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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020
Aná. Psicológica vol.35 no.2 Lisboa jun. 2017
https://doi.org/10.14417/ap.1287
Avaliação breve da psicossintomatologia: Análise fatorial confirmatória da versão portuguesa do Brief Symptom Inventory 18 (BSI 18)
Bárbara Nazaré1, Marco Pereira2, Maria Cristina Canavarro2
1Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
2Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
RESUMO
O Brief Symptom Inventory 18 (BSI 18), originalmente desenvolvido por Derogatis em 2001, constitui um instrumento de rastreio do distress psicológico aplicável a populações comunitárias e clínicas. Os respondentes devem avaliar a intensidade (de 0 – Nada a 4 – Extremamente) com que, nos últimos sete dias, experienciaram dezoito manifestações de psicossintomatologia. Este trabalho pretendeu avaliar o comportamento psicométrico da versão portuguesa do BSI 18, procedendo ao estudo da sua estrutura fatorial, validade e fidelidade. A amostra incluiu dois grupos: comunitário, composto por 184 adultos da população geral; e clínico, composto por 141 adultos com diagnósticos psiquiátricos atualmente a receber acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. Os participantes responderam a quatro questionários: BSI 18, Inventário Depressivo de Beck, Escala de Autoavaliação de Ansiedade de Zung e Brief COPE. Setenta e seis participantes voltaram a responder ao BSI 18 cerca de quatro semanas após a primeira avaliação. Através de análises fatoriais confirmatórias, foram testados diversos modelos apresentados na literatura. Foi adotado um modelo de primeira ordem de três dimensões: Somatização (manifestações dos sistemas regulados automaticamente, como o gastrointestinal e o cardiovascular), Depressão (sintomas nucleares das perturbações depressivas, como humor disfórico, anedonia, desesperança e ideação suicida) e Ansiedade (sintomas indicativos de estados de pânico, como nervosismo, tensão, agitação motora e apreensão). O BSI 18 apresentou bons níveis de validade (construto, convergente, discriminante e de critério com base na diferenciação de grupos) e de fidelidade (consistência interna e consistência temporal). Assim, constitui um instrumento passível de ser utilizado em contexto clínico e de investigação.
Palavras-chave: Brief Symptom Inventory 18, Características psicométricas, Distress psicológico.
ABSTRACT
The Brief Symptom Inventory 18 (BSI 18), originally developed by Derogatis in 2001, is a questionnaire which aims to screen for psychological distress among community and clinical populations. People are asked to assess the intensity (from 0 – Not at all to 4 – Extremely) with which, in the last seven days, they have experienced eighteen manifestations of psychological distress. In the present study, we conducted the psychometric studies of the Portuguese version of the BSI 18, focusing on its factorial structure, validity, and reliability. The sample included two groups: a community group, which was comprised of 184 adults from the general population; and a clinical group, which was comprised of 141 adults with psychiatric diagnoses currently receiving psychological and/or psychiatric treatment. Participants answered four questionnaires: the BSI 18, the Beck Depression Inventory, the Zung Self-Rating Anxiety Scale, and the Brief COPE. Seventy-six participants answered the BSI 18 again, about four weeks after the first assessment. Confirmatory factor analyses were run in order to test several models presented in previous studies. We selected a first-order model with three dimensions: Somatization (manifestations of the automatically regulated systems, such as the gastrointestinal and cardiovascular systems), Depression (core symptoms of depressive disorders, such as dysphoric mood, anhedonia, hopelessness, and suicidal ideation), and Anxiety (symptoms indicating panic, such as nervousness, tension, restlessness, and apprehension). The BSI 18 was shown to have good validity (construct, convergent, discriminant, and criterion based on group differentiation) and reliability (internal consistency and temporal reliability). Considering this, the BSI 18 is useful in clinical and in research contexts.
Key words: Brief Symptom Inventory 18, Psychometric properties, Psychological distress.
Em 2010 e a nível mundial, a perturbação depressiva major e as perturbações ansiosas estiveram entre as maiores causadoras de anos vividos com incapacidade: ocuparam, respetivamente, a segunda e a sétima posições entre todas as doenças, e a primeira e a segunda posições entre as doenças psiquiátricas (Vos et al., 2012). De acordo com estes autores, os anos vividos com incapacidade são um índice calculado com base na prevalência e no grau de perda de saúde associados às sequelas de uma dada doença, constituindo um dos parâmetros utilizados para estimar a carga de uma doença. Face ao acentuado impacto negativo destas perturbações psiquiátricas, frequentemente subdiagnosticadas (Derogatis, 2001; Sorsdahl et al., 2013; Vermani, Marcus, & Katzman, 2011), é fundamental identificar as pessoas que apresentam psicossintomatologia clinicamente significativa. Esta medida potencia a intervenção precoce, a qual se traduz na diminuição de custos e na melhoria da qualidade dos cuidados de saúde (Derogatis, 2001). Pelo contrário, a não-identificação das pessoas que apresentam risco significativo de manifestar estas perturbações psiquiátricas priva-as de receber tratamento adequado, exacerbando a carga destas doenças (Vermani et al., 2011). Nesta tarefa de identificação, um instrumento de avaliação psicológica breve e fácil de preencher e de cotar constitui uma ferramenta fundamental. Assim, o presente estudo teve por objetivo adaptar para português o Brief Symptom Inventory 18 (BSI 18), um questionário de rastreio da psicossintomatologia depressiva, ansiosa e somatoforme.
Desenvolvimento do BSI 18
O BSI 18 foi desenvolvido em 2001 por Derogatis para avaliar a psicossintomatologia experienciada pela pessoa nos últimos sete dias, aplicando-se a populações comunitárias e clínicas. Como a sua designação indica, este questionário é composto por 18 itens (ver Quadro 1), os quais foram retirados de dois questionários mais longos desenvolvidos pelo mesmo autor: o Brief Symptom Inventory (BSI, com 53 itens; Derogatis, 1993) e o Symptom Checklist-90-Revised (SCL-90-R, com 90 itens; Derogatis, 1994). As correlações muito elevadas que se verificaram entre as pontuações obtidas no BSI 18 e no SCL-90-R (.91-.96) numa amostra comunitária (Derogatis, 2001) e entre o BSI 18 e o BSI (.98) numa amostra de grávidas (Sheikh, Johnson, Mulekar, Crichley, & Scott, 2006) atestam que o primeiro instrumento é tão eficaz como os mais longos na avaliação da psicossintomatologia.
Na seleção das subescalas a incluir no BSI 18, Derogatis (2001) teve em conta que a grande maioria das perturbações psiquiátricas nas populações comunitárias e clínicas é de natureza ansiosa e/ou depressiva e que as perturbações psiquiátricas menos prevalentes (e.g., esquizofrenia) se associam frequentemente a sintomatologia depressiva, ansiosa e somatoforme. Assim, o BSI 18 é composto por três subescalas representadas de forma equitativa (i.e., Somatização, Depressão e Ansiedade, com seis itens cada), cujos itens foram selecionados tendo por base a prevalência dos sintomas representados, as características descritivas e os valores de saturação nas análises fatoriais realizadas no BSI e no SCL-90-R. A subescala Somatização avalia o distress associado a manifestações dos sistemas regulados automaticamente (e.g., gastrointestinal, cardiovascular). A subescala Depressão foca os sintomas nucleares das perturbações depressivas (e.g., humor disfórico, anedonia, desesperança, ideação suicida). Por fim, a subescala Ansiedade inclui sintomas indicativos de estados de pânico (e.g., nervosismo, tensão, agitação motora, apreensão). Somando a pontuação dos dezoito itens, obtém-se o Índice de Gravidade Global (IGG), que corresponde ao nível geral de distress psicológico da pessoa (Derogatis, 2001). Dadas as cinco alternativas da escala de resposta, que oscilam entre 0 (Nada) e 4 (Extremamente), pontuações mais elevadas refletem psicossintomatologia mais intensa.
Estrutura fatorial do BSI 18
O primeiro estudo que explorou a estrutura fatorial do BSI 18 foi realizado por Derogatis (2001) numa amostra comunitária. Da análise de componentes principais (ACP), resultou uma estrutura de quatro fatores (ver Quadro 1): enquanto as subescalas Somatização e Depressão se organizaram nos seis itens teoricamente associados a cada uma delas, a subescala Ansiedade dividiu-se em dois fatores. No primeiro fator, quatro itens apresentaram valores de saturação elevados (>.50), com dois deles a saturar também no segundo fator; no segundo fator, saturaram três itens da subescala Ansiedade. Com base no conteúdo dos itens do último fator (ver Quadro 1), Derogatis considerou que este representava sintomatologia de pânico, constituindo, a nível conceptual, um componente da ansiedade clínica. Embora reconhecendo que, para efeitos de diagnóstico, a sintomatologia de pânico pode constituir um fenómeno clínico específico, Derogatis defende a utilização da estrutura de três fatores originalmente proposta, atendendo ao objetivo do BSI 18 (i.e., constituir um instrumento de rastreio do distress psicológico).
A estrutura fatorial do BSI 18 foi investigada numa amostra clínica (i.e., doentes oncológicos) pela primeira vez por Zabora et al. (2001). Com base numa ACP, os autores obtiveram uma estrutura de quatro fatores (ver Quadro 1): enquanto os três primeiros foram quase sobreponíveis aos do modelo teórico de Derogatis (2001), o último fator incluiu apenas o item referente à ideação suicida (com dois itens da subescala Ansiedade a apresentar valores de saturação de .35 e .38). Embora Zabora et al. (2001) tenham considerado que os seus dados apoiavam a estrutura fatorial identificada na ACP de Derogatis (2001), alguns autores questionaram esta interpretação, considerando que estes resultados sustentam o modelo teórico do BSI 18 (Galdón et al., 2008).
A primeira investigação a explorar a estrutura fatorial do BSI 18 numa amostra não-americana recrutou um grupo de mulheres da América Latina residente nos Estados Unidos da América (EUA; Prelow, Weaver, Swenson, & Bowman, 2005). Foi realizada uma análise fatorial exploratória (AFE), de que resultou uma estrutura de um fator (ver Quadro 1). Segundo os autores, esta especificidade poderá resultar de fatores ecoculturais (e.g., nível socioeconómico, aculturação e comportamentos culturais específicos). De forma congruente, este resultado foi replicado num estudo com imigrantes e refugiados da América Central residentes nos EUA, no qual se recorreu à ACP (Asner-Self, Schreiber, & Marotta, 2006).
Recklitis et al. (2006) recorreram à AFE para avaliar a estrutura fatorial do BSI 18 numa amostra de adultos sobreviventes de doença oncológica. A AFE originou uma estrutura de três fatores correspondente ao modelo teórico (ver Quadro 1) e, quando se forçou a extração de quatro fatores, resultou numa estrutura sobreponível à apresentada por Derogatis (2001). Também Franke et al. (2011) obtiveram resultados consistentes com o modelo teórico, ao realizar uma AFE numa amostra alemã de doentes psiquiátricos com acompanhamento psicológico.
A diversidade de estruturas fatoriais resultantes de procedimentos estatísticos exploratórios (ver Quadro 1) resultou na necessidade de avaliar e comparar o ajustamento dos diversos modelos, o que foi feito em diversos estudos através de análises fatoriais confirmatórias (AFC). A maioria dos estudos evidencia os baixos níveis de ajustamento do modelo de um fator (Galdón et al., 2008; Petkus et al., 2010; Recklitis et al., 2006; Wang et al., 2010; Wiesner et al., 2010). Constituindo uma exceção, Prelow et al. (2005), ao comparar a estrutura de um fator com o modelo teórico de Derogatis (2001) numa amostra de mulheres da América Latina, constataram que ambos os modelos foram igualmente adequados, tendo selecionado a estrutura de um fator, com base na parcimónia e nas elevadas correlações entre os três fatores, que interpretaram como um indicador de sobreposição conceptual. Fundamentando-se neste último critério, Torres, Miller e Moore (2013) fizeram a mesma opção no seu estudo com participantes de ascendência mexicana, apesar de o modelo teórico se ter apresentado como mais adequado do que o de um fator na amostra total e na maioria dos grupos (e.g., considerando o género e a nacionalidade). Atendendo ao facto de, num grupo de mulheres hispânicas, se ter verificado dependência linear entre alguns dos fatores, Wiesner et al. (2010) concluem que, para este grupo étnico, os três fatores parecem não se diferenciar.
Ao comparar os modelos de três e quatro fatores, alguns autores não têm verificado diferenças nos seus níveis de ajustamento (Durá et al., 2006; Recklitis et al., 2006; Wang, Kelly, Liu, Zhang, & Hao, 2013; Wiesner et al., 2010) ou têm identificado o primeiro como melhor (Galdón et al., 2008; Houghton et al., 2012). Em ambos os casos, a preferência recai no modelo de três fatores, com base na parcimónia (Durá et al., 2006; Galdón et al., 2008; Recklitis et al., 2006; Wang et al., 2013; Wiesner et al., 2010), na facilidade de interpretação (Recklitis et al., 2006), na sobreposição ao modelo teórico (Recklitis et al., 2006), na consistência interna das subescalas (Durá et al., 2006) e na significância prática dos três fatores, atendendo ao facto de o BSI 18 não ter por objetivo distinguir os subtipos de ansiedade (Durá et al., 2006; Recklitis et al., 2006; Wang et al., 2013). Baseando-se nalguns destes critérios, Petkus et al. (2010) e Wang et al. (2010) selecionaram o modelo de três fatores, embora o de quatro fatores tenha apresentado níveis de ajustamento ligeiramente superiores. Já Andreu et al. (2008) optaram pelo modelo de quatro fatores resultante da ACP de Derogatis (2001), visto este ter apresentado índices de ajustamento mais favoráveis.
Nos modelos de três e quatro fatores, alguns autores têm considerado estruturas de primeira ordem e de segunda ordem (i.e., incluindo um fator de segunda ordem correspondente ao nível de distress psicológico geral; Recklitis et al., 2006). Os resultados dos estudos são inconsistentes: na maioria, os modelos de segunda ordem não têm diferido dos de primeira ordem no que respeita aos níveis de ajustamento (três fatores, Petkus et al., 2010; Wang et al., 2010; três e quatro fatores, Recklitis et al., 2006); no entanto, o modelo de segunda ordem já se apresentou como melhor (quatro fatores, Petkus et al., 2010; Wang et al., 2010) e como pior do que o de primeira ordem (Houghton et al., 2012).
Em síntese, os resultados da maioria dos estudos apoiam a estrutura de três fatores proposta por Derogatis (2001). No entanto, as investigações realizadas com amostras de ascendência latina mostram que, neste grupo, o modelo de um fator pode ser adequado. Ao sugerir a influência de variáveis culturais, estes resultados justificam o estudo da estrutura fatorial do BSI 18 em amostras de diferentes nacionalidades. Adicionalmente, não há dados conclusivos relativamente à comparação entre os modelos de primeira e de segunda ordem, tornando pertinente a realização de mais estudos que analisem os níveis de ajustamento destes dois grupos de modelos. Por fim, importa notar que a interpretação de Derogatis acerca dos dados da ACP aponta para um modelo contendo um fator de segunda ordem (i.e., ansiedade), o qual seria composto por dois fatores de primeira ordem: o terceiro e o quarto fatores resultantes da ACP (ver Quadro 1). No entanto, que tenhamos conhecimento, nenhum estudo avaliou empiricamente o ajustamento desse modelo.
Fidelidade do BSI 18
A fidelidade do BSI 18, tendo por base a consistência interna das subescalas e do total, tem sido consistentemente atestada em inúmeros estudos, com amostras diversificadas ao nível do estado de saúde física e mental (e.g., população não-clínica, Spitzer et al., 2011; doentes oncológicos, Galdón et al., 2008; Hjörleifsdóttir, Hallberg, Bolmsjö, & Gunnarsdóttir, 2006; Zabora et al., 2001; doentes com perturbações temporomandibulares, Durá et al., 2006; sobreviventes de doença oncológica, Recklitis et al., 2006; Recklitis & Rodriguez, 2007; doentes com traumatismo cranioencefálico, Meachen, Hanks, Millis, & Rapport, 2008; doentes com patologia cardíaca e/ou disfunção renal, Khalil, Hall, Moser, Lennie, & Frazier, 2011; doentes psiquiátricos, Andreu et al., 2008; Franke et al., 2011; Spitzer et al., 2011; Wetherell, Birchler, Ramsdell, & Unützer, 2007; toxicodependentes, Wang et al., 2010, 2013), da nacionalidade (e.g., americana, Derogatis, 2001; Wetherell et al., 2007; Zabora et al., 2001; espanhola, Andreu et al., 2008; Durá et al., 2006; Galdón et al., 2008; alemã, Franke et al., 2011; Spitzer et al., 2011; mexicana, Torres et al., 2013; irlandesa, Houghton et al., 2012; islandesa, Hjörleifsdóttir et al., 2006; chinesa, Wang et al., 2013), da faixa etária (e.g., adultos dos 20 aos 69 anos, Derogatis, 2001; pessoas com 60 anos ou mais; Petkus et al., 2010; Wetherell et al., 2007) e da etnia (e.g., hispânica, caucasiana e negra, Wiesner et al., 2010).
Na maioria das investigações, os valores de alfa de Cronbach ultrapassaram o valor minimamente recomendado de 65. (DeVellis, 2011), chegando a atingir .91 (subescala Somatização; Wiesner et al., 2010), .92 (subescala Depressão; Recklitis & Rodriguez, 2007), .91 (subescala Ansiedade; Hjörleifsdóttir et al., 2006) e .96 (total; Wiesner et al., 2010). Quando foi considerada a divisão da subescala Ansiedade, os valores de consistência interna oscilaram entre .67 (Durá et al., 2006) e .78 (Andreu et al., 2008) para a dimensão Pânico e entre .65 (Durá et al., 2006) e .71 (Andreu et al., 2008) para a dimensão Ansiedade Geral. No entanto, em diversos estudos, a subescala Somatização apresentou valores de alfa de Cronbach indesejáveis e, até, inaceitáveis (DeVellis, 2011), oscilando entre .50 (Hjörleifsdóttir et al., 2006) e .64 (Spitzer et al., 2011). Alguns autores têm questionado a utilidade desta subescala, devido à baixa capacidade discriminativa dos seus itens (Meijer, de Vries, & van Bruggen, 2011; Spitzer et al., 2011) e ao facto de contribuírem menos para o nível de distress geral do que os das restantes subescalas (Meijer et al., 2011), verificando-se correlações item-total baixas (Spitzer et al., 2011).
Até ao momento, que tenhamos conhecimento, apenas quatro estudos avaliaram a estabilidade temporal do BSI 18, tendo apresentado resultados muito satisfatórios. Num estudo com doentes psiquiátricos espanhóis, avaliados com duas semanas de intervalo, as correlações entre as pontuações das subescalas e do total obtidas nos dois momentos oscilaram entre .68 e .82 (Andreu et al., 2008). Num estudo com estudantes alemães, no qual se aplicou o mesmo intervalo temporal, os valores destas correlações oscilaram entre .52 e .77 (Spitzer et al., 2011). Noutra amostra de estudantes, de nacionalidade irlandesa, as correlações oscilaram entre .44 e .59, tendo decorrido um mês entre as duas avaliações (Houghton et al., 2012, 2013). O maior intervalo temporal que identificámos entre as avaliações foi o do estudo de Meachen et al. (2008), no qual doentes com traumatismo cranioencefálico responderam ao questionário novamente, entre 6 meses a 2 anos após a primeira avaliação, com as correlações a variar entre .57 e .67. Não obstante estes resultados, o BSI 18 mostrou ser um instrumento com sensibilidade à mudança, verificando-se uma diminuição significativa das pontuações de um grupo de doentes psiquiátricos, avaliados antes do início e após o fim do acompanhamento psicológico (Andreu et al., 2008).
Validade do BSI 18
A validade do BSI 18 tem sido demonstrada de diferentes formas. Diversos estudos apresentaram associações significativas e fortes entre o BSI 18 e instrumentos que avaliam construtos (e.g., sintomatologia ansiosa, Andreu et al., 2008; Spitzer et al., 2011; sintomatologia depressiva, Andreu et al., 2008; Khalil et al., 2011; Meachen et al., 2008; Spitzer et al., 2011; afeto negativo, Meachen et al., 2008; distress, Houghton et al., 2012; bem-estar, Houghton et al., 2012; autoestima, Prelow et al., 2005) com os quais se espera que a psicossintomatologia esteja relacionada (i.e., validade convergente; Almeida & Freire, 2007). Estão também disponíveis dados que apoiam a validade discriminante do BSI 18 (i.e., a ausência de associação entre o instrumento e outras variáveis das quais este difira; Almeida & Freire, 2007), mostrando que não se relaciona com construtos como o estado funcional e o nível de deficiência (Meachen et al., 2008).
A validade de critério baseada na diferenciação de grupos está patente na capacidade do instrumento de distinguir grupos com posições diferentes face ao construto avaliado (Moreira, 2004). O BSI 18 tem mostrado diferenciar pessoas com e sem distress psicológico nos últimos sete dias (de acordo com a avaliação do terapeuta; Franke et al., 2011), com e sem perturbações psiquiátricas (Spitzer et al., 2011), com e sem perturbações depressivas (Petkus et al., 2010), com e sem perturbações ansiosas (Petkus et al., 2010) e pessoas com diferentes tipos de diagnóstico (e.g., perturbações depressivas, perturbações ansiosas, perturbações somatoformes; alcoolismo, fobias; Franke et al., 2011; Spitzer et al., 2011). No entanto, num estudo com adultos americanos com mais de 60 anos, o BSI 18 não mostrou distinguir pessoas com e sem diagnóstico de perturbação de ansiedade generalizada (Wetherell et al., 2007).
Presente estudo
O presente trabalho teve como objetivos traduzir, adaptar e avaliar o comportamento psicométrico do BSI 18 (Derogatis, 2001). Começámos por avaliar a validade de construto do instrumento. Especificamente, foram avaliadas, através de AFC, as diversas estruturas fatoriais que têm sido comparadas por outros autores (i.e., os primeiros três modelos do Quadro 1; o último modelo não foi considerado nas nossas análises, atendendo a que o quarto fator é composto por apenas um item). Para além disso, foram avaliadas as validades convergente e discriminante da escala através de, respetivamente, medidas de sintomatologia depressiva e ansiosa e de coping. No domínio da validade de critério, considerou-se a capacidade do instrumento para diferenciar dois grupos (comunitário e clínico) cujas pontuações deveriam diferir significativamente. Por último, foram avaliadas a sensibilidade e a fidelidade do instrumento. A obtenção destes dados permite verificar se a versão portuguesa deste instrumento possui características que permitam a sua utilização, tanto na prática clínica como na investigação. Consideramos de especial relevo a disponibilidade de um instrumento breve de rastreio da psicossintomatologia, atendendo à sua facilidade e âmbito alargado (i.e., populações comunitárias e clínicas) de utilização. Adicionalmente, atendendo a que se trata de um instrumento adaptado para diversas línguas e usado em vários países, consideramos especialmente vantajoso o facto de a escala proporcionar comparações transculturais.
Método
Participantes
A amostra foi constituída por dois grupos, comunitário e clínico. O grupo comunitário foi constituído por pessoas que acederam a preencher os instrumentos de autorresposta, com mais de 18 anos e capacidade para ler e escrever. O grupo clínico incluiu pessoas com diagnósticos psiquiátricos atualmente a receber acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, com mais de 18 anos e capacidade para ler e escrever. Este grupo foi constituído por utentes da Clínica Psiquiátrica dos Hospitais da Universidade de Coimbra e do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra. De entre o grupo total de participantes, uma amostra de conveniência de 76 indivíduos foi selecionada para o reteste. As características sociodemográficas e clínicas dos grupos são apresentadas no Quadro 2.
Instrumentos
O protocolo de avaliação foi constituído por uma ficha de dados sociodemográficos e clínicos e por quatro questionários de autorresposta.
Ficha de dados sociodemográficos e clínicos: incluiu perguntas referentes a características sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, anos de escolaridade e situação profissional) e clínicas (história de problemas psiquiátricos, diagnóstico, acompanhamento atual e regime de tratamento).
BSI 18 (Derogatis, 2001; ver Quadro 1): as características da versão original deste instrumento já foram descritas. A adaptação portuguesa envolveu, em primeiro lugar, um pedido de autorização à Pearson Assessments, detentora dos direitos de autor da versão original do BSI 18, para a utilização, tradução e adaptação deste instrumento para a população portuguesa. Em seguida, procedeu-se à tradução do questionário, de acordo com o método proposto por Hill e Hill (2005). Assim, o questionário começou por ser traduzido para português por duas pessoas, originando uma versão que foi posteriormente traduzida para inglês por uma terceira pessoa, fluente na língua inglesa. Na etapa seguinte, as duas versões em inglês (a original e a resultante da retroversão) foram comparadas e, perante a inexistência de diferenças entre ambas que resultassem numa mudança de significado dos itens, a tradução portuguesa foi mantida (ver Quadro 1). Os estudos psicométricos da versão portuguesa do instrumento são analisados na secção seguinte.
Inventário Depressivo de Beck (BDI; Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961; Vaz Serra & Abreu, 1973): questionário de autorresposta composto por 21 itens, os quais correspondem a manifestações de sintomatologia depressiva (e.g., humor deprimido, perturbação do sono, perda de peso, perda de apetite, perda de interesse sexual). Para cada item, a pessoa deve indicar a afirmação que melhor descreve a maneira como se sente no momento atual, selecionando uma das várias alternativas disponíveis (variáveis de item para item e correspondendo a níveis progressivamente crescentes de gravidade). A pontuação total deriva da soma das pontuações obtidas em todos os itens, sendo que valores superiores traduzem sintomatologia depressiva de maior gravidade. Na nossa amostra, o alfa de Cronbach foi de .86 para o grupo comunitário e de .91 para o grupo clínico.
Escala de Autoavaliação de Ansiedade de Zung (EAAZ; Ponciano, Vaz Serra, & Relvas, 1982; Zung, 1971): questionário de autorresposta composto por 20 itens, os quais se organizam em quatro tipos de ansiedade: Cognitiva (e.g., nervosismo), Motora (e.g., dores corporais), Vegetativa (e.g., tonturas) e do Sistema Nervoso Central (e.g., pesadelos). Para cada item, a pessoa deve indicar a frequência (de 1 – Nenhumas ou raras vezes a 4 – A maior parte ou a totalidade do tempo) com que sente determinado sintoma no momento atual. A soma das pontuações de todos os itens permite calcular a pontuação total – quanto mais elevada, mais intensa é a sintomatologia ansiosa. Na nossa amostra, a consistência interna da escala total foi de .82 para o grupo comunitário e de .85 para o grupo clínico.
Brief COPE (Carver, 1997; Pais Ribeiro & Rodrigues, 2004): questionário de autorresposta composto por 28 itens que pretendem avaliar as estratégias de coping habitualmente utilizadas pela pessoa ao lidar com stressores. Com base numa escala de resposta de tipo Likert com quatro opções (de 0 – Nunca faço isto a 3 – Faço isto muitas vezes), é considerada a frequência de utilização de catorze estratégias (Coping Ativo, Planear, Utilizar Suporte Instrumental, Utilizar Suporte Social Emocional, Religião, Reinterpretação Positiva, Autoculpabilização, Aceitação, Expressão de Sentimentos, Negação, Autodistração, Desinvestimento Comportamental, Uso de Substâncias e Humor). No presente estudo, não foi utilizada a subescala Negação no grupo clínico, visto o alfa de Cronbach ser de .47. A consistência interna das restantes subescalas oscilou, no grupo comunitário, entre .54 (Expressão de Sentimentos, Desinvestimento Comportamental) e .87 (Religião) e, no grupo clínico, entre .50 (Planear) e .98 (Uso de Substâncias).
Procedimento
A recolha de amostra decorreu entre março de 2010 e março de 2011, tendo o presente estudo sido aprovado pelas Comissões de Ética dos Hospitais da Universidade de Coimbra e do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra. Tanto para o grupo comunitário como para o grupo clínico, a distribuição dos questionários ocorreu pessoalmente, sendo as pessoas abordadas diretamente e convidadas a participar no estudo. Todas foram informadas dos objetivos do presente trabalho, tendo-lhes sido assegurada absoluta confidencialidade e garantido o anonimato das respostas aos questionários. As pessoas que aceitaram colaborar na investigação assinaram um documento de consentimento informado. A ordem de apresentação dos questionários foi igual para todos os participantes (ou seja, ficha de dados sociodemográficos e clínicos, BSI 18, IDB, EAAZ e Brief COPE). Cerca de quatro semanas depois do preenchimento do protocolo, algumas pessoas foram novamente contactadas, tendo-lhes sido solicitado que respondessem de novo ao BSI 18, de maneira a obter os dados necessários à avaliação da consistência temporal do instrumento.
Resultados
Validade
Validade de construto. Para avaliar a validade de construto do instrumento, ou seja, a sua capacidade de representar adequadamente o construto que se pretende avaliar (Almeida & Freire, 2007), o nosso primeiro objetivo consistiu em identificar a estrutura fatorial mais adequada aos dados da amostra. Para isso, recorremos ao software Analysis of Moment Structures (AMOS – versão 17) para realizar uma AFC, testando os modelos de um, três e quatro fatores (ver Quadro 1). No caso dos modelos de três e quatro fatores, comparámos os modelos de primeira e de segunda ordem (i.e., um modelo de três fatores e um modelo de quatro fatores tendo o distress como fator de segunda ordem e um modelo de quatro fatores tendo a ansiedade como fator de segunda ordem, composto pelo terceiro e pelo quarto fatores resultantes da ACP de Derogatis, 2001; ver Quadro 1).
Para avaliar a adequabilidade dos modelos aos dados da amostra, foram considerados vários índices de ajustamento (Byrne, 2010), tendo em conta os critérios apresentados por Marôco (2010): χ2 (>.05); χ2/g.l. (>2 e <5), o Comparative Fit Index (CFI; ≥.90) e o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA;<.10).
O Quadro 3 apresenta os resultados da AFC. Considerando os critérios referidos, os valores do modelo de um fator não corresponderam ao desejável. Os modelos de três e quatro dimensões apresentaram indicadores de ajustamento satisfatórios (os quais não variaram entre os modelos de primeira e de segunda ordem), com exceção do valor do χ2. O facto de o nível de significação deste índice não ser desejável pode decorrer da sua elevada sensibilidade ao tamanho da amostra (Marôco, 2010). O modelo de quatro dimensões apresentou indicadores de ajustamento significativamente mais satisfatórios do que o de três dimensões (χ2dif=5.24, Δg.l.=1, p=.022). Subscrevendo a decisão de Derogatis (2001), adotámos o modelo de três dimensões de primeira ordem (ver Figura 1). Os coeficientes de regressão e a correlação entre as dimensões do instrumento são significativos (p<.001).
A AFC demonstrou que os itens do questionário se agrupam em fatores teoricamente significativos, enquanto as correlações positivas significativas entre as subescalas e o IGG indicaram que estes avaliam o mesmo construto (ver Quadro 4), o que sustenta a validade de construto do BSI 18.
Validade convergente. As correlações entre o BSI 18, o BDI e a EAAZ revelaram-se estatisticamente significativas e com uma força moderada (Pestana & Gageiro, 2005; ver Quadro 4), mostrando que os construtos se encontram associados.
Validade discriminante. As correlações entre o BSI 18 e o Brief COPE foram maioritariamente não-significativas ou, quando significativas, de intensidade muito baixa ou baixa (Pestana & Gageiro, 2005), de acordo com o que é esperado de um instrumento que mede um construto diferente (ver Quadro 5). Note-se que, para o grupo clínico, quatro correlações apresentaram uma intensidade moderada.
Validade de critério. O instrumento mostrou ter capacidade para diferenciar os grupos comunitário e clínico (Traço de Pillai=.26, F(3,321)=38.19, p<.001, ηp2=.26), visto que foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em todas as subescalas (Somatização: F(1,323)=23.21, MSE=19.80, p<.001, ηp2=.07; Depressão: F(1,323)=99.78, MSE=31.00, p<.001, ηp2=.24; Ansiedade: F(1,323)=78.06, MSE=26.05, p<.001, ηp2=.20) e no IGG (t=-8.68, p<.001, r=.49), com o grupo clínico a apresentar valores superiores (ver Quadro 6).
Sensibilidade
No grupo comunitário, as características distribucionais das subescalas e do IGG violaram os pressupostos da normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov, ver Quadro 6). Os valores de assimetria e curtose (ver Quadro 6) não se revelaram adequados (>1; Meyers, Gamst, & Guarino, 2013), à exceção da subescala Depressão (assimetria e curtose) e do IGG (curtose). A distribuição das respostas ao questionário é leptocúrtica e assimétrica à direita (Marôco, 2007). Contrariamente ao desejável (DeVellis, 2011), a média das respostas dadas não rondou o valor central possível (i.e., 12 para as subescalas e 36 para o IGG), tendendo a aproximar-se do extremo inferior da escala (ver Quadro 6). No grupo clínico, a distribuição das subescalas (exceto a de Somatização) e do IGG foi normal (teste de Kolmogorov-Smirnov, ver Quadro 6). De forma consistente, os valores de assimetria e curtose revelaram-se adequados (Meyers et al., 2013). Os valores médios das subescalas e do IGG aproximaram-se mais dos valores centrais possíveis para estas variáveis.
Relativamente aos itens, no grupo comunitário, a média das respostas foi inferior ao valor médio da escala (i.e., 2), considerado ideal (DeVellis, 2011; ver Quadro 7). Cerca de metade dos itens apresentaram um desvio-padrão desejável (>1; Carretero-Dios & Pérez, 2005). Os valores mínimos e máximos registados nas respostas a cada item ilustram que, em todos eles, cada uma das alternativas foi escolhida por pelo menos um participante.
No grupo clínico, um terço dos itens apresentou uma média que ronda o valor central da escala (i.e., 2), enquanto nos restantes se verificaram médias inferiores (ver Quadro 8). Apesar disso, os valores do desvio-padrão mostraram-se desejáveis (Carretero-Dios & Pérez, 2005), indicando que a maioria dos respondentes optou pelas alternativas de resposta da escala intermédias, selecionando com menor frequência as opções situadas nos extremos (ver Quadro 8).
Fidelidade
Por fim, para determinarmos o grau de confiança que o investigador pode ter na exatidão da informação que o instrumento proporciona (Almeida & Freire, 2007), considerámos dois indicadores de fidelidade: a consistência interna e a consistência temporal.
Consistência interna. Para ambos os grupos, o BSI 18 mostrou ser consistente e homogéneo ao apresentar valores de alfa de Cronbach muito bons para as subescalas e o IGG (DeVellis, 2011; ver Quadro 6) e correlações item-total corrigidas superiores a .20 (Streiner & Norman, 2008; ver Quadro 7 e Quadro 8). Todos os valores do alfa de Cronbach excluindo cada item se situaram ligeiramente abaixo ou corresponderam exatamente ao valor do alfa quer do IGG, quer da subescala a que o item pertence (exceto o item 17, no grupo comunitário; ver Quadro 7 e Quadro 8), pelo que contribuem para a consistência interna do instrumento.
Consistência temporal. A consistência temporal do BSI 18 também se mostrou adequada, visto que, entre as duas passagens do instrumento, se verificaram associações moderadas a altas para as subescalas e para o IGG (à exceção da subescala Somatização, no grupo clínico, cuja intensidade da associação foi baixa; Pestana & Gageiro, 2005; ver Quadro 6). No grupo comunitário, este padrão verificou-se também ao nível dos itens, havendo apenas duas associações (i.e., itens 7 e 15) de intensidade baixa (Pestana & Gageiro, 2005; ver Quadro 7). No grupo clínico, a maioria das associações foi de intensidade moderada, verificando-se que, em sete itens, a intensidade foi baixa ou muito baixa (Pestana & Gageiro, 2005; ver Quadro 8).
Discussão
O BSI 18 é um instrumento de autorresposta que avalia a intensidade com que a pessoa experienciou dezoito manifestações de psicossintomatologia nos últimos sete dias. A sua brevidade deriva da intenção do autor de construir um instrumento de rastreio do distress psicológico (Derogatis, 2001). Este trabalho consistiu na elaboração da versão portuguesa do BSI 18 e na avaliação do seu comportamento psicométrico. Os estudos prévios que procuraram estudar as características deste questionário apresentaram resultados inconsistentes relativamente à sua estrutura fatorial, tendo sido propostos diversos modelos (ver Quadro 1). Apesar de o modelo de quatro dimensões ter apresentado níveis de ajustamento significativamente mais adequados, optámos, à semelhança de Petkus et al. (2010) e Wang et al. (2010), por adotar o modelo de três dimensões (Somatização, Depressão e Ansiedade) apresentado por Derogatis (2001). Esta escolha apresenta como vantagens a sobreposição ao modelo teórico (Recklitis et al., 2006), a parcimónia (Durá et al., 2006; Galdón et al., 2008; Recklitis et al., 2006; Wang et al., 2013; Wiesner et al., 2010), a facilidade de interpretação (Recklitis et al., 2006), a significância prática (dado que o BSI 18 não pretende distinguir os subtipos de ansiedade; Durá et al., 2006; Recklitis et al., 2006; Wang et al., 2013) e a possibilidade de realizar comparações transculturais, atendendo ao facto de esta estrutura ter sido selecionada na maioria dos estudos (Derogatis, 2001; Durá et al., 2006; Franke et al., 2011; Galdón et al., 2008; Houghton et al., 2012; Petkus et al., 2010; Recklitis et al, 2006; Wang et al., 2010, 2013; Wiesner et al., 2010). Adicionalmente, esta escolha é sustentada no facto de as três dimensões terem apresentado bons indicadores de validade e fidelidade. Atendendo a que, à semelhança do que se verificou em estudos anteriores (Petkus et al., 2010; Recklitis et al., 2006; Wang et al., 2010), os modelos de primeira e de segunda ordem apresentaram níveis de ajustamento que não diferiam entre si, adotámos o modelo de primeira ordem. Importa ressalvar que, mesmo quando se verificam diferenças na estrutura fatorial adotada (o que tende a acontecer em amostras provenientes da América Latina; Asner-Self et al., 2006; Prelow et al., 2005; Torres et al., 2013; Wiesner et al., 2010), a realização de comparações transculturais é viável, apesar de menos informativa, bastando, para tal, recorrer ao IGG.
O estudo das subescalas e dos itens evidenciou que, à semelhança do que se verificou noutras versões já mencionadas, a versão portuguesa do BSI 18 constitui um instrumento com bons níveis de validade e de fidelidade, o que permite a sua utilização tanto na prática clínica como na investigação. É importante referir o facto de, no grupo comunitário, as respostas aos itens não seguirem uma distribuição normal, uma vez que os respondentes tenderam a selecionar, com maior frequência, as respostas mais próximas do extremo inferior da escala, resultado consistente com os de estudos anteriores realizados com amostras comunitárias (Meijer et al., 2011; Wiesner et al., 2010). Estes resultados parecem-nos compreensíveis face ao facto de este questionário avaliar um construto patológico (Moreira, 2004), sendo de notar que, no grupo clínico, a distribuição foi normal para o IGG e para todas as subescalas, à exceção da Somatização. Atendendo a que o nível de distress psicológico pode influenciar as características estruturais da escala (Meijer et al., 2011), consideramos importante que, em estudos futuros com amostras de maior dimensão, se avalie a invariância da estrutura do instrumento tendo em conta a intensidade da psicossintomatologia (i.e., comparando o grupo comunitário com o grupo clínico). De igual forma, consideramos relevante proceder, futuramente, ao estudo de algumas características psicométricas do BSI 18 não avaliadas no presente trabalho, incluindo a sensibilidade à mudança, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo. Por fim, destacamos a importância de, ao estabelecer valores normativos para a população portuguesa, ter em conta não só o grupo (comunitário vs. clínico) como o género (mulheres vs. homens), à semelhança do que fez Derogatis (2001).
O BSI 18 apresenta diversas características que tornam a sua utilização vantajosa quando se pretende fazer o rastreio da psicossintomatologia, com vista a encaminhar as pessoas para serviços de acompanhamento psicológico/psiquiátrico sempre que necessário: o tempo de administração e de cotação é breve (Derogatis, 2001); é eficaz, tendo apresentado um bom valor preditivo positivo (Zabora et al., 2001) e negativo (Thekkumpurath, Venkateswaran, Kumar, Newsham, & Bennett, 2009); por ser de autorrelato, considera a perceção da pessoa que experiencia as manifestações de psicossintomatologia, as quais podem estar inacessíveis a observadores externos (Derogatis, 2001); e é menos dispendioso do que a entrevista clínica (Derogatis, 2001). Adicionalmente, pelo facto de apresentar sensibilidade à mudança (Andreu et al., 2008), pode constituir uma medida de monitorização e de avaliação da intervenção psicológica/psiquiátrica (Derogatis, 2001), ao ser utilizado como medida de pré- e pós-teste (Zabora et al., 2001). A versatilidade do BSI 18 está ainda patente no facto de o instrumento ter demonstrado ser fiável em amostras bastante diversas (e.g., etnia, faixa etária, nacionalidade e estado de saúde) e na possibilidade de utilizar apenas algumas das subescalas, o que pode ser particularmente útil com populações com patologias físicas (e.g., disfunção renal, insuficiência cardíaca, traumatismo cranioencefálico) cujas características poderiam levar a enviesamentos nas respostas ao instrumento (Khalil et al., 2011; Meachen et al., 2008).
Em resumo, o BSI 18 constitui um questionário passível de ser utilizado em contextos clínicos e de investigação, sempre que se pretenda que a avaliação seja rápida e quando o foco dos profissionais incide nas manifestações mais prevalentes das perturbações psicológicas (Derogatis, 2001). É ainda de notar que, por já ter sido adaptado para diversas línguas, a utilização deste instrumento possibilita comparações com dados de diferentes países e culturas.
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Bárbara Nazaré, Escola de Psicologia e Ciências da Vida, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande, 376, 1749-024 Lisboa, Portugal. E-mail: barbaravn@gmail.com
Submissão: 08/06/2016 Aceitação: 31/08/2016