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Revista Portuguesa de Saúde Pública
versão impressa ISSN 0870-9025
Rev. Port. Sau. Pub. v.29 n.1 Lisboa jan. 2011
Qualidade do ar interior em estabelecimentos da restauração após a entrada em vigor da lei portuguesa de controlo do tabagismo
José Preciosoa, Maria José Lopezb, Esteve Fernándezc, Manel Nebotb
aInstituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, Portugal. precioso@ie.uminho.pt
bAgência de Saúde Pública de Barcelona, Barcelona, Espanha
cInstituto Catalão de Oncologia de Barcelona, Barcelona, Espanha
Resumo
Introdução: Um estudo efectuado na cidade de Braga, em Fevereiro de 2008 (pouco tempo depois da entrada em vigor da lei n.º 37/2007 de 14 de Agosto de controlo do tabagismo), no sector da restauração e similares, revelou que há proprietários desses estabelecimentos que permitem que se fume no interior. Este facto levantou o problema de saber qual a concentração de nicotina (indicadora da poluição por fumo do tabaco) presente no ar nesses locais. Participantes e método: A qualidade do ar foi avaliada em Março de 2009, em 6 locais de restauração e similares, da cidade de Braga: 2 restaurantes com menos de 100 m 2 que permitem que se fume no interior; 2 cafés com menos de 100 m 2 (um café que permite que se fume no interior e outro que proíbe o consumo); um bar nocturno com menos de 100 m 2 para fumadores e uma discoteca com uma área para fumadores e outra para não fumadores, separadas por uma cortina de ar. A medição da fase de vapor de nicotina no ar foi feita por monitorização activa, através da utilização de monitores, segundo o método aplicado por Hammond 1. As partículas (PM 2,5) foram medidas com um medidor Side Pack. Resultados: A concentração média de nicotina presente no interior dos restaurantes e no café onde é permitido fumar foi de 6,29 mg/m 3, enquanto que no interior do café onde é proibido fumar foi de 1,1 μg/m 3. A concentração de nicotina no "bar" apresenta um valor bastante elevado (9,42 μg/m 3). Na discoteca, a concentração de nicotina é a mais elevada registada em espaços fechados (19,1 μg/m 3 na área em que é proibido fumar e 10,2 μg/m 3 na área para fumadores). Conclusões: Os resultados sugerem que em locais da hotelaria (restaurantes e similares), onde é permitido fumar, há uma elevada contaminação do ar por Fumo Ambiental do Tabaco, à qual estão particularmente expostos os trabalhadores. Mais estudos são necessários para clarificar a situação do consumo de tabaco no sector da restauração.
Palavras Chave: Fumo ambiental do tabaco. Controlo do tabagismo. Saúde pública.
Indoor air quality in hospitality venues after the implementation of the Portuguese tobacco control law
Abstract
Introduction: A study carried out in the city of Braga, in February 2008 (shortly after the entry into force of Law 37/2007 of August 14 of tobacco control), in hospitality venues revealed that there are establishments that allow smoking inside their facilities. This raised the problem of knowing what the concentration of nicotine in the air present in these venues is (an indicator of pollution by tobacco smoke). Participants and methods: The air quality was assessed in March 2009, in six hospitality venues, of the city of Braga: two smoke free restaurants under 100 m 2; two coffees less than 100 m 2 (a smoke free coffeehouse and another that does not allow consumption); a smoke free night bar with less than 100 m 2 and a nightclub with a smoking area and a nonsmoking room, separated by a curtain of air. Measurement of vapor phase nicotine in air was done by active monitoring, through the use of monitors, using the methodology applied by Hammond 1. Particles (PM 2.5) were measured with a Side Pack. Results: The average concentration of nicotine inside the smoke free coffeehouses and restaurants is 6.29 mg/m3, while inside the coffeehouses where smoking is not allowed is 1.1 mg/m3. The concentration of nicotine in the night bar has a very high value (9.42 mg/m3). At the disco, the concentration of nicotine is the highest recorded in enclosed spaces (19.1 mg/m3 in the area where smoking is forbidden and 10.2 mg/m3 in a smoke free area). Conclusions: The results suggest that in the hospitality venues, where smoking is permitted, there is a high air contamination by Environmental Tobacco Smoke, which are particularly exposed workers. More studies are needed to clarify the situation of tobacco consumption in the hospitality sector.
Keywords: Second hand smoke. Tobacco control. Public health.
Introdução
Segundo a Agência Internacional de Investigação em Cancro (International Agency for Research on Cancer - IARC), está demonstrado que a exposição ao Fumo Ambiental do Tabaco (FAT) causa cancro em humanos, devido ao facto de conter na sua composição cerca de cinquenta substâncias cancerígenas. Por esse motivo, o FAT foi classificado, pela Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (US Environmental Protection Agency), no Grupo A de carcinogéneos 2. Sendo o principal carcinogéneo humano presente no ar, o FAT constitui uma importante causa de cancro - em particular de pulmão - e de outras patologias, responsáveis pela morte de milhares de pessoas 2,3. Os níveis de nicotina para os quais se verificaram efeitos carcinogéneos situam-se entre 1 e 10 μg/m 3 de nicotina 4. Actualmente, a evidência de que a exposição ao FAT é prejudicial à saúde, em todos os estágios da vida humana, é consistente, robusta e consensual 5.
O relatório do US Surgeon General, de 2006, refere que as actuais evidências sugerem que um não fumador exposto ao FAT, em casa ou no local de trabalho, apresenta um risco acrescido de 20 % a 30 % de vir a sofrer de cancro do pulmão e de cerca de 25 % a 30 % de padecer de uma doença cardíaca 6.
Um estudo efectuado em 2004 pela Cancer Research UK, a European Respiratory Society, o Institut National du Cancer e a European Heart Network estima que, em 2002 e na Europa dos 25, o FAT tenha sido responsável pela morte de mais de 79000 adultos (7000 em resultado da exposição ao FAT no local de trabalho e 72000 mortes devidas à exposição no domicílio). O mesmo estudo apresenta estimativas que indicam que o FAT terá sido responsável pela morte de mais de 16600 não fumadores expostos no domicílio e mais de 2800 mortes em pessoas não fumadoras expostas no local de trabalho 7. Neste estudo, estima-se que a mortalidade em Portugal devido à exposição ao FAT tenha sido de 1519 pessoas num ano (1450 devido à exposição em casa e 79 devido à exposição no local de trabalho).
A mortalidade em Portugal, só de fumadores passivos, é estimada em 457 (432 devido à exposição em casa e 27 devido à exposição no local de trabalho) 7.
Com o objectivo principal de proteger os trabalhadores da exposição ao FAT, vários países têm adoptado legislação de proibição total ou parcial do consumo de tabaco em locais públicos, incluindo o sector da restauração.
Neste sector, as políticas que têm sido aplicadas vão desde a proibição total, à proibição parcial e à permissão de fumar.
A 1 de Janeiro de 2008, entrou em vigor, em Portugal, a lei n.º 37/2007 de 14 de Agosto, com o principal objectivo de reduzir os efeitos negativos da exposição ao FAT em locais públicos. No que diz respeito ao sector da restauração e similares (bares, discotecas, etc.), a lei portuguesa estipula que, em geral, é proibido fumar nestes locais, com as seguintes excepções:
"6 Nos locais mencionados na alínea q) [locais da restauração e similares] do n.º 1 do artigo anterior com área destinada ao público inferior a 100 m 2, o proprietário pode optar por estabelecer a permissão de fumar desde que obedeça aos requisitos mencionados nas alíneas a), b) e c) do número anterior. [ou seja: a) Estejam devidamente sinalizadas, com afixação de dísticos em locais visíveis (...); b) Sejam separadas fisicamente das restantes instalações, ou disponham de dispositivo de ventilação, ou qualquer outro, desde que autónomo, que evite que o fumo se espalhe às áreas contíguas; c) Seja garantida a ventilação directa para o exterior através de sistema de extracção de ar que proteja dos efeitos do fumo os trabalhadores e os clientes não fumadores].
7 Nos locais mencionados na alínea q) do n.º 1 do artigo anterior com área destinada ao público igual ou superior a 100 m 2 podem ser criadas áreas para fumadores, até um máximo de 30 % do total respectivo, ou espaço fisicamente separado não superior a 40 % do total respectivo, desde que obedeçam aos requisitos mencionados nas alíneas a), b) e c) do n.º 5, não abranjam as áreas destinadas exclusivamente ao pessoal nem as áreas onde os trabalhadores tenham de trabalhar em permanência" 8.
Um estudo observacional levado a efeito no sector da restauração da cidade de Braga, em Portugal, no ano de 2008 (em que foram avaliados 14 restaurantes com mais de 100 m 2; 16 restaurantes com menos de 100 m 2; 29 cafés ou similares; e 10 bares, pubs e discotecas), revelou que 76,8 % dos locais da restauração e similares optaram por se declarar espaços sem fumo. A maior taxa de adesão encontra-se nos restaurantes com mais de 100 m 2 (85,7 %) e a menor nas discotecas e bares nocturnos (70,5 %). Constata-se que há ainda muitos restaurantes, cafés e bares com menos de 100 m 2 e discotecas que permitem que se fume no interior. Algumas discotecas com mais de 100 m 2 optaram pela instalação de cortinas de ar a separar a zona de fumadores da zona de não fumadores 9. Percentagens semelhantes de adesão à proibição de fumar no interior dos estabelecimentos da restauração e similares portugueses foram encontrados num estudo mais amplo, realizado por Reis et al. 10.
Os resultados dos estudos observacionais anteriores levam a questionar qual a qualidade do ar nos restaurantes ou similares que permitem que se fume no interior, uma vez que supostamente deveriam ter sido instalados dispositivos de remoção do fumo do tabaco.
Objectivos
Determinar a qualidade do ar interior em estabelecimentos do sector da restauração e similares; avaliar o impacte da lei Portuguesa de controlo do tabagismo, na protecção de uma população especialmente vulnerável (trabalhadores da restauração).
Método
O estudo foi efectuado em Braga, Portugal, durante o mês de Março de 2009. A qualidade do ar foi avaliada em 6 locais de restauração e similares: 2 restaurantes com menos de 100 m 2 que permitem que se fume no interior; 2 cafés com menos de 100 m 2 (um café que permite que se fume no interior e outro que proíbe o consumo); um bar nocturno com menos de 100 m 2 para fumadores e uma discoteca com mais de 100 m 2 com uma área para fumadores e outra para não fumadores, separadas por uma cortina de ar. A amostra foi de conveniência, mas respeitou os seguintes critérios: locais sem cozinha aberta ou outra fonte importante de combustão; mínimo de 5 pessoas no local no momento da medição; nos restaurantes, as medições foram feitas depois do almoço ou do jantar; nos cafés, foram feitas a meio da tarde e no bar nocturno e discoteca, foram feitas após a meia-noite. Foi obtida autorização prévia dos proprietários dos estabelecimentos participantes. Em todos os locais foram colhidas amostras de ar dentro e fora do estabelecimento e, na discoteca, foram colhidas amostras de nicotina no ar na zona de fumadores e de não fumadores. A medição da fase de vapor de nicotina foi feita por monitorização activa. Para medir a fase de vapor de nicotina foram utilizados monitores passivos e utilizado o método seguido por Hammond 1, utilizado em estudos semelhantes realizados na Europa 11,12.
As amostras de nicotina no ar foram recolhidas através de um dispositivo de 37 mm de diâmetro, de plástico (monitor), contendo um filtro tratado com bissulfato de sódio. Estes monitores, quando prontos, foram acoplados a uma bomba através de um tubo com um fluxo de 2ml/min (fig. 1). A média de amostragem foi de 30 minutos. Para cada amostra foram registados os seguintes dados: o código da amostra; o tipo de estabelecimento (restaurante com mais de 100 m 2, com menos de 100 m 2, etc.); a localização do monitor no local; a data da amostragem; o tempo de início e fim da amostra de ar e a política de fumo (permissão de fumar, proibição completa de fumar ou proibição parcial com áreas para fumadores). Registou-se ainda informação sobre o tipo de ventilação existente em cada estabelecimento.
Figura 1 Dispositivo utilizado para monitorizar a nicotina no ar (bomba de vácuo e monitor).
Para efeitos de controlo de qualidade, foram colocados filtros dentro de monitores/dispositivos de amostragem (brancos) que não foram utilizados.
A análise de nicotina foi realizada no Laboratório de Saúde Pública da Agência de Barcelona, utilizando o método de cromatografia gasosa/espectrometria de massa.
Resultados
Conforme se pode ver na figura 2 e na tabela 1, a média da concentração de nicotina presente no interior dos dois restaurantes e no café com menos de 100 m 2, em que se permite fumar, é de 6,29 μg/m 3, enquanto o valor registado no interior do café onde é proibido fumar é de 1,1 μg/m 3. Estas concentrações são em geral maiores que os valores encontrados no estudo anterior, onde a concentração nos locais da hotelaria com menos de 100 m 2 teve uma mediana de 1,54 μg/m 3 de nicotina no ar 13.
Figura 2 Média de concentração de nicotina em restaurantes e cafés com menos de 100 m 2.
Tabela 1 Concentração de nicotina, no interior e exterior, de estabelecimentos de restauração e similares.
A concentração de nicotina no bar nocturno (onde se permite fumar) apresenta um valor bastante elevado (9,42 μg/m 3), sendo aproximadamente três vezes mais elevada dentro do que fora do bar e muito superior à que se verifica nos restaurantes (fig. 3).
Figura 3 Média de concentração de nicotina em restaurantes e cafés com menos de 100 m 2.
As concentrações mais elevadas foram encontradas na discoteca, quer na área onde era proibido fumar quer na zona para fumadores, sendo os valores respectivamente de 19,1 μg/m 3 e de 10,2 μg/m 3. Constata-se ainda que a contaminação do ar era superior na zona de não fumadores do que a registada na área onde é permitido fumar (fig. 4).
Figura 4 Média de concentração de nicotina na zona de não fumadores e de fumadores, de uma discoteca, com mais de 100 m 2.
Estes resultados estão em concordância com os dados obtidos por Nebot et al. 14 após a aplicação da lei espanhola, onde se constatou que, nos estabelecimentos do sector da restauração e similares em que os proprietários optaram pela permissão de fumar, a concentração de nicotina no ar era muito mais elevada do que a que se registou nos locais onde os proprietários proibiram o consumo.
Conclusões
Os resultados sugerem que em locais da hotelaria (restaurantes e similares) com menos de 100 m 2, onde é permitido fumar, há uma elevada contaminação do ar por FAT. Em resultado desta contaminação, pode inferir-se que um número elevado de trabalhadores está exposto ao FAT.
Os proprietários que permitiram o consumo de tabaco dentro dos estabelecimentos não instalaram dispositivos eficientes para eliminar o fumo de tabaco no interior (a maioria dispunha apenas de aparelhos de ar condicionado). O estudo também sugere que as cortinas de ar usadas para separar as zonas onde é permitido fumar e as áreas para não fumadores não são eficientes.
O relatório do US Surgeon General 6 refere que a evidência científica indica que não há um nível de exposição ao fumo passivo sem risco para a saúde.
Os dados apresentados neste estudo sugerem a necessidade de reforçar a implementação de políticas sem fumo nos estabelecimentos da restauração e similares, especialmente em benefício da saúde dos trabalhadores e como medida de reforço de um ambiente que torne mais fácil para os fumadores pararem de fumar. Só uma proibição total de fumar parece ser eficiente para criar uma atmosfera livre de tabaco no interior dos estabelecimentos da restauração. Mais estudos, com mais participantes, são necessários para validar estas conclusões.
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Conflito de interesse
Os autores declaram não haver conflito de interesse.
Recebido em 27 de Outubro de 2010
Aceite em 15 de Dezembro de 2010