas na Teoria das Múltiplas Inteligências de Gardner. Os autores pioneiros na proposta do conceito de IEs associam estes 3 tipos de inteligências primárias respetivamente a cada um dos 3 tipos de processamento neural – em série, associativo e unificador – e destacam que a IEs é responsável pela conciliação harmoniosa entre QI [Quociente intelectual] e QE [Quociente Emocional]. Para estes autores a IEs é uma “inteligência fundamental” responsável: (1) pela capacidade para lidar e resolver problemas de sentido e de valor; (2) enquadrar num contexto amplo e transcendente a vida e as ações; e (3) criar e mudar regras e alterar situações e conferir um sentido de moral (DeBlasio, 2011; Zohar & Marshall, 2004).

Outros investigadores também se têm debruçado sobre o constructo de IEs, e verifica-se uma ausência de consenso com a perspetiva defendida por Zohar e Marshall. Emmons (2000) enquadra a IEs na Teoria das Múltiplas Inteligências, e defende que a Inteligência exerce uma importante função ao nível da personalidade e no encontro de soluções adaptativas para os problemas, considerando a espiritualidade como um recurso facilitador da adaptação a um determinado ambiente ou contexto. A IEs é conceptualizada como a capacidade para gerir a informação espiritual, que fornece um sentido adaptativo para a melhoria do funcionamento diário, no incrementar a resolução de problemas e ao facilitar o alcance de objetivos (Emmons, 2000). Para Gardner (1994), o recurso à palavra espiritual para designar um novo tipo de inteligência suscita dúvidas, porque o domínio da espiritualidade é das áreas menos estudadas e comprovadas cientificamente. Na verdade, não exclui a hipótese de inclusão de um “novo” tipo de inteligência na sua teoria, mas prefere denominá-la de inteligência existencial (Gardner, 1994). Considera que este novo tipo de inteligência abrange duas capacidades: a de se sentir parte do Universo, e a de procurar e descobrir características existenciais da condição humana como o significado da vida e da morte, as experiências intensas de amor ao outro, ou o envolvimento com a arte (DeBlasio, 2011). Por seu turno, Mayer (2000) opõe-se à existência da IEs, argumentando que esta é uma renomeação do conceito de espiritualidade, e que as teorias que apoiam a existência desse tipo de inteligência carecem de fundamentação. Amram e Dryer (2008) refutam esta perspectiva, defendendo que enquanto a espiritualidade diz respeito à vivência de experiências através do sagrado, do significado supremo, de uma consciência superior e transcendente, a IEs valoriza as atividades que se baseiam nestes conceitos para melhorar o funcionamento e resposta adaptativa face aos problemas. Para estes autores, tal como a emotividade pode ser diferenciada de Inteligência Emocional, também a espiritualidade pode ser diferenciada de IEs.

A par das investigações que questionam ou que defendem o estatuto científico da IEs, e consequentemente procuram o enquadramento teórico deste constructo, outras direccionam-se para as características que a definem na sua aplicabilidade. Por exemplo, Vaughan (2002) defende que a IEs pode ser expressa numa determinada cultura nos atos de amor, compaixão e serviço ao outro (DeBlasio, 2011). Wolman (2001) define IEs como a capacidade para se interrogar acerca de questões existenciais como o sentido da vida e simultaneamente de nos conectarmos uns com os outros e com o ambiente que nos rodeia (DeBlasio, 2011). Para Amram (2007), a IEs é conceptualizada como a capacidade de aplicar e integrar recursos e qualidades espirituais no dia-a-dia de forma a manifestarmos um aumento do nosso bem-estar e funcionamento adaptativo.

A IEs não é um tipo de inteligência exclusiva de pessoas religiosas. Este conceito não pode nem deve ser confundível com os conceitos de religião e espiritualidade.

A religião é uma expressão formal, institucional e exterior do sagrado (Koenig, McCullough, & Larson, 2001 e Miller & Thoresen, 2003, citados por Cotton, Zebracki, Rosenthal,Tsevat, & Drotar, 2006) baseada em crenças e estabelece um compromisso para com doutrinas e práticas (Manning, 2004, citado por Yang & Mao, 2007), sendo modelada na família e transmitida pela tradição (Zohar & Marshall, 2004). A espiritualidade pode ser considerada uma expressão interna, pessoal e emocional do sagrado (George, Larson, Koenig & McCullough, 2000; Hill & Pargament, 2003 e Koenig, McCullough, & Larson, 2001, citados por Cotton, Zebracki, Rosenthal,Tsevat & Drotar, 2006), não estando necessariamente ligada apenas a experiências e comportamentos religiosos (Schneiders, 1996, citado por Gomez & Fisher, 2005) nem exigindo a participação numa organização ou em rituais religiosos (Castellaw, Wicks, & Martin, 1999). A espiritualidade é um sistema de crenças que confere vitalidade e acrescenta significado e propósito aos eventos diários (Manning, 2004 e Maugans & Wadland, 1991, citados por Yang & Mao, 2007). É considerada por James (1902) como a experiência religiosa primordial do indivíduo (citado por Hyde, 2004). Solomon (2002) sugere que ateus ou céticos não necessitam de acreditar num Deus ou Espírito Criador para expressarem a sua espiritualidade, pois fazem-no através de uma filosofia de vida que expressa Amor em viver (citado por Huitt & Robbins, 2003). A religião pode ser uma expressão particular da espiritualidade (Girardin, 2000; Tolan, 2002, citado por Huit & Robbins, 2003). Assim sendo, uma pessoa pode ser espiritual sem ser religiosa ou vice-versa (Huit & Robbins, 2003; Lim & Yi, 2009; Pinto & Ribeiro, 2007; Zohar & Marshall, 2004). Espiritualidade e religiosidade são conceitos diferentes, apesar de interdependentes (Zinnbauer & Pargament, 2005). A religião tem mais a ver com crenças e rituais, implicando um maior grau de adesão e de participação dos seus praticantes (Oman & Thoresen, 2005), comparativamente com a espiritualidade. Para Pinto e Ribeiro (2007) este é um constructo mais amplo que se caracteriza por ser individual, subjectivo e experiencial.

Consideramos que o que parece diferenciar o conceito de IEs do conceito de espiritualidade é a noção de funcionalidade e adaptabilidade. Esta noção é proveniente de uma conceptualização de inteligência que a define como a capacidade para produzir combinações de comportamentos, adquirir e explorar novos conhecimentos e resolver problemas (Afonso, 2007; Lino, 2004), de forma criativa com recurso à espiritualidade.

Se pensarmos, por exemplo, na inteligência cinestésico-corporal conseguimos admitir que nem todos a têm desenvolvida da mesma forma, mas todos temos um corpo que seria o pré-requisito para nos tornarmos atletas fantásticos. Defendemos que um funcionamento similar está subjacente à IEs. Todos possuímos as estruturas necessárias, mas nem todos as estimulámos. Esta afirmação suporta-se nas pesquisas sobre o cérebro, desenvolvidas por Persinger em 1997, que põe em evidência a “área de Deus”, localizada nos lobos temporais (citado por Zohar & Marshall, 2004). A discrepância do desenvolvimento em diferentes seres humanos, assente nos diversos tipos de inteligência, origina uma interessante multidiversidade social e cultural: encontramos atletas fantásticos, músicos fantásticos, artistas fantásticos e pessoas espiritualmente fantásticas.

No entanto, por ser um conceito relativamente recente, alguns membros da comunidade científica ainda não aceitam que possa existir este tipo de IEs. Mas podemos afirmar que nos últimos anos tem crescido o interesse dos investigadores pelo estudo das variáveis religiosas e espirituais, e por aferir e validar instrumentos que permitam melhor conhecer e estudar estas variáveis (Chaves, Carvalho, Dantas, Terra, Nogueira, & Souza, 2010; Gouveia, Marques, & Pais-Ribeiro, 2009; Hamer, 2004, Kirk, Eaves, & Martin, 1999, Kirkpatrick, 1999, Lutz, Greischar, Rawlings, Ricard, & Davidson, 2004, Newberg & D’Aquili, 2001 e Piedmont, 1999, citados por Hyde, 2004; Pinto & Pais-Ribeiro, 2007). Este aumento do interesse cultural que se tem verificado nos últimos anos em relação à religião e à espiritualidade talvez possa dever-se à eventual implicação destas variáveis na saúde (Chida, Steptoe, & Powell, 2009; Krause, 2011; Levin, Chatters, & Joseph, 2011), mas também da importância das mesmas noutras áreas como o trabalho (Chin, Anantharaman, & Tong, 2011) e a educação (Antunes & Silva, 2015).

A atual relevância da espiritualidade fica demonstrada pela criação da divisão 36 da APA – Psychology of Religion and Spirituality – que tem como finalidade impulsionar a aplicação dos métodos de pesquisa e conhecimento científico e psicológico a diversas formas de espiritualidade e religião, e o incentivar da aplicação na prática clínica dos resultados e conhecimentos produzidos (APA, 2012). Portanto, a exploração de conhecimento no âmbito deste potencial tipo de Inteligência torna-se essencial, e justifica-se que seja realizado de forma contextualizada, relativamente às mudanças emergentes na sociedade atual. São apenas conhecidos três instrumentos que visam medir a Inteligência Espiritual: (1) a ISIS da autoria de Amram e Dryer (2008); (2) o SISR-24 da autoria de King e DeCicco (2009); e (3) a SIS da autoria de Nasel (2004), que foi construída apenas para duas perspetivas espirituais – cristianismo e vertente “New Age” e o PSI desenvolvido por Wolman (2001). Por seu lado, Zohar e Marshall (2004) apresentam um conjunto de perguntas de reflexão, orientadoras numa linha de autoconhecimento, mas não é considerado um instrumento de avaliação. Em Portugal encontram-se instrumentos como a versão portuguesa do WHOQOL-SRPB (Spirituality, Religiousness and Personal Beliefs) que avalia a relação entre qualidade de vida e espiritualidade (Catré, Ferreira, Pessoa, Pereira Canavarro, & Catré, 2014), a Escala de Avaliação da Espiritualidade (Pinto & Ribeiro, 2007) e o Questionário de Bem-Estar Espiritual (SWBQ) (Gouveia, Marques, & Pais Ribeiro, 2009), mas até ao presente não se conhece qualquer instrumento estudado com o propósito de avaliar inteligência espiritual. Com este trabalho pretende-se dar um contributo através da validação preliminar de um instrumento de medida da IEs – a Escala de Inteligência Espiritual Integrada (ISIS) – para que, após outras análises complementares, se possa dispor de um instrumento a utilizar na prática interventiva e investigativa em Psicologia.

 

Método

 

Participantes

A amostra total do estudo foi de 718 participantes, 257 do sexo masculino e 461 do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 14 e os 81 anos. Cerca de 74,9% dos inquiridos eram solteiros, 17,3% eram casados, 3,6% divorciados, 3,1% juntos em união de facto, 0,6% separados e 0,6% viúvos. Cerca de 40,8% da amostra foi constituída por estudantes universitários, outros 29,1% dos inquiridos possui licenciatura, 10,9% mestrado, 4,2% doutoramento, 12,9% não têm qualquer formação universitária (dos quais, 12,0% concluíram o ensino secundário, 0,8% o ensino básico e 0,1% o ensino primário) e 2,2% possuem formação universitária e encontram-se a fazer graduação da mesma ou um novo curso. Quanto à religião, 63,4% identificam-se ou praticam algum tipo de religião contra 36,6% que referiram não se identificar nem praticar qualquer tipo de religião. A amostra revelou-se maioritariamente cristã (59,5%), seguida de simpatizantes ou praticantes da religião budista (2,1%) e hinduísta (0,4%). Cerca de 0,3% dos inquiridos referiram adotar como religião o Amor incondicional, outros 0,3%, o Espiritismo Kardecista e outros 0,3% a Fé Bahái. Os restantes 0,4% dividem-se entre o Deísmo, Espiritualismo, Agnóstico e respostas omissas.

Inicialmente a amostra era constituída por 744 sujeitos, no entanto foram excluídos os sujeitos que pontuaram no item 83 da escala (“Respondi a todas as questões sinceramente e de acordo com as minhas capacidades”) abaixo ou igual ao valor 3 (raramente).

 

Instrumento

Para a recolha de dados foi elaborado um inquérito que englobou um questionário sociodemográfico e a versão traduzida da Integrated Spiritual Intelligence Scale [ISIS] – da autoria de Amram e Dryer (2008).

A elaboração do questionário sociodemográfico foi realizada com base na pesquisa de literatura efetuada acerca da IEs e contemplou informação relativa ao género, idade, nível de escolaridade, estado civil, residência, prática ou identificação com uma religião e experiências de vida marcantes.

 

Relativamente à escala de autorresposta usada para medir a Inteligência Espiritual – ISIS, foi solicitado aos participantes que pontuassem os 83 itens (por exemplo: “Não sei como ser eu próprio nas minhas interações com os outros”; “Sou guiado e regido por medos”) usando uma escala tipo Likert de 6 pontos (1 – nunca ou quase nunca; 2 – muito raramente; 3 – raramente; 4 – com alguma frequência; 5 – frequentemente; 6 – sempre ou quase sempre). No estudo original de construção, desenvolvimento e validação preliminar psicométrica da escala os autores analisaram a escala ao nível dos itens e das subescalas utilizando uma análise de extração de componentes principais e uma análise hierárquica de classes. Foi usada a rotação Varimax com normalização de Kaiser. Foram ainda analisadas as interrelações entre os itens através do coeficiente de correlação de Pearson. Como resultado destas análises obtiveram uma escala com 22 subescalas e 5 dimensões principais: Consciência, Graça, Significado, Transcendência e Verdade.

 

A escala ISIS obteve ainda validade discriminante e convergente através da correlação dos itens da mesma com os itens de instrumentos como a Satisfaction With Life Scale (SWLS; Pavot & Diener, 1993) e o Index of Core Spiritual Experiences (INSPIRIT; Kass, Friedman, Leserman, Zuttermeister, & Benson, 1991). A ISIS revelou ter boa fiabilidade no total da escala (α=0,97) e em cada um dos domínios principais, com o valor de alpha de Cronbach a variar de 0,84 a 0,95 (Amram & Dryer, 2008).

 

Procedimentos

Realizámos, via e-mail, o pedido de autorização aos autores da escala original – Amram e Dryer – explicitando os objetivos da investigação. Para validar a escala para a população portuguesa realizou-se a tradução da versão americana. A versão portuguesa resultou de um processo formal de adaptação linguística com tradução e retroversão por parte de especialistas na língua inglesa e em psicologia, no sentido de criar uma versão equivalente à original, tanto do ponto de vista da estrutura linguística quanto do ponto de vista do conteúdo semântico. O processo formal de recolha dos dados teve início com a elaboração de um estudo piloto com 10 participantes de forma a garantir-se a compreensão das instruções e dos itens que compõem a escala. Esta fase foi realizada online através do Google Docs na presença de um dos investigadores. Seguidamente, partilhou-se o link para o preenchimento do questionário e da escala através da rede social Facebook, da lista de contactos de e-mails pessoais e de palavra em palavra. Durante todo o processo foi garantido o anonimato e confidencialidade dos dados.

Criámos ainda um e-mail próprio para que os participantes durante o período de decorrência do estudo pudessem colocar dúvidas ou fazer sugestões. As respostas dadas aos instrumentos online, foram guardadas numa base de dados também online e posteriormente transferidas para a base de dados do programa SPSS 19.0 a fim de se realizar o tratamento estatístico.

 

Resultados

 

Sensibilidade

Para testar a sensibilidade da versão portuguesa da escala ISIS recorremos aos testes de assimetria e curtose. Os resultados destes dois testes para cada um dos itens e das dimensões obtidas para a versão portuguesa evidenciaram valores englobados no intervalo de -2 e 2, o que permite afirmar que a escala possui boa capacidade para discriminar os indivíduos face às dimensões que avalia (Tabela 1).

 

 

 

Validade

Inicialmente procedeu-se a uma análise fatorial confirmatória pois para (Laros, 2005) é o procedimento mais indicado quando se tem uma análise empírica anterior de um conjunto de dados diferente do conjunto atual ou quando existe uma teoria psicológica de apoio. Proceder à extração de fatores através do critério de Guttman-Kaiser gerou 17 fatores, não se confirmando a estrutura proposta no estudo original e revelando incongruência com as perspetivas teóricas conhecidas. Por outro lado, as cargas fatoriais de alguns dos fatores eram baixas, o que levava à eliminação de fatores, uma vez que os itens que os compunham tinham cargas fatoriais abaixo de 0,30. Desta forma, decidiu proceder-se a uma análise fatorial exploratória para deixar os dados falar por si (Laros, 2005) e utilizou-se o método de extração através do teste Scree de Cattel. Extraíram-se 5 fatores. O comportamento de alguns itens indicou baixas cargas fatoriais e portanto, optou-se por eliminar da análise todos os itens com cargas fatoriais abaixo de 0,30, por se considerar que este valor é o mínimo necessário para a variável ser um representante útil do fator. Além disso, outro critério pragmático para soluções fatoriais satisfatórias é que os fatores deveriam explicar uma percentagem significativa da variância total das variáveis (Laros, 2005). Como as comunalidades eram baixas (valores entre 0,10 e 0,30), menos variância era explicada. Optou-se também por eliminar os restantes itens baseados no critério de eliminar os itens com comunalidades abaixo de 0,50 (Filho & Junior, 2010) e procedeu-se como recomendado a nova análise (Laros, 2005).

O teste de Kaiser-Meyer-Olkin [KMO] indicou um valor excelente da adequabilidade da amostra (KMO=0.936) e o teste de esfericidade de Bartlett indicou que os dados eram passíveis de serem sujeitos à análise fatorial (p=.000). A tabela das comunalidades gerada indicou valores acima dos 0.50 estabelecidos como ideais. Da análise de extração de fatores com rotação Varimax, reduziram-se os dados a 5 fatores que compõe as 5 dimensões da escala de IEs e explicam 54.90% da variância. Estes fatores são compostos por itens apenas com carga fatorial acima de 0.40. Desta análise resultou que o fator I engloba os itens 20, 35, 57, 59, 58, 61, 65, 66 e 67 e explica 15,61% da variância. Este fator toma a designação de “Coping religioso e espiritual” que diz respeito à capacidade de transcender o Ego e o mundo material e de usar os recursos espirituais para lidar com os desafios, problemas e tarefas da vida quotidiana com vista ao melhoramento do funcionamento diário e aumento do bem-estar. O fator II reúne os itens 5, 34, 43, 48, 49, 50, 51, 56, 62 e 64 e explica 14,32% da variância. Este fator adquire a designação de “Consciência” e explica a capacidade de experienciar uma consciência ampla, transcendente e pacífica, que confere intuição e criatividade, e atua no sentido de expandir o autoconhecimento e as consciências das outras pessoas para melhorar o funcionamento diário e bem-estar. O fator III agrupa os itens 22, 24, 47, 55, 68, 69, 76 e 80 e explica 11,36% da variância. Este fator foi designado “Graça” e está relacionado com a capacidade de agradecer e reconhecer a beleza e harmonia subjacentes ao nosso Eu, ao outro, à natureza e aos eventos da vida diária, permitindo-nos uma visão da vida globalmente otimista para melhorar o funcionamento diário e bem-estar. O fator IV foi nomeado de “Significado” e diz respeito à capacidade de reagir à frustração e transcender o Ego para aceitar os acontecimentos e experiências de vida menos positivas com vista a melhorar o funcionamento diário e aumentar o bem-estar. Este fator engloba os itens 9, 33 e 46 e explica 6,92% da variância. O fator V foi designado de “Missão” e relaciona-se com a capacidade de encarar o trabalho ou profissão como um meio de servir um propósito maior. Este fator engloba os itens 38, 40 e 71 e explica 6,70% da variância. Para a denominação e descrição dos fatores foram tidos em consideração também aspetos teóricos e comparando a versão portuguesa com a versão americana depreende-se que a correspondência dos fatores entre ambas é apenas parcial como se pode verificar nas Tabelas 2 e 3. Devido aos procedimentos de análise de dados adotados a presente escala apresenta um número de itens significativamente reduzido comparativamente com a escala original.

 

 

 

 

 

Consistência interna

A análise da consistência interna da escala foi realizada em dois momentos. Uma primeira análise efetuada antes da realização da análise fatorial e englobou os 82 itens que constituem a escala original. O valor do alpha de Cronbach obtido foi de 0.92. Uma segunda análise foi realizada após a análise fatorial e consequente apuramento dos 5 fatores que constituem a versão portuguesa da escala ISIS. Nesta segunda análise o valor de alpha de Cronbach oscilou entre os 0.67 e 0.88 [“Coping religioso e espiritual” (0.88), “Consciência” (0.86), “Graça” (0.79), “Significado” (0.67) e “Missão” (0.68)] e a consistência interna do total da escala foi de 0.81.

A escala final ficou reduzida a 33 itens com acréscimo do item de segurança e fiabilidade de resposta incluído na versão original (“Respondi a todas as questões com sinceridade e de acordo com a minha capacidade”).

A Tabela 4 ilustra a organização final da escala após o estudo de validade e consistência interna.

 

 

 

Discussão

O estudo teve como principal objetivo estudar as propriedades psicométricas da versão portuguesa da escala ISIS, da autoria de Amram e Dryer (2008).

Os resultados obtidos evidenciam uma estrutura fatorial de 5 dimensões distintas e que no total explicam cerca de 54.85 % da variância. Os fatores considerados na escala de Inteligência Espiritual Integrada (EIEI), versão portuguesa, foram os seguintes: (I) “Coping religioso e espiritual”; (II) “Consciência”; (III) “Graça”; (IV) “Significado” e (V) “Missão”. Estas dimensões da IEs vão de encontro a uma conceptualização do potencial humano que se atualiza numa abordagem espiritual da realidade caracterizada por: (1) transcender o mundo material e recorrer à espiritualidade como estratégia adaptativa face à dor, aos problemas e desafios diários; (2) desenvolver uma consciência abrangente, criativa e intuitiva; (3) adquirir sentido de gratidão para com todos os seres vivos; (4) procurar encontrar sentido para as experiências e vivência no planeta; e (5) desenvolver sentido de missão.

Apesar de se identificar uma estrutura fatorial clara fica em questão se a mesma delimita o construto em causa uma vez que existe uma discrepância entre a estrutura fatorial apurada e a estrutura fatorial da versão americana. Os itens que compõem os fatores “Consciência” e “Graça” correspondem parcialmente aos itens dos fatores “Consciência” e“Graça” da versão americana. Os itens do fator “Significado” não correspondem ao fator “Significado”, mas correspondem parcialmente ao fator “Verdade” da versão americana. Optou-se por manter a designação “Significado” através de uma cuidadosa análise aos itens que compõem o fator da versão portuguesa. Os itens que constroem o fator “Coping religioso e espiritual” correspondem parcialmente a alguns itens do fator “Trancendência” da versão americana, no entanto por questões teóricas sobretudo relacionadas com a teoria de Emmons (2000) e após uma análise minuciosa aos itens que compõem o fator decidimos optar por esta designação. Os itens que compõem o fator “Missão” fazem parte do fator “Significado” da versão americana e compõem a subescala “Serviço” da versão americana. A escala ISIS teve como base da sua construção um estudo qualitativo e foi desenvolvida essencialmente para população cristã e/ou New Age, o que pode significar que o construto em causa possa ter características diferentes no nosso país. Segundo os Censos de 2011, Portugal é um país maioritariamente católico. No entanto também se pode perceber pelas estatísticas que tem vindo a diminuir o número de católicos e aumentar o número de pessoas sem religião ou com outras religiões diferentes (INE, 2014). Além disso, o movimento New Age é relativamente recente em Portugal ganhando mais visibilidade apenas a partir da década de 90 (Gomes, 2005). Por este motivo, consideramos que, em Portugal, existe a necessidade de se desenvolver um estudo qualitativo que se debruce sobre diferentes práticas religiosas para se poder construir uma escala que melhor se adeque ao nosso contexto cultural atual. Apesar de religião e IEs não serem sinónimos, a forma como se vive a espiritualidade, a familiaridade com conceitos e vivências espirituais altera-se de acordo com as religiões ou movimentos religiosos, ou está limitada se nem sequer existe uma vivência explícita ou consciente da espiritualidade. Deste modo podemos levantar a questão de que possa haver interferência dessas especificidades quando se trata de desenvolver um construto, medi-lo e avaliá-lo como o caso da IEs. Também as respostas obtidas no questionário poderão ter sofrido enviesamento por dificuldades na interpretação do conteúdo dos itens que usa linguagem muito específica e sobretudo muito voltada para o movimento New Age, bastante recente em Portugal. O facto do estudo ter sido desenvolvido online e de, segundo a professora Helena Vilaça (2005), o movimento New Age ser bastante atrativo para pessoas de classe média/média-alta (citado por Gomes, 2005), pode também ter tido alguma influência nos resultados da nossa investigação, pelo que futuramente será necessário estender o estudo a outras populações, diferentes estatutos socioeconómicos e realizá-lo noutros formatos. Seria também adequado ponderar a integração de uma nova escala de resposta, por exemplo, “Para mim a afirmação não faz sentido” com o intuito de evitar que as pessoas respondam quase que por obrigação a uma questão que integrada na sua vida espiritual e crenças não faça sentido.

Para que a escala possa ser utilizada com suficiente confiança ao nível da investigação em trabalhos futuros importa reconfirmar a estabilidade da estrutura fatorial obtida em nova amostra e obter dados de validação convergente e discriminante dos itens e das dimensões apuradas com outros constructos relevantes. A análise da estabilidade temporal da medida deverá também ser obtida. A confirmar-se a estrutura fatorial encontrada a versão portuguesa evidencia critérios de sensibilidade, conseguindo fazer uma boa discriminação dos sujeitos face às dimensões que avalia, de acordo com os procedimentos estatísticos utilizados. Apresenta também bons indicadores de fiabilidade, que variam entre 0.68 e 0.88, revelando boa consistência interna.

Por se tratar de um estudo sobre dados preliminares de validação de um novo instrumento para avaliação do conceito de inteligência espiritual – constructo controverso e não consensual – constitui um contributo relevante para uma análise crítica do mesmo, assim como se assume como ponto de partida para outras pesquisas na área da Inteligência Espiritual.

 

Referências

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Amram, Y. (2007). The seven dimensions of spiritual intelligence: An ecumenical grounded theory. Paper presented at the 115th Annual Conference of the American Psychological Association, San Francisco, CA, August. Retrieved from http://www.yosiamram.net/docs/7_Dimensions_of_SI_APA_confr_paper_Yosi_Amram.pdf

Amram, Y., & Dryer, C. (2008). The Integrated Spiritual Intelligence Scale (ISIS): Development and preliminary validation. Paper presented at the 116th Annual Conference of the American Psychological Association, Boston, MA. August 14-17. Retrieved from http://www.yosiamram.net/docs/ISIS_APA_Paper_Presentation_2008_08_17.pdf

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Diana Filipa Oliveira Jorge, Departamento de Psicologia e Educação da Universidade Educação, da Beira Interior, Rua Marquês D’Ávila e Bolama, 6201-001 Covilhã, Portugal. E-mail: E-mail: dianafoj@hotmail.com

 

Submissão: 25/11/2014 Aceitação: 03/05/2016

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