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Revista Portuguesa de Saúde Pública
versão impressa ISSN 0870-9025
Rev. Port. Sau. Pub. vol.33 no.1 Lisboa jun. 2015
https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2014.06.004
ARTIGO ORIGINAL
Qualidade de vida em pessoas idosas no momento de internamento hospitalar
Quality of life in older persons at the hospitalization admission
Gorete Santosa, *, , Liliana Sousab,
a Hospital Infante D. Pedro, EPE, Mestre em Gerontologia, Estudante do 2° Ano do Programa Doutoral em Geriatria e Gerontologia
b Secção Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, Departamento de Ciências da Saúde, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal
RESUMO
O internamento hospitalar é um momento de elevada ansiedade para pessoas idosas, pois associa-se à deterioração da saúde e qualidade de vida. Este estudo analisa a qualidade de vida de pessoas idosas no momento da admissão num internamento hospitalar, considerando variáveis de natureza sociodemográficas, patologia e tempo de internamento. A amostra compreende 250 participantes (≥ 65 anos), 50,4% do sexo feminino. Administrou-se por entrevista o EasyCare (sistema de avaliação de pessoas idosas). Os principais resultados indicam: 27,6% dos participantes são dependentes nas AVD e AIVD; 38,5% são dependentes nas AVID e pouco dependentes nas AVD; 39,6% são independentes. As pessoas idosas mais dependentes tendem a ter mais idade, menores rendimentos, menor escolaridade, ser viúvos, viverem em instituição, sentirem-se mais deprimidos e estarem menos satisfeitos com a sua residência; os independentes são mais novos, tendem a estar mais satisfeitos com a sua habitação e a gerir de forma autónoma as suas finanças, apresentam maior escolaridade, são casados ou divorciados; e os dependentes moderados apresentam valores intermédios. Os resultados sugerem que a qualidade de vida é influenciada por estilos de vida, indicando que durante o internamento hospitalar estes fatores sejam valorizados.
Palavras-chave: Qualidade de vida. Doença. Envelhecimento.
ABSTRACT
Hospitalization is an event of high anxiety mainly for older persons, due to its association with health status deterioration and decrease of the quality of life. This study examines older person's quality of life at admission, considering the influence of socio-demographic, pathology and hospitalization duration variables. The sample comprises 250 participants (≥ 65 years old), 50.4% females. The Elderly Assessment System (EasyCare) was administered. Main findings show that: 27.6% of the participants are dependent in ADL and IDLA; 38.5% are dependent in IADL and independent in ADL; 39.6% are independent. The dependent tend to be older, with lower income, having lower education levels, being widowed, institutionalized, feeling more depressed and less satisfied with their residence; the independent tend to be less older, more satisfied with their housing conditions, able to manage their finances, with higher educational levels, married or divorced; and dependent moderates have intermediate values. Results suggest that the quality of life is influenced by life styles, what should be addressed during the hospitalization.
Keywords: Quality of life. Disease. Aging.
Introdução
O envelhecimento populacional torna mais relevantes tópicos como a qualidade de vida (QV) em pessoas idosas. O interesse neste tema tem-se acentuado nas últimas décadas, com grande ênfase na dependência/autonomia1. A QV é um constructo multidimensional, influenciado por fatores como estado de saúde, rede social e familiar, situação económica e atividades de lazer2. A QV é subjetiva, pois trata-se da perceção individual. As diferenças de QV entre pessoas idosas têm sido explicadas por estilos de vida, condições sociodemográficas e características pessoais3.
Em Portugal não foram encontrados estudos sobre hospitalização e QV. Contudo, a pesquisa internacional mostra que, principalmente nas pessoas idosas, na sequência de um internamento hospitalar tende a ocorrer diminuição da capacidade funcional e da perceção de QV, associada à maior prevalência de comorbilidades4,5. É pertinente conhecer a QV das pessoas idosas no momento do internamento hospitalar para melhor planear os serviços e recursos durante o internamento, respondendo com mais eficácia às suas necessidades e características. Este estudo analisa a QV de pessoas idosas no momento de internamento hospitalar, considerando a influência de variáveis sociodemográficas. Os resultados têm implicações para o desenvolvimento de medidas que visem melhorar os cuidados aos clientes idosos durante o internamento hospitalar.
Qualidade de vida, envelhecimento e hospitalização
O prolongamento da vida humana, que ocorre a nível mundial, é uma das maiores conquistas da humanidade, exigindo que os anos conquistados sejam acompanhados de QV6–9. O envelhecimento é um processo heterogéneo e complexo, normal, universal e inevitável, vivenciado de forma individual e singular8.
A QV é um conceito subjetivo, complexo e multidimensional, determinado pela perceção individual e por fatores ambientais e biológicos (como idade, etnia, cultura e estatuto socioeconómico). Trata-se de um conceito dinâmico que varia ao longo do tempo, tendo em conta as aspirações, ambições e perceções individuais em cada momento da vida10. Neste estudo adota-se a definição da OMS (1994), que também é a definição utilizada no Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas11. A QV12 segundo a OMS «é uma perceção individual da posição na vida, no contexto do sistema cultural e de valores em que as pessoas vivem e relacionada com os seus objetivos, expectativas, normas e preocupações. É um conceito amplo, subjetivo, que inclui de forma complexa a saúde física da pessoa, o seu estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças e convicções pessoais e a sua relação com os aspetos importantes do meio ambiente». Nesta definição prevalece a ideia de subjetividade (perspetiva individual), multidimensionalidade (várias dimensões), umas positivas e outras negativas (para uma «boa» QV é necessário alguns elementos estarem presentes e outros ausentes), envolvendo influência de fatores internos e externos (por exemplo, hábitos e estilo de vida).
A QV nas pessoas idosas assume contornos específicos, pois existem diferentes formas de ser idoso e diferentes padrões de envelhecimento10. Nesta fase da vida a QV associa-se ao passado (principalmente aos estilos de vida adotados), ao presente (sobretudo na forma como se encara o envelhecimento) e às perspetivas de futuro, mesmo que limitado (nomeadamente no sentido e projetos para os próximos tempos de vida)3,13,14. Frequentemente, a QV nas pessoas idosas tem sido associada à (in)dependência funcional, pois o aumento da idade tende a ser acompanhado pela deterioração de capacidades funcionais e aumento de doenças que potenciam a dependência9,15. De sublinhar que nas pessoas idosas há tendência para utilizar o estado de saúde e QV como sinónimos, contudo, a distinção deve ser efetuada16: a QV pode ser consequência do estado de saúde, mas a saúde é apenas um dos determinantes da QV. Além disso, outros aspetos influenciam a QV nos mais idosos, tais como15: rendimentos (por exemplo, as reformas baixas, insuficientes para enfrentar as necessidades, limitam a autonomia e diminuem a QV); reforma (pode levar à perda de papéis sociais e diminuição da autoestima); e o afastamento do meio (por exemplo através da institucionalização ou saída da própria casa para viver com um filho/a). Assim, a QV nas pessoas idosas depende da aquisição de atitudes e processos de coping que lhe permitam adaptar-se (capacidade adaptativa), encontrando formas (dentro das suas circunstâncias) de permanecer envolvida com o seu meio17.
A QV nas pessoas idosas é relevante para compreender o processo de envelhecimento e para desenvolver estratégias que visem o bem-estar nesta fase de vida. Um internamento hospitalar, em qualquer idade, é um momento vivido com elevada ansiedade; torna-se mais complexo nos mais idosos pela associação à morte, dependência e doença. Além disso, a hospitalização tende a reforçar sentimentos negativos da pessoa idosa, principalmente porque fica mais frágil, ansiosa e com sensação de isolamento18. A literatura indica que, após a alta hospitalar, principalmente as pessoas idosas tendem a apresentar declínio funcional e maior morbilidade e mortalidade nos meses seguintes19.
As taxas e duração de internamento hospitalar são superiores nas pessoas idosas, por comparação com as observadas noutros grupos etários20. Alguns dados hospitalares portugueses indicam que mais de um terço do total das altas hospitalares corresponde a pessoas com mais de 65 anos, sendo que cerca de 53% têm períodos de internamento superiores a 20 dias21. Segundo Boltz e Harrington22, entre 2002-2017 haverá um aumento de 78% de internamentos hospitalares de pessoas idosas e de 16% nos restantes grupos etários. Cerca de metade dos internamentos tem como principais causas doenças do foro circulatório e respiratório4,23–26. Hayes27 indica que em cada pessoa idosa independente tendem a existir 3 problemas crónicos, que são a principal causa de internamento hospitalar devido a descompensação da doença. Em Portugal os dados são similares, indicando que as principais causas de hospitalização são doenças dos aparelhos respiratórios e circulatórios.
Em Portugal não foram encontrados estudos sobre hospitalização e QV. É pertinente conhecer a QV das pessoas idosas quando chegam ao internamento hospitalar para poder planear serviços que respondam às suas necessidades, vulnerabilidades e forças, mantendo ou reforçando a sua QV e minimizando o impacto da doença e do internamento.
Objetivos
Este estudo analisa a QV da pessoa idosa no momento de admissão num internamento hospitalar, analisando a influência de variáveis sociodemográficas, patologia e antecedentes clínicos. Os resultados são relevantes para o planeamento de medidas de promoção da QV no âmbito dos cuidados às pessoas idosas durante o internamento hospitalar.
Métodos
Foi adotada uma metodologia quantitativa, de características descritivas, comparativas e correlacionais. Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética (n.° 762/CA) do Hospital Infante D. Pedro, E.P.E., em 14 outubro de 2009.
Instrumentos
No estudo utilizou-se o questionário compreendendo várias questões e uma escala: i) dados socioeconómicos (sexo, idade, escolaridade, profissão anterior à reforma, local de residência, diagnóstico ou motivo de internamento, data de internamento, tipo de apoio social recebido); ii) EasyCare, versão portuguesa validada em 200928.
EasyCare (sistema de avaliação de idosos)
O EasyCare foi desenvolvido no âmbito do programa European Prototype Care (EPIC), como um instrumento de rápida e simples utilização, para identificar múltiplas necessidades e avaliar diferentes domínios de QV em pessoas idosas (≥ 75 anos). O instrumento foi construído com base noutras escalas: índice de Barthel; SF-36 Health Survey; Geriatric Depression Scale, Dukes OARS; IALD Scales; WHO-11 Counties Survey Instrument; Cognitive Impairment Test. A primeira versão (2002) foi validada para a população portuguesa por Sousa, Galante e Figueiredo1; os resultados revelaram boas qualidades psicométricas. Em 2008, a Universidade de Sheffield, com representantes de outros países, reuniram para atualizar o instrumento. Surge a versão 2009, destinada a pessoas idosas com ≥ 65 anos de idade.
O EasyCare (2009) envolve 2 componentes: EasyCare Standard (dados sociodemográficos, aspetos sensoriais, autocuidado, mobilidade, segurança, condições de habitação, situação financeira, atividade física e saúde mental e bem-estar); EasyCare Supporting Instruments (permite obter dados adicionais sobre cuidadores informais e medicação). Neste estudo apenas se aplicou a componente standard. A validação linguística para Portugal foi efetuada por Sousa, Figueiredo e Guerra9. O EasyCare apresenta um sistema de pontuação, em que valores mais elevados significam menor QV e maior incapacidade; a pontuação pode variar entre um mínimo de 4 e um máximo de 144. O EasyCare é administrado à pessoa idosa para obter a sua perceção sobre as suas competências. Assim, a principal limitação é a impossibilidade de aplicação a pessoas que não se possam exprimir (afasia ou outras alterações da linguagem ou alterações cognitivas).
Procedimentos
Neste estudo foi utilizada uma amostra não probabilística (intencional), sendo selecionadas pessoas idosas (≥ 65 anos) internadas no serviço de Medicina 1, 2 e 3 do Hospital Infante D. Pedro, E.P.E. Este local foi escolhido intencionalmente por ser o local de trabalho da autora e por ser uma instituição parceira da Universidade de Aveiro. Além disso, Nicolau et al.29 analisaram a mortalidade e internamentos hospitalares por concelhos de Portugal Continental, verificando que o distrito de Aveiro apresenta uma das taxas mais elevadas de internamentos hospitalares do país; optou-se pelo serviço de Medicina Interna porque apresenta as taxas de internamento mais elevadas de pessoas idosas.
O tamanho da amostra foi determinado após pesquisa sobre o número de doentes com ≥ 65 anos admitidos no serviço de Medicina Interna em 2009 (ano anterior à recolha dos dados), através do Gabinete de Gestão de Informação do Hospital. Verificou-se o internamento de 391 pessoas idosas em 2009; uma amostra representativa30 incluiria 196 participantes para um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%; mas optou-se por 250 participantes, considerando a potencial morte experimental (este estudo faz parte de um projeto de investigação que analisa a influência da hospitalização na QV em 3 fases: admissão, alta e 6 meses após o internamento).
Para esta amostra foram definidos critérios de inclusão e exclusão. Os de inclusão são: idade ≥ 65 anos, apresentar discurso coerente, orientado no tempo e no espaço, auto e halo psiquicamente. Os critérios de exclusão são: défice cognitivo, debilidade intelectual com perda da crítica e capacidade de julgamento e capacidade de aprendizagem, alteração da comunicação (i. e. afasia de expressão e compreensão e atrasos significativos da linguagem), patologias associadas que alterem a capacidade cognitiva (por exemplo, síndrome de Down, doença de Alzheirmer, doença de Parkinson e doenças do foro psiquiátrico).
Os 250 questionários foram administrados por entrevista no momento de admissão do doente no serviço; após o acolhimento pelo profissional de serviço, os doentes eram contactados pela autora da investigação que pedia a sua colaboração. As entrevistas decorreram no hospital, sempre em locais que respeitavam a privacidade, após a assinatura do consentimento livre e esclarecido. A recolha de dados decorreu entre janeiro e agosto de 2010. A duração média das entrevistas foi de 30/40 minutos. As pessoas idosas, especialmente as que vivem sós, necessitavam contar as suas histórias de vida, prolongando as entrevistas.
Amostra
A amostra é constituída por 250 participantes, 50,4% do sexo feminino (tabela 1). A média etária é de 79,63 anos (DP = 7,64), residindo 59,6%, em meio urbano. Quanto ao estado civil, 49,2% dos entrevistados são casados, 44,4% são viúvos e 2,4% são divorciados. Observa-se que 41,6% vive em casal, 39,2% em família e 6% estão institucionalizados. A maioria dos participantes encontra-se aposentada (62%). Em relação ao rendimento: 70% indica ser «suficiente» e 26,4% refere que «não chega para as necessidades». Verifica-se predomínio de baixa escolaridade, sendo a média de 2,4 anos de escolaridade (DP = 2). Em relação ao apoio social: 85,2% – sem apoio; 7,2% – lar de idosos; 6,8% – apoio domiciliar.
O diagnóstico clínico ou motivo de internamento (categorizados de acordo com os aparelhos do corpo humano) inclui: 36,8% – doenças respiratórias (51,1% do sexo masculino); 18,8% – com multipatologias (51,1% do sexo feminino); 14,4% do aparelho neuro-hormonal (61,1% do sexo feminino); 11,6% do aparelho circulatório (62,06% do sexo feminino). Quanto aos antecedentes clínicos: 44% – mulitpatologias; 21,6% – aparelho circulatório; 9,2% – antecedentes clínicos relevantes (tabela 2).
Análise dos dados
A análise dos dados baseia-se na estatística descritiva, correlacional e classificatória, apoiada no uso do software SPSS versão 19.
As variáveis sociodemográficas são apresentadas através da estatística descritiva. Começamos por analisar as qualidades psicométricas do EasyCare para a amostra em estudo. Procedeu-se à análise em componentes principais (com rotação varimax) usando os 21 itens da escala (tabela 3) recomendados pelos autores. Depois calculou-se a consistência interna através do α de Cronbach.
Para estabelecer grupos de participantes no momento de admissão hospitalar procedeu-se à análise de clusters (K-means). Adotou-se uma solução de 3 clusters, por ser a mais ajustada aos resultados (tabela 4). Em seguida analisou-se a existência de alguma diferença ou tendência diferenciadora dos clusters em termos de sexo, residência, estado civil, «com quem vive», situação profissional, diagnóstico, antecedentes clínicos e apoio social. Para tal procedeu-se ao cálculo das frequências esperadas que se comparam com as observadas, utilizando o χ2 (qui-quadrado), que indica o desvio dos valores observados em relação ao valor esperado. Em relação às variáveis rendimento, escolaridade e idade calcularam-se as médias de cada cluster, existindo diferenças estatisticamente significativas em todas as variáveis (tabela 6). Em seguida analisou-se, calculando frequências observadas e esperadas, como os clusters variam com as restantes questões do instrumento (tabela 7). Efetuou-se a análise através de médias e comparação com ANOVA das restantes questões do EasyCare (tabela 8). Os pressupostos para a aplicação desta ANOVA (normalidade e homogeneidade) foram cumpridos.
Resultados
EasyCare: estudo das qualidades psicométricas
Através da análise em componentes principais obteve-se uma solução de 3 fatores que explicam 66,2% da variância (tabela 3).O cálculo das contribuições de cada item para cada fator permitiu obter a seguinte organização fatorial (tabela 3): fator 1 – Sentidos (itens que traduzem aspetos sensoriais); fator 2 – Atividades de vida diária (AVD) (itens que representam as atividades quotidianas de autocuidado); fator 3 – Atividades instrumentais da vida diária (AIVD) (itens que descrevem atividades necessárias à adaptação ao ambiente, envolvendo capacidades cognitivas).
A consistência interna através do α de Cronbach apresenta valores que variam: Sentidos (fator 1) = 0,55; AVD (fator 2) = 0,89; AIVD (fator 3) = 0,93. A consistência interna da escala global apresenta um valor muito satisfatório (α = 0,93).
Grupos de qualidade de vida
Os grupos de participantes organizados por clusters (tabela 4) foram classificados em: cluster 1 – dependentes (27,6%), envolve participantes dependentes nas AVD e AIVD; cluster 2 – dependentes moderados (32,8%), engloba pessoas dependentes nas AIVD e pouco dependentes nas AVD; cluster 3 – independentes (39,6%), inclui participantes independentes nas AVD e AVID e sem problemas sensoriais.
Os resultados indicam distribuições diferentes nas variáveis (tabela 5): estado civil (existem mais viúvos e menos casados do que o esperado no grupo dos dependentes e dependentes moderados; existem menos viúvos e mais casados no grupo dos dependentes); com quem vive (no grupo dos dependentes existem mais participantes a viver em família, instituição e sozinhos, e menos a viver em casal do que o esperado; no grupo dos dependentes moderados existem menos a viver em instituição do que o esperado; nos independentes há mais participantes a viver em casal e menos a viver em família do que o esperado).
Os resultados demonstram que quem é dependente tem uma média etária superior, apresenta escolaridade inferior e tem os rendimentos mais baixos (tabela 6). Os dependentes moderados apresentam valores intermédios; os independentes são mais novos, têm escolaridade superior e os rendimentos mais elevados.
Em relação aos problemas com a boca ou dentes (domínio “Cuidar de Si”) e com os pés e com a pele (domínio “Mobilidade”) verifica-se que no grupo dos dependentes existem mais participantes do que o esperado com esses problemas; no grupo dos independentes existem menos do que o esperado (tabela 7).
No domínio “Segurança” dentro e fora de casa verifica-se que nos dependentes existem menos participantes do que o esperado que sentem esse problema; no grupo dos independentes mais do que o esperado sente esses problemas.
No domínio “Local de Residência e Finanças” verifica-se: i) quanto à satisfação com a residência, nos dependentes há mais do que o esperado que não estão satisfeitos; nos independentes há mais satisfeitos do que o esperado; ii) na gestão financeira, entre os dependentes e dependentes moderados há mais participantes do que o esperado que não consegue assegurar essa gestão; nos independentes há mais do que o esperado que consegue fazer essa gestão.
No domínio “Manter-se Saudável” observa-se que: i) quanto ao exercício regular, nos dependentes há mais do que o esperado que não o faz; nos independentes há mais do que o esperado a praticar exercício regular; ii) sobre ficar com falta de ar em atividades regulares, nos dependentes há mais do que o esperado que fica com falta de ar; nos dependentes moderados e independentes há menos do que o esperado a revelar falta de ar. O consumo de tabaco e álcool é referido por poucos participantes (respetivamente: 30 e 10).
No domínio “Saúde mental e Bem-estar” os dados indicam que: i) quanto à realização de atividades significativas, nos dependentes há mais do que o esperado que não o faz; nos independentes há mais do que o esperado que o faz; ii) sobre sentir-se só, nos dependentes há mais do que o esperado que se sente muitas vezes só; nos dependentes moderados há mais do que o esperado que se sente por vezes só; e nos independentes há mais que nunca ou por vezes se sentem sós; iii) em relação a sentir-se deprimido e com pouco interesse em fazer coisas no último mês, nos dependentes há mais do que o esperado a sentir; nos dependentes moderados e independentes há mais do que o esperado a não sentir; iv) sobre preocupações com esquecimentos, nos dependentes há mais do que o esperado que sente; nos independentes há menos do que o esperado a sentir.
Os dados indicam que os dependentes (por comparação com os outros 2 grupos) caíram (domínio “Mobilidade”) mais vezes nos últimos 12 meses, percecionam menos saúde e no mês passado tiveram mais dores corporais (domínio “Saúde Mental e Bem-Estar”). Os independentes apresentam os resultados mais favoráveis e os dependentes moderados os intermédios (tabela 8).
Discussão
Os dados revelam 3 grupos de QV: dependentes (27,6%), dependentes moderados (32,8%) e independentes (39,6%). O grupo dos dependentes tem idade mais elevada, rendimentos mais baixos e menor escolaridade; os independentes são mais novos, com rendimentos superiores e maior escolaridade (os dependentes moderados apresentam os valores intermédios). Saliente-se que muitos dos participantes já foram internados noutros momentos da sua fase idosa, pois este grupo etário apresenta taxas de internamento hospitalar mais elevadas que outros grupos etários20, mas alguns enfrentam o seu primeiro internamento. A idade, escolaridade e rendimentos são 3 variáveis que, principalmente associadas, dão informações relevantes sobre a situação da pessoa idosa: é expectável que pessoas mais velhas, com pouca escolaridade e baixos rendimentos apresentem maior dependência. Esta é uma tendência reiterada na literatura, demonstrando que as pessoas idosas de classes socioeconómicas mais baixas são mais vulneráveis, pois ao longo da vida viveram em condições mais difíceis e tiveram menos cuidado(s) com a saúde1.
Também no contexto familiar existem diferenças entre os grupos: existem mais viúvos entre os dependentes e dependentes moderados e mais casados ou divorciados nos independentes. Como os dependentes tendem a ser mais velhos, a probabilidade de serem viúvos é mais elevada. Contudo, a literatura sugere que as pessoas casadas tendem a sentir-se mais capazes, porque se entreajudam enquanto casal; já os viúvos podem sentir-se um fardo e mais dependentes, pois sentem que recebem mais do que dão (menor reciprocidade)31. Os dados indicam que os participantes a viver em instituição tendem a ser mais dependentes, provavelmente indicando que a família cuida dos idosos enquanto estão independentes ou moderadamente dependentes; mas optam pela institucionalização quando a dependência aumenta e diminui a sua capacidade de prestar cuidados adequados1. A institucionalização, na sequência da doença/dependência, é um dos principais medos das pessoas idosas quando são internadas; de facto, a alta hospitalar é muitas vezes acompanhada de institucionalização ou apoio social (como serviço de apoio domiciliar). Os serviços hospitalares terão de durante o internamento promover a independência, mas também terão de preparar a eventual ou provável necessidade de apoio mais frequente. Esta situação tem de envolver a pessoa idosa internada e a família e exige dos profissionais de saúde a capacidade de mediar decisões.
Os profissionais de saúde que acompanham o internamento hospitalar (principalmente enfermeiros e médicos) sabem que tendencialmente os idosos dependentes estão em situações sociais mais desfavoráveis. Neste caso, destaque-se que estas pessoas tendem a delegar a gestão financeira noutros (familiares ou instituição); com frequência fazem-no apressadamente no momento de hospitalização, podendo não se salvaguardar e confiar em pessoas que os defraudam32. Embora seja complexo um profissional de saúde estar atento a estas situações, é importante que em casos suspeitos envolvam um técnico de serviço social.
O grupo de dependentes está menos satisfeito com a sua habitação, principalmente os institucionalizados ou aqueles que foram viver para casa de familiares, ou seja, foram retirados da sua casa e não se sentem satisfeitos com a sua nova habitação ou têm dificuldades de adaptação. As pessoas idosas nutrem laços de afetividade pela sua casa, que representa/contém as recordações da sua vida, além disso, estar em casa associa-se a sentimentos de autonomia e independência. Quando sentem insatisfação com a casa e são internados no hospital (local estranho e temido) é de prever períodos de desorientação que com frequência acarretam quedas33. Neste caso, a apresentação do local é fundamental, explicando porque um contexto hospitalar apresenta certas características, que garantem a qualidade dos cuidados.
Os dependentes tendem a fazer menos exercício físico, a ter mais falta de ar nas atividades quotidianas e mais problemas com a boca/dentes, pés e pele. No internamento hospitalar isto representa mais cuidados de saúde, logo é necessário disponibilizar mais recursos.
Os dependentes não realizam atividades importantes para si e sentem-se mais deprimidos. O contexto de hospitalização tende a reforçar estas situações (mesmo em pessoas não dependentes no momento da hospitalização), pelo que o diagnóstico deve ir além da patologia, envolvendo outras esferas da vida. Durante o internamento hospitalar a pessoa idosa vê (ou pelo menos antevê) transformações na sua vida, ocasionando momentos de fragilidade emocional34. É importante os profissionais de saúde identificarem situações que provocam desconforto, procurando minimizá-las.
Limites e perspetivas de pesquisa
Será relevante comparar os resultados entre a admissão e alta hospitalar para compreender a influência da hospitalização na QV. Também seria pertinente perceber as relações familiares e a história de vida de cada utente para analisar o impacto na QV. Além disso, será relevante complementar com a perspetiva dos familiares e profissionais de saúde. Como limitação do estudo, é importante referir a amostra. O EasyCare é um instrumento de perceção individual sobre a QV e neste estudo obteve-se a perceção das pessoas idosas capazes de responder ao questionário. Um próximo estudo poderá incluir utentes mais dependentes. Este estudo é quantitativo, por isso outra pesquisa poderá complementar com uma abordagem qualitativa, para perceber melhor o significado da QV dos participantes.
Conclusões
Este estudo foca a QV de pessoas idosas no momento de hospitalização. Os dados permitem compreender melhor as características das pessoas idosas quando chegam a um internamento hospitalar, permitindo delinear ações e estratégias de organização dos serviços e ação dos profissionais. O estudo indica 3 grupos de pessoas idosas no momento do internamento hospitalar: independentes, dependentes nas AVID e pouco dependentes nas AVD; dependentes. Este cenário demonstra que os serviços hospitalares vão encontrar pacientes com diferentes necessidades pessoais e de cuidados, assim, há que diferenciar a abordagem. Além disso, os resultados apontam para a influência do estatuto socioeconómico, nível educativo, estado civil e situação em que vivem (casa própria, com familiares ou instituição). Também estas circunstâncias de vida devem ser consideradas durante o internamento e sobretudo na preparação da alta.
Os resultados reforçam que estilos de vida, condições sociodemográficas e características individuais são fatores preponderantes na perceção da QV e do internamento hospitalar. Assim, é relevante que os profissionais de saúde valorizem todas as dimensões da QV para melhor estruturarem os serviços e cuidados hospitalares.
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Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
*Autor para correspondência: Correio eletrónico: gorete@hotmail.com
Recebido 9 de Fevereiro de 2013 .Aceito 3 de Junho de 2014