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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.34 no.4 Lisboa dez. 2016

https://doi.org/10.14417/ap.1100 

Versão Portuguesa da Escala de Perceção da Criança sobre os Conflitos Interparentais – Versão para crianças dos 7 aos 9 anos (EPCCI-C)

Ana Isabel Sani1, Telma Catarina Almeida2

1Departamento de Ciências Humanas e Sociais, FCHS da Universidade Fernando Pessoa

2Instituto Superior Ciências da Saúde Egas Moniz

Correspondência

 

RESUMO

As perceções da criança acerca dos conflitos interparentais constituem um importante fator mediador do impacto que estes têm no seu desenvolvimento, pelo que se torna crucial uma adequada avaliação. Neste artigo apresentamos a versão portuguesa da Escala de Perceção da Criança dos Conflitos Interparentais (EPCCI-C), cujo original designado por Children’s Perception of Interparental Conflict Scale for Young Children (CPIC-Y) foi desenvolvido por Grych em 2000. Esta escala de autorrelato tem como objetivo avaliar as perceções produzidas pelas crianças entre os sete e os nove anos de idade acerca dos conflitos entre os pais, tais como as características dos incidentes, a perceção de ameaça, de culpa e a representação sobre a relação pais-criança. Esta versão foi testada em contexto escolar com uma amostra de crianças do 1º ciclo de ensino básico e revelou boas qualidades psicométricas. Estas propriedades e outros elementos caracterizadores do instrumento são discutidos neste artigo.

Palavras-chave: Criança, Conflitos interparentais, Avaliação.

 

ABSTRACT

The perception of children about interparental conflicts are an important mediator of the impact of those conflicts in their development, therefore an appropriate assessment is essential. In this paper we present the Portuguese version of Children’s Perception of Interparental Conflict Scale for Young Children (CPIC-Y) originally introduced by Grych in 2000 – Escala de Perceção da Criança dos Conflitos Interparentais (EPCCI-C). The objective of this self-report scale is to assess the perception of children between seven and nine years old about interparental conflicts, namely the properties of the conflicts (frequency, intensity, resolution), threat, guilt, and parent-child relationship. This version was tested with a sample of children from primary education schools, revealing good psychometric qualities. These proprieties and the characteristics of the scale are discussed in more detail in this paper.

Key words: Children, Interparental conflict, Assessment.

 

Introdução

A exposição de crianças à violência entre os pais é um problema social de dimensão pública (Chaves & Sani, 2014; Sani, 2015; Sani & Almeida, 2011a), cuja visibilidade social surge através da investigação que se tem vindo a desenvolver nas últimas décadas (e.g., Carlson, 1984; Lourenço & Lisboa, 1992; Sani, 2011) e da evidência comprovada por muitos dos profissionais do terreno, que nos domínios público e privado da sua intervenção, têm alertado para o crescente número de casos de crianças que entram em contacto com diversos serviços (cf. APAV, 2014; SSI, 2015). Estes dados tornam evidente a pertinência de se avaliar este fenómeno de vitimação infantil e o seu o impacto, realçando a importância de, em termos metodológicos, partirmos da criança e da análise das perceções construídas por ela em torno destas experiências (Rooij, Schuur, Steketee, Mak, & Pels, 2015).

Existem diversos contextos, nos quais avaliar o impacto da vitimação em crianças se tem revelado de enorme importância. Além da escola e dos serviços de saúde, outro dos grandes contextos de contacto com crianças em situação de risco por exposição violência interparental é o sistema de justiça, surgindo aqui a avaliação como primordial para auxiliar os magistrados na melhor decisão que vise a promoção e proteção da criança (Gonçalves & Sani, 2015). A sua participação na justiça é conseguida, em muito, mediante a audição da mesma (Melo & Sani, 2015) e da avaliação a que por vezes esta está sujeita, através do envolvimento de peritos na realização relatórios forenses (Katz, 2014; Sani & Almeida, 2011b). Assim, há em determinados contextos uma necessidade de instrumentos que auxiliem na avaliação do impacto de certos fenómenos de vitimação infantil.

Na avaliação do fenómeno da exposição da criança aos conflitos interparentais há que ter em conta diversos fatores considerados mediadores do impacto (Overbeek, Schipper, Willemen, Lamers-Winkelman, & Schuengel, 2015; Sani, 2006a), que permitem perceber a variabilidade experiencial destas crianças, a qual se traduz em consequências diversas a curto médio e longo prazos (Almeida & Sani, 2014; Bedi & Goddard, 2007; Grasso et al., 2015; Sani, 2007). Entre estes fatores estão variáveis que apelam às construções cognitivas que cada criança elabora acerca dos conflitos violentos entre os pais (Grych & Fincham, 1990; Grych, Seid & Fincham, 1992; Jouriles, McDonald, Mueller, & Grych, 2013; Mendes & Sani, 2014, 2015) e que influenciam o seu ajustamento global.

Os estudos em Portugal sobre a violência interparental são ainda recentes, sendo escassa a investigação com populações dos sete aos nove anos de idade. Assim, atendendo à falta de instrumentos nacionais que avaliem o impacto dessa violência em crianças dos sete aos nove anos, tornou-se importante validar uma escala que permitisse avaliar a perceções destas crianças face ao conflito entre estes cuidadores primários. Neste sentido, neste artigo é apresentado o processo de validação de um instrumento de avaliação psicológica, destinado a crianças do 1º ciclo do ensino básico, que tenham experienciado conflitos violentos entre os pais. Este instrumento tem por base um modelo teórico de referência, segundo qual a compreensão do impacto dessa experiência por parte da criança, passa por considerar as avaliações que a criança faz baseadas na cognição e no afeto associados ao significado do stressor para o seu bem-estar.

 

Fundamentação teórica

A Escala de Perceção da Criança dos Conflitos Interparentais (EPCCI-C) é um instrumento de avaliação psicológica, cuja origem teórica se fundamenta no modelo cognitivo-contextual de Grych e Fincham (1990), segundo o qual o impacto sofrido pela exposição aos conflitos interparentais é influenciado pelo modo como esses conflitos se expressam e pelas interpretações que a criança elabora acerca dos mesmos. Perante os conflitos, a criança tende a interpretar os sinais específicos dos episódios desagradáveis, desencadeando através dessa significação, respostas emocionais e cognitivas. A criança elabora a partir dessa interpretação uma resposta de coping subjacente, quer à sua resposta afetiva, quer ao seu esforço cognitivo na perceção da violência entre os pais. Deste modo, as suas emoções e as cognições encontram-se em processo dinâmico, potenciando uma resposta por parte da criança (Grych & Cardoza-Fernandes, 2001).

Segundo este modelo (cf. Figura 1), perante a exposição à violência interparental, a criança começa por avaliar o nível de ameaça ocasionado pelo conflito (processamento primário), depois procura compreender a razão da sua ocorrência (processamento secundário) e decide como responder ao evento (coping) (Grych, 1998; Grych & Fincham, 1990). O processamento primário é influenciado pelas características do conflito (frequência, intensidade, conteúdo e resolução). Se os conflitos familiares forem frequentes, intensos, não resolvidos e centrados na criança, poderão ocasionar efeitos mais negativos (Iraurgi, Martínez-Pampliega, Iriarte, & Sanz, 2011) e maior perceção de ameaça (Grych & Fincham, 1990). Na fase do processamento secundário, a criança forma significados referentes à culpa, à estabilidade da causa e à eficácia das estratégias de coping. A perceção de culpa por parte da criança remete para a sua responsabilização face ao episódio de conflito entre os pais, sendo tanto maior se os conteúdos dos conflitos estiverem relacionados com a criança, aumentando assim, a sua perceção de vergonha. A perceção de estabilidade causal por parte da criança, remete para a causalidade do episódio de conflito, que percebido como estável, poderá proporcionar-lhe níveis de maior stress negativo, na medida em que a estabilidade do processo levanta a possibilidade dos conflitos não cessarem. A perceção da criança face às suas estratégias de coping pode apoiar a crença desta ser ou não capaz de lidar eficazmente com os conflitos entre os progenitores (Grych & Fincham, 1990). A avaliação efetuada pela criança pode ainda perdurar após a cessação do conflito entre os pais, uma vez que os pensamentos sobre o evento tendem a permanecer, produzindo uma nova compreensão acerca do episódio de conflito (Grych & Cardoza-Fernandes, 2001).

 

 

A EPCCI-C é uma das escalas que tem por base o modelo apresentado, o qual tem sido testado em vários estudos (e.g., Grych, Fincham, Jouriles, & McDonald, 2000; Grych, Seid, & Fincham, 1992; Iraurgi et al., 2011; McDonald & Grych, 2006) e fundamentado a construção de instrumentos de avaliação (e.g., CPIC, CPIC-Y), que auxiliam na avaliação do impacto da exposição à violência interparental ao considerar diversas variáveis mediadoras. No estudo de Grych, Seid e Fincham (1992) os autores mostram como as interpretações da criança sobre os conflitos entre os progenitores são importantes para a compreensão do seu impacto. A representação construída acerca das causas dos conflitos pode ser adaptativa, aumentando a sua capacidade em prever novos episódios, antecipar comportamentos e responder de forma eficaz aos mesmos. No entanto, outro tipo de atribuições podem contribuir para os seus níveis de stress. Por exemplo, devido a interpretações cognitivas construídas no decurso do processo de vitimação (Grych & Fincham, 1990; Grych, Fincham, Jouriles, & McDonald, 2000), a criança pode desenvolver um sentimento de responsabilização, que lhe induz elevados níveis de culpa e ameaça, que podem traduzir-se em sintomatologia depressiva, de ansiedade e baixa autoestima (Grych et al., 1992). Por sua vez, a resolução construtiva dos conflitos por parte dos progenitores pode funcionar como uma experiência positiva para a criança, criando em si a expetativa de resolução satisfatória dos conflitos interpessoais (Grych, 1998).

A EPCCI-C resulta da tradução da Children’s Perception of Interparental Conflict Scale for Young Children (CPIC-Y) que foi construída para avaliar como as crianças mais novas entre os 7 e os 9 anos percecionam os conflitos entre os pais (McDonald & Grych, 2006), dado não existir nenhum instrumentos para esta faixa etária e se considerar que a idade é das variáveis mais citadas na literatura como podendo explicar algumas das diferenças individuais encontradas ao nível do impacto (Cummings & Davies, 1994; Grych, 1998; Jouriles, Spiller, Stephens, McDonald, & Swank, 2000). Refere a literatura que, atendendo às questões desenvolvimentais, as crianças mais novas tendem a perceber os conflitos de forma diferente das crianças mais velhas, podendo estas diferenças dever-se ao modo como compreendem aspetos mais complexos (Miller & Aloise, 1989 as cited in Grych, 1998) e que influenciam as suas interpretações sobre os conflitos interparentais e a forma como os resolvem (Grych, 1998). Segundo Grych e Fincham (1990) as crianças mais novas não têm, ainda, estruturados os processos cognitivos sofisticados que lhes permitam utilizar uma avaliação eficaz das estratégias de coping. O comportamento das crianças mais novas é mais influenciado por processos primários (identificação de ameaça), dando por isso lugar a respostas menos eficazes. As crianças mais novas fazem uma maior autoatribuição de culpa (evidenciam mais egocentrismo) e exibem maior perceção de ameaça face a situações de adversidade (utilizam mais a ideia da catástrofe), criando cognições mais disfuncionais comparativamente com as crianças mais velhas (Grych, 1998; Jouriles et al., 2000). Por sua vez, as crianças mais velhas utilizam mais processos de resposta secundários (avaliação dos acontecimentos) utilizando respostas tendencionalmente mais elaboradas e eficazes (Grych & Fincham, 1990) e evidenciando também maior capacidade de regulação emocional (Margolin & Gordis, 2000).

A EPCCI-C surge assim da adaptação da Children’s Perceptions of Interparental Conflict (CPIC1) que foi o primeiro instrumento construído por Grych, Seid e Fincham em 1992. Na versão original a CPIC-Y apresenta um tamanho mais reduzido que a CPIC, com apenas 22 itens, aos quais foram acrescentados 12 referentes à relação pais-filhos, de modo a ampliar-se as questões de foco e tornar a medida menos redundante ou monótona quando fosse preenchida por crianças mais novas (McDonald & Grych, 2006). Importa referir que estes 12 itens não foram usados na validação do instrumento, uma vez que não podem ser concebidos como indicadores das perceções da criança sobre os conflitos interparentais.

Para esta nova versão, os autores procederam ainda a uma simplificação da linguagem utilizada na primeira versão do instrumento (encurtando frases e o número de palavras multisilábicas, enfatizando a voz ativa e não a passiva e eliminando a dupla negativa), e alteraram também o estilo de resposta (passando de uma escala de likert para uma escala de resposta dicotómica) (McDonald & Grych, 2006).

Passemos então à apresentação do estudo português que pretendeu a validação da Escala de Perceção da Criança sobre os Conflitos Interparentais (EPCCI-C). A versão original da CPIC-Y foi validada com uma amostra de 179 crianças entre os 7 os 9 anos de idade, tendo revelado um nível de consistência interna satisfatório e a determinação de três subescalas (propriedades do conflito, ameaça e culpa) e uma outra dimensão referente à relação pais-filhos que não entrou para a análise fatorial da escala original (McDonald & Grych, 2006).

 

ESTUDO PORTUGUÊS DE VALIDAÇÃO DA EPCCI-C

 

Método

 

Participantes

Neste estudo de validação com uma amostra portuguesa, participaram apenas crianças que em algum momento das suas vidas tivessem vivido com ambas as figuras parentais, assegurando a existência de uma relação entre pais e filhos. Assim, a amostra constituiu 765 crianças do 1º ciclo de escolas públicas (73%) e privadas (27%) do norte e centro do país, das quais 395 eram do sexo masculino e 370 do sexo feminino. Desta amostra, 197 crianças tinham 7 anos de idade (25.8%), 263 crianças tinham 8 (34.4%) e 305 tinham 9 anos (39.9%) (Tabela 1).

 

 

Da análise da Tabela 1 verifica-se que os valores se encontram aproximados em termos de frequência para as variáveis sexo e ano de escolaridade. Verifica-se ainda, que a maior parte das crianças desta amostra tem irmãos (80.8%).

 

Instrumento

A EPCCI-C (versão portuguesa) resultou de um trabalho prévio de tradução e retroversão, que respeitou quer a estrutura quer a ordem dos itens. Primeiramente foi realizada a tradução por um dos investigadores bilingue e posteriormente, a retroversão foi feita por um elemento externo à investigação também bilingue e com conhecimentos na área da psicologia. Comparadas as duas versões chegou-se à construção de uma versão final para investigação, tendo-se avançado para a realização de um pré-teste do instrumento.

A aplicação do instrumento pode ser efetuada em grupo ou de forma individual. É importante enfatizar junto das crianças a não existência de respostas certas ou erradas. Uma vez que a escala visa uma administração em crianças muito novas, é aconselhável a leitura em voz alta por parte do investigador, à medida que estas vão respondendo. Este procedimento pretende assegurar o esclarecimento de dúvidas no imediato.

A administração demora cerca de 45 minutos para os casos de aplicação em grupo, uma vez que o eventual esclarecimento de dúvidas pode tornar este processo mais demorado e cerca de 20 minutos para os casos de administração individual. O sistema de cotação é efetuado pontuando com 0 para cada resposta negativa (“Não”) e pontuando com 1 cada resposta positiva (“Sim”), à exceção dos itens 1, 6 e 34 (versão original) cuja cotação é invertida.

 

Procedimentos

Obtida a autorização por parte dos autores da escala e construída a versão para investigação, procedeu-se ao contacto com instituições de ensino (agrupamentos e escolas do 1º ciclo do ensino básico) com o objetivo de termos a autorização das mesmas para a participação de alunos neste estudo. Após a obtenção da autorização dos agrupamentos e das escolas e do consentimento dos progenitores e das crianças, procedeu-se à administração do instrumento, o qual foi realizado em grupo no contexto de sala de aula. A aplicação demorou cerca de 45 minutos, uma vez que houve esclarecimento de dúvidas.

Importa ainda referir que não houve qualquer compensação económica aos participantes desta investigação, sendo estes informados acerca do caráter anónimo, confidencial e voluntário da sua participação. O período de administração da escala decorreu entre outubro de 2008 e maio de 2009, tendo o processo sido concluído em 2010/11.

Os instrumentos foram minuciosamente cotados, de forma a garantir a validade dos resultados. De modo a proceder à adaptação do instrumento à população portuguesa foram realizadas análises quantitativas e qualitativas aos itens da escala. As primeiras análises, com vista à averiguação das qualidades psicométricas da escala foram efetuadas por meio do programa informático Statistical Package from Social Sciences (SPSS).

 

Resultados

As análises quantitativas do instrumento permitiram concluir que a versão portuguesa da escala constitui, no geral, itens com qualidades psicométricas satisfatórias. Assim, e em termos da análise da precisão da EPCCI-C, recorreu-se ao cálculo da consistência interna através do coeficiente alpha de Cronbach, valor obtido a partir da média das intercorrelações entre os itens da escala. Os resultados obtidos usando os 22 itens da escala referentes às apreciações que a criança faz dos conflitos entre os pais apontam para um valor de alpha de .79, que é considerado aceitável (Maroco & Garcia-Marques, 2006) (Tabela 2).

 

 

Na análise do poder discriminativo considerando os 22 itens, verificou-se que à semelhança do estudo original, o item 23 cotou com um valor muito baixo e negativo de -.096 (alpha de Cronbach=0.786). A retirada do item 23 conduz a mudanças consideráveis no valor do coeficiente alfa de Cronbach. Neste sentido procedeu-se à retirada do item 23 (“Os desentendimentos dos meus pais são sobre problemas de adultos.”) obtendo-se um valor final do alfa de Cronbach de .80 para 21 itens.

Para apurar a validade de constructo foi verificado o coeficiente Kaiser-Mayer-Olkin (KMO), que compara correlações simples com correlações parciais observadas nas variáveis, o qual apontou um valor de .83. O teste de esfericidade de Bartlett apresentou um nível de significância inferior a p<.001, apontando para a existência de correlações entre as variáveis e o valor do teste de qui-quadrado de 3901.498 (df=210; p=.000). Tendo por base estes resultados avançou-se para uma análise fatorial.

Perante a necessidade de aprofundar o estudo das propriedades psicométricas do instrumento, recorreu-se à Análise Fatorial Confirmatória dos 21 itens para testar três possíveis soluções: A. Um modelo de base que sugere itens não correlacionados; B. Uma solução fatorial que indique que a criança não consegue distinguir as suas reações subjetivas ao conflito interparental da natureza do conflito em si; C. Uma solução de três fatores semelhantes às dimensões encontradas no fator de análises do CPIC original. Os itens são especificados como variáveis dicotómicas e utilizou-se um procedimento de estimação dos mínimos quadrados usando uma matriz de peso diagonal com erros padrão robustos e estatística qui-quadrado significado e ajustou-variância, utilizando software AMOS IBM SPSS (versão 23).

Para testar a solução A de um só fator, especificou-se cada item como um indicador de um único fator. Porém, o modelo de base sugere a existência de alguma estrutura subjacente χ2=1366,261 (df210; n=765); p=0.000. A relação entre os graus de liberdade e o qui-quadrado (χ2/df=6.506) não é a desejável (>5). Este modelo não é considerado aceitável dado que o índice de qualidade do ajustamento (GFI) é de 0.853. Embora com a raiz quadrada média residual RMR seja de 0.048 (p<.05), a raiz da média dos quadrados dos erros de aproximação RMSEA é de 0.079 (p>.05), o que coloca em causa a bondade do modelo na população.

A análise de acordo com a solução B que considera quatro fatores, dado que inclui os itens referentes ao relacionamento da criança com o pai e com a mãe, não foi considerado um modelo aceitável (RMR=.0691).

Para testar a solução C de três fatores foi utilizada a estrutura fatorial original da CPIC, tal como no estudo de validação da CPIC-Y (McDonald & Grych, 2006). Assim, os itens derivados da escala CPIC “Propriedades conflito” original foram especificados como indicadores do primeiro fator, os itens derivados da escala original “Ameaça” foram especificados como indicadores do segundo fator, e os itens derivados da escala de “Culpa/culpabilização” original foram especificados como indicadores da terceiro fator. O modelo surge como aceitável, apresentando os seguintes valores: χ2=572.797 (df 186; n=765); p=0.000. A relação entre os graus de liberdade e o qui-quadrado (χ2/df=3.080 é aceitável. O GFI=0.938, a RMR=0.012 e a RMSEA=0.048 apresentam ambas um valor considerado ótimo.

O modelo de medida do CPIC-Y submetido à análise fatorial confirmatória (cf. Figura 2) é idêntico ao modelo de medida proposto pelos autores da versão original do instrumento (McDonald & Grych, 2006), ou seja, requereu-se a existência de três fatores (F1 – Propriedades do conflito, F2 – Ameaça e F3 – Culpabilização), constituído cada um pelos seguintes itens: F1 – itens 1, 3, 4, 6, 8, 12, 14, 18, 21, 26 e 34; F2 – itens 11, 15, 20, 29, 32 e 34; e F3 – itens 9, 17, 23, 27 e 31).

 

A Análise Fatorial Confirmatória revelou um bom ajustamento do modelo de medida constituído pelos três fatores, cujos pesos de regressão estandardizados podem ser observados na Tabela 3.

 

 

As covariâncias entre os fatores latentes têm um p-value a 1% (Propriedades do conflito – ameaça .020; conflito – culpabilização .015; ameaça – culpabilização .013).

Os resultados apresentados foram baseados numa única amostra (isto é, não há amostras de replicação ou de validação cruzada). A análise de fatores indica claramente que as crianças de 7 a 9 anos de idade fazem as mesmas distinções básicas tal como as crianças mais velhas (do estudo original com a CPIC) na forma como expressam o conflito, a experiência de ameaça e as perceções de culpabilização quando observam conflitos entre os progenitores.

Como referido previamente, o índice de fidelidade da EPCCI-C é de 80% para 21 itens. A análise dos índices de dificuldade da EPCCI-C em estudo mostra que as subescalas apresentam um grau de dificuldade entre 0.79 e 0.70, tal como se verifica na Tabela 4. A dificuldade média dos itens nas três dimensões foi, respetivamente de 0.788, 0.793 e 0.704.

 

 

A EPCCI-C apresenta assim fatores de cotação individual, não existindo nesta escala um score total. Deste modo, cada subescala pode ser administrada de forma independente.

 

Discussão

Os itens da EPCCI-C encontram-se distribuídos por quatro dimensões: propriedades do conflito (11 itens), ameaça (6 itens), culpabilização (4 itens) e relação pais-filho (12 itens), tendo sido mantidas após análises realizadas as denominações apresentadas na versão original (McDonald & Grych, 2006). Neste sentido, a cotação do fator propriedades do conflito tem como valor máximo “11”, a cotação do fator ameaça tem como pontuação máxima o valor “6”, do fator culpabilização tem como valor máximo “4” e a do fator relação pais-filhos tem como valor máximo “12”, permitindo ainda a distinção entre relação pai-filho e mãe-filho.

Uma pontuação elevada nos fatores propriedades do conflito, ameaça e culpa pressupõe existência de problemática e uma pontuação elevada no fator relação pais-filhos significa existência de fatores protetores.

Para além da avaliação quantitativa, a escala pode ser ainda utilizada como forma de avaliação também qualitativa, identificando problemáticas associadas à perceção da criança face aos conflitos interparentais. A escala não possui normas, podendo no entanto, utilizar pontos intermédios do valor total possível para cada um dos fatores avaliados no instrumento. Deste modo, poderá aferir-se acerca da perceção da criança face às propriedades dos conflitos interparentais, de ameaça, culpa e relação mantida com cada um dos progenitores.

A literatura revela que a perceção das crianças aos conflitos interparentais pode estar na base do desenvolvimento de problemas de internalização e de externalização destas (Sani, 2007; Shen, 2009). O modelo cognitivo-contextual de Grych e Fincham (1990), que fundamenta teoricamente este instrumento, conceptualiza a importância das perceções da criança acerca dos conflitos interparentais como um fator crucial para o impacto que estes têm no seu desenvolvimento. Neste sentido, a construção da EPCCI-C, tendo por base esta linha teórica, vem destacar a perceção das crianças aos conflitos interparentais como um importante agente para o desenvolvimento do menor. A EPCCI-C fornece informação sobre a perceção de culpa face aos conflitos interparentais por parte da criança, a sua perceção de ameaça e também da sua perceção face à relação que a esta mantém com cada um dos progenitores.

A utilização da EPCCI-C permite a avaliação quantitativa da problemática em crianças em idade escolar mais novas, compreendendo a sua perceção ao nível dos conflitos entre os pais, a sua perceção de culpa e ameaça nos mesmos e da relação entre pais e filhos. Faculta deste modo, uma ampla visão do sistema familiar, sob o ponto de vista de crianças dos 7 anos 9 anos de idade. Esta é uma escala de fácil administração, mostrando-se bastante útil na utilização com crianças em idade escolar. Adicionalmente, a EPCCI-C apresenta qualidades psicométricas satisfatórias.

Quanto às limitações, há desde logo um constrangimento neste instrumento que se prende com a ausência de normas que permitam uma avaliação mais rigorosa dos resultados, nomeadamente, a falta de ponto de corte em cada um dos fatores. Apesar da faixa etária testada para este estudo ter sido com idades muito próximas, a literatura refere a existência de diferenças nas perceções em função da idade e outras variáveis como o sexo, que poderão ser também analisadas para efeitos de obtenção de normas.

Outra das limitações é o facto de a escala não medir a intensidade e a frequência dos conflitos entre os pais, fatores relevantes para a avaliação do impacto, mas de difícil operacionalização com crianças muito novas. Tal implicaria abandonar o formato dicotómico, que embora permita uma fácil aplicação, sugere sempre existência de uma resposta com valores extremos e não permite estimar uma certa variação nas respostas dos sujeitos.

A temática abordada pela EPCCI-C toca em aspetos algo sensíveis, impondo por isso especiais cuidados na concretização dos estudos, designadamente pela idade muito jovem dos participantes. Importa ainda, basear a recolha no uso complementar de outras técnicas, aquando da aplicação do instrumento, como seja a da observação, tanto mais, que estando as crianças pouco habituadas a participações do género, possam facilmente saturar da tarefa. Neste sentido e referindo-nos também ao guião do instrumento, apesar deste se mostrar capaz de explorar o que é pretendido, o mesmo evidencia ser extenso para crianças destas idades.

Em suma, não obstante o esforço que se reflete em todo o trabalho para obtenção de uma versão portuguesa da CPIC-Y (original), sugere-se para estudos futuros com a EPCCI-C que possa considerar-se os vários aspetos discutidos neste artigo, entre eles proceder-se a uma identificação do ponto de corte para cada um dos fatores avaliados pelo instrumento, permitindo assim, uma avaliação mais rigorosa dos resultados.

 

Referências

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Isabel Sani, Departamento de Ciências Humanas e Sociais, FCHS da Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de Abril, 349 4249-004 Porto Portugal. E-mail: anasani@ufp.edu.pt

 

Este trabalho foi promovido no âmbito Projeto de Doutoramento intitulado: “A percepção das crianças em sobre os conflitos interparentais: Impacto no desenvolvimento em idade escolar”, com bolsa concedida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com a referência SFRH/BD/38391/2007

 

Submissão: 04/07/2015 Aceitação: 18/03/2016

 

NOTES

1 A CPIC é uma escala de autorrelato, que pretende avaliar a perceção dos conflitos entre os pais em crianças a partir dos 10 anos de idade, sendo a mesma composta por 48 itens. Esta escala foi traduzida e validada para a população portuguesa por Sani em 2003 (cf. Sani, 2006b).

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