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Revista Portuguesa de Saúde Pública
versão impressa ISSN 0870-9025
Rev. Port. Sau. Pub. v.28 n.2 Lisboa dez. 2010
Determinantes sociais e económicos da Saúde Mental
Ana Alexandra Marinho Alves a, Nuno Filipe Reis Rodrigues b
aPsiquiatria. Hospital de Magalhães Lemos, Porto, Portugal, analexandralves@gmail.com
bSaúde Pública. Agrupamento de Centros de Saúde do Grande Porto VII Porto Oriental, Portugal
Resumo
O conceito de "saúde mental" é amplo, e nem sempre é fácil a sua definição, ou a identificação daquilo que a determina. No entanto, da mesma forma que a "saúde" não é apenas a ausência de doença, também a saúde mental é mais do que apenas a ausência de perturbação mental. Neste sentido, tem sido cada vez mais entendida como o produto de múltiplas e complexas interacções, que incluem factores biológicos, psicológicos e sociais. Neste artigo são revistos alguns dos determinantes sociais e económicos da saúde mental, nomeadamente factores como condições laborais e desemprego, educação, pobreza, condições de habitação, nível de urbanização, discriminação sexual e violência de género, experiências precoces e interacção familiar, exclusão social e estigma, cultura e acontecimentos de vida stressantes. Por fim, salientase também a importância do conhecimento dos determinantes sociais e económicos da saúde mental numa perspectiva de Saúde Pública, e a sua relevância para a redução da carga global de doença e a melhoria da saúde mental das populações.
Palavras-Chave: Saúde mental, Determinantes sociais, Determinantes económicos, Doença mental, Pobreza, Saúde pública.
Mental health: social and economic determinants
Abstract
The concept of "mental health" is comprehensive, and it isn't always easy to define or to identify its determinants. However, in the same way that "health" isn't merely the absence of disease, mental health is also more than just the absence of mental disorder. Thus, it has increasingly been understood as the product of multiple and complex interactions that include biological, psychological and social factors. This article reviews some of the social and economic determinants of mental health, including factors like working conditions and unemployment, education, poverty, housing conditions, urbanization, sexual discrimination and gender based violence, early experiences and family interactions, social exclusion and stigma, culture, and stressful life events. Finally, the importance of the knowledge of social and economic determinants of mental health in a Public Health perspective is also highlighted, as well as its relevance to reduce the global burden of disease and to improve the mental health of populations.
Keywords: Mental health, Social determinants, Economic determinants, Mental illness, Poverty, Public health.
Introdução
No passado, a política de saúde era entendida como algo que se destinava apenas à provisão de financiamento para os cuidados médicos, e os determinantes sociais da saúde eram tema de discussão apenas ao nível académico 1. No entanto, esta visão tem vindo a mudar, sendo adoptada uma perspectiva de Saúde Pública Global. Deste modo, a saúde é cada vez mais entendida numa perspectiva abrangente. Por outro lado, a comunidade científica tem vindo a ser chamada a participar na transposição do saber académico, eminentemente teórico, para a prática quotidiana (seja ela clínica, na comunidade ou política). Esta mudança tem permitido o desenvolvimento de sistemas de saúde que incluem estratégias de promoção da saúde e prevenção da doença e que integram a informação sobre os determinantes da saúde. Assim, é possível a organização de sistemas de saúde culturalmente sensíveis, que compreendem uma prestação dos cuidados adequados à população que servem, bem como aos factores que, num determinado contexto, influenciam a manifestação de doença 2. Esta visão integradora é particularmente relevante no âmbito da saúde mental (SM).
O conhecimento dos determinantes sociais e económicos da SM é extremamente importante, na medida em que pode e deve ser integrado na formulação de políticas numa perspectiva de Saúde Pública, contribuindo deste modo para melhorar a SM das populações e reduzir a carga global de doença. Assim, o presente artigo constitui uma revisão dos principais determinantes sociais e económicos da SM.
Determinantes sociais e económicos da Saúde Mental
O conceito de "Saúde Mental" (SM) é amplo, pelo que nem sempre é fácil a sua definição, e muito menos a identificação daquilo que a determina. No entanto, da mesma forma que o conceito de "saúde" se refere a "um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade", também a SM se refere a algo mais do que apenas a ausência de perturbação mental 3. Neste sentido, tem sido cada vez mais entendida como o produto de múltiplas e complexas interacções, que incluem factores biológicos, psicológicos e sociais.
As evidências sobre os determinantes sociais e económicos da SM, obtidas a partir de diversos estudos realizados para avaliar o impacto das perturbações mentais numa perspectiva abrangente, têm sido importantes para explicitar a relevância da SM na saúde física, e também para evidenciar a relação entre várias doenças orgânicas e a SM. Por outro lado, estes estudos têm demonstrado a carga global que as doenças mentais acarretam, constituindo uma importante causa de morbilidade e mortalidade 4.
O relatório sobre a Projecção da Mortalidade e da Carga Global de Doença 2002-2030 mostrou a verdadeira dimensão do contributo das perturbações mentais, através do uso de uma medida integrada de carga de doença: ano ajustado vivido com incapacidade (Disability Adjusted Life-Year DALY), e que é constituído pela soma dos anos vividos com incapacidade e os anos de vida perdidos 5. O relatório revelou ainda que, as perturbações neuropsiquiátricas contribuem para cerca de um quarto de todos os DALY's e que, entre as doenças não comunicáveis, constituem a fracção mais significativa, contribuindo para cerca de um terço das mesmas, embora esta proporção seja variável entre os vários países, de acordo com o seu nível de rendimento 5. As condições neuropsiquiátricas que mais contribuem para os DALYs são as perturbações mentais, especialmente a perturbação afectiva unipolar e bipolar, as perturbações relacionadas com o abuso de substâncias e álcool, a esquizofrenia e demência 5.
Também têm sido conduzidos vários estudos em países com diferentes níveis de desenvolvimento, mostrando que uma grande parte dos determinantes da SM é comum, independentemente do nível de desenvolvimento.
De entre os factores sociais e económicos que influenciam a SM, salientam-se os seguintes determinantes:
Emprego: a estabilidade laboral, tal como a satisfação no trabalho, estão relacionadas com melhores níveis de saúde e bem-estar. Ao invés, o desemprego está associado a maiores níveis de doença e mortalidade precoce 6. A insegurança laboral, o receio de perder o emprego e a consequente vulnerabilidade, associam-se a baixa auto-estima e a sentimentos de humilhação e desespero, especialmente em contextos de falta de suporte social, nos quais a situação de desemprego pode levar à carência dos bens essenciais, nomeadamente alimentação, para o próprio e para a sua família. Esta situação associa-se a elevadas taxas de ansiedade e depressão, bem como suicídio 1,7.
Educação: vários estudos têm demonstrado uma forte associação inversa entre o nível educacional e a ocorrência de doença mental (DM), nomeadamente perturbações mentais comuns (PMC) 8. Quanto maior o nível educacional, menor a incidência de PMC 9. Um dos mecanismos implicados nesta associação seria o de que um maior nível de educação permite o acesso a empregos melhor remunerados, melhores condições de habitação, conduzindo a uma maior inclusão social 3,8. Por outro lado, um nível educacional baixo poderia ser um marcador de condições adversas na infância 9, ou de um nível socioeconómico baixo. No entanto, estes achados não são universais. Em alguns estudos, nomeadamente no Reino Unido, esta associação não foi identificada, verificando-se que o nível de rendimento, mas não o nível educacional, estava associado com a ocorrência de PMC 9. No entanto, um baixo nível educacional, associado com outros factores que geralmente lhe estão associados (desemprego, pobreza, exclusão social), pode constituir uma barreira difícil de transpor no acesso aos cuidados de saúde naqueles que, em virtude destes factores, se encontram já em maior risco de desenvolver uma perturbação mental 3.
Pobreza: Numa visão estrita, refere-se à falta de dinheiro ou bens materiais. Numa perspectiva mais ampla, que é também aquela que abarca a relação com a doença mental, pode ser entendida como a falta de meios (sejam eles sociais, económicos, educacionais) 3. Do ponto de vista epidemiológico, a pobreza traduz-se por um baixo nível socioeconómico, privação, más condições de habitação, desemprego, baixa escolarização e baixa coesão familiar 10, sendo que estes elementos também se associam à DM, constituindo factores de risco. Estes estão presentes não apenas nos países com um menor nível de rendimento, como também afectam uma minoria significativa da população em países ricos.
A relação da "pobreza" com a DM é complexa e tem sido extensamente estudada. Esta relação é multi-direccional, podendo ser identificados três níveis de associação.
Uma das teorias explicativas a este respeito, a da causalidade social, postula uma associação entre baixo nível socioeconómico e maior adversidade ambiental (nomeadamente life events stressantes, má qualidade dos cuidados maternos e obstétricos, bem como escassos recursos sociais), sendo esta a via através da qual se expressaria o maior risco de DM associado ao baixo nível socioeconómico. Assim sendo, a pobreza material parece ser um factor de risco para o desenvolvimento de DM 10.
Outra teoria, contrastante com a anterior, é a da selecção social. Esta teoria defende que a DM ocorre mais frequentemente associada a um baixo nível socioeconómico. De acordo com este modelo, a doença pelas limitações que condiciona, e que se repercutem numa baixa escolarização, desemprego, maior tensão familiar e, consequentemente, menor coesão familiar, isolamento e maior exposição ao efeito do estigma, contribui para que as pessoas afectadas sejam "arrastadas" para os estratos socioeconómicos mais baixos. Para além disso, estes factores seriam preditivos de um mau prognóstico relativamente ao outcome da DM. Assim, de acordo com esta teoria, a pobreza constitui não só um factor de risco para a DM, como também contribui para um prognóstico negativo no seu outcome 10.
Tem havido alguma controvérsia relativamente a qual destes mecanismos será mais preponderante. No entanto, ambos parecem ser relevantes e não mutuamente exclusivos. Contudo, o mecanismo da causalidade social poderá ser mais válido no caso das perturbações de ansiedade e na depressão, enquanto o mecanismo da selecção social poderá ser mais relevante nas psicoses e nas situações de abuso de substâncias 3.
Por fim, pode ser também considerada a pobreza associada à prestação dos cuidados de SM (falta de cuidados compreensivos, culturalmente apropriados e que tenham em conta as necessidades e o contexto do doente, e não apenas os fármacos e intervenções psicoterapêuticas e psicossociais disponíveis). Esta nem sempre se associa à falta de recursos económicos mas, no entanto é um factor de prognóstico fundamental para o outcome das DM. Uma evidência desta situação decorre da observação de que os doentes que sofriam de psicose nos países em desenvolvimento tinham um melhor prognóstico comparativamente com aqueles de países desenvolvidos 10.
A pobreza também condiciona barreiras no acesso aos serviços de saúde (não só no que se refere à prestação de cuidados de saúde mental especializados, como também para os cuidados de saúde primários), verificando-se sérias limitações especialmente nos segmentos da população socialmente mais desfavorecidos 3,7. Esta situação tem obviamente um impacto negativo na saúde mental e também física.
Habitação: uma habitação condigna proporciona abrigo, não só físico mas também psíquico, sendo tradutor do nível de protecção que a pessoa em causa possui (social, económica, física, psicológica). A qualidade da habitação está também intimamente relacionada com o nível económico, e em alguns estudos verificou-se que pode traduzir de forma mais fiável o grau de pobreza 8. As pessoas sem-abrigo encontram-se expostas ao maior risco de doença, não só mental mas também física e ainda a um maior risco de mortalidade 1.
Urbanização: tem sido encontrada uma associação entre viver em grandes cidades e ter um maior risco de DM. Esta associação pode ser explicada por diversos factores de stress e circunstâncias adversas, nomeadamente o enfraquecimento dos laços familiares, a sobrepopulação e as inerentes dificuldades no acesso a bens essenciais, estilos de vida menos saudáveis (com menor prática de exercício físico, obesidade, ambiente poluído), maior stress na vivência do dia-a-dia (meios de transporte sobrelotados, condições de habitação mais precárias, níveis mais elevados de violência) e menor apoio social 3.
Por outro lado, a vivência em meios rurais isolados também pode gerar condições propícias ao desenvolvimento de perturbações mentais. O isolamento, a falta de transportes e comunicações, a dificuldade no acesso a meios de educação e formação profissional, e ainda a falta de oportunidades económicas podem condicionar graves dificuldades socioeconómicas que favorecem o aparecimento de doença mental, nomeadamente depressão 3. Por outro lado, geralmente o acesso aos cuidados de saúde mental é mais difícil em meios rurais, o que deixa esta franja da população numa situação ainda mais precária perante condições potencialmente adversas para a sua saúde mental.
Discriminação sexual e violência de género: a prevalência global de DM não é diferente entre homens e mulheres 3. No entanto, as mulheres têm um risco de sofrer uma PMC (por exemplo depressão, ou uma perturbação de ansiedade) duas vezes superior ao dos homens 4; esta situação ocorre não só nos países desenvolvidos, como também nos países em desenvolvimento 3. De facto, o género tem influência sobre muitos dos determinantes da SM, nomeadamente a posição socioeconómica, o acesso a recursos, papéis sociais e status. Nos países menos desenvolvidos, estes aspectos são mais proeminentes, associando-se frequentemente a situações de abuso e violência conjugal, pouca autonomia, dificuldade no acesso à educação 8, o que por sua vez se repercute de forma negativa a nível da SM (maior risco de depressão, ansiedade e suicídio) e também física (somatização, queixas ginecológicas) 4.
Têm sido propostos vários mecanismos para explicar a prevalência aumentada de depressão e perturbações de ansiedade nas mulheres, nomeadamente factores biológicos (relacionados com aspectos hormonais) 3. No entanto, os factores psicológicos e sociais são extremamente relevantes; não só pelos papéis multifacetados que a mulher desempenha e pelas responsabilidades que condicionam (familiares, laborais, entre outras), como também pela situação frequente de incapacidade para mudar os factores de stress do meio em que se encontra.
Por outro lado, as mulheres são com frequência vítimas de violência doméstica, estimando-se que a prevalência ao longo da vida seja de 16 a 50 % 3. A violência sexual é também comum e estima-se que ao longo da vida, uma em cada cinco mulheres seja vítima de violação ou tentativa de violação 3. Neste contexto a depressão e as perturbações de ansiedade são consequências frequentes.
Experiências precoces/ambiente familiar: Circunstâncias adversas numa fase precoce, nomeadamente a gravidez, podem condicionar défices no desenvolvimento fetal, através de alterações no desenvolvimento neurobiológico. A ocorrência de perturbação mental nas mães (nomeadamente o consumo de álcool ou drogas, stress ou depressão materna, condicionando estilos de vida pouco saudáveis) pode ter um impacto negativo na saúde dos filhos, com implicações a longo prazo 1. Um exemplo desta interacção é a associação entre DM nas mães (nomeadamente psicose ou depressão) e um maior risco de parto pré-termo, baixo peso ao nascer, desnutrição e problemas no desenvolvimento infantil 4. Estas circunstâncias vão afectar de forma negativa o desenvolvimento dos filhos, gerando-se um ciclo vicioso em que existe maior risco de DM. Por outro lado, determinadas perturbações mentais nos pais, como por exemplo abuso ou dependência de álcool, associam-se a maior risco de violência, gerando-se mais uma vez, um ciclo vicioso 4. O estabelecimento de relações afectivas estáveis com os pais ou com as figuras de referência, desde uma fase precoce é fundamental, para ocorra um desenvolvimento psicológico e intelectual normal, assim como uma adequada regulação emocional. A interacção precoce e as experiências durante a infância têm um impacto crucial na saúde mental da criança, com repercussões que se estendem até à vida adulta, influenciando deste modo a vulnerabilidade para a doença mental. Um exemplo desta evidência vem de crianças institucionalizadas que não recebem afecto e estimulação adequados e que apresentam mais tarde graves dificuldades ao nível da expressão emocional e da interacção pessoal, não desenvolvendo os mecanismos de coping adequados para lidar com situações de vida stressantes 3. Em alguns casos, e em virtude da falta de estimulação que sofreram, ficam ainda com défices intelectuais 3.
Exclusão social e estigma: O desemprego, o racismo, a discriminação e estigmatização podem levar à exclusão social, condição que se associa, pelas múltiplas vulnerabilidades que condiciona, a um elevado risco de DM e morte prematura 1. Nestas circunstâncias fica comprometido o acesso a bens essenciais, bem como a uma habitação, educação e todos os outros elementos que fazem parte do exercício da cidadania. A perda dos laços familiares, o ressentimento, a desesperança e o sentimento de incapacidade ajudam a criar um ciclo vicioso ao limitarem a capacidade para pedir ajuda, conduzindo a uma deterioração social e pobreza crescentes. As pessoas portadoras de incapacidade, os sem-abrigo, as minorias étnicas, os emigrantes, as pessoas institucionalizadas (nomeadamente as que são portadoras de doença mental e as crianças) encontram-se numa situação de maior vulnerabilidade para a DM 1.
Cultura: constitui o enquadramento de muitas patologias, contribuindo para a definição do que é considerado "doença mental" num determinado contexto cultural; também contribui para modular a forma de apresentação da patologia mental (por ex. o Síndroma de Dhat na Índia). Pode também afectar o padrão de procura de ajuda, pelo "rótulo" que associa a algumas das perturbações mentais. Por outro lado, a cultura pode ainda predispor, precipitar ou perpetuar DM através da geração de tipos de personalidade vulneráveis, criando papéis stressantes, promovendo interacções familiares patológicas, através dos processos de aculturação, reforçando determinados comportamentos desajustados através da sua aprovação ou sancionando comportamentos mais adaptativos, ou ainda estabelecendo práticas não saudáveis e padrões rígidos de comportamento 11.
Acontecimentos de vida stressantes: milhões de pessoas estão em todo o mundo expostas a situações de catástrofe natural ou conflitos 3. Tais circunstâncias, como por exemplo abuso infantil, violência (familiar, conjugal, em situações de guerra, entre outras), doenças crónicas ou lesões incapacitantes, exposição a situações de catástrofe natural, constituem vivências traumáticas que produzem um impacto negativo na SM, estando associados a elevado risco de depressão, ansiedade, perturbação de stress pós-traumático e suicídio 3.
Conclusão
O conhecimento dos determinantes sociais e económicos da SM é extremamente importante, na medida em que pode e deve ser integrado na formulação das políticas de Saúde numa perspectiva de Saúde Pública. Desta forma, poderá contribuir para melhorar a SM das populações e assim, reduzir a carga global de doença.
Enquanto os cuidados médicos podem melhorar a sobrevida e o prognóstico de algumas doenças graves, mais importante para a saúde da população como um todo são as condições sociais e económicas que podem, em primeiro lugar, contribuir para o adoecer e para a necessidade de cuidados médicos. Contudo, o acesso universal aos cuidados de saúde é claramente um dos determinantes sociais da saúde 1. Deste modo, o conhecimento dos determinantes sociais e económicos da SM é útil para evidenciar não só a importância da garantia ao acesso universal a serviços de saúde apropriados e custo-efectivos, como também a necessidade de implementação de programas que se destinem à promoção da SM e à prevenção das perturbações mentais. Para tal, é fundamental o incentivo e apoio à investigação, não apenas no âmbito do desenvolvimento de tratamentos eficazes, mas também com o objectivo de elucidar os seus determinantes e avaliar a prestação de cuidados pelos serviços de saúde 3.
Numa perspectiva mais abrangente, as evidências sobre os determinantes sociais e económicos da SM são também relevantes para salientar a necessidade da colaboração inter-sectorial para que possa ser possível uma melhoria das condições de vida das populações, e através desta, a melhoria dos níveis de saúde da população. Por outro lado, estas evidências reforçam a importância de promover a distribuição equitativa dos recursos existentes e assegurar cuidados equitativos ao longo de todo o espectro da sociedade, incluindo a protecção dos direitos dos doentes mentais graves institucionalizados. O conhecimento do impacto na SM de factores como a educação, a pobreza, a desigualdade e a discriminação sexual das mulheres, a exclusão social, entre outros, permite que estes sejam tidos em conta aquando da formulação das políticas de saúde. Reforça ainda a necessidade de uma avaliação e monitorização adequadas da SM ao nível da comunidade, contemplando também as populações mais vulneráveis, como as crianças, mulheres e idosos.
A promoção de estilos de vida saudáveis e a redução de factores de risco para as perturbações mentais e comportamentais, como por exemplo ambientes familiares instáveis, situações de pobreza, abuso e injustiças sociais, podem também ser alvo de intervenções norteadas pelo conhecimento sobre os determinantes da SM. Pretende-se assim que estas intervenções possam contribuir para a melhoria das circunstâncias nas quais as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem.
A divulgação das evidências que vão surgindo a partir de investigações e estudos realizados um pouco por todo o mundo pode ser um factor crucial na mobilização da vontade política a nível mundial. A implementação de políticas de apoio à família, permitindo uma maior estabilidade familiar, a promoção da coesão social e do desenvolvimento sustentado das comunidades pode ser uma realidade tangível, se for tida em conta a importância da SM, e dos factores que a determinam, numa perspectiva de saúde global.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver conflito de interesse.
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Recebido em 15 de Junho de 2010
Aceite em 13 de Setembro de 2010