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Revista Portuguesa de Saúde Pública
versão impressa ISSN 0870-9025
Rev. Port. Sau. Pub. vol.33 no.2 Lisboa dez. 2015
ARTIGO ORIGINAL
Padrão de prescrição de antibióticos no Algarve: características do doente e dispersão da terapêutica
Patterns of prescription of antibiotics in the Algarve: patient characteristics and spread of treatment
Isabel Ramalhinhoa, * , Luís Filipe Gomesb, , Carlos Filipeb , Afonso Cavacoc, d, José Cabritac, d
a Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade do Algarve, Faro, Portugal
b Administração Regional de Saúde do Algarve, Faro, Portugal
c Research Institute for Medicines and Pharmaceutical Sciences (iMed.UL), Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
d Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
RESUMO
O aparecimento de microrganismos multirresistentes, quer nos humanos quer nos animais, sugere a necessidade imperativa de intervenção no padrão de utilização dos antibióticos. O conhecimento do padrão de prescrição é imprescindível para fundamentar a revisão das práticas clínicas e de ensino no sentido de promover a prescrição racional dos antibióticos.
Objetivo: Caracterização do perfil de prescrição de antibióticos de uso sistémico em consulta de medicina geral e familiar na região do Algarve.
Material e métodos: Trata‐se de um estudo de prescrição‐indicação com desenho transversal. De um universo de 280 médicos a exercer nos centros de saúde do Algarve, foram selecionados 70 médicos de medicina geral e familiar, dos quais aceitaram participar 60. Os doentes foram incluídos no estudo de forma consecutiva até ao preenchimento da quota de doentes (20 doentes por médico), sempre que durante uma consulta de rotina ou de urgência básica fosse necessário prescrever um antibiótico de uso sistémico. Alguns médicos não preencheram esta quota.
Resultados: Cerca de 80% dos médicos selecionados enviaram pelo menos uma ficha de registo de prescrição de antibióticos, dos quais 41,5% tinham 55 ou mais anos de idade e 52% eram mulheres. Foi avaliada uma amostra de 925 doentes em que 534 (59,6%) eram do género feminino.
Verificou‐se que em todos os grupos etários as penicilinas foram os antibióticos mais prescritos atingindo um valor de quase 70% no grupo etário dos 0‐14. Apesar de serem também o grupo mais prescrito nos mais velhos, representam apenas cerca de 40%. Os macrólidos foram também frequentemente prescritos em todos os grupos etários. Quanto à distribuição da prescrição em função do género, verificou‐se que quer no género masculino quer no género feminino as penicilinas foram os antibióticos mais prescritos. No género masculino os macrólidos surgem em segundo lugar na prescrição, seguidos das quinolonas e das cefalosporinas, enquanto no género feminino são as quinolonas, seguidas dos macrólidos e das cefalosporinas.
As infeções da pele foram as infeções com menor grau de dispersão da terapêutica quando se analisou simultaneamente DU50 e DU90.
Conclusões: O padrão de prescrição dos antibióticos é semelhante a outros descritos na literatura. No entanto, realça‐se o alto nível de prescrição de quinolonas e de cefalosporinas de 3.a geração e o baixo recurso a penicilinas sensíveis às betalactamases, a nitrofurantoína e a fosfomicina trometamol. As infeções da pele são as infeções com menor grau de dispersão da terapêutica quando se analisa simultaneamente DU50 e DU90.
Palavras-chave: Algarve. Antibióticos. Dispersão da terapêutica. Padrão de prescrição.
ABSTRACT
The appearance of multi‐resistant micro‐organisms, whether in humans or animals, suggests an urgent need to intervene in the patterns of use of antibiotics. Knowledge of patterns of prescription is indispensable to support the review of clinical practices and teaching in order to promote rational prescription of antibiotics.
Objective: Characterisation of the profile of prescription of antibiotics for systemic use in General and Family Practitioners' consultations in the region of the Algarve.
Material and methods: This is a cross‐sectionally designed study of indicative prescription. 70 General and Family Practitioners were selected from a total of 280 doctors working at Health Centres in the Algarve, of whom 60 accepted the invitation to participate. The patients were included in the study in a consecutive way up to the patient quota (20 patients per doctor), whenever it was necessary to prescribe an antibiotic for systemic use during a routine or basic emergency consultation
Results: Approximately 80% of the doctors selected sent at least a record of antibiotic prescription, of whom 41.5% were 55 years old or more and 52% were female. A sample of 925 patients was analysed, of whom 534 (59.6%) were female.
It was noted that in all age groups, penicillin was the most prescribed antibiotic, reaching a level of nearly 70% in the 0‐14 age group. Although this was also the type of antibiotic most prescribed in older patients, it was only prescribed to about 40% of the sample. Macrolides were also often prescribed in all age groups. With regard to prescription in relation to gender, it was noted that penicillin was the most prescribed antibiotic, both for males and females. For prescriptions given to males, macrolides were in second place, followed by quinolones and cefalosporines, while for females it was quinolones, followed by macrolides and cefalosporines.
Skin infections were the infections which occurred least often, when we analysed DU50 and DU90 simultaneously.
Conclusions: The pattern of antibiotic prescription is similar to that described in other studies. However, we noted the high level of prescription of quinolones and 3 Rd generation cefalospirines and the low level of use of penicillins sensitive to beta lactamases, nitrofurantoin and fosfomycin trometol. Skin infections were the infections which occurred least often, when we analysed DU50 and DU90 simultaneously.
Keywords: Algarve. Antibiotics. Spread of treatment. Patterns of prescription.
Introdução
O desenvolvimento de resistência antimicrobiana tornou‐se um importante problema de saúde pública devido à existência de infeções de difícil tratamento. O aparecimento de microrganismos multirresistentes, quer nos humanos quer nos animais, sugere a necessidade de intervenção no padrão de utilização dos antibióticos1. Nesta área, as maiores preocupações estão relacionadas, com a prescrição excessiva e a prescrição de antibióticos ineficazes ou não indicados para a infeção em questão, nomeadamente a prescrição desnecessária de antibióticos de largo espetro2,3.
A incerteza no diagnóstico é uma das principais razões conducentes à prescrição excessiva e à prescrição de antibióticos de largo espetro4. De facto, a distinção entre infeções virais e infeções bacterianas não é fácil, dificultando assim a instituição da terapêutica correta. Melhorar as ferramentas de diagnóstico é um dos passos mais importantes para reduzir o uso de antibióticos nas infeções virais e limitar o uso de antibióticos de largo espetro5. Além do dilema do diagnóstico, muitos outros fatores influenciam a forma como os antibióticos são prescritos, nomeadamente as questões culturais, a perceção dos médicos sobre as expetativas dos doentes, a formação e o conhecimento dos profissionais de saúde, o acesso à informação, o desconhecimento do padrão de resistência bacteriana local, os incentivos económicos e o marketing farmacêutico1,6,7. O receio de maus resultados clínicos e do risco de complicações e de eventuais consequências pode conduzir também à prescrição excessiva ou à prescrição de medicamentos inapropriados ou mais dispendiosos8.
Apesar do decréscimo do consumo dos antibióticos nos últimos anos, Portugal, juntamente com os outros países da bacia mediterrânica, continua a apresentar um valor elevado na utilização destes medicamentos quando se avalia o consumo em dose diária definida (ddd) por 1.000 habitantes9.
A importância do estudo dos diferentes fatores que influenciam a prescrição e o uso dos antibióticos está relacionada com o elevado interesse económico que o mundo do medicamento representa10. Em Portugal, apesar da maior parte das prescrições de antibióticos terem lugar em clínica geral, pouco se sabe sobre como a prescrição varia relativamente à indicação terapêutica, bem como relativamente à idade e ao género dos doentes. O conhecimento do padrão de prescrição é imprescindível para fundamentar a revisão das práticas clínicas e de ensino no sentido de promover a prescrição racional dos antibióticos.
Assim, considerando o impacto do uso inadequado dos antimicrobianos na saúde pública e a importância da prescrição no perfil de utilização desses medicamentos na comunidade, delineou‐se um estudo de prescrição‐indicação com a finalidade de aprofundar o conhecimento sobre o uso dos antimicrobianos no Algarve e contribuir para uma utilização mais racional destes medicamentos.
Objetivos
Caracterização do perfil de prescrição de antibióticos de uso sistémico em consulta de medicina geral e familiar na região do Algarve.
Objetivos específicos:
a) avaliar a frequência da prescrição dos diferentes grupos de antibióticos utilizando 3 níveis da classificação Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) (ATC3, ATC4 e ATC5);
b) avaliar a frequência da prescrição dos vários grupos de antibióticos em função das características do doente (idade e género);
c) avaliar a dispersão da terapêutica antibiótica nas patologias mais frequentes.
Material e métodos
Tipo de estudo
Trata‐se de um estudo observacional, descritivo, de prescrição‐indicação com desenho transversal.
População alvo
A população alvo deste estudo foram os médicos de clínica geral e da carreira de medicina geral e familiar a exercer funções em centros de saúde da Região de Saúde do Algarve. A população alvo de prescrição foi a população residente no Algarve potencial utilizadora dos centros de saúde do Algarve.
Seleção da amostra
A dimensão da amostra de doentes alvo de prescrição foi estimada considerando o universo de população residente no Algarve potencialmente utilizadora de antibióticos, um nível de confiança de 95% e um erro de amostragem de 3%. Considerando que não se conhece na população‐alvo a distribuição dos principais parâmetros em investigação, utilizou‐se para o cálculo da dimensão da amostra a prevalência de 50%, o que maximiza a dimensão da amostra e é o procedimento habitual nestas circunstâncias11. Assim, a dimensão mínima da amostra foi estimada em 1.067 doentes (com recurso ao software EPI‐INFO 3.5.3).
Para perfazer a dimensão da amostra seria necessária a adesão de 54 médicos que procedessem ao registo da prescrição de antibiótico em 20 doentes, no período de um mês (1.080 doentes alvo). Considerando a hipótese de recusa de participação e o não preenchimento da quota de 20 doentes por médico, foi feito um sobredimensionamento da amostra de médicos em cerca de 30%.
De um universo de 280 médicos a exercer nos centros de saúde do Algarve, foram selecionados 70 médicos de medicina geral e familiar, dos quais aceitaram participar 60. Os médicos incluídos na amostra em cada zona resultaram de uma seleção por conveniência tipo bola de neve, atendendo a que o grupo foi formado por alguns médicos de medicina geral e familiar, do conhecimento pessoal da promotora do estudo, que por sua vez contactaram outros clínicos. Os participantes foram convidados a integrar o estudo por carta e por contacto telefónico.
Variáveis em estudo
A variável dependente deste estudo foi o tipo de antimicrobiano prescrito. Os antibióticos foram classificados de acordo com a classificação ATC da Organização Mundial de Saúde12. Para efeitos de análise, foram definidas 3 variáveis/nível correspondendo aos códigos de 3.°, 4.° e 5.° níveis da classificação ATC. Para facilitar a leitura das tabelas e figuras, os grupos terapêuticos foram abreviados da seguinte forma:
• tetraciclinas (J01A) – tetraciclinas;
• beta‐lactâmicos, penicilinas (J01C) – penicilinas;
• outros antibacterianos beta‐lactâmicos (J01D) – cefalosporinas;
• sulfonamidas e trimetoprim (J01E) – sulfonamidas;
• macrólidos, lincosamidas e estreptrograminas (J01F) – macrólidos;
• antibacterianos aminoglicosídeos (J01G) – aminoglicósidos;
• antibacterianos quinolónicos (J01M) – quinolonas;
• outros antibacterianos (J01X) – outros.
Para estudar a dispersão da terapêutica foi calculado o número de fármacos prescritos em 50 e 90% (DU 50% e DU 90%) nas infeções mais frequentes: amigdalite, bronquite, otite, infeções do aparelho urinário e infeções da pele13.
As variáveis independentes relativas ao prescritor foram: género; idade – estratificada em 3 grupos – dos 30 aos 44 anos, dos 45 aos 54 anos e dos 55 ou mais anos; grau da carreira médica – estratificado em 3 grupos – interno/assistente/clínico geral, assistente graduado, chefe de serviço; anos de prática clínica – estratificados em 3 grupos – menos de 10 anos, de 10‐24 anos e 25 ou mais anos; e local de prescrição – área predominantemente urbana, área medianamente urbana e área predominantemente rural, de acordo com a classificação INE14.
Foram também estudadas variáveis independentes relativas ao ato de prescrição: idade do doente – estratificada em 4 grupos – menos de 15 anos, dos 15 aos 39 anos, dos 40 aos 64 anos e 65 e mais anos; género do doente; indicação para a qual foi prescrito o antibiótico.
As patologias para as quais foram indicados os antibióticos foram classificadas de acordo com a classificação International Classification of Primary Care – 2a ed. (ICPC‐2)15. Para facilitar a análise dos dados agruparam‐se as diversas indicações em infeções do aparelho respiratório, infeções do aparelho urinário, infeções da pele, infeções do aparelho digestivo, infeções do ouvido e outras infeções. Em outras infeções incluíram‐se patologias com baixa frequência na nossa amostra, como prostatite, dacriocistite, prevenção de infeção devido a picada de carraça, uretrite e infeções do aparelho genital feminino.
Recolha de dados
A informação relativa às variáveis de interesse foi recolhida por questionário preenchido pelo médico, visando a caracterização demográfica e profissional dos médicos de medicina geral e familiar e a caracterização sóciodemográfica, clínica e terapêutica dos utentes da consulta de medicina geral e familiar.
Os questionários foram testados com 3 médicos especialistas em medicina geral e familiar para verificar dificuldades de preenchimento.
Os doentes foram incluídos no estudo de forma consecutiva até ao preenchimento da quota de doentes (20 doentes por médico), sempre que durante uma consulta de rotina ou de urgência básica fosse diagnosticada uma infeção e fosse necessário prescrever um antibiótico de uso sistémico, tal como em estudo realizado pelo Observatório do Medicamento e dos Produtos de Saúde em 200216. A recolha de dados decorreu no mês de novembro e dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Alguns médicos não preencheram a quota de 20 doentes.
Análise de dados
A análise estatística dos resultados foi realizada mediante a utilização do software estatístico SPSS 17. Para as variáveis quantitativas foram determinadas as medidas de tendência central, medidas de dispersão e de forma (média, moda, mediana e desvio padrão), e para as variáveis qualitativas foram determinadas as frequências relativas e absolutas. Foram realizadas várias análises bivariadas, tendo‐se utilizado o teste χ2 e o teste exato de Fisher. Considerou‐se uma probabilidade de erro de tipo I (α) de 0,05 em todas as análises inferenciais.
Considerações éticas
O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde do Algarve (327/10 DEP, 16/6/2010). Os questionários foram anónimos, não tendo sido recolhido qualquer elemento de identificação.
Resultados
Dos 60 médicos de medicina geral e familiar que acederam a participar, 57 enviaram pelo menos uma ficha preenchida, o que corresponde a uma taxa de adesão de 81%. Destes, 5 médicos não preencheram corretamente a ficha de dados pessoais, pelo que há algumas variáveis que apresentam dados em falta. Dos participantes, 26 (48,1%) eram do género masculino e 28 do género feminino (51,9%), no total 54 inquiridos. Relativamente à idade, 14 (26,4%) tinham entre 30‐44 anos, 17 (32,1%) tinham entre 45‐54 anos e 22 (41,5%) tinham 55 ou mais anos, no total 53 inquiridos. A idade mínima foi 30 anos e a idade máxima 65 anos. A média e a mediana foram respetivamente 50,5 e 54 anos e o desvio‐padrão foi 8,5.
Como se pode ver na tabela 1, as características demográficas dos médicos participantes no nosso estudo são muito semelhantes às do universo de médicos da mesma especialidade da Região de Saúde do Algarve. Relativamente à distribuição geográfica, há a salientar um desvio da distribuição da amostra relativamente ao Universo médico, estando os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) do Barlavento e Sotavento mais representados e o ACES Central menos representado (tabela 2). Verificámos que 55,8% dos médicos tinham 25 ou mais anos de prática clínica, 28,8% tinham entre 10‐24 anos e 15,4% tinham menos de 10 anos, com uma média de 23,9 ± 9,9 anos. Dos médicos participantes, 45,3% tinham a categoria de assistente graduado, 37,7% eram assistentes, 3,8% internos de clínica geral e apenas 13,2% eram chefes de serviço. A grande maioria exercia em locais com características urbanas, 60,4% em meio predominantemente urbano e 26,4% em meio medianamente urbano.
Foi avaliada uma amostra de 925 doentes em que foram diagnosticadas infeções que levaram à prescrição de 943 antibióticos de uso sistémico. As consultas incidiram sobre 362 (40,4%) doentes do género masculino e 534 (59,6%) do género feminino. Em 29 não houve registo quanto a esta variável. Para 922 doentes a idade média foi 41,4 ± 24,1 anos (mínimo < 1 ano e máximo 94 anos). Apresenta‐se na figura 1 a distribuição dos doentes por grupo etário.
As 964 indicações que motivaram a prescrição de antibióticos foram agrupadas em infeções do aparelho respiratório, infeções do aparelho urinário, infeções da pele, infeções do aparelho digestivo, infeções do ouvido e outras infeções (fig. 2). Outras infeções incluem prostatite, dacriocistite, prevenção de infeção devido a picada de carraça, uretrite e infeções do aparelho genital feminino.
Em 18 situações patológicas verificou‐se a prescrição de 2 antibióticos. Dessas situações, 3 tinham o diagnóstico de pneumonia, 2 bronquite, 2 amigdalite, 3 infeção urinária, 4 infeção de pele, uma infeção ginecológica, uma infeção da boca e dentes e em 2 casos tratou‐se da erradicação do Helicobacter pylori (H. pylori).
Nas tabelas 3 e 4 apresenta‐se a distribuição das indicações que motivaram a prescrição de antibióticos, organizadas por aparelho ou órgão afetado, em função do grupo etário e do género dos utentes. Verificou‐se uma desigual distribuição das diversas infeções pelas diversas faixas etárias. Destacam‐se as infeções do aparelho urinário, da pele e do aparelho digestivo, com maiores frequências nas faixas etárias entre os 15 e os 64 anos e com frequências muito baixas na faixa etária abaixo dos 15 anos. Pelo contrário, as infeções do ouvido apresentaram maior frequência na faixa etária abaixo dos 15 anos (51,4%). Quanto ao género, verificou‐se uma associação estatisticamente significativa com as indicações que motivaram a prescrição de antibióticos (χ2 = 86,914; p < 0,001), sendo que o género feminino foi o que apresentou maior frequência de infeções do aparelho urinário (87,5%) e de outras infeções, onde se incluem as do aparelho genital feminino. O género masculino apresentou maior frequência de infeções do ouvido (60,9%).
Antibióticos prescritos
Ao nível ATC3, as penicilinas foram o grupo de antibióticos mais prescrito (43,6%). O grupo dos macrólidos e o grupo das quinolonas foram prescritos em 20,2 e 19,3% das situações, respetivamente ( tabela 5). Verificámos que os antibióticos mais prescritos foram a associação amoxicilina com ácido clavulânico (21,3%), amoxicilina (13,9%), ciprofloxacina (13,4%), azitromicina (10,0%) e claritromicina (8,7%). A amoxicilina esteve presente em cerca de 81% das prescrições de penicilinas (fig. 3). É de salientar a baixa prescrição de penicilinas de espetro reduzido (benzilpenicilina benzatínica e benzilpenicilina‐combinação). De referir ainda que as cefalosporinas correspondem a 8,4% do total dos antibióticos prescritos. Salienta‐se o facto das cefalosporinas de terceira geração (ceftriaxona, cefixima e cefditoreno) representarem 26,6% das cefalosporinas prescritas e terem sido mais frequentemente prescritas do que as cefalosporinas de primeira geração (cefatrizina e cefradina). As cefalosporinas de segunda geração foram as mais prescritas, sendo neste subgrupo de destacar a cefuroxima como a mais prescrita (fig. 3). Nas cefalosporinas de terceira geração o antibiótico mais prescrito foi a cefixima e nas de primeira geração foi a cefradina. A ciprofloxacina representou 69% da prescrição das quinolonas, como se pode ver na figura 3.
Prescrição de antibióticos em função das características do doente
Nas tabelas 6 e 7 apresenta‐se a distribuição da prescrição em função das características sociodemográficas do doente. São excluídos desta análise 18 doentes a quem foi prescrito mais do que um antibiótico. Dado o baixo número de prescrições, são excluídos o grupo das tetraciclinas (J01A) e o grupo dos aminoglicosídeos (J01G).
Verificámos que em todos os grupos etários, as penicilinas foram os antibióticos mais prescritos atingindo um valor de quase 70% no grupo etário dos 0‐14 (tabela 6). Apesar de serem também o grupo mais prescrito nos mais velhos, representam apenas cerca de 40%. Este diferencial é explicado principalmente pelas quinolonas, que representam cerca de 25% nos mais velhos e não são prescritos nos mais novos. Os macrólidos foram também frequentemente prescritos em todos os grupos etários. As cefalosporinas foram prescritas com maior frequência no grupo etário dos 40‐64 anos. Não foi possível a associação estatística.
Quanto à distribuição da prescrição em função do género, verificou‐se que quer no género masculino quer no género feminino as penicilinas foram os antibióticos mais prescritos (tabela 7). No género masculino os macrólidos surgem em segundo lugar na prescrição, seguidos das quinolonas e das cefalosporinas, enquanto no género feminino são as quinolonas, seguidas dos macrólidos e das cefalosporinas. As sulfonamidas e outros antibióticos foram prescritos com muito maior frequência nas mulheres do que nos homens. A associação entre as variáveis tem significado estatístico (χ2 = 24,595; p < 0,001).
Relativamente aos antibióticos mais prescritos por grupo etário, a associação amoxicilina com ácido clavulânico apresenta o valor máximo no grupo etário entre os 40‐64 anos e o valor mínimo no grupo etário de 65 ou mais anos (fig. 4), sendo que as diferenças encontradas têm significado estatístico (χ2 = 11,651; p = 0,009). A amoxicilina foi prescrita maioritariamente nos doentes mais jovens e em menor escala nos doentes mais idosos. As diferenças encontradas têm significado estatístico (χ2 = 68,042; p < 0,001). Como seria de esperar, não houve prescrição de ciprofloxacina nas crianças. Este antibiótico foi prescrito com maior frequência no grupo etário dos 40‐64 anos (χ2 = 36,272; p < 0,001). Não encontrámos diferenças estatisticamente significativas entre a prescrição de azitromicina e claritromicina e o grupo etário do doente. A associação entre a prescrição das 4 moléculas mais frequentes e a variável género não tem significância estatística (tabela 8). A probabilidade de prescrição da claritromicina foi maior no género masculino.
Prescrição dos diversos grupos de antibióticos no nível ATC3 em função das patologias por aparelho ou órgão afetado
Da análise da figura 5 conclui‐se que os principais grupos de antibióticos utlizados foram as penicilinas, os macrólidos, as cefalosporinas e as quinolonas. As sulfonamidas (J01E) apenas foram prescritas com alguma frequência nas infeções urinárias e outros antibacterianos (J01X) foram prescritos com alguma frequência nas infeções urinárias e na pele.
Na tabela 9 apresenta‐se a prescrição das penicilinas, cefalosporinas, macrólidos e quinolonas no nível ATC3 em função das patologias por aparelho ou órgão afetado. A prescrição de penicilinas ocorreu mais frequentemente nas infeções do aparelho respiratório. Salienta‐se que cerca de 90% das prescrições de macrólidos ocorreram em infeções respiratórias e mais de 50% das quinolonas foram utilizadas nas infeções urinárias. As cefalosporinas foram utilizadas com alguma frequência em vários tipos de patologias. As diferenças encontradas para a prescrição destes grupos de antibióticos em função dos grupos de patologias têm significância estatística (χ2 = 337,630; p < 0,001).
DU50 e DU90 nas indicações mais frequentes
Na tabela 10 apresentam‐se os antibióticos prescritos para 50% (DU50) e 90% das patologias (DU90) mais frequentes. A amoxicilina com ácido clavulânico (J01CR02), a amoxicilina (J01CA04) e a claritromicina (J01CA09) estão associados ao tratamento de 50% de amigdalites, enquanto nas otites os primeiros 2 antibióticos referidos são suficientes para o tratamento de 50% desta patologia. Na bronquite, a opção de tratamento em 50% dos casos recaiu sobre a amoxicilina com ácido clavulânico (J01CR02), claritromicina (J01FA09) e azitromicina (J01FA10). A ciprofloxacina, juntamente com o sulfametoxazol/trimetoprim e a fosfomicina, está associada ao tratamento de 50% das infeções urinárias. Para 50% das infeções da pele apenas são utilizados 2 antibióticos, a ciprofloxacina e a flucloxacilina. Para tratar 90% das amigdalites foram prescritos 6 antibióticos diferentes, para 90% das bronquites, das otites e das infeções urinárias 8 antibióticos diferentes e para 90% das infeções da pele 7 antibióticos diferentes.
Discussão
Considerações metodológicas
Antes de iniciarmos a discussão dos resultados, devemos tecer algumas considerações sobre a metodologia do estudo. O grupo de médicos participantes nesta investigação constituiu uma amostra tipo bola de neve, atendendo a que foi formado por alguns médicos de medicina geral e familiar, do nosso conhecimento pessoal, que por sua vez contactaram outros clínicos. A alta taxa de adesão (81%) no nosso estudo pode sugerir um maior conhecimento no uso dos antibióticos pela parte dos médicos que aceitaram participar e, por outro lado, significar uma maior preocupação com a questão da resistência bacteriana, o que pode constituir um viés de seleção17,18. Contudo, um outro tipo de metodologia para a constituição da amostra apresentava‐se particularmente difícil.
Considerando a metodologia da recolha de dados, em que cada médico deveria recolher informação de forma consecutiva até perfazer 20 doentes nas consultas em que havia prescrição de antibióticos, não foi possível obter uma amostra estratificada por idade e género, de acordo com a distribuição da população no Algarve. Por outro lado, essa não seria porventura a amostra ideal visto que, geralmente, mulheres, crianças e idosos têm uma maior taxa de utilização dos serviços de saúde do que outros grupos19. No entanto, garantimos a participação de médicos de todos os centros de saúde do Algarve e, assim, também se assegurou a inclusão de prescrições de doentes de todos os concelhos desta região.
No nosso estudo, quase 60% dos doentes incluídos são mulheres, valor que está de acordo com outros estudos realizados em Portugal20,21. Relativamente à idade, no nosso estudo os grupos etários mais representados são os grupos 15‐39 e 40‐64 anos, contrariamente a outros estudos nacionais, em que são as crianças que estão mais representadas quanto à prescrição de antibióticos16,20,22,23. Pensamos que as diferenças encontradas estão relacionadas com as diferentes opções metodológicas.
Tendo em conta as limitações do estudo, não podemos generalizar com probabilidade estatística os resultados para a totalidade dos médicos do Algarve. Contudo, considerando o número de médicos participantes e a semelhança da amostra com o universo dos médicos de medicina geral e familiar, relativamente à estratificação por grupo etário e género, acreditamos haver uma aproximação razoável dos hábitos de prescrição de antibióticos entre a nossa amostra e a população médica algarvia.
Indicações que motivaram a prescrição de antibióticos
Os resultados mostram que foram as infeções do aparelho respiratório que conduziram a um maior número de prescrições de antibióticos, seguidas das infeções do aparelho urinário, pele, ouvido e aparelho digestivo. Estes resultados são muito semelhantes aos obtidos num estudo realizado em 2001 com a participação da Rede dos Médicos‐Sentinela23. Em diversos estudos analisados são, de facto, as infeções do aparelho respiratório as predominantes. Aliás, muitos estudos centram‐se apenas nas infeções respiratórias devido à sua incidência e, em particular, nos grupos etários mais jovens24–26.
Muitos autores questionam a prescrição de antibióticos em certas situações clínicas, como as que se presumem ser infeções de origem viral7,27,28. Também Medeiros et al.21, num estudo realizado no Algarve, Canhota29, num estudo realizado na Região de Saúde de Lisboa, e Caldeira et al.16, num estudo realizado a nível nacional, sugerem a utilização excessiva e inadequada de antibacterianos, provavelmente em situações em que não é provável a existência de infeção bacteriana (infeção respiratória alta e gripe). Admitimos que dada a frequência da prescrição de antibióticos em infeções respiratórias no nosso estudo, também terá acontecido prescrição desnecessária por nalguns casos se tratarem de infeções de origem viral.
Antibióticos prescritos
As penicilinas foram o grupo de antibióticos mais prescrito (43,6%). O grupo das cefalosporinas, dos macrólidos e o grupo das quinolonas foram prescritos em 8,4, 20,2 e 19,3% das situações, respetivamente. Quando se comparam os resultados de vários estudos20–23,30 encontram‐se diferenças que poderão estar relacionadas com o padrão de prescrição dos médicos envolvidos, mas também, e acreditamos que com maior peso, a incidência das doenças para as quais foi prescrito antibiótico e a própria metodologia utilizada. Além disso, é natural que estudos mais recentes apresentem resultados mais ajustados ao conhecimento atual sobre a resistência bacteriana. Pensamos que a prescrição mais frequente de quinolonas no presente estudo pode estar relacionada com maior número de casos de infeções urinárias.
Em todos os estudos o grupo mais prescrito é o grupo das penicilinas, o que aliás não surpreende por este tipo de antibiótico ser de primeira escolha em várias patologias infeciosas na comunidade. A associação de amoxicilina com ácido clavulânico representou no nosso estudo 21,3% do total das prescrições (cerca de 50% das penicilinas prescritas) e a amoxicilina representou 13,9% desse valor. No global, a prescrição de penicilinas foi proporcionalmente inferior, relativamente ao encontrado para Portugal Continental e para o Algarve num outro estudo realizado em Portugal9.
As cefalosporinas de 2.a geração foram as mais prescritas, sendo de destacar neste subgrupo a cefuroxima como a mais prescrita. As cefalosporinas de 3.a geração (J01DD) representaram 26,8% das cefalosporinas prescritas e foram mais frequentemente prescritas do que as cefalosporinas de 1.a geração. Este valor não está de acordo com o encontrado para o consumo de cefalosporinas no Algarve em 20099 onde as cefalosporinas de 1.a geração foram mais prescritas do que as de 3.a geração. Nas cefalosporinas de 3.a geração o antibiótico mais prescrito foi a cefixima e nas de 1.a geração foi a cefradina. Se para as cefalosporinas de 2.a e 3.a geração a mais prescrita está de acordo com o global do Algarve em 2009, para as de 1.a geração há divergência. Neste estudo a mais prescrita foi a cefradina, enquanto em 2009 os médicos do Algarve prescreveram mais frequentemente cefatrizina, tal como os médicos que participaram no estudo realizado por Falcão et al.23, com recurso aos registos da Rede de Médicos‐Sentinela. Esta situação provavelmente estará relacionada com o maior número de casos de infeções urinárias. De facto, no nosso estudo as infeções urinárias representam 20% do total das patologias, enquanto no estudo de Falcão et al. representam 15% das patologias. Acresce ainda que 10 (das 13) prescrições de cefradina tiveram a indicação de infeção urinária e apenas uma (das 6) prescrições de cefatirizina tiveram a indicação dessa mesma patologia. Todas as outras prescrições destas 2 cefalosporinas foram para tratar infeções do trato respiratório.
Relativamente aos macrólidos, a azitromicina foi o antibiótico mais frequentemente prescrito, seguindo‐se a claritromicina, o que está de acordo com os resultados de outros estudos23,30. No entanto, no estudo realizado sobre a prescrição de antibióticos em 20099, a claritromicina foi mais frequentemente prescrita do que a azitromicina, quer no Algarve quer em Portugal Continental. Estes 2 antibióticos representaram mais de 90% da prescrição no grupo dos macrólidos. A preferência pela prescrição destes 2 macrólidos, em especial a azitromicina, estará relacionada provavelmente com melhores propriedades farmacocinéticas, posologia mais cómoda e menos efeitos adversos, quando comparados com outros do mesmo grupo, como por exemplo a eritromicina28.
Quanto às quinolonas, a ciprofloxacina representou 69% da prescrição deste grupo, seguida da norfloxacina (11%). O estudo de Falcão et al.23 apresenta um padrão semelhante, ainda que o diferencial existente entre a ciprofloxacina e a norfloxacina não seja tão acentuado. No estudo levado a cabo por Ramalhinho et al.9 a ciprofloxacina e a levofloxacina foram as quinolonas mais prescritas, quer no Algarve quer em Portugal Continental. Estas diferenças poderão estar relacionadas com um maior número de infeções do aparelho urinário (19,81%) verificado no presente estudo.
A associação de antibióticos foi verificada em 18 situações patológicas, com prescrição simultânea de 2 antibióticos, o que corresponde a uma taxa de 1,9%. Apenas em 2 casos se tratou da erradicação do H. pylori. Se nesta situação esta é a prescrição usual, nos outros casos admitimos que a prescrição de 2 antibióticos terá estado relacionada com a necessidade de alargar o espetro de ação por se tratar de prescrição empírica sem apoio de teste de sensibilidade ao antibiótico (TSA). Outros estudos evidenciaram taxas de prescrição de associação de antibióticos ligeiramente inferiores, nomeadamente 0,520 1,231 e 1,7%23. Como salienta Abrantes31, a associação de antibióticos só se justifica em situações clínicas específicas, pouco comuns nos cuidados de saúde primários. De acordo com a Direção Geral de Saúde (DGS), deve ser preferida a monoterapia às combinações de antibióticos, exceto nos casos em que esta esteja especificamente recomendada. A combinação de antibióticos só tem vantagens quando exista, e seja necessário, sinergismo de ação e em terapêutica empírica de infeções com risco elevado de organismos patogénicos multirresistentes, devendo esta ser descontinuada logo que possível32.
Prescrição por grupo etário e género do doente
Como já referido, em todos os grupos etários, as penicilinas foram os antibióticos mais prescritos, atingindo um valor de quase 70% no grupo etário dos 0‐14. O padrão de prescrição nos mais jovens é semelhante ao encontrado nos Países Baixos, num estudo que recorreu a dados publicados entre 2000‐2005, em que as penicilinas representavam cerca de 70% das prescrições pediátricas, seguidas dos macrólidos com 16‐19%33. No entanto, verifica‐se uma diferença razoável quanto ao uso das cefalosporinas, uma vez que no nosso estudo estas representaram 7,8% das prescrições no grupo etário dos 0‐14 anos, enquanto nos Países Baixos quase não ocorreu (0‐1%). A diferença é ainda maior quando se compara com um estudo realizado em Itália, visto que neste país a prescrição de penicilinas correspondeu a 40‐45% de todas as prescrições, os macrólidos a 20‐27% e as cefalosporinas a cerca de 30‐40%33.
Comparando os nossos resultados com o estudo levado a cabo por Falcão et al.23 verificamos existirem algumas diferenças. Assim, a taxa de prescrição de macrólidos foi muito maior no grupo dos 0‐4 anos no referido estudo, enquanto no nosso estudo não existiu grande diferença na prescrição de macrólidos nos diferentes grupos etários. Relativamente às cefalosporinas, no nosso estudo foram mais prescritas nos mais velhos, enquanto no estudo levado a cabo por Falcão et al. foram mais prescritas nos mais novos. Quanto às penicilinas, a prescrição é muito maior nos mais jovens em ambos os estudos. Contrariamente, a prescrição de quinolonas tem pouca expressão nos mais jovens e aumenta drasticamente à medida que aumenta a idade em qualquer dos estudos. As quinolonas são um grupo de antibióticos que não estão indicados nas crianças, pois podem interferir no desenvolvimento das cartilagens e causar uma artropatia34. As diferenças encontradas entre os 2 estudos estarão provavelmente relacionadas com a diferença de incidência das doenças infeciosas, mas também com o espaço de tempo que medeia os 2 estudos, no qual poderá ter havido alteração do padrão de prescrição de antibióticos.
No presente estudo, a associação amoxicilina com ácido clavulânico foi o antibiótico mais prescrito, apresentando o valor máximo no grupo etário entre os 40‐64 anos, e o valor mínimo no grupo etário de 65 ou mais anos. A amoxicilina foi prescrita maioritariamente nos doentes mais jovens e em menor escala nos doentes mais idosos. Este resultado está de acordo com os valores encontrados num estudo realizado por Orero et al.30, englobando toda as comunidades autónomas espanholas, em que a amoxicilina com ácido clavulânico foi o antibiótico mais prescrito em todos os grupos etários e foi prescrito em maior percentagem nos doentes adultos, enquanto a amoxicilina foi prescrita mais frequentemente no grupo das crianças.
Quanto à distribuição da prescrição em função do género, as penicilinas foram os antibióticos mais prescritos, quer no género feminino quer no género masculino. Salienta‐se que as quinolonas, as sulfonamidas e outros antibióticos foram prescritos com muito maior frequência nas mulheres do que nos homens. Encontramos um padrão de prescrição diverso em função do género nos diferentes estudos analisados. No entanto, de um modo geral, a prescrição de quinolonas, sulfonamidas e outros antibióticos é superior no género feminino20,23,30. Este facto pode ser atribuído à diferença de incidência das infeções do aparelho urinário.
Prescrição em função da indicação/patologia
Os dados recolhidos não permitem avaliar a adequação das prescrições. No entanto, globalmente, podemos fazer algumas considerações sobre a terapêutica antibiótica prescrita, tendo em conta algumas orientações terapêuticas. A prescrição de penicilinas ocorreu mais frequentemente nas infeções do aparelho respiratório. Salienta‐se que cerca de 90% das prescrições de macrólidos ocorreram em infeções respiratórias e mais de 50% das quinolonas foram utilizadas nas infeções urinárias. Com maior ou menor variação, em quase todos os estudos por nós analisados se verifica que nas infeções do aparelho respiratório são utilizados predominantemente antibióticos pertencentes ao grupo de penicilinas16,21,30. As variações nos diversos estudos dependem do padrão de prescrição dos médicos, mas também da incidência das patologias infeciosas.
A literatura chama a atenção para o recurso cada vez maior de antibióticos de largo espetro como a combinação de amoxicilina com ácido clavulânico, macrólidos, cefalosporinas e quinolonas24,35. No nosso estudo, verificámos que os antibióticos mais prescritos foram a associação amoxicilina com ácido clavulânico (21,3%), amoxicilina (13,9%), ciprofloxacina (13,36%), azitromicina (9,97%) e claritromicina (8,70%), que representam 67,3% do total dos antibióticos prescritos. Quando analisámos a prescrição em função das patologias mais frequentes, verificámos que para a amigdalite, bronquite e otite o antibiótico mais prescrito foi a combinação de amoxicilina com ácido clavulânico à semelhança do encontrado por Caldeira et al.16. É de salientar que no nosso estudo a prescrição de penicilinas sensíveis às betalactamases (J01CE08 e J01CE30) representou cerca de 2,8% do total dos antibióticos prescritos e 13,2% dos antibióticos prescritos na amigdalite. Embora Caldeira et al.16 reportem um valor maior de recurso a estas penicilinas na amigdalite (14,8%), em ambos os estudos este valor é baixo, se considerarmos as recomendações da Sociedade Americana das Doenças Infeciosas, segundo as quais as penicilinas sensíveis às betalactamases continuam a ser um tratamento de primeira linha recomendado para a infeção estreptocócica, pela sua eficácia, segurança, espetro estreito e baixo custo36. Como já referido, em ambos os estudos em análise verificou‐se uma preferência pela combinação de amoxicilina com ácido clavulânico, porventura uma prática associada à pouca aceitação dos doentes da via parentérica e, por outro lado, à perceção do maior desenvolvimento de resistências à amoxicilina pelo agente habitualmente envolvido na amigdalite, o S. piogenes. Ora, sabe‐se que a combinação com o ácido clavulânico não traz qualquer benefício, porque o mecanismo de resistência não resulta da produção de enzimas, aumentando apenas o potencial para provocar efeitos adversos, nomeadamente o desequilíbrio da flora bacteriana37.
Habitualmente, a infeção mais frequente dos ouvidos é a otite média aguda (OMA). Considerando que é uma patologia que predomina nas crianças e considerando que as infeções do ouvido no nosso estudo em mais de 50% aconteceram em crianças e em cerca de 25% aconteceram no grupo etário dos 15‐39 anos, presume‐se que este tipo de infeção seja também predominante no nosso estudo. Nas infeções do ouvido os antibióticos mais prescritos foram amoxicilina com ácido clavulânico (32,04%) e amoxicilina (27,0%). Várias são as orientações e normas clínicas que recomendam a amoxicilina como antibiótico de primeira linha no tratamento da OMA, devido à sua eficácia, à boa suscetibilidade da maioria das bactérias causadoras de OMA, ao espetro microbiológico, ao perfil de segurança e ao baixo custo37–39. A amoxicilina com ácido clavulânico é apenas recomendada em situações graves ou no caso de não haver melhoras com amoxicilina38,39. As mesmas orientações técnicas referem que as crianças com diagnóstico de otite aguda média não devem ser medicadas com antibiótico por rotina. Neste caso, o recurso às prescrições delayed, para utilizar se a criança não melhorar no período de 72 horas, pode ser uma boa prática. No entanto, existe alguma controvérsia à volta deste assunto e existe uma grande variação no uso de antibióticos entre os médicos de diferentes países38. Considerando que não recolhemos dados suficientes para caracterizar a gravidade destas patologias, não nos é possível avaliar a adequação da terapêutica.
Apesar de no nosso estudo não quantificarmos em específico a cistite, acreditamos que esta seja a infeção do aparelho urinário mais frequente. De acordo com a Sociedade Americana de Doenças Infeciosas e a Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infeciosas, os antibióticos indicados em primeira linha para o tratamento de cistite são a nitrofurantoína, o cotrimoxazol (em zonas com resistências < 20%), a fosfomicina e o pivemicilinam40. Para a mesma patologia, a DGS estabelece na Norma n.° 008/2012 de 16/12/2012 o uso da nitrofurantoína e da fosfomicina como fármacos de primeira linha e em alternativa a combinação de amoxicilina com ácido clavulânico41.
No presente estudo, nas infeções do aparelho urinário o antibiótico mais prescrito foi a ciprofloxacina, seguido de fosfomicina e cotrimoxazol. No total, 51% das infeções do aparelho urinário foram tratadas com quinolonas, como anteriormente referido. Parece‐nos que os médicos participantes neste estudo, na ausência de dados de resistência bacteriana, preferiram optar por uma terapêutica de espetro mais alargado, apesar de mais dispendiosa. Salientamos o baixo uso de nitrofurantoína e fosfomicina nesta patologia. Por exemplo, a prescrição de nitrofurantoína representou apenas 4,2% do total de prescrições nas infeções do aparelho urinário. Considerando a evidência clínica da eficácia destes medicamentos, seria interessante apurar os fatores envolvidos para a sua não prescrição.
Nos últimos anos, muito se tem falado em resistência bacteriana e do lugar que Portugal ocupa em termos de ranking no consumo de cefalosporinas e quinolonas. A notoriedade deste assunto com certeza terá levado a uma mudança do padrão de prescrição de antibióticos. Diversos estudos confirmam a evolução neste padrão de prescrição, mas atestam também a maior prescrição de cefalosporinas e quinolonas na Região de Saúde do Algarve, quando comparada com os dados de Portugal Continental9,42. As diferenças podem também refletir diferentes patologias nos agrupamentos ICPC‐2. Por exemplo, no presente estudo, nas infeções do aparelho digestivo a maioria de infeções são infeções da boca e dentes, e apenas em 2 casos se trata da erradicação do H. pylori. Este facto poderá justificar as diferenças encontradas para este tipo de infeções: no nosso estudo o recurso às penicilinas representou 67% do total dos antibióticos prescritos, enquanto no estudo de Falcão et al.23 representou 56,5%. As opções terapêuticas neste tipo de infeções estão de acordo com a Norma n.° 064/2011 de 30/12/2011 da DGS, pois os derivados betalactâmicos são os fármacos de primeira linha no tratamento das infeções odontogénicas43.
Pareceu‐nos interessante considerar o estudo realizado por Medeiros et al.21, numa zona rural do Algarve, pela disparidade de valores encontrados, quando comparado com os 2 estudos referidos anteriormente. Se a prescrição de penicilinas nas infeções respiratórias foi muito semelhante, há fortes diferenças quanto à prescrição de macrólidos (mais frequente no nosso estudo) e de quinolonas (menos frequente no nosso estudo). Existem também grandes diferenças quanto à prescrição nas infeções urinárias, pois foram usados o cotrimoxazol em 44,6% dos casos, quinolonas 28,3%, aminoglicosídeos 13%, penicilinas 6,5%. Com valores mais próximos dos nossos resultados, num outro estudo já citado no âmbito deste trabalho, realizado no Centro de Saúde de Valongo, as quinolonas foram o grupo de antibióticos preferido para o tratamento da cistite (67,5%), enquanto a associação de amoxicilina com ácido clavulânico foi usado em 15% das situações e as sulfonamidas em 7,5% (338). Mais uma vez, temos de salientar o período de tempo que medeia a recolha de dados nestes estudos. Nos últimos anos tem‐se assistido a um crescimento acentuado da resistência bacteriana ao cotrimoxazol e, por isso, de acordo com a Norma 015/2011 da DGS, atualmente este fármaco não é recomendado no tratamento das infeções do trato urinário41. Por outro lado, o estudo de Medeiros et al.21 apresenta a característica de ser limitado a uma população rural do distrito de Faro enquanto o estudo de Palma20 se refere a uma população urbana.
Dispersão da prescrição
A dispersão na prescrição depende do número de fármacos disponíveis para o tratamento de uma patologia e da dimensão da amostra avaliada. Assim, a sua amplitude reflete a diversidade do mercado de medicamentos relativamente ao número de antibióticos disponíveis para as indicações encontradas no estudo16.
Para avaliar a dispersão da terapêutica, fez‐se o estudo dos fármacos prescritos para 50 e 90% das indicações mais frequentes (DU50% e DU90%). Este é um tipo de estudo que pode ser útil para implementar orientações técnicas e identificar áreas que necessitam de um estudo mais aprofundado. Habitualmente, o estudo dos fármacos prescritos em 90% da patologia é usado para dar indicações de qualidade sobre a prescrição de medicamentos. Assume‐se que, tendencialmente, a qualidade da prescrição será maior quando é menor o número de fármacos utilizado13.
A informação produzida poderá ser importante para comparar com futuros estudos realizados na região. Com os dados disponíveis, conseguimos comparar os fármacos utilizados em 50% dos casos de amigdalite e 50% dos casos de otite em 3 estudos portugueses (tabela 11). Para o tratamento de 50% das otites nos 3 estudos foram utilizados 2 antibióticos, enquanto para o tratamento de 50% das amigdalites no nosso estudo e no estudo realizado por Caldeira et al.16 foram utilizados 3 fármacos e no estudo realizado por Palma20 apenas foi utlizado um antibiótico. Analisando os valores de DU50% e considerando as Normas Clínicas propostas pela DGS, o presente estudo apresenta um melhor padrão de prescrição no caso da otite, enquanto o estudo realizado por Caldeira et al.16 apresenta um melhor padrão de prescrição na amigdalite. A dispersão da terapêutica varia consoante analisamos DU50 ou DU90. As infeções da pele são as infeções com menor dispersão da terapêutica, quando se analisa simultaneamente DU50 e DU90.
Conclusões
Os estudos de prescrição de antimicrobianos são úteiPlease se s porque são metodologicamente simples, permitindo sinalizar aspetos menos corretos do uso desta classe terapêutica. Apesar das limitações já discutidas, foi possível verificar que o padrão de prescrição dos antibióticos é semelhante a outros descritos na literatura. No entanto, realça‐se:
• baixo recurso a antibióticos considerados de primeira opção, como as penicilinas sensíveis às betalactamases na amigdalite e a nitrofurantoína e a fosfomicina trometamol nas infeções urinárias;
• alto nível de prescrição de quinolonas e de cefalosporinas de 3.a geração;
• as infeções da pele são as infeções com menor grau de dispersão da terapêutica, quando se analisa simultaneamente DU50 e DU90.
Os resultados deste e outros estudos por nós consultados mostram a necessidade de uma intensa promoção do uso racional dos antibióticos, de forma a garantir uma prática fundamentada e razoável neste campo. Apesar das mudanças ocorridas, entre as quais uma redução no consumo, há ainda muito a fazer para conseguir a correta utilização destes medicamentos. A DGS, desde 2011, tem promovido a elaboração de Normas Clínicas, orientadoras da prescrição médica. Interessa dinamizar a sua implementação, sobretudo a sua aceitação, entre a classe médica na comunidade.
Torna‐se necessário mais conhecimento sobre os determinantes da prescrição de antibióticos. Esta informação será importante para melhorar a educação médica, a prática clínica e, consequentemente, o melhor uso dos antibióticos. A metodologia qualitativa, com recurso a grupos focais com profissionais de saúde, poderá ser interessante para revelar questões de caráter mais individual que envolvem a prescrição dos antibióticos e, ao mesmo tempo, mostrar caminhos adequados à realidade algarvia.
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Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Agradecimentos
Os autores agradecem a todos os médicos que colaboraram no estudo, à Administração Regional de Saúde do Algarve e à Fundação da Ciência e Tecnologia.
*Autor para correspondência: Correio eletrónico: iramalhinho@ualg.pt (I. Ramalhinho).
Recebido 14 de Outubro de 2014. Aceito 29 de Abril de 2015