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Análise Psicológica
versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020
Aná. Psicológica vol.36 no.2 Lisboa jun. 2018
https://doi.org/10.14417/ap.1395
Segurança e vitimação entre estudantes universitários na cidade do Porto
Security and victimization of university students in the city of Oporto
Laura M. Nunes1, Ana Isabel Sani1, Sónia Maria Caridade1, Hélder Fernando Sousa2, Maria Alzira Pimenta Dinis3
1Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal
2Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
3Unidade de Investigação UFP em Energia, Ambiente e Saúde (FP-ENAS) da Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal
RESUMO
Apresenta-se um estudo exploratório com 307 estudantes de instituições de ensino superior do Porto. Os participantes de ambos os sexos, com idades entre os 18 e os 48 anos (M=23; DP=5.6) responderam a um questionário de diagnóstico local de segurança, a fim de captar as perceções sobre o crime e a vitimação na área, os sentimentos de segurança e as conceções sobre a atuação policial. Os resultados apontam para uma perceção geral de segurança, apesar dos roubos ou dos peditórios reportados. A experiência de vitimação (15%), nem sempre reportada às autoridades, traduziu-se numa perceção fragilizada quanto à atuação policial. O estudo permite concluir pela importância da formulação estratégica de planos de segurança baseada numa participação da comunidade.
Palavras-chave: Segurança, Crime, Vitimação, Estudantes universitários.
ABSTRACT
An exploratory study with 307 students from higher education institutions in Oporto is presented. Participants of both sexes, aged 18-48 (M=23; SD=5.6), responded to a local security diagnostic questionnaire in order to capture perceptions of crime and victimization in the area, the feelings of security and the conceptions about the police action. The results point to a general perception of security, despite reported robbery or panhandle. The experience of victimization (15%), not always reported to the authorities, translated into a weakened perception as to the police action. The study concludes by the importance of the strategic formulation of security plans based on community participation.
Key words: Safety, Crime, Victimization, University students.
Introdução
Este estudo, à semelhança da generalidade dos designados Diagnósticos Locais de Segurança (DLS) (cf. Direcção Geral de Administração Interna, 2009; Sani & Nunes, 2013), serve o propósito de melhor se conhecer uma comunidade específica, bem como a sua perceção a respeito das questões da in/segurança e da vitimação. Esta avaliação dos problemas sob a perspetiva das Ciências Sociais permite que se atinjam resultados facilitadores do trabalho que os agentes de polícia desenvolvem diariamente nessa comunidade. Neste caso, a comunidade em análise consiste no universo dos estudantes universitários que, na cidade do Porto, se move diariamente na área do denominado Pólo Universitário de Asprela, como região urbana em que se concentram muitas universidades – e respetivas faculdades – da cidade do Porto, muito embora se trate de uma área sem delimitação geográfica formalmente definida.
De acordo com Kapardis (2010), a investigação científica na área das Ciências Humanas e Sociais tem vindo a ganhar influência sobre o funcionamento e as estratégias policiais, nos mais diversos contextos de atuação e em vários países. Por outro lado, a imprevisibilidade associada às dificuldades em operar em determinadas áreas urbanas muito específicas impõe a focalização da atenção sobre o trabalho dos agentes de segurança (Paton, Violanti, Burke, & Gehrke, 2009) e sobre as populações e respetivas particularidades.
A vivência de situações de vitimação apresenta consequências graves que têm sido analisadas há algum tempo (Skogan, 1987), mantendo-se atual e urgente estudar tais sequelas (Lasas, Garcia-Retamero, Jakauskaité, & Simonaitité, 2017). A vitimação sofrida causa subsequentes níveis de stresse elevados e consequente instalação e desenvolvimento do quadro de perturbação de stresse pós-traumático (Williams, D’Affonseca, Correia, & Albuquerque, 2011), a que se juntam outras danosas consequências que tornam esta análise pertinente.
As questões ligadas à in/segurança exigem um enquadramento contextual em termos sociais, económicos e culturais (Nunes & Trindade, 2013). A in/segurança é um objeto de análise carregado de subjetividades e ambiguidades (Cunha & Durão, 2011), que o investigador procura desvendar a partir das leituras de experiências sociais múltiplas e vivências subjetivas de indivíduos (Fernandes & Rêgo, 2011). Compreender a in/segurança requer não apenas o contacto direto com os indivíduos e as suas intersubjetividades, como exige ainda uma contextualização espacial, cuja leitura pode ser enquadrada, no caso deste estudo, nos princípios referidos por Jeffery (1999) a respeito dos espaços físicos, das suas caraterísticas e ligações à potenciação do crime. Acrescente-se a isto, o “moderno” conceito de policiamento, o qual implica a criação/organização de mecanismos estratégicos adequados, suportados por parcerias dinâmicas e assentes na construção do conhecimento, numa vertente essencialmente voltada para a resolução dos problemas das populações (Community Oriented Policing Services, 2009). Neste caso, os estudantes universitários constituem a população predominante da área em análise, pelo que importa dar voz a esses atores sociais (Birchal, Zambalde, & Bermejo, 2012), num domínio que diz respeito à sua própria segurança. Aliás, esta ideia associa-se à do estabelecimento de interações de cooperação polícia/cidadão, que prevê a observância de princípios básicos (Skogan & Frydle, 2004): (i) o enquadramento comunitário, numa atitude de atenção a aspetos que passam também pela (ii) resolução de problemas, mediante medidas como (iii) a transformação organizacional das estruturas de controlo social, num registo de concentração de atenção a modalidades de ação que se centrem na (iv) prevenção criminal.
Assim, atendendo ao que até aqui foi sendo referido, e tendo em consideração que a população de estudantes universitários que diariamente se move naquela área urbana, foi desenvolvida esta análise de caráter exploratório, tendo em vista o objetivo geral de captar as perceções dos estudantes do ensino superior a respeito da in/segurança nas imediações das universidades. Mais especificamente, procurou-se conhecer a forma como os estudantes percebem a criminalidade e a in/segurança naquela área urbana, as experiências de vitimação por eles sofridas, os crimes mais temidos e a forma como é interpretada a atuação policial.
Crime e vitimação entre estudantes
Na análise do crime e da vitimação, sobretudo em contextos específicos, revela-se fundamental a articulação colaborativa entre polícia e cidadãos (Bengochea, Guimarães, Gomes, & Abreu, 2004), atendendo ao controlo social como um sistema dotado de mecanismos para o estabelecimento/fortalecimento de laços sociais (Hirschi, 2002) e para o exercício de “garantia externas” da ordem social. Este movimento de estabilização das rotinas do quotidiano, capazes de preservação do tal sentimento de segurança individual (Machado da Silva, 2011) é um enorme desafio para as polícias, sobretudo nas grandes urbes com elevada densidade populacional (Fischer & Green, 2004) e onde circulam diariamente muitas pessoas, como são os campus universitários. Acresce ainda que, em tais comunidades, tão populosas quanto específicas, podem ter-se instalado condições favorecedoras do crime (Nunes 2011; Sani & Nunes, 2013; Skolnick & Bayley, 2006), sendo esse o ponto de vista que baseia estas análises, apontadas como referenciais para a conjugação de respostas integradas no âmbito da prevenção criminal, como tem sido enfatizado por instituições como a United Nations Office on Drugs and Crime (2006), que refere a necessidade de: (i) realizar estudos que possibilitem o levantamento de diagnósticos locais sobre o crime, as suas caraterísticas, os fatores que o potenciam e as formas como se manifesta; (ii) identificar os atores sociais envolvidos e que revelem um papel significativo nas ocorrências criminais; (iii) definir mecanismos promotores/facilitadores da troca de informações, através de parcerias e de estratégias consertadas; (iv) adotar uma postura de procura de soluções, de forma localmente contextualizada.
Não sendo rara a ocorrência de crime entre as populações de estudantes, evidentemente acompanhada da vivência de situações de vitimação, importa salientar alguns dos estudos a esse respeito. Exemplo disso é o estudo de Mengo e Black (2015) que conclui sobre a persistente presença de crimes sexuais e agressões físicas e verbais entre os estudantes universitários, suscetíveis por isso de originar receios específicos pela sua ocorrência (Machado, 2004), em particular no sexo feminino (Berta, Ornelas, & Maria, 2007; Hollander, 2001). Mengo e Black (2015) referem assim o imperativo de se tomarem medidas e se pesquisarem estratégias de prevenção da violência nas universidades.
As questões da segurança nas universidades são de tal forma importantes que, segundo Cubas, Alves, Carvalho, Natal e Branco (2013) há instituições, como as universidades de São Paulo, Chicago e Warwick que têm equipas de agentes de segurança – públicas ou privadas – especialmente preparadas para supervisionar e atuar nessas comunidades estudantis, tal é a especificidade exigida para garantir a segurança nesses espaços. Na verdade, são várias as manifestações agressivas e até delituosas entre estudantes, o que leva à vivência de vitimação por parte de elementos dessa mesma população. O stalking, por exemplo, tem sido analisado (Myers, Nelson, & Forke, 2016), havendo resultados que apontam para as vítimas, quer do sexo masculino, quer do feminino, o que leva a que sejam recomendadas medidas educativas especiais para as populações estudantis, a respeito da violência. Os crimes sexuais são outro tipo de comportamento existente entre alguns estudantes que, dessa forma, fazem de outros vítimas. A preocupação com estas ocorrências vai sendo exteriorizada em diferentes países (Winzer, 2016), havendo ainda análises que se centram em outros crimes que ocorrem em contexto universitário, como violência e “terrorismo” no âmbito das relações íntimas (Straus & Gozjolko, 2014), cyberstalking entre casais de estudantes (Marcum, Higgins, & Nicholson, 2016), bullying (Sinkkonen, Puhakka, & Meriläinen, 2014) e cyberbullying (Xiao & Wong, 2013), agressão sexual (Winzer, 2016) além de muitos outros comportamentos violentos.
As investigações prosseguem, tratando-se de um tema que está longe de se esgotar e que, evidentemente, torna imperativo que os próprios estudantes sejam ouvidos a respeito do crime e da vitimação na sua área de estudo.
Método
Participantes
Neste estudo, realizado em 2015, participaram 307 estudantes de universidades ou institutos do Pólo Universitário de Asprela, com idades compreendidas entre os 18 e os 48 anos (M=23 e DP=5.6), sendo que mais de metade (68.7%) tinha menos de 24 anos. No caso do sexo feminino tem-se M=23 anos e DP=4.6 anos. Para o sexo masculino M=23 anos e DP=6.0 anos. A amostra foi constituída sobretudo por sujeitos do sexo masculino (69.4%), sendo predominantemente solteiros (90.6%), encontrando-se em grande número (67.4%) a frequentar a licenciatura (cf. Tabela 1).
Instrumentos
Neste estudo foi usado como instrumento para a recolha de dados, o questionário de DLS desenvolvido para a população geral, construído, adaptado e testado na população universitária portuguesa, encontrando-se já publicado (Sani & Nunes, 2013), cuja administração (após um pré-teste realizado com cinco estudantes) foi assegurada quer em suporte papel, quer digitalmente, conforme estabelecido pelas universidades que permitiram a recolha de dados junto dos seus alunos. O questionário é composto por cinco partes que avaliam os seguintes aspetos: (A) os dados sociodemográficos; (B) a segurança/insegurança na área urbana frequentada, em que se colocam questões voltadas para a perceção de segurança dos inquiridos quanto à área em que estudam; (C) a experiência de vitimação direta e indireta, questionando-se sobre a vivência de situações de vitimação por autorrelato; (D) o controlo social formal na resposta ao crime, em que se indaga a respeito da perceção da atuação das autoridades face ao crime; (E) a ligação e o envolvimento dos estudantes na resolução dos problemas da área urbana que frequentam.
Procedimentos
Após obtenção de autorização por parte de quatro estabelecimentos de ensino superior, instalados no Pólo Universitário de Asprela, e tendo o suporte prestado pelo Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública do Porto, passou-se à recolha de dados em suporte papel e digital, conforme definido por cada um dos estabelecimentos de ensino, não tendo sido esquecida a obtenção de parecer favorável pela Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa, relativamente à colheita de dados nessa instituição. Em ambas as modalidades de recolha de dados, houve o cuidado de fornecer todas as informações sobre o estudo aos possíveis participantes, que apenas integraram a amostra mediante o seu consentimento informado. Foram ainda asseguradas as condições de anonimato, havendo o cuidado de não se recolherem elementos que pudessem identificar os participantes. de igual modo, procurou-se salvaguardar a confidencialidade dos dados, que não foram revelados nem associados a nenhum participante, sendo antes os resultados do tratamento daqueles o que aqui se apresenta. Nos casos de preenchimento do questionário em suporte papel, houve o cuidado de recolher primeiramente as declarações de consentimento informado, sendo guardadas imediatamente em envelope fechado e, só depois, foram entregues os questionários que, após preenchimento, se guardaram em envelope diferente, de forma a não haver o emparelhamento entre questionários e declarações. O preenchimento do questionário demorou entre 20 e 30 minutos, por participante. Posteriormente, passou-se ao tratamento estatístico dos dados através do programa informático Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20, recorrendo a estatísticas descritivas e inferenciais, fazendo uso de teste de comparação.
Resultados
No que se refere à perceção dos estudantes quanto à in/segurança naquela área da cidade, 64.8% dos inquiridos referiu sentir-se em segurança, ao contrário de 35.2% que apontou sentir que se tratava de uma área insegura. Estes últimos referiram saber da existência de veículos automóveis vandalizados e apontaram a sensação de falta de segurança nas ruas (e.g., “Carros de colegas vandalizados nos arredores da universidade, mais do que uma vez”; “Concentração de bairros ditos perigosos”). Os estudantes referiram ainda a escassez de policiamento (e.g., “Falta de segurança na rua”; “Há falta de policiamento…”) como uma das razões que mais contribuiria para essa perceção de insegurança, tal como a “Degradação ambiental/distribuição espacial”.
Quando se comparam as respostas dos inquiridos sobre os crimes mais temidos e os mais frequentes (cf. Tabela 2) naquela área verifica-se alguma discrepância nos resultados. O roubo, a agressão física e o furto, que surgem como os primeiros crimes mais temidos, apontados por 73.6%, 60.9% e 59% de participantes respetivamente, não coincidem com a sequência de crimes que estão no topo da lista dos que mais frequentemente ocorrem naquela área urbana, em que o roubo (46.3%) foi referido por menos de metade dos sujeitos, estando abaixo do furto (54.1%) e dos danos a espaços/equipamentos públicos (46.9%). Também parece revelador que o tráfico de drogas, sendo um crime apontado por menos de um quarto da amostra (21.8%) como estando entre os mais temidos, se revela, para cerca de 34% dos inquiridos, como um dos mais frequentemente observados.
Deve ainda acrescentar-se que os participantes referiram a observação de algumas incivilidades naquela região da cidade, como os peditórios ilegalmente feitos nas ruas (56%), o abandono de fezes de animais de estimação na via pública (52.1%) e a ação de dispersar lixo nas ruas (46.9%).
Quanto às condições que, de acordo com os estudantes, poderão estar a potenciar o crime naquela região da cidade do Porto, a pobreza conjugada com o desemprego apresentou-se como razões invocadas pela maioria (62.9%), logo seguida da presença de conflitos e de delinquência juvenil (55.4%) e de um deficitário policiamento (55.0%). Estes aspetos conjugados com outros fenómenos (e.g., Consumo de drogas/álcool – 53.7%) ou certas caraterísticas dos espaços (e.g., Reduzido movimento durante a noite – 45.0%) favorecem a perceção quanto ao amento da criminalidade (cf. Tabela 3).
Inquiridos a respeito da eventual vivência de situações de vitimação, ocorridas na área de estudo, 15% dos estudantes respondeu ter sido vítima de crime nos últimos 5 anos, no Pólo Universitário. Esses 15%, correspondentes a 46 indivíduos, identificaram o tipo de crime de que foram vítimas, a altura do dia e o local da ocorrência, se se encontravam sós ou acompanhados e se conheciam o ofensor que os vitimou (cf. Tabela 4).
Observando os resultados que se encontram no Tabela 4, pode constatar-se que furto de automóvel e roubo são os crimes de que mais sujeitos foram vítimas, o que corresponde a 32.6% e 30.4%, respetivamente, dos 46 sujeitos que afirmaram ter sido vítimas (revelando-se em 4.9% e 4.6% da amostra). A situação de vitimação durante a noite ocorreu, para 58.7% das 46 vítimas, correspondente a 8.8% da amostra, tendo acontecido na rua para 71.7% dos que reportaram vitimação, o que equivale a 10.7% dos inquiridos. Observa-se ainda que 22 sujeitos (47.8% dos 46 que tinham reportado situações de vitimação) se encontravam sozinhos aquando da ocorrência, e mais de metade (54.3%) dos que foram vítimas (8.1% do total da amostra), referiram que o ofensor era um estranho.
Quando inquiridos a respeito do eventual contacto com as autoridades na sequência da situação que os vitimou, 22 dos sujeitos (correspondentes a 47.8% dos 46 que reportaram ter vivido situações de vitimação e a 7.2% da amostra) afirmaram ter estabelecido esse contacto, por razões várias, como as exigências da sua seguradora, o facto de considerarem que valeria a pena, até por confiarem nas autoridades. No entanto, mais de metade (52.2%) dos que haviam sido vítimas referiram não ter estabelecido qualquer contacto com as forças policiais (cf. Tabela 5).
No respeitante aos motivos que levaram a que algumas das 46 vítimas (24 participantes, representando 52,2% das vítimas) não contactassem os agentes de segurança (cf. Tabela 5), pode constatar-se que a maioria dos participantes (70.8% das 24 vítimas e 5.5% da amostra) considerou que “Não vale a pena” fazê-lo. Os inquiridos que mencionaram não terem contactado as autoridades por “Medo” e por “Outro” motivo (e.g., “Falta de tempo e receio que volte acontecer”; “Não havia maneira de saber quem era”) apresentaram a mesma percentagem de entre os participantes que não estabeleceram contacto com a PSP, i.e., 12.5%, 3 em 24, em ambos os casos.
Relativamente à formalização da queixa junto dos meios de controlo social formal, as justificações para essa formalização junto das autoridades (cf. Tabela 6) foram várias, entre as quais a possibilidade de “Recuperação dos pertences” (o que corresponde a 25% dos estudantes que formalizaram a queixa, 1.6% da amostra), seguindo-se o “Dever enquanto cidadão” (15% dos que formalizaram queixa). Para outros participantes, com uma percentagem de 10% de formalização da queixa, a mesma ocorreu “Devido aos danos sofridos”, “Para se fazer justiça”, “Para dar conhecimento às autoridades” e “Identificação do autor do crime”.
Já em relação aos que contactaram as autoridades mas decidiram não formalizar oficialmente a queixa (cf. Tabela 6), a maioria (65.4% dos 26 que não formalizaram queixa, ou seja, 37% das 46 vítimas) mencionou que “Não vale a pena/falta de tempo”. Seguiram-se os que mencionaram “Dificuldade em identificar o indivíduo”, “Falta de provas” e “Crime habitual”, representando no total 15.3% da não formalização. Razões como “Não foi necessário”, e “Falta de confiança nas autoridades”, num total de 7.6% da não formalização, foram outras justificações prestadas para a não formalização de uma queixa relativamente ao crime de que foram vítimas.
Parece importante perceber a opinião dos sujeitos que formalizaram queixa, a respeito da atuação policial (cf. Tabela 7). De acordo com a perceção dos estudantes do Pólo Universitário de Asprela, e segundo os dados anteriormente apresentados na Tabela 6, relativamente à formalização da queixa junto das autoridades, um número considerável (80% dos 20 participantes que formalizaram queixa, 5.2% da amostra) referiu que nenhuma medida teria sido tomada pelas autoridades ou, se efetivamente tivesse havido ações desenvolvidas, o próprio que formalizou a queixa não tomou conhecimento delas.
De acordo com os dados da Tabela 7, e relativamente às medidas que os participantes consideraram ter sido tomadas pelas autoridades, dos 20 inquiridos que haviam formalizado uma queixa, 19 sujeitos (95% dos que apresentaram formalmente uma queixa) indicaram insatisfação (6.2% do total da amostra) e apenas 1 em 20 referiu estar satisfeito (5%). A falta de eficácia policial, a não resolução do problema e a falta de policiamento foram algumas das razões para tal insatisfação, com destaque para alguns estudantes (57.9%) que referiram nem sequer ter tido conhecimento de ações e/ou resultados das mesmas, no sentido de dar uma solução à situação gerada pela vitimação. A “Falta de eficácia das autoridades” representa assim 21.1% das razões apresentadas em relação à não satisfação por parte das vítimas que formalizaram queixa (19 não satisfeitas das 20 totais).
O teste de Qui-quadrado (χ2) ou o teste Exato de Fisher, quando apropriado, foram usados para avaliar se existiam diferenças significativas na perceção de frequências de crimes e os crimes mais temidos em função do sexo. Apenas se encontraram diferenças significativas em relação aos crimes apresentados na Tabela 8. Todas as diferenças encontradas indicam a maior sensibilidade do sexo feminino para a “Violência doméstica contra/entre menores” e “Violência doméstica contra/entre namorados/cônjuges” na perceção de frequência de crimes, e para o “Roubo”, “Assalto a residência”, “Ofensa sexual” para os crimes mais temidos.
Discussão dos resultados
Este estudo conduziu à obtenção de resultados que permitem uma análise reflexiva e atenta a alguns pormenores a respeito das questões de segurança/insegurança no Pólo Universitário de Asprela, designadamente, entre populações específicas como os estudantes universitários. Assim, muito embora a literatura não apresente estudos a este respeito em Portugal, a verdade é que os aspetos associados à segurança/insegurança das populações têm sido explorados e podem ser aqui chamados à discussão.
Analisem-se os dados sociodemográficos que permitem extrair alguns elementos relevantes: perto de 70% dos participantes no estudo eram do sexo masculino, tendo menos de 24 anos de idade e, note-se, mais de metade dos alunos inquiridos (67.4%) estavam a frequentar o 1º ciclo de estudos. Poderá então depreender-se que a amostra se constitui de estudantes muito jovens, nos primeiros anos de universidade, o que terá algum impacto sobre as perceções apresentadas.
No referente à perceção de in/segurança, constatou-se que uma frequência não muito elevada, mas algo significativa, de sujeitos (35.2%) revelou a sensação de estudar numa área urbana insegura, havendo mesmo referência à “Falta de segurança na rua”. Ora, esta informação poderá ter relação com o facto de serem muito jovens, se encontrarem no início do processo de afastamento da família nuclear e, assim, sentirem alguma vulnerabilidade acrescida. Evidentemente, tal perceção poderá ainda estar associada ao que vai surgindo nos meios de comunicação social, em relação a crimes e incivilidades que naquela área urbana têm vindo a ocorrer. Isto não obsta a que essa sensação possa também derivar da própria distribuição espacial e das caraterísticas paisagísticas dos espaços que, em algumas zonas de Asprela, parecem não favorecer a segurança, pelo menos se atendermos aos princípios estabelecidos por Jeffery (1999). Eventualmente, certas caraterísticas podem estar a contribuir para a ocorrência criminal, podendo mesmo estar a gerar um sentimento de insegurança entre os estudantes. Aliás, outra das justificações para essa perceção de insegurança é precisamente a existência de problemas ao nível da “degradação ambiental/distribuição espacial”, o que remete para as questões da gestão dos espaços no sentido de uma maior sensação de segurança. Então, e segundo esta linha de pensamento, poderá concluir-se a respeito da necessidade de se reavaliar aquela área urbana em termos espaciais, de forma sistemática e estruturada, a fim de melhor complementar o que deste estudo exploratório se retirou.
Ora, atender aos espaços e à sua supervisão implica uma reflexão sobre as questões do controlo social formal e, portanto, sobre o modelo de policiamento ali implementado. A verdade é que as questões do policiamento foram sendo apontadas, de forma mais ou menos direta, como estando muito ligadas aos aspetos da in/segurança e da vitimação nessa área urbana de circulação de estudantes universitários. Essa referência às questões do policiamento, bem como aos aspetos ligados à atuação policial, remetem para os princípios apontados por Skogan e Frydle (2004), assim como para a ideia de uma ponte de permanente e dinâmica ligação entre polícia e cidadãos (cf. Bengochea et al., 2004). No entanto, o facto de haver estudantes que referem não ter tomado conhecimento das medidas policiais a respeito do crime de que foram vítimas aponta para lacunas graves ao nível da comunicação e, sem comunicação, não é possível estabelecer uma dinâmica de cooperação. Daqui se depreende facilmente que será extremamente importante rever o modelo de policiamento na zona do Pólo Universitário de Asprela que, de alguma forma, terá de ter em conta as especificidades desta comunidade da cidade do Porto.
Prosseguindo com a análise crítica aos resultados alcançados, constatou-se que os crimes mais frequentemente observados naquela região foram o furto, os danos a espaços/equipamentos públicos e o roubo, com valores percentuais muito próximos, respetivamente 54.1%, 46.9% e 46.3% da amostra. Note-se que se tratam de crimes que remetem para a perda de bens – roubo e furto – numa área urbana em que esta população poderá estar mais exposta a estes crimes por transportar consigo, frequentemente, computadores e outros dispositivos de custo algo elevado. No entanto, os crimes mais temidos pela população estudantil foram o roubo, seguido da agressão física e do furto, respetivamente 73.6%, 60.9% e 59.0% da amostra, o que demonstra que os crimes mais temidos não são coincidentes com os mais frequentemente observados. No entanto, o roubo e o furto também se apresentam como temidos, e não apenas como observados naquela área frequentada por estudantes, talvez pelos motivos invocados anteriormente. Pode ainda perceber-se que o medo do crime não se resolve necessariamente e apenas com o combate ao mesmo, mas também com uma atuação que permita à população perceber estratégias policiais que, depois, se traduzam num efetiva preservação das rotinas do quotidiano e permitam ao indivíduo uma experiência subjetiva de segurança (Fernandes & Rêgo, 2011; Machado da Silva, 2011). Esta e várias outras conclusões permitem inferir que se impõe a necessidade de medidas policiais integradas que impliquem o envolvimento da comunidade, pois é a partir da participação dos atores sociais que pode ser encontrada, de forma mais eficaz, uma estratégica de intervenção (Birchal et al., 2012).
Outro aspeto, não menos importante mas nem sempre valorizado, consiste no impacto das incivilidades que, neste estudo, foram sendo referidas pelos estudantes do Pólo Universitário de Asprela. Mais uma vez, pode associar-se esse elemento ao apontado por Jeffery (1999). Assim, e em conjugação com a revisão dos espaços físicos, deveria haver um esforço no sentido de se desenvolverem e implementarem programas de intervenção comunitária, que integrassem medidas como o empowerment das populações, neste caso, dos estudantes. Seria até algo facilmente alcançável, desde que se apelasse à colaboração das próprias universidades.
O imperativo da vigilância e da atuação policial foram sendo referidos como importantes, o que faz com que nos voltemos para as questões do controlo social formal (Hirschi, 2002). Ora, pensando agora nos sujeitos que reportaram ter vivido situações de vitimação, pode constatar-se que tais ocorrências se deram quer durante a noite quer de dia, frequentemente na rua e, das vítimas, mais de metade (52.2%) não chegou a contactar as autoridades por considerar, entre outras razões, que nem sequer valia a pena (37.0%). Estes dados revelam que a imagem dos agentes de segurança necessita de ser revista, já que os esforços por manterem a segurança não estão a ter a visibilidade desejável junto da população estudantil que, ao que parece, não considera, na sua maioria (70.8% dos estudantes que optaram por não estabelecer contacto), valer a pena comunicar com as forças policiais. Note-se que entre as justificações de alguns estudantes para a não formalização, junto das autoridades, da queixa sobre o crime de que foram vítimas, passam pela ideia de que o crime, ali, é habitual, numa clara aceitação generalizada do crime, como se de algo tão comum se tratasse que nem se formaliza uma queixa. Entre os que acabaram por formalizar queixa, sem se sentirem posteriormente satisfeitos com a atuação policial, encontram-se os que percecionam “falta de eficácia das autoridades”, podendo depreender-se que haverá algumas dificuldades de comunicação entre as forças policiais e os estudantes do Pólo Universitário de Asprela, não tendo estes a perceção de atuações efetivas e eficazes, o que impede a existência de confiança na atuação das autoridades policiais.
Observamos diferenças de sexo quer ao nível da perceção de frequência de determinados crimes, designadamente “Violência doméstica contra/entre menores” e “Violência doméstica contra/entre namorados/cônjuges”, quer ao nível dos receios produzidos por certos crime como o “Roubo”, “Assalto a residência”, “Ofensa sexual”, crimes geralmente envolvendo significativos níveis de violência e/ou que pressupõem um nível próximo de contacto interpessoal. Os participantes do sexo feminino revelaram possuir maior sensibilidade a este tipo de crimes, algo já evidenciado em outros trabalhos (cf. Berta et al., 2007; Machado, 2004; Winzer, 2016), defendendo-se, por exemplo, que a violência sexual e a sua ameaça implícita são parte integrante da identidade feminina e desempenham um importante papel regulador da experiência social das mulheres. Esta maior preocupação sentida pelas mulheres em relação a certos crimes interpessoais parece ser indissociável da sua maior consciência e perceção de vulnerabilidade física e social, algo frequentemente associado à construção da sua feminilidade (Hollander, 2001). Tais expectativas e perceções ditam o tipo de estratégias que as mulheres adotam para garantir a sua segurança (sejam de evitamento ou proteção) na interação que estabelecem com os outros, seja em contexto público e/ou privado (Berta et al., 2007).
Várias respostas sobre a atuação policial acabam por conduzir até aspetos desde há muito apontados por autores como Paton et al. (2009) e encaminham para a ideia de que o policiamento de proximidade tem de ser adaptado às necessidades, aos recursos e às especificidades de cada comunidade. Assim, o que se pretende de um policiamento do século XXI é que seja efetivamente voltado para a resolução dos problemas locais, como refere a Community Oriented Policing Services (2009).
Os programas comunitários a implementar devem fundamentar-se em análises científicas (Kapardis, 2010), comunitárias e centradas nas especificidades das populações (Sani & Nunes, 2013; Skolnick & Bayley, 2006), mediante um modelo que obedeça ao salientado pela United Nations Office on Drugs and Crime (2006).
Indubitavelmente, as polícias modernas têm vindo a aderir a modelos mais eficazes e de maior proximidade relativamente às populações, procurando garantir a segurança enquanto fator essencial ao bom desenvolvimento comunitário (Carrión, 2002), e atendendo aos problemas locais (Skolnick & Bayley, 2006), com contenção do medo para evitar as suas nefastas as suas consequências (Eckert, 2002; Neme, 2005). Mas o que se pergunta é se esses modelos não deverão ser localmente adaptados.
Conclusões
Com a realização deste estudo foi possível perceber, por um lado, que pese embora os participantes tenham identificado a ocorrência de certos delitos criminais, percecionam o Pólo de Asprela como um espaço de segurança e, por outro lado, de que a experiência de vitimação nem sempre é reportada às autoridades, traduzindo-se numa perceção fragilizada quanto à atuação policial. O estudo permitiu concluir, deste modo, pela importância da formulação estratégica de planos de segurança baseada numa participação da comunidade.
Não obstante, o presente estudo revela algumas limitações sobre as quais importa refletir: desde logo, trata-se de um estudo exploratório não sendo possível a generalização dos resultados; além disso o estudo analisou a questão da (in)segurança unicamente a partir da perspetiva dos estudantes universitários, utilizando-se medidas de autorrelato.
Face a estas limitações do estudo, torna-se fundamental avançar com uma avaliação centrada na análise das perceções dos estudantes, junto de uma amostra mais representativa, e apelando a outros relatos de diferentes atores sociais também importantes no Pólo Universitário de Asprela (e.g., funcionários, docentes, etc.). Conclui-se também que os aspetos paisagísticos e arquitetónicos, tão estreitamente ligados à ocorrência criminal, deverão ser alvo de atenção. Parece também evidente a necessidade de criar um programa de intervenção comunitária, cientificamente pensado e aplicável por diferentes técnicos, a par das ações consertadas e implementadas pelos poderes locais, pelas forças de segurança e pelas diferentes universidades ali estabelecidas. É inquestionável a necessidade do envolvimento comunitário, nomeadamente das diferentes universidades, num programa que se crie, tendo em consideração parceiros, como associações locais, associações de estudantes e figuras representativas da população residente, para que se verifique uma real aproximação à população e aos problemas locais.
Por último, e para se otimizarem de facto as medidas a tomar, parece ser muito importante ter consciência de que apenas com um real funcionamento multidisciplinar, num cruzamento cooperativo entre investigação científica e investigação criminal, será possível fazer a diferença. Na verdade, o designado policiamento de proximidade tem de ultrapassar o plano das palavras para se assumir como verdadeiramente próximo das populações que dele necessitam.
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A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Laura M. Nunes, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto, Portugal. E-mail: lnunes@ufp.edu.pt
Submissão: 11/03/2017 Aceitação: 07/05/2017