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Revista Portuguesa de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.34 no.1 Lisboa mar. 2016

https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2016.03.001 

EDITORIAL

 

Diabetes: uma emergência de saúde pública e de políticas da saúde

Diabetes: an emergency on public health and health policies

 

José Manuel Boavida* 

* Programa Nacional para o Controlo da Diabetes, Ministério da Saúde, Direção Geral da Saúde, Lisboa, Portugal. jmboavida@netcabo.pt

 

Promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a comemoração do Dia Mundial da Saúde deste ano será sob o lema da diabetes. A diabetes constitui hoje um dos maiores desafios da saúde pública. Só reconhecida pelos organismos internacionais da saúde como epidemia nos finais do século XX, a diabetes está relacionada com a combinação de um conjunto de fatores genéticos, comportamentais, sociais e ainda da vida intrauterina. Pese embora toda a evolução científica dos últimos anos, a sua cura, exceto para a diabetes tipo 1, está ainda muito longe do nosso horizonte.

Mas já nos anos 70 os médicos Manuel Sá Marques e Nuno Castel‐Branco previam que «as principais causas do aumento assustador parecem estar em fatores socioambientais ligados à humanidade (…) As condições de vida das chamadas sociedades civilizadas (vida urbana) modificaram os hábitos das populações, criando circunstâncias desencadeadoras das manifestações da doença naqueles indivíduos predispostos geneticamente para a diabetes…» (in «Diabetes e Saúde Pública», 1975). E já em 1973, Baltazar Rebelo de Sousa, Ministro da Saúde e Assistência, criava o primeiro programa nacional de luta contra a diabetes, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

Nas comemorações dos 50 anos da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), em 1976, a Direção‐Geral da Saúde anunciava que 2 milhões de portugueses poderiam vir a desenvolver diabetes no futuro. Na verdade, caso se mantenha a atual taxa de crescimento da incidência da diabetes, este é um número que poderá vir a confirmar‐se daqui a 2 décadas.

A diabetes tipo 1, que atinge menos de 5% da população mundial com diabetes, tem vindo a aumentar ligeiramente em idades cada vez mais jovens. Mas é a diabetes tipo 2 que apresenta a maior prevalência, com mais de 400 milhões de pessoas.

Inicialmente a diabetes tipo 2 atingia mais os países ricos, mas com a globalização chegou a todos os continentes. Atualmente, países como a China, a Índia, o Brasil, o México, o Paquistão e o Egipto, para além dos EUA ou da Rússia, encontram‐se nos lugares cimeiros em relação ao número de habitantes com glicemias. As prevalências mais elevadas chegam a atingir 40% nas populações índias dos EUA. Em países da Micronésia e nos países do Corno de África (Arábia Saudita, Qatar, Bahrein….) vemos já prevalências superiores a 20% da população. Uma verdadeira pandemia!

Em Portugal, segundo o estudo PREVADIAB, mais de um milhão de pessoas vive com diabetes e mais de 2 milhões têm um risco elevado de a vir a desenvolver (pessoas com tolerância diminuída à glicose ou com alteração da glicemia de jejum, estádios considerados pela OMS como de hiperglicemia intermédia ou pela Associação Americana de Diabetes como de pré‐diabetes). Ou seja, cerca de 40% da população entre os 20 e os 79 anos tem uma situação de disglicemia, diabetes ou hiperglicemia intermédia.

A diabetes, como doença sistémica, provoca complicações micro e macrovasculares e aumenta 2‐5 vezes o risco de doença cardiovascular. Constitui‐se como a principal causa de insuficiência renal, de cegueira ou ambliopia na população adulta e de amputações dos membros inferiores. Nos últimos anos, o aumento de risco de alguns cancros como os do pâncreas, do fígado, do cólon, do endométrio e da mama, também se juntou às complicações clássicas da diabetes.

Desde 2009 que o Observatório Nacional de Diabetes, baseado na Sociedade Portuguesa de Diabetologia e apoiado pelo Programa Nacional para a Diabetes (PND), tem vindo a publicar Relatórios Anuais com os dados mais relevantes da diabetes em Portugal, tornando‐se uma instituição incontornável na definição das políticas e estratégias de intervenção de combate à doença.

Para esse combate, em despacho do SEAMS, de 2013, foram criadas Unidades Coordenadoras Funcionais da Diabetes (UCFD), uma estrutura de articulação entre cuidados primários, cuidados hospitalares e as unidades de saúde pública, que constituem hoje a coluna dorsal do PND. As UCFD, distribuídas por ACES ou ULS, têm como incumbência elaborar um plano de ação anual dirigido à sua comunidade. Foram constituídas 54 UCFD, que se têm encontrado todos os anos para partilharem boas experiências. As unidades de saúde pública têm aqui a responsabilidade de funcionar como observatórios locais de diabetes e de planificar estrategicamente a prevenção da diabetes.

Vários estudos confirmam que a expansão epidémica da diabetes só poderá ser combatida com uma intervenção fundamentada na prevenção primária.

Neste sentido, o PND lançou um desafio aos municípios e à sua rede social, o «Portugal sem diabetes». Este desafio obteve o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, através do projeto «Não à diabetes», que pretende identificar a população em risco através da aplicação do questionário de risco «FINDRISC» aos portugueses com mais de 20 anos, prevendo‐se que 30‐40% dos inquiridos apresentarão risco acrescido de desenvolver diabetes. Este projeto tem a duração de 5 anos e o seu objetivo é convidar as pessoas em risco a participarem no programa «Gosto», um programa de motivação para a mudança de comportamento, no que diz respeito à alimentação e à atividade física, que consiste em grupos de autoajuda animados por enfermeiros das unidades de cuidados à comunidade, com formação específica dada pela APDP.

Paralelamente aguarda‐se que a Agência Europeia de Medicamentos, EMEA, aprove a metformina para uso na prevenção primária, o que permitiria uma alternativa para as pessoas com maiores dificuldades na mudança dos estilos de vida. A evidência tem demonstrado a eficácia de redução do risco, a 10 anos, em cerca de 60% com a mudança dos estilos de vida e em cerca de 30% com a metformina.

Se a aposta na prevenção primária será a prioridade das prioridades no combate à diabetes é também porque ela permitirá um diagnóstico precoce e porque a evolução da prevenção terciária começa a estar bem alicerçada em estratégias de proximidade, de diagnóstico e tratamento atempado das complicações e de acesso a cuidados hospitalares. A reorganização dos cuidados hospitalares, com a descentralização do ambulatório de tratamento e acompanhamento das complicações da diabetes, com as unidades integradas de diabetes, agrupando todas as especialidades necessárias, será uma via que possibilitará melhorar os cuidados e aumentar ainda mais a sua eficiência.

No âmbito de um projeto de avaliação da situação sobre a diabetes e as doenças crónicas na Europa, a Joint Action (JA)‐CHRODIS, da qual em Portugal são entidades parceiras associadas a Direção‐Geral da Saúde, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e a APDP, a atuação do PND foi reconhecida em 3 áreas fundamentais: i) a existência do Observatório Nacional da Diabetes e a possibilidade de monitorização atenta que permite; ii) a existência de uma estrutura local de coordenação entre cuidados primários, hospitais e a saúde pública – as unidades coordenadoras funcionais da diabetes –, com os seus planos anuais de ação, por agrupamentos de centros de saúde; iii) e o seu programa de prevenção primária, englobando todo o Serviço Nacional de Saúde, os municípios e as suas redes sociais e a Fundação Calouste Gulbenkian, coordenado pela APDP e pelo PND.

Mas a (JA)‐CHRODIS também aponta como fatores determinantes para o prosseguimento dos programas nacionais a liderança, o envolvimento dos parceiros, o envolvimento das associações de doentes, o reforço do seu orçamento, o equilíbrio entre a estrutura nacional e a descentralização e autonomia dos agentes locais e regionais, a aprendizagem com a sua própria monitorização e a respetiva avaliação crítica, sem esquecer o contínuo acompanhamento das experiências mundiais e do avanço do conhecimento científico. E é aqui que as políticas de saúde têm que ser consequentes, a continuidade e a persistência destas estratégias justificam todo o apoio político e financeiro à sua implementação. A responsabilidade de resposta à emergência da luta contra a diabetes torna‐as inadiáveis.