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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020
Aná. Psicológica vol.36 no.1 Lisboa mar. 2018
https://doi.org/10.14417/ap.1262
Escala de orientações gerais para objetivos de desempenho: Estudos de adaptação para o ensino secundário
Andreia Gomes1, Ângela Sá Azevedo1, Paulo Cesar Dias1, Teresa Guimarães2, Isabel Lima2, Ana Salgado3
1Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa, Braga, Portugal
2Instituto Nun’Alvres, Santo Tirso, Portugal
3Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto, Porto, Portugal
RESUMO
Este trabalho pretende apresentar os resultados de adaptação portuguesa da Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho (EOGOD; McInerney & Yeung, 2000). Trata-se de instrumento de medida com cinco escalas de motivação: Valorização da Motivação, Motivação Geral, Orientação para a Mestria, Orientação para o Desempenho e Orientação Social. Para a sua adaptação, foi realizada análise fatorial exploratória e confirmatória e análise de consistência interna a partir de dois grupos, de 617 e 418 estudantes do Ensino Secundário. Os dados obtidos permitiram encontrar uma solução com boas propriedades psicométricas, seja em termos de validade como fiabilidade aceitáveis, assim como diferenças em função do género e relação com a idade e escolaridade. Os resultados são discutidos e apresentadas sugestões.
Palavras-chave: Objetivos, Desempenho, Motivação, Ensino secundário, Escala.
ABSTRACT
This paper aims to present the results of the Portuguese adaptation of General Achievement Goal Orientation Scale (GAGOS; McInerney & Yeung, 2000). This instrument has five different motivation scales: Motivation Value, Global Motivation, General Mastery, General Performance and General Social. The work of adaptation consisted in a exploratory and confirmatory factor analysis and internal consistency analysis from the data of two samples of 617 and 418 High School students. The results suggest a solution with good psychometric properties, in terms of validity as acceptable fidelity, with differences per gender and relationship with age and education level. The results discussed and suggestions presented.
Key words: Goals, Achievement, Motivation, High school, Scale.
Introdução
Na pesquisa educacional, as teorias de motivação são frequentemente utilizadas para explicar a escolha e o envolvimento nas tarefas, a sua persistência e o desempenho alcançado (Meece, Anderman, & Anderman, 2006). Uma das teorias mais proeminentes é a Teoria dos Objetivos de Realização (Ames, 1992), teoria que surgiu na década de 80 colocando o enfoque nos “objetivos percebidos e prosseguidos pelos alunos na descrição da sua motivação para a aprendizagem” (Miranda & Almeida, 2009, p. 43). Alicerçada na perspetiva sociocognitiva, tem-se posicionado como uma lente importante para analisar a influência das estruturas da sala de aula e dos diferentes ambientes escolares sobre a motivação dos alunos e a aprendizagem (Cordeiro, Lens, & Bidarra, 2009; Meece et al., 2006). Ao invés de se focar na perceção das capacidades e atribuições de causalidade, esta teoria foca-se nas orientações para os objetivos que os sujeitos adotam em situações de realização.
Assim, na motivação para a realização, são estudados os “fatores psicológicos que, para além da capacidade real, afetam a adoção e prossecução de objetivos, a determinação do tipo de objetivos escolhidos, a intensidade e a duração com que são prosseguidos” (Faria, 1997, p. 211). Desta forma, “o estudo e a investigação de características motivacionais dos alunos podem tornar-se auxiliares preciosos para identificar, compreender e explicar os determinantes da realização escolar”, para além de fornecerem relevantes pistas para a intervenção (Neves & Faria, 2005, p. 105). Assim sendo, e considerando a escassez de instrumentos que avaliem a motivação no nosso contexto, este trabalho pretende apresentar os estudos de adaptação para a população portuguesa da Escala de Orientações Gerias para Objetivos de Desempenho (McInerney & Yeung, 2000). Para isso, são apresentados dados de dois estudos, com amostras independentes, para estudar a validade e fidelidade da escala. Uma vez que se tratava de uma primeira versão na população portuguesa, num primeiro momento foram explorados os dados com base na estatística, forçando a extração de 5 fatores, conforme o modelo original, para uma validação cruzada numa segunda amostra recorrendo a análises confirmatórias e ao teste do modelo teórico (DeVelis, 2003; Matsunaga, 2010). A partir dos resultados, exploram-se no segundo estudo as diferenças no perfil motivacional em função de características pessoais, como o género, idade e escolaridade dos pais, assim como as suas potencialidades para investigações futuras.
Os objetivos de realização
De acordo com Teoria dos Objetivos de Realização (Ames, 1992), os indivíduos em situações de realização, em tarefas em que é exigido o seu esforço e dedicação, orientam-se de acordo com objetivos distintos. Quando falamos de objetivos, referimo-nos a cognições resultantes da interação do indivíduo com o meio, integrando as componentes cognitivas e afetivas do comportamento direcionado para o objetivo (Ames, 1992; Lemos, 2002). Embora possam ser encontradas na literatura designações distintas (ver revisão em Covington, 2000) as designações mais comuns são as de objetivos centrados na mestria e objetivos centrados no desempenho (Ames, 1992; Faria & Parracho, 2005; McInerney & Ali, 2006). Os objetivos centrados na mestria tendem a ser entendidos como mais promotores do sentido de competência, compreensão e valor pelo que está a ser aprendido (Covington, 2000; Grant & Dweck, 2003). Estudantes com uma orientação para a mestria tendem a pautar-se por uma necessidade de adquirir novos conhecimentos e desenvolver competências pessoais, compreendendo o sucesso como o resultado do investimento e do esforço pessoal (Ames, 1992; Meece et al., 2006; Rolland, 2012). Dessa forma, estas orientações estão relacionadas com maior desempenho escolar e estratégias de aprendizagem mais profundas (Pintrich & De Groot, 1990; Pintrich & Garcia, 1991; van Yperen, Blaga, & Postmes, 2014), além de outros resultados sociais e emocionais mais positivos (Rolland, 2012; Seifert, 2004). No que se refere aos objetivos centrados no desempenho, estes tendem a orientar-se para a obtenção de juízos favoráveis e o evita mento de juízos desfavoráveis, relativos à sua competência pessoal (Faria, 1997; Faria & Parracho, 2005; McInerney & Ali, 2006; Seifert & O’Keefe, 2001; Seifert, 2004). Encontram-se associados à ideia de que o sucesso escolar deriva de uma capacidade de ser superior aos pares (Covington, 2000; Grant & Dweck, 2003; Lemos, 2002). Através da comparação com os outros, com a norma ou com a obtenção de sucesso sem esforço, percebem o seu valor próprio em grande parte do reconhecimento social, o que pode ameaçar a perceção das capacidades pessoais e do valor próprio (Lemos, 2002; Meece et al., 2006). Estudantes orientados por objetivos de desempenho tendem a utilizar estratégias menos sofisticadas e fazem mais autoafirmações negativas (Seifert, 2004; van Yperen et al., 2014), encarando o erro como sinal de incompetência e sendo o esforço encarado como ameaçador da competência pessoal (Faria, 2007; Midgley, Kaplan, & Middleton, 2001).
Embora não tão estudados como os anteriores, os objetivos sociais também são objetivos importantes nas atividades de realização (Covington, 2000; Dowson, McInerney, & Nelson, 2006; Urdan & Maehr, 1995). Estes, “referem-se às razões de natureza social para o envolvimento nas atividades escolares, tais como honrar a família, obter aprovação, ser leal, realizar os trabalhos a tempo ou ajudar os outros” (Lemos, 2005, p. 215) e podem ser categorizados em objetivos de solidariedade social, preocupação social e afiliação, aprovação e responsabilidade social, bem como estatuto social (Dowson et al., 2006; Urdan & Maehr, 1995). De uma forma sucinta, objetivos de afiliação social motivam os estudantes a alcançar os objetivos, conseguindo reforçar o sentimento de pertença a um grupo e a manter os relacionamentos interpessoais com pais e professores; cumprir as obrigações sociais, ou seguir as normas e regras sociais, além de pretender uma determinada posição ou estatuto na sociedade (Dowson & McInerney, 2001, 2003; Dowson et al., 2006). Assim, e em contraste com os objetivos centrados na mestria e no desempenho, estudantes com objetivos sociais debruçam-se sobre as razões sociais para alcançar bons resultados em situações académicas (Dowson et al., 2006). Tal como com nos descritos anteriormente, a prossecução de objetivos sociais pode ajudar a organizar, dirigir e capacitar os indivíduos para alcançar os seus objetivos mais plenamente (Covington, 2000), tendendo a ser associados a níveis elevados de sucesso (Lemos, 2005). Até há alguns anos a esta parte, não existe uma ampla compreensão de como os objetivos sociais se enquadram dinâmica de realização na sala de aula (Covington, 2000), no entanto, resultados recentes apontam estes objetivos como mediadores da estrutura percebida dos objetivos da sala de aula e os resultados académicos (Shim, Cho, & Wang, 2013).
Desenvolvimento da Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho
A Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho (EOGOD), do inglês General Achievement Goal Orientation Scale (GAGOS; McInerney & Yeung, 2000), é parte de um instrumento mais abrangente, o Inventory of School Motivation (ISM; McInerney, Roche, McInerney, & Marsh, 1997). Baseado nos trabalhos de Maehr (1984), o ISM identifica padrões de comportamento/indicadores de motivação como a direção, persistência, motivação contínua, nível de catividade e de realização dos indivíduos, através de 100 itens para avaliar dimensões como o esforço perante a tarefa, a competitividade, poder, sociabilidade, preocupação social, reconhecimento, incentivos, consciência do objetivo, perceção de competência e autoestima. Desenvolvido na Austrália (McInerney & Swisher, 1995), este instrumento tem sido adaptado para diversos países com boas propriedades psicométricas (King, Ganotice, & Watkins, 2012; King & Watkins, 2013; Xu & Barnes, 2011). Também em Portugal, o ISM foi já adaptado (Veiga, Antunes, Fernandes, Guerra, & Roque, 2008) verificando-se uma adequada estrutura fatorial e boa consistência interna.
A partir de 26 itens do ISM, a Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho, foi desenvolvida para avaliar três orientações para objetivos – Orientação para a Mestria (avalia o envolvimento nas tarefas e o esforço, é constituído por 5 itens); Orientação para o Desempenho (avalia a competitividade, o poder, competição e a motivação extrínseca, e é constituído por 8 itens); Orientação Social (avalia a afiliação e a preocupação social, e é constituído por 5 itens) – e duas escalas de Motivação – Motivação Geral (que se centra sobre a quantidade de motivação percebida pelo estudante, em vez da sua orientação ou qualidade, a partir de 5 itens); e Valorização da Motivação (avalia a perceção do aluno sobre a importância de estar motivado na escola, e é constituído por 3 itens). Enquanto as três primeiras dimensões não se referem explicitamente à motivação do aluno, mas inferimos pelos itens as suas orientações para objetivos, as últimas duas referem-se explicitamente à motivação, seja ao nível percebido da sua motivação como a perceção da importância de estar motivado na escola (McInerney, 2005).
A sua versão original (McInerney & Yeung, 2000), testada junto de 3120 alunos, apresentou dados adequados em termos de validade e fiabilidade: os resultados da análise fatorial confirmatória ofereceram suporte empírico para a estrutura de cinco fatores e os valores do alpha de Cronbach foram elevados para as diferentes dimensões. Apesar de se tratar de um instrumento relativamente recente na literatura, tem sido adaptado para alguns países, apresentado indicadores de validade e de fidelidade adequados (Nasser, 2014; Nelson, O’Mara, McInerney, & Dowson, 2006), inclusivamente junto de amostras aborígenes (McInerney, 2003). Em contexto europeu, contudo, não foram encontrados estudos com este instrumento, o que nos motivou à sua adaptação para a população portuguesa. Neste contexto, o presente estudo pretende apresentar as propriedades psicométricas da sua adaptação junto de adolescentes portugueses, explorando o papel diferencial de variáveis sociodemográficas como o género, idade e a escolaridade dos pais.
Estudo 1
Método
Sujeitos
A amostra foi composta por um total de 605 participantes, 349 raparigas (58.7%) e 246 rapazes (41.3%), com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos (M=15.76, DP=1.144). Como se pode ver na tabela seguinte (Tabela 1), 103 alunos frequentam o 9º ano (17.1%), 267 o 10º ano (44.2%), 84 alunos o 11º ano (13.9%) e 150 alunos frequentam o 12º ano (24.8%) de escolas públicas de Portugal. Os pais dos alunos apresentavam, na sua maioria, até seis anos de escolaridade, distribuídos entre o primeiro e o segundo ciclo do ensino básico, seja no caso dos pais (n=262, 45.7%; n=228, 39.8%, respetivamente) como das mães (n=263, 45.4%; n=210, 36.3% respetivamente).
Instrumentos
Para o estudo foi utilizado um questionário sociodemográfico, para recolher dados sobre a amostra (sexo, idade, escolaridade e escolaridade dos pais) e a Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho (McInerney & Yeung, 2000). Esta escala, já antes descrita, permite avaliar três orientações para objetivos – Orientação para a Mestria, Orientação para o Desempenho e Orientação Social, além de duas escalas de Motivação Geral e Valor Atribuído à Motivação (avalia a perceção dos participantes sobre a importância de estar motivado na escola, com o recurso a três itens). Os 26 itens da escala são avaliados com o recurso a uma escala com pontuação de 1 a 5 (de totalmente de acordo até totalmente em desacordo). Na sua versão original, o instrumento demonstrou boas propriedades psicométricas, dados os indicadores como RMSEA=0.047, SRMR=.071, NNFI=.96 e CFI=.96, assim como valores de consistência interna entre os .68 e .82. A escala foi traduzida (do Inglês para Português) e sujeita a retroversão (Português-Inglês) para garantir a adaptação linguística e cultural do instrumento, com a consultoria do autor do instrumento.
Procedimento
Depois do contacto e de obtida a autorização dos autores da versão original da escala, foi feita a sua tradução (do Inglês para Português) e retroversão (Português-Inglês) para garantir a adaptação linguística e cultural do instrumento. Foi também pedida autorização à Direção da instituição e o consentimento informado dos pais dos participantes, sendo os dados recolhidos no contexto da sala de aula (no início do ano letivo de 2011-2012). Em cada aplicação foram apresentados os objetivos do estudo, como um contributo para compreender e intervir na motivação para o trabalho escolar. Para isso, foram lidas as instruções do instrumento, apresentando-se aos participantes um conjunto de itens sobre o que alguns estudantes pensam sobre as suas tarefas e trabalhos na escola, solicitando o grau de acordo com cada uma das afirmações recorrendo a uma escala fechada. Foi ainda explicitado o caráter anonimo, confidencial e voluntário da participação. A aplicação demorou aproximadamente 30 minutos.
Resultados
Validade
A avaliação da validade fatorial do instrumento foi realizada com uma análise fatorial exploratória, com rotação de varimax. Os dados dos testes de Bartlett (χ2(325)=3563.563; p<.001) e de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=.845), asseguram a adequação dos dados para os pressupostos da análise. A extração de cinco fatores visou a análise da estrutura original, e sugere que todos os fatores têm valor próprio superior a 1, explicando uma percentagem de 52.875 do total da variância. Também os valores de saturação podem ser considerados ajustados, uma vez superiores a .50 na sua generalidade. No primeiro fator apresentam saturação mais elevada todos os itens da escala relativa aos objetivos de desempenho; no segundo saturam todos os itens da subescala motivação geral e um item da subescala de objetivos sociais; no terceiro os itens relativos aos objetivos sociais; no quarto, os itens da subescala relativa aos objetivos de mestria e um item da subescala de objetivos sociais; e no quinto fator os itens da subescala valor da motivação e um item da subescala de mestria (Tabela 2).
Fiabilidade
O cálculo da fiabilidade, através do Alfa de Cronbach, permitiu encontrar um valor total de .830, variando entre .538 na dimensão valor da motivação, .763 na dimensão motivação geral, .640 na orientação para objetivos de mestria, .814 na subescala relativa aos objetivos de desempenho e .680 na orientação social.
Estudo 2
Método
Sujeitos
Para este estudo foi utilizada uma amostra de 406 participantes, 241 raparigas (59.4%) e 165 rapazes (40.6%). As idades variavam entre os 15 e os 18 anos (M=16.13, DT=1.108), sendo 241 participantes do 10º ano de escolaridade (59.4%) e o restante do 12º ano do ensino secundário (n=165, 40.6). O nível de escolaridade das mães varia entre o primeiro ciclo de educação básica (n=47, 12.2%) ao ensino superior (n=51, 13.2%), sendo mais prevalente o segundo e terceiro ciclos (n=190, 49.2%). No caso dos pais dos participantes da amostra, varia entre o primeiro ciclo da educação básica (n=57, 15.0%) e ensino superior (n=45, 11.9%), sendo também mais prevalente o segundo e terceiro ciclos (n=190, 50.1%) (Tabela 3).
Instrumentos
No segundo estudo foi utilizada a versão experimental da Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho (McInerney & Yeung, 2000), sem qualquer alteração em relação à administração anterior. Os 26 itens da escala são acompanhados de uma escala de escala resposta fechada com uma pontuação de 1 a 5 (de totalmente de acordo até totalmente em desacordo). Foi ainda utilizado um questionário sociodemográfico para recolher dados sobre a amostra, nomeadamente, sexo, idade, escolaridade e escolaridade dos pais.
Procedimento
Como no estudo anterior, foi pedida a colaboração a uma escola da zona geográfica da equipa de investigação, no norte do país, e o consentimento dos pais dos participantes. Depois de recolhidos os consentimentos informados, foram administrados os instrumentos em sala de aula, por um dos elementos da equipa de investigação. Foram apresentados os objetivos do estudo, recorrendo às mesmas instruções apresentadas anteriormente, sendo também sublinhadas as garantias confidencialidade, anonimato e participação voluntária. A aplicação teve uma duração aproximada de 30 minutos.
Resultados
Validade
Para validação cruzada dos resultados, no segundo estudo foram utilizados os 26 itens do instrumento, numa análise fatorial confirmatória, com o recurso ao programa AMOS, no sentido de estudar a estrutura original encontrada no Estudo 1. Os indicadores de ajustamento do modelo original, nomeadamente, χ2/gl=2.937, CFI=.859 e RMSEA=.068, permitem perceber um ajustamento sofrível. Com a eliminação dos outliers e a utilização dos índices de modificação para encontrar um modelo com ajustamento adequado, que se conseguiu com a eliminação dos itens 14, 8, 25 e 22, permitindo encontrar valores de ajustamento bons, respetivamente χ2/gl=1.780, CFI=.951e RMSEA=.048. De referir que os itens referidos apresentavam já algumas limitações no seu poder discriminativo no estudo anterior, que se refletia em termos da validade como no menor valor de fiabilidade das dimensões onde estavam inseridos. Tal como se apresenta na Figura 1, os coeficientes de ponderação fatorial dos itens são superiores a .5 e as correlações entre os fatores são mais fortes entre o valor dado à motivação e a orientação para a mestria (φ=.57, p<.05) e a motivação geral e orientação para a mestria (φ=.50, p<.05) e mais ténues entre o valor dado à motivação com a orientação para o desempenho e orientação social (φ=.07, p<.05) e a motivação geral e orientação para o desempenho (φ=.05, p<.05).
Fiabilidade
Recorrendo ao alfa de Cronbach para a avaliação da fiabilidade, encontramos bons indicadores, dados os valores de alfa total de 804, variando nas subescalas entre .719 na Valor Atribuído à Motivação até .855 na dimensão Motivação Geral e Objetivos Sociais.
Motivação e variáveis pessoais
Para avaliar as orientações para objetivos e motivação dos participantes em função do género foi utilizado o teste t de student. Os resultados permitiram perceber diferenças significativas nos objetivos de mestria [t(414)=-2.242, p=.025] e de desempenho [t(414)=3.499, p=.001], com pontuação superior das raparigas na orientação para a mestria (M=4.3684, DP=.425 para M=4.268, DT=.483) e os rapazes na orientação para o desempenho (M=3.379, DP=.749 para M=3.121, DP=.7314). Com o recurso à correlação de Pearson para explorar as variáveis em função da idade foi encontrada uma relação negativa na orientação para a mestria (r=-.098, p=.047). O teste de associação de Spearman foi utilizado para avaliar a associação com a escolaridade dos participantes e dos seus pais. Os dados permitiram perceber uma relação negativa com a escolaridade dos estudantes (r=-.112, p=.022), não se verificando uma relação com a escolaridade dos pais (p>.05) (Tabela 4).
Discussão
Este estudo pretendeu examinar as características psicométricas da adaptação portuguesa da Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho (EOGOD), seguindo as orientações estabelecidas, nomeadamente em termos de adaptação linguística e cultural (e.g., American Educational Research Association, American Psychological Association, & National Council on Measurement in Education, 2014), utilização de amostras distintas para a validação cruzada dos dados, e utilização de procedimentos exploratórios e confirmatórios (DeVellis, 2003; Matsunaga, 2010). Apesar de existirem razões para realizar nos dois estudos uma análise confirmatória, foram apresentados no primeiro estudo os dados de uma análise exploratória e no segundo uma análise confirmatória, por se prever que tal seja igualmente informativo para o leitor recorrendo a duas amostras para uma análise exploratória e validação cruzada dos dados com o recurso a uma análise confirmatória do modelo teórico de partida.
Embora tenha sido adaptado para alguns países, especialmente em contexto oriental (Nasser, 2014; Nelson et al., 2006), pode constituir um instrumento relevante para compreender e intervenção sobre as orientações para objetivos e a perceção da motivação dos indivíduos. De referir também que os dados anteriores permitiam uma perceção ambígua da estrutura do instrumento, apresentando resultados ajustados com aborígenes (McInerney, 2003) e na Papua Nova Guiné (Nelson et al., 2006) mas menos claros no Qatar (Nasser, 2014), o que pode ser revelador de diferenças culturais a explorar.
No nosso contexto, os dados parecem suportar genericamente o modelo teórico subjacente ao instrumento. Apesar de algumas dúvidas, no primeiro estudo, relativamente ao funcionamento diferencial de cinco itens, utilizando como ponto de corte relativamente elevado, de .40 (DeVellis, 2003; Matsunaga, 2010), foram mantidos todos os itens da escala para perceber melhor o seu comportamento numa segunda amostra. Com o recurso a procedimentos de análise confirmatória, um procedimento mais robusto e que nos permite maior segurança na avaliação do modelo teórico (Pilati, & Laros, 2007), ss resultados da validade do segundo estudo, com a eliminação de quatro itens que já apresentavam menor poder discriminativo no primeiro estudo, permitiram encontrar valores muito positivos, dados o χ2/gl<2, CFI>.95 e RMSEA<.06 (e.g., Kline, 2010; Marôco, 2010). Dessa forma, confirma-se a validade do modelo teórico subjacente ao instrumento. Também em termos de fiabilidade, quando comparada com a versão original (Tabela 4), a consistência interna das subescalas de medida e as medidas descritivas, são idênticos e em algumas dimensões superiores à versão original.
Assim, e em síntese, os resultados permitem perceber resultados mais elevados no valor atribuído à motivação e orientação para a mestria (McInerney & Yeung, 2000), destacando-se claramente dos restantes. Tal como na versão original, estes valores parecem confirmar os resultados de Kaufman e Dodge (2009), que verificam uma forte relação entre a valorização da motivação e objetivos de mestria, quando comparados com relações mais frágeis com os objetivos de desempenho, objetivos sociais ou valor da motivação. Estes dados são tão mais importantes porque sublinham o valor da motivação para a mestria como orientação significativa para uma motivação geral para a aprendizagem significativa (Ames, 1992). Na mesma linha, as orientações mais focadas no desempenho, aparecem relacionadas com emoções ou comportamentos menos adaptativos (Linnenbrink & Pintrich, 2002).
No que diz respeito aos estudos diferenciais, evidenciam uma diminuição da motivação para a mestria ao longo do tempo (Anderman, Maehr, & Midgley, 1999; Eccles & Wigfield, 2002; Mansfield & Wosnitza, 2010), algo que pode ser associado à crescente proximidade com as avaliações externas, como os exames, ou a preocupação com o acesso ao ensino superior. Estes dados, parecem estar fortemente associados a orientações de desempenho (Koul, Clarian, Jitgarun, & Songsriwittaya, 2011), que aqui não aparecem favorecidas ao longo do tempo, mas antes à diminuição da mestria. Estes serão certamente dados interessantes que deverão ser explorados num próximo estudo. Além disso, os dados permitem perceber diferenças de género (Gherasima, Butnarua, & Maireana, 2013; Kenney-Benson, Pomerantz, Ryan, & Patrick, 2006; Middleton & Midgley 1997). Os dados vão de encontro à literatura, que tende a associar uma maior orientação dos rapazes para o desempenho e das raparigas para a mestria.
Conclusões
Os resultados neste estudo sugerem boas propriedades psicométricas da Escala de Orientações Gerais para Objetivos de Desempenho (EOGOD) para a população portuguesa, sugerindo que podem ser utilizados no nosso contexto com a eliminação dos itens 8, 14, 22 e 25. A eliminação destes itens permite manter os itens com maior poder discriminativo, validade e fidelidade do modelo teórico original. Aparte das propriedades psicométricas, os dados apontam resultados interessantes no que diz respeito à motivação ao longo da idade e em função do género, dando novas pistas para estudos posteriores sobre este tópico.
A adaptação do instrumento permite abrir novas linhas de investigação, considerando as características desta medida. Além de permitir uma avaliação das orientações para objetivos, em linha com os modelos teóricos atuais das teorias da motivação, permite-se à possibilidade de explorar em maior profundidade o papel dos objetivos sociais, assim como da perceção da motivação dos estudantes e o valor atribuído à motivação em contexto escolar. Variáveis pouco exploradas no nosso contexto e que podem contribuir para um melhor conhecimento deste determinante do sucesso escolar mas também para o desenvolvimento e avaliação de intervenções intencionais para promover a motivação e o sucesso das aprendizagens.
Apesar dos contributos do estudo, importa considerar algumas das limitações do presente trabalho, especialmente pelo recurso a amostras não probabilísticas e a falta de indicadores de resultados académicos. Futuros estudos devem contemplar amostras mais abrangentes e diversificadas, apostando na avaliação de outras variáveis relacionadas como a autoeficácia e autoconceito, essenciais para um modelo abrangente explicativo da motivação e o sucesso escolar ao longo da escolaridade.
Referências
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ângela Azevedo, Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa, Praça da Faculdade de Filosofia 1, 4710-297 Braga, Portugal. E-mail: angelasaazevedo@gmail.com
Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito do Projecto Estratégico do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos (PEst-OE/FIL/UI0683/2014).
Submissão: 21/04/2016 Aceitação: 29/06/2017