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Revista Portuguesa de Saúde Pública
versão impressa ISSN 0870-9025
Rev. Port. Sau. Pub. vol.33 no.2 Lisboa dez. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação das condições individuais e contextuais no peso dos recém‐nascidos (filhos de mães imigrantes e portuguesas) na área metropolitana de Lisboa
Influence of individual and contextual characteristics on the weight of newborn (from immigrant and Portuguese mothers) in Lisbon Metropolitan Area
Paula Santanaa, b, *, Rita Santosa, f, Isabel Alvesc, Luísa Couceirod, Maria do Céu Machadoe
a Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
b Departamento de Geografia, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
c Direção‐Geral da Saúde, Ministério da Saúde, Lisboa, Portugal
d Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, Ministério da Saúde, Lisboa, Portugal
e Hospital Santa Maria, Ministério da Saúde, Lisboa, Portugal
f Centre for Health Economics, University of York, York, United Kingdom
RESUMO
Objetivo: Avaliar a influência dos fatores biológicos, socioeconómicos e comportamentais no peso dos recém‐nascidos (RN), considerando RN de mães imigrantes (MI) e mães portuguesas (MP).
Método: Wilcox e Russel e modelos de regressão linear múltipla.
Resultados: Observaram‐se pesos mais baixos em RN do sexo feminino, idades gestacionais inferiores, mães adolescentes, não casadas ou em união de facto, escolaridade ≤ 12 anos, trabalhadoras manuais, residentes em «barracas», consumidoras de tabaco (MP), consumidoras de álcool (MI), paridade = 1, partos por cesariana (MI) ou eutócicos (MP) e não diabéticas.
Conclusão: A distribuição residual de prematuridade revela maior vulnerabilidade nos RN de MI.
Palavras‐chave: Baixo peso ao nascer. Prematuridade. Saúde materna. Imigrantes. Saúde infantil.
ABSTRACT
Aim: Assess the influence of biological, socioeconomic and behavioural factors on the weight of newborn (NB) infants born from immigrant and Portuguese mothers (IM and PM respectively).
Methods: Wilcox and Russell and multiple linear regression models.
Results: Lower birthweights in NBs that were female and of lower gestational age, and whose mothers were adolescent, unmarried or in de facto marriages, had ≤ 12 years schooling, manual workers, lived in shanties, consumed tobacco (PM), consumed alcohol (IM), parity = 1, had Caesarian (IM) or normal (PM) deliveries and were not diabetic.
Conclusion: Residual distribution of prematurity shows higher vulnerability in babies born from IM.
Keywords: Low birthweight. Prematurity. Maternal health. Immigrants. Infant health.
Introdução
A associação entre as condições de vida dos imigrantes, como a habitação, o tipo de emprego ou o acesso aos cuidados de saúde, e os principais problemas de saúde tem sido abordada na literatura, com destaque para a área materna e infantil, pela grande vulnerabilidade das famílias imigrantes na gravidez, parto e primeiros meses de vida das crianças1–8. Ainda, a utilização dos serviços de saúde durante a gravidez9 tem consequências na morbilidade e mortalidade das mães e dos recém‐nascidos (RN). Domingues et al.10 avaliaram a adequação da assistência pré‐natal na rede SUS do Município do Rio de Janeiro, concluindo que a muito baixa adequação encontrada pode explicar a persistência de resultados perinatais desfavoráveis neste Município. O diagnóstico precoce e o controle de doenças infeciosas e outras patologias, como a hipertensão e a diabetes, têm um papel decisivo na prevenção de mortes fetais e neonatais evitáveis11. Uma das causas de maior morbilidade neonatal é o baixo peso (BP) ao nascer e as complicações associadas. Refira‐se que um peso adequado ao nascer reflete a saúde, o bem‐estar e o crescimento durante a vida fetal.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como BP e muito baixo peso (MBP) ao nascer o peso inferior a 2.500 g e a 1.500 g, respetivamente, independentemente da idade gestacional. Um em cada 15 bebés nascidos em países da OCDE em 2011 – cerca de 7% de todos os nascimentos – pesava menos de 2.500 g à nascença, de acordo com dados da OCDE12.
A prematuridade (idade gestacional inferior a 37 semanas completas de gestação) e o atraso no crescimento intrauterino são as causas mais frequentes de nascer com BP ou MBP13. O BP está associado a 2 grupos de causas: 1. causas próximas, relativas a patologia crónica materna, infeção materna ou fetal, patologia da placenta, inadequado ganho de peso da grávida, parto prematuro (e/ou prematuro em gravidez anterior, enquanto preditor de risco de prematuridade)13–15, e, ainda, a idade da mãe (inferior a 17 ou superior a 35 anos)16; 2. causas distais, onde se incluem os fatores socioeconómicos (rendimento baixo, nível educacional baixo, etnicidade)17–19, falta de acesso e de utilização de cuidados pré‐natais precoces20 e os comportamentos durante a gravidez (consumo de tabaco21–23, de álcool ou outras drogas24).
Pode‐se considerar que nascer com BP, seja por prematuridade ou atraso de crescimento intrauterino, é um problema de saúde pública relacionado com fatores sociais e económicos que condicionam o acesso aos cuidados de saúde como foi referido anteriormente e do qual há evidência em comunidades de imigrantes. Numa revisão sistemática de 106 artigos publicados entre 1999‐2007 os autores19 concluíram que em 93 destes estudos foi encontrada uma associação significativa entre uma medida do estatuto socioeconómico e um resultado neonatal adverso, como prematuridade ou BP ao nascer com variações por grupo étnico ou racial.
Uppal et al.8 revelam que existe associação entre o país de origem das mães e as admissões em unidades de cuidados intensivos neonatais e outros resultados de saúde neonatal.
Num estudo desenvolvido em Portugal, onde foram analisados todos os nascimentos em hospitais entre 1995‐20023, verificou‐se que o grupo de RN de mães africanas registava os valores percentuais mais altos de prematuridade, mas estas variações não são tão marcadas como as verificadas em outros países, de que é exemplo o Reino Unido. Resultados semelhantes foram encontrados no Canadá25. Em sentido oposto, noutro estudo, RN de mães imigrantes (MI) do norte de África apresentavam peso ao nascer mais elevado relativamente a mães belgas26. Este fato poderá estar relacionado com as características genéticas (diferentes etnias), para além das ambientais.
Estudos desenvolvidos numa população de RN do Hospital Fernando Fonseca (HFF), localizado no Município da Amadora pertencente à Área Metropolitana de Lisboa (AML)2,4, evidenciaram a influência de fatores biológicos e comportamentais, como o consumo de tabaco, por exemplo, nas diferenças de peso ao nascer, com padrões diferentes para filhos de imigrantes (de mães africanas no estudo de Harding2) e filhos de portugueses. Estas diferenças atenuam‐se, deixando de ser significativas, quando se controla a paridade, a idade materna e a idade gestacional. Harding et al.2 concluem, também, que o risco de RN de MBP é mais elevado nas imigrantes africanas do que nas portuguesas, o que pode estar relacionado com a prematuridade mais frequente nas mulheres de origem africana.
Na última década, houve um crescimento significativo de estrangeiros em Portugal. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)27, em 1995 residiam (legalmente) no território nacional 168.136 estrangeiros. Em 2012 contabilizam‐se 417.042 estrangeiros e estima‐se que exista um número considerável de imigrantes ilegais, ainda com menor equidade de acesso à saúde.
Em 2011, a Grande Lisboa continua a ser uma das áreas de mais forte atração de imigrantes no país (14,7%), registando os Municípios de Amadora e Sintra valores mais elevados de população residente com naturalidade estrangeira relativamente à população total, 17,9 e 17,2%, respetivamente28. Constituem‐se como territórios de fortes características de identidade na AML que resultam, entre outros aspetos, da elevada densidade populacional (Amadora), do marcado crescimento nas últimas décadas (Sintra: 44,8% entre 1991‐2011) e, principalmente, da sua diversidade social, cultural e étnica.
O estudo apresentado tem como objetivo avaliar a influência dos fatores biológicos, sociais, económicos e comportamentais no peso dos RN residentes em áreas urbanas e suburbanas, integradas na AML (Amadora e Sintra), considerando 2 grupos: RN de MI e RN de mães portuguesas (MP).
Material e métodos
Local do estudo e população estudada
Tendo em conta o objetivo deste estudo, e considerando que os Municípios de Amadora e Sintra (que integram a AML) têm atraído ao longo dos últimos 20 anos a maior proporção de residentes com naturalidade estrangeira, registada em Portugal, o local de estudo foi o Hospital Fernando da Fonseca, onde ocorreram 74% do total dos nascimentos destes 2 Municípios.
A população alvo é constituída pelos 1.979 nados vivos cujo nascimento ou admissão na sala de partos ocorreu no HFF, de 1 de dezembro de 2005 a 31 de maio de 2006. Foram excluídos 25 RN por falta de dados determinantes e 36 por corresponderem a 18 gestações gemelares, sendo a amostra final de 1.918 RN, correspondendo a 97% de todos os RN. Constituíram‐se 2 grupos: 684 RN de MI e 1.234 RN de MP.
A informação é proveniente do registo hospitalar, a que se acrescentou outra recolhida através de questionário direto a todas as puérperas, nas 48 h após o parto. A recolha de dados foi efetuada por investigadores (médicos em formação e enfermeiros dos próprios serviços) treinados para o efeito pelas diretoras dos Serviços de Obstetrícia e Neonatologia. Todos os questionários eram fechados, com perguntas de resposta simples. O objetivo era a obtenção de dados clínicos fiáveis, reduzindo ao máximo dificuldades relacionadas com a compreensão da língua, diminuindo dessa forma o viés deste tipo de estudos. Completou‐se a informação com dados dos processos clínicos de Obstetrícia e Neonatologia4.
Variáveis incluídas no estudo
A informação recolhida permitiu construir variáveis independentes, relativas a características biológicas, sociais, económicas e comportamentais (sexo do RN, idade materna, idade gestacional, paridade, tipo de parto, consultas pré‐natal, estado civil, naturalidade, tipo de habitação, escolaridade, classe ocupacional, consumo de tabaco, consumo de álcool, diabetes e hipertensão da mãe) e dependentes (peso do RN). Esta última foi dividida em 2 grupos: peso RN de MP e peso RN de MI. Foi considerada a categoria de BP ao nascer quando é inferior a 2.500 g (OMS).
As variáveis independentes foram agrupadas em 4 conjuntos (fig. 1).
No primeiro (nível base) foram introduzidas variáveis relativas: 1. ao RN (sexo feminino vs. masculino; idade gestacional, medida em semanas e determinada através da data da última menstruação e por ecografia precoce); 2. à mãe (naturalidade/país de origem: portuguesa vs. imigrante; idade da mãe, por ano).
O segundo conjunto engloba as variáveis relativas: 1. à paridade (variável muda controlada pelo par 2 ou mais filhos vs. 1.° filho, desconhecido vs. 1.° filho); 2. à vigilância variável muda controlada pelo par não efetuou consulta vs. efetuou consulta pré‐natal no primeiro trimestre vs. 7 efetuou consulta); e 3. às patologias (diabetes: variável muda controlada pelo par diabetes vs. sem esta patologia, desconhecido vs. sem esta patologia; hipertensão: variável muda controlada pelo par hipertensão vs. sem esta patologia, desconhecido vs. sem esta patologia).
O terceiro diz respeito às variáveis socioeconómicas: 1. estado civil da mãe (casada vs. todos os outros; interação do estado civil com RN prematuro); 2. escolaridade da mãe (variável muda controlada pelo par > = 12 anos vs. < 12 anos, desconhecido vs. < 12 anos); 3. classe ocupacional da mãe (variável muda controlada pelo par manual vs. não manual, desconhecido vs. não manual); 4. habitação própria (habitação própria vs. todos os outros tipos de habitação, barracas vs. todos os outros tipos de habitação).
O último e quarto conjunto engloba as variáveis relativas aos estilos de vida das mães: 1. consumo de tabaco da mãe (variável muda controlada nos modelos pelo par de variáveis fumadora vs. não fumadora, desconhecido vs. não fumadora); 2. consumo de álcool da mãe (variável muda controlada nos modelos pelo par de variáveis consumo de álcool vs. não consumo, desconhecido vs. não consumo).
Devido ao teor da informação presente no questionário, foram definidas regras e procedimentos de modo a que nenhuma família possa ser identificada. A proposta de estudo foi aprovada pela Comissão de Ética do HFF.
Métodos
Tendo como primeiro passo deste estudo efetuar uma análise do peso dos RN para cada categoria em estudo (RN de MI e RN de mães portuguesa), foram testadas as diferenças entre as proporções observadas, considerando‐se como hipótese nula (H0) os grupos terem sido extraídos de uma mesma população. Quando H0 for verdadeira a distribuição amostral da diferença de proporções tende para uma distribuição normal, uma vez que os grupos são independentes entre si e têm mais de 30 RN. Utilizou‐se, assim, a variável padrão (z) corrigida para a continuidade, como estatística de teste29. O valor p apresentado corresponde ao teste bilateral.
Para concluir quanto à significância estatística da diferença entre as médias obtidas em cada grupo utilizou‐se o teste t para 2 amostras independentes, estabelecendo‐se como H0 a igualdade entre as médias populacionais. Previamente ao teste t foi efetuado o teste de Levene, para testar a igualdade das variâncias das distribuições. Nos casos em que a H0 do teste de Levene foi rejeitada, utilizou‐se uma variante do teste t que não assume a igualdade das variâncias. Adotou‐se o nível de significância de 5% em todos os testes.
Com o objetivo de conhecer a influência do BP relacionada com os nascimentos prematuros, utilizou‐se o método de Wilcox e Russel30,31, que permite estimar a distribuição do peso normal e a distribuição residual de prematuridade na distribuição do peso ao nascer.
As variações do peso ao nascer foram avaliadas por modelos de regressão linear múltipla, utilizando o estimador dos mínimos quadrados por se ter revelado o mais adequado. Procurando conhecer a influência de fatores biológicos, sociais e comportamentais no peso dos RN, desenvolveram‐se diferentes modelos, controlando estes fatores e outros. As variáveis foram introduzidas nos modelos como variáveis contínuas ou como variáveis mudas (dummies). Neste último caso, cada variável foi especificada por um par de variáveis, o que permitiu controlar as diversas possibilidades de variação.
Os modelos elaborados consideraram conjuntos de variáveis, introduzidas sequencialmente, relativas ao RN e à mãe e enumeradas anteriormente. A análise das variáveis que apresentam relevância estatística foi efetuada em 2 passos. Num primeiro passo, ao modelo base (que inclui somente as variáveis do nível base) foi adicionada cada variável (ou par de variáveis) de cada um dos outros conjuntos. Num segundo passo, considerando as variáveis que revelaram significância estatística no primeiro passo, foram introduzidos sequencialmente o segundo (paridade e patologias), terceiro (socioeconómicas) e quarto conjunto de variáveis (comportamentais) (fig. 1).
Da amostra final de 1.918 RN deste estudo, nos modelos de regressão linear múltipla apenas foram considerados os dados referentes aos RN que apresentavam peso ao nascer superior a 1.500 g e com informação completa relativamente a peso e idade gestacional, não tendo por esta razão sido considerados os dados de 17 e 26 RN, respetivamente de MI e MP. Esta subamostra ficou assim constituída por 1.875 RN, dos quais 667 são filhos de MI e 1.208 de mães MP.
Para avaliar a influência da naturalidade (país de origem das mães dos RN) no peso dos RN elaboraram‐se diferentes modelos.
1. Para o conjunto dos RN em estudo (n = 1.875), distinguindo a sua origem pela variável filho de MI versus filho de MP;
2. Para os RN de MI (n = 667);
3. Para os RN de MP (n = 1.208).
A comparação destes 2 últimos modelos permitiu analisar as diferenças na influência das variáveis entre os RN de MI e de MP.
O tratamento do material recolhido foi realizado com o auxílio do software de análise estatística STATA (Data Analysis and Statistical Software) – versão 11.
Resultados
A hipótese de partida para este estudo é a de que o peso ao nascer é influenciado por causas próximas (e. g. saúde na gravidez) e causas distais (e. g. condições socioeconómicas e de estilo de vida) que podem ter impactos diferentes no peso dos RN de MI e de MP, residentes em áreas urbanas e suburbanas (Amadora e Sintra), integradas na AML.
Pretende‐se avaliar o contributo dos fatores biológicos (e. g. idade da mãe), da vigilância durante a gravidez, das patologias durante a gravidez (diabetes, hipertensão), dos fatores socioeconómicos (e. g. escolaridade, estado civil, condições da habitação) e comportamentais (consumo de tabaco e consumo de álcool) no peso de todos dos 1.918 RN e em cada categoria em análise (684 RN de MI e 1.234 RN de MP).
Dos 1.918 RN, 52,5% são do sexo masculino, 8,8% prematuros e 7,7% têm BP (peso < 2.500 g). Relativamente à origem das mães e dos pais verifica‐se que 57,8% (1.109 RN) são filhos de pais portugueses e em 29,1% dos casos ambos os pais são imigrantes (559). Considerando apenas a naturalidade da mãe, 1.234 são portuguesas e 684 oriundas de 32 países, predominantemente de Angola (166), Cabo Verde (146), Brasil (123) e Guiné‐Bissau (99).
As mães têm, em média, 28,7 anos, um nível de escolaridade predominantemente entre os 9 e os 12 anos, são casadas com o pai do RN (58,5%). A vigilância na gravidez é generalizada (92,5% tiveram 3 ou mais consultas) e o tipo de parto eutócico (60,0%).
Baixo peso e prematuridade
No método de Wilcox e Russell a distribuição do peso ao nascer é separada, por métodos estatísticos, em 2 componentes: predominante e residual. A primeira abrange a maior parte dos nascimentos e é caracterizada pelo valor médio e desvio padrão. A segunda compreende todos os nascimentos na aba esquerda da curva, não abrangidos pela distribuição predominante, correspondendo à distribuição residual de prematuridade na distribuição do peso ao nascer.
A figura 2 ilustra, para cada grupo de RN, as distribuições observadas (histograma) e as estimadas pelo método referido (linha acima do histograma para a distribuição predominante e linha por baixo do histograma para a distribuição residual).
Relativamente aos parâmetros da distribuição predominante do peso ao nascer, verifica‐se que o valor médio para RN de MI é significativamente superior ao de MP: 3.333 g vs. 3.289 g (p < 0,05) e que a diferença entre desvios‐padrão não é estatisticamente significativa.
A outra componente da distribuição do peso ao nascer (distribuição residual) corresponde a 4,3% dos RN de MI e a 2% dos RN de MP, sendo a diferença estatisticamente significativa (p < 0,05).
Variação do peso dos recém‐nascidos com as características biológicas, sociais, económicas e comportamentais da mãe
Na tabela 1 é apresentada a proporção e o peso médio dos RN, de acordo com as diversas categorias das variáveis em estudo, para cada um dos grupos analisados (1.234 RN de MP e 684 RN de MI, das quais 455 são africanas). Algumas destas variáveis não foram recolhidas para a totalidade da amostra, por nem todas as mães terem respondido a todas as questões, originando uma categoria «Omissos». Verifica‐se, todavia, que esta última categoria tem maior expressão nos RN de MP, de acordo com o que seria de esperar, por ser este o grupo maior, tendo como consequência a não alteração do padrão das respostas.
Relativamente à proporção de RN nas diversas categorias das variáveis analisadas, apenas se encontram diferenças significativas nas variáveis relacionadas com os comportamentos e o estatuto socioeconómico das mães. O consumo de tabaco é mais comum nas MP (16,1 vs. 5,1%, p = 0,09) e o consumo de bebidas alcoólicas é mais comum nas MI (4,8 vs. 1,1%, diferença não significativa). Neste último grupo apenas 12,3% tem escolaridade superior a 12 anos (18,9% para as MP); 58,6% exerce uma profissão manual (37,4% para as MP, p = 0,00) e somente 26,5% possui casa própria (53,2% entre as MP, p = 0,00). A percentagem de mães que reside em alojamentos não clássicos (barracas e outros) também é superior entre as MI (2,9 vs. 1,4%) apesar da diferença não ser estatisticamente significativa.
A proporção de mães casadas é significativamente maior no grupo de MP (44,2 vs. 32,9%, p = 0,00), enquanto a proporção de uniões de facto é superior no grupo de MI (28,2 vs. 21,1%), não sendo, no entanto, esta diferença significativa.
Relativamente ao peso médio dos RN segundo as características analisadas, apenas se observam diferenças estatisticamente significativas entre grupos quando se estratifica por tipo de habitação ou por tipo de parto. Quanto ao tipo de habitação, as MI que responderam na categoria «não própria» (habitação arrendada) têm em média filhos mais pesados do que as MP inseridas na mesma categoria (3.275 g vs. 3.182 g, p < 0,05). Verifica‐se a mesma tendência para as mães que residem em habitação própria e o oposto se as mães residem em barracas, embora não sejam significativas as diferenças.
Se o parto for eutócico, os RN de MI são mais pesados do que os de MP (3.268 g vs. 3.209 g, p < 0,05). Pelo contrário, se for cesariana verifica‐se o oposto (RN de MI com peso médio de 3.226 g vs. RN de MP com peso médio de 3.330 g, p < 0,05).
Determinantes do peso do recém‐nascido
Para avaliar o contributo dos fatores biológicos, sociais, comportamentais e de morbilidade no peso dos RN, e as suas variações, foram desenvolvidos modelos de regressão linear múltipla.
Recém‐nascidos de mães imigrantes e portuguesas
O modelo 1 foi desenvolvido para o conjunto de todos os RN, considerando‐se as variáveis de base, a variável dicotómica MP vs. MI, o sexo do RN (tabela 2), a idade gestacional e a idade da mãe. Atendendo unicamente a este conjunto restrito de variáveis, verifica‐se que os filhos de MI pesam mais 20,6 g, quando comparados com os filhos de MP, embora a diferença não seja significativa. A idade gestacional e a idade da mãe, bem como o sexo do recém‐nascido, têm uma influência significativa no peso ao nascer.
A partir do modelo base foram introduzidas, num primeiro passo, cada uma das restantes variáveis e, seguidamente, em bloco, as variáveis, que apresentando significância estatística no primeiro passo pertencem ao conjunto de (1) gravidez, (2) socioeconómico e (3) estilos de vida das mães. Os resultados revelam, agora, que filhos de MI pesam mais 28,0 g, embora a diferença não seja significativa. Os RN com menor peso são os do sexo feminino (menos 117,5 g), cuja mãe tem escolaridade inferior a 12 anos (menos 78,7 g), reside em alojamentos não clássicos/barracas (menos 192,4 g) e referiu ter consumido, durante a gravidez, tabaco (menos 221,9 g) e álcool (menos 101,5 g). Pelo contrário, o peso aumenta com o tempo de gestação (mais 161,2 g por semana, após as 37 semanas), com a paridade (mais 75,9 g quando as mães tiveram, pelo menos, mais uma gravidez) e quando a mãe reside em habitação própria (mais 53,2 g).
A ocupação/profissão não revelou uma influência significativa no peso dos RN, embora peso mais baixo tenha sido identificado nos filhos de mães com ocupação/profissão manual.
Recém‐nascidos de mães imigrantes
O modelo 2 foi desenvolvido apenas para o grupo MI, utilizando a metodologia descrita no ponto anterior. Foram incluídas apenas as variáveis do nível base às quais se acrescentaram as variáveis significativas das 4 categorias. Verificou‐se que os RN do sexo feminino têm menos peso (148,3 g). Todavia, o peso aumenta com o tempo de gestação (171,0 g por semana; > 37 semanas de gestação). Também a diabetes influencia o peso (aumento de 170,0 g). A paridade aumenta o peso, mas não revelou significância (tabela 3).
Com influência negativa no peso ao nascer, verificou‐se o consumo de álcool pelas mães durante a gravidez (118,1 g), o facto de a mãe viver num alojamento não clássico/barraca (menos 196,7 g) e ter escolaridade inferior a 12 anos, à semelhança do verificado para o conjunto dos RN, no entanto, para este grupo a escolaridade não apresenta significância (tabela 4).
Recém‐nascidos de mães portuguesas
Este modelo é semelhante ao apresentado no ponto anterior: integra as variáveis do nível base e as significativas dos 4 grupos. Verificou‐se que o peso dos RN é influenciado positiva e significativamente pela idade gestacional (mais 157 g por semana após as 37 semanas de gestação), idade da mãe, paridade (quando é superior ou igual à segunda gravidez aumenta 113,2 g) e a patologia diabetes (267,5 g). Em sentido oposto, é influenciado negativa e significativamente pelo consumo de tabaco (RN de mães fumadoras pesam menos 225,3 g), pela escolaridade inferior a 12 anos (menos 92,4 g) e pelo sexo (RN do sexo feminino pesam menos 105,2 g). Filhos de mães residentes em habitação própria têm peso significativamente mais elevado (mais 56,5 g) e de mães em alojamento não clássico/barraca têm peso mais baixo (menos 196,7 g).
Discussão e conclusão
Apesar das variações observadas entre RN de MI e de MP, verifica‐se que o peso ao nascer não difere significativamente entre os 2 grupos. Pode‐se concluir que, independentemente da naturalidade da mãe, o peso ao nascer é determinado por fatores do próprio RN (sexo e idade gestacional), da mãe (paridade, diabetes, a interação entre a paridade e a prematuridade), da tipologia do alojamento (que influencia de forma similar o peso do RN em ambos os grupos). Ainda, o peso dos RN é influenciado por características e comportamentos das mães: no grupo MI pelo consumo de álcool, nas MP pelo consumo de tabaco. A paridade e a diabetes revelam maior influência no peso dos RN de MP.
Nascer de gravidez de termo, com BP, pode apenas resultar de uma baixa estatura materna ou familiar, mas pode também ser sinónimo de atraso de crescimento intrauterino, cuja etiologia mais frequente é a má nutrição materna, o tabagismo, o consumo de álcool e a hipertensão arterial. Não foi possível estudar o estado nutricional das mães nem a variação da altura. Quanto aos comportamentos, há estudos anteriores que mostram diferenças nesta mesma população4: as MP fumam mais (21,9 vs. 12,8%, p = 0,00) e também coabitam com um maior número de fumadores; as MI consomem mais álcool durante a gravidez (10,3 vs. 2,2%, p = 0,00). Assim, à semelhança de outros estudos efetuados em Portugal2,32 ou noutros países33, comparando um grupo de RN com BP e leves para a idade gestacional com RN de peso normal, encontrou‐se diferença significativa em mães fumadoras.
A falta de cuidados pré‐natais influencia negativamente a gravidez, principalmente quando associada à precariedade sociomaterial das famílias imigrantes. Machado et al.4, ao analisarem este mesmo grupo de mães, concluem que gravidez sem vigilância foi mais frequente nas imigrantes (8,4 vs. 6,8%, respetivamente), apesar das diferenças não serem estatisticamente significativas, e a percentagem de MI que vive em barracas é significativamente superior à de MP (2,1 vs. 0,6%, p = 0,01).
Harding et al.2, num estudo realizado a 4.227 RN de MP e africanas (agrupados em 1.ª geração e 2.ª geração), em 2001 e 2002, concluíram que os RN de termo, filhos de imigrantes africanos de 1.ª geração, apresentavam pesos superiores aos de 2.ª geração, e superiores até aos dos portugueses. Estas diferenças atenuam‐se, deixando de ser significativas, quando se controla a paridade, idade materna e idade gestacional. Apesar deste resultado, os autores concluíram que o risco de RN de MBP é mais elevado nas imigrantes africanas do que nas portuguesas, o que poderá estar relacionado com a maior prevalência de prematuridade nas famílias de origem africana. No presente estudo a distribuição residual de prematuridade na distribuição do peso ao nascer também apresentou valores significativamente mais elevados para os RN de MI (4,3 vs. 2%).
Outros estudos realizados em Portugal2–4,34,35 revelam ser os aspetos económicos – falta de recursos e de informação – os mais importantes no acesso aos serviços, ampliados pela não legalização e pela dificuldade de comunicação com os profissionais de saúde pela barreira linguística. Os pobres e os imigrantes são mais vulneráveis, nomeadamente quanto à patologia infecciosa, à mortalidade perinatal, à prematuridade, ao BP do recém‐nato e principalmente ao MBP.
Em Portugal, de acordo com o estudo de Harding et al.3, tinha sido identificado que as MI apresentavam padrões de grande vulnerabilidade, porque, contrariamente ao que acontecia com as MP – declínio de nascimentos antes dos 20 anos –, as mães africanas revelavam um aumento de nascimentos em idade jovem e muito jovem. Por outro lado, as MP caracterizavam‐se por maior escolaridade e emprego em ocupações não manuais. Também para estes 2 grupos, e ao longo dos 8 anos de observação do estudo citado, verificou‐se ser o grupo dos RN de mães africanas a registarem os valores percentuais mais altos de RN prematuros de BP. Para ambos os grupos estudados o peso dos RN diminuiu entre 1995‐2002, sendo a variação muito semelhante em ambos os grupos. Todavia, os fatores que determinavam essas variações eram diferentes, concluindo‐se que apenas um fator – o nível socioeconómico – tinha uma influência significativa e somente para os RN de mães africanas.
As conclusões do nosso estudo ilustram as condições de vulnerabilidade associadas ao peso ao nascer dos RN de Amadora e Sintra, sendo concordantes com trabalhos semelhantes2,3 e dando capacidade a este estudo para afirmar que representa as condições dos RN em populações com características semelhantes (filhos de MI e de MP). Cerca de 35,6% dos RN no período em estudo eram filhos de MI, tendo sido identificadas famílias de 32 naturalidades: 4 em cada 6 eram provenientes de um país africano de língua portuguesa e uma em cada 6 era brasileira. Este facto é justificado pela história da imigração dos concelhos de Amadora e Sintra: áreas de forte atração populacional nos últimos 40 anos.
Foram identificadas áreas geográficas de privação sociomaterial nos concelhos de Amadora (Alfornelos, Venda Nova e Brandoa) e Sintra (Casal de Cambra), que são descritas como as de maior precariedade da AML36,37. A pobreza/privação sociomaterial repercute‐se, em alguns casos, na exclusão social a bens e serviços, onde se incluem a habitação, a saúde e a educação, tornando estes grupos populacionais mais vulneráveis e frágeis, destacando os imigrantes, por estarem em situação de maior desvantagem.
Comparando com as famílias portuguesas, as famílias imigrantes dos RN do estudo em análise revelaram valores significativamente mais elevados de desemprego, menor escolaridade, predomínio de profissões manuais, habitação precária, famílias monoparentais (4,3 vs. 1,7%, p = 0,00), maior privação sociomaterial, maior morbilidade materna (30,6 vs. 26,1, p = 0,03), maior paridade ≥ 3 (9,8 vs. 4,7%, p = 0,00) e mais infeções na gravidez, para além dos hábitos de consumo já referidos4.
A evidência de diferenças significativas observadas entre os grupos em análise (relativas às famílias do RN) pressupõe, também, segundo Gould38 a existência de variações entre os RN. No entanto, não se observam diferenças estatisticamente significativas nas características gerais, tais como sexo (prevalência do masculino nos imigrantes), gemelaridade (ligeiramente superior nos portugueses), prematuridade (mais alta nos imigrantes), peso ao nascer. A forte associação entre idade gestacional e peso, comprimento e perímetro cefálico do RN foi encontrada quer para os filhos de imigrantes quer de portugueses, em ambos os sexos4, como seria de esperar. Todavia, a distribuição residual de prematuridade na distribuição do peso ao nascer revela situação de maior vulnerabilidade nos RN de MI.
A análise comparada revela maior vulnerabilidade das mães de RN imigrantes (e. g. empregos não qualificados ou desemprego; escolaridade baixa, habitação precária), quando comparadas com portuguesas, podendo verificar‐se que a prematuridade aumenta neste grupo (9,1 vs. 6,7%). A influência de fatores biológicos e comportamentais, como o consumo de tabaco (nas MP) e do álcool (nas MI) contribuiu para a explicação das variações do peso dos RN, concluindo que, embora não seja significativa a diferença, a incidência do BP é superior nos RN de portuguesas, mas o MBP é superior nos RN de imigrantes.
Nascer com BP é um problema de saúde pública pelas suas condicionantes, pela morbilidade que determina no período perinatal, mas também pelas consequências na vida adulta. Há evidência científica de que o BP está associado a doença no adulto, nomeadamente diabetes tipo II, obesidade, doença isquémica coronária e hipertensão arterial2,39–43, pelo que é importante a promoção da saúde e a prevenção desta situação através do seguimento adequado destas famílias, nomeadamente da gravidez.
Relativamente ao acesso, o Despacho do Ministro da Saúde n.° 25360/2001 consigna a universalidade de acesso aos cuidados de saúde para todos os que residam em Portugal por um período superior a 90 dias, qualquer que seja a nacionalidade ou naturalidade. Apesar desta legislação inovadora e promotora de equidade, os estudos referidos apontam diferenças na morbilidade e mortalidade dos imigrantes2,3, o que significa que o acesso universal não resolve as desigualdades em relação aos determinantes sociais da saúde.
Para uma equidade de cuidados, será necessário o envolvimento da própria população imigrante e a compreensão das suas diferenças culturais, o deslocamento aos bairros mais problemáticos e a educação para a saúde, a literacia ou capacitação do cidadão, através de campanhas à população39–41.
A saúde é um bem público global que deve ser gerido de forma independente de fronteiras físicas ou administrativas, de culturas ou línguas, em verdadeira diplomacia global da saúde de que a saúde dos imigrantes é paradigmática34.
Limitações do estudo
Qualquer estudo que tenha por base informação primária é sujeito a constrangimentos de vária ordem, uns relativos à aplicação do instrumento de recolha de informação, outros relativos à fiabilidade das respostas reportadas pelos próprios ou por quem responde por eles. Foram sentidos estes problemas na realização do trabalho de campo que constitui a base deste estudo. Todavia, alguns foram minorados, ou mesmo ultrapassados, concretamente os que podiam ser validados, quer pelos dados constantes no ficheiro de registo de doentes do HFF quer através de entrevista telefónica, sempre que era conhecido o contacto da parturiente.
Considera‐se que o estudo descreve e identifica a influência dos fatores biológicos, sociais, económicos e comportamentais no peso dos RN, não se verificando vieses de resultados para os grupos de RN em análise.
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Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
*Autor para correspondência: Correio eletrónico: paulasantana.coimbra@gmail.com (P. Santana
Recebido 3 de Junho de 2014. Aceito 10 de Novembro de 2014