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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.35 no.1 Lisboa jun. 2012
Avaliação da adoção do regime quadrimestral de partos na produção de leite caprino
Evaluation of the adoption of the rules of births quarterly in goatmilk production
Estevão Marcondes Tosetto1, Kléber Tomás de Resende2 e José Gilberto de Souza3
1Mestre em Zootecnia. Prof. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnol. do Sudeste de Minas Gerais. estevao@zootecnista.com.br
2Livre Docente. Unesp. Professor do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. Campus de Jaboticabal. krezende@fcav.unesp.br
3Livre Docente. Unesp. Professor do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Campus de Rio Claro-SP. jgilbert@rc.unesp.br
RESUMO
Procurou-se conhecer as mudanças nos índices zootécnicos e na rentabilidade de duas propriedades produtoras de leite caprino de níveis tecnológicos distintos após aplicação do regime quadrimestral de partos. A pesquisa foi realizada em duas etapas: diagnóstico da situação inicial e simulação. O diagnóstico foi feito por meio de inquirição semi-estruturada e observações diretas realizadas em visitas periódicas. Nesta etapa observou-se a falta de registro de controle nas propriedades. Simulou-se, com auxilio de um programa montado em Microsoft® Excel, os índices zootécnicos, a estruturação do rebanho estabilizado, despesas e receitas em novos cenários técnico-produtivos, facilitando a aplicação da técnica da orçamentação parcial para comparação da situação inicial e propostas. O regime quadrimestral aumentou o rendimento da atividade, mas com uma produção constante para um mercado consumidor intermitente.
Palavras-chave: Avaliação econômica, caprino, sistema de produção, tecnologia.
ABSTRACT
It tried know the changes in the zootechnic indices and in the profitability of two milk goat producers properties of distinct technological levels after application of the production system of childbirths. The research was accomplished in two stages: diagnosis of the initial situation and simulation. The diagnosis was done through inquiry semi-structured and direct observations accomplished in periodic visits. In this stage the control record lack was observed in the properties. It simulated, with assist of a program set in Microsoft® Excel, the zootechnic indices, the structure of the stabilized herd, expenses and revenues in the new situations, facilitating the application of the technique of budget partial for comparison of the initial situation and the proposal. The production system increased the revenue of the activity, however it produced milk constantly for an intermittent consuming market.
Keywords: Goat, production system, simulation, technology.
INTRODUÇÃO
O Brasil possui um enorme potencial agropecuário, mas a produtividade observada no setor ainda está muito aquém daquela que pode ser obtida. Dentre os vários fatores que podem estar obstruindo o desenvolvimento agropecuário do Brasil, talvez os mais evidentes sejam: o desenvolvimento de tecnologias que, muitas vezes, são inaplicáveis em grande parte dos sistemas de produção existentes no país; a carência de meios eficientes para divulgação de tecnologias e informações; e a falta de assistência aos produtores, os quais muitas vezes aplicam erroneamente as tecnologias geradas nos centros de pesquisas e estão cada vez mais descapitalizados.
Ao selecionar apenas as propriedades de caprinocultura leiteira da Região Centro-Sul, constatou-se uma heterogeneidade muito grande dos sistemas de produção, o que impossibilita a aplicação de um "pacote tecnológico". Existem diversas alternativas tecnológicas disponibilizadas pelos órgãos de pesquisa que visam melhorar a eficiência dos criatórios e são aplicáveis nos sistemas vigentes; porém são necessários estudos e cautela para aplicá-las, pois raramente duas propriedades vivem a mesma realidade. Além disto, a capacidade de absorção de novas tecnologias de forma correta pelos produtores é limitada por diversos fatores.
A aplicação do regime quadrimestral de partos geralmente traz bons resultados, principalmente por permitir uma oferta regular de leite (ou derivados) ao mercado (Resende, 2004), mas poucos criatórios a utilizam, e encontram na complexidade do manejo o principal entrave.
O objetivo deste trabalho é avaliar, por meio de simulações e orçamentação parcial, a eficácia da adoção de regime quadrimestral de partos em dois sistemas de produção de leite caprino com níveis tecnológicos distintos.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi desenvolvido na Região Sudeste e abrangeu dois sistemas de produção de leite caprino em confinamento com características tecnológicas distintas (denominadas, no que respeita aos proprietários, de "A" e "B") para que o resultado das simulações da aplicação de uma mesma tecnologia em ambos os criatórios fosse perceptível. A escolha de criatórios que utilizam o confinamento deveu-se ao fato de que, de acordo com Lemos Neto e Almeida (1993), outros sistemas de criação normalmente visam apenas a subsistência.
A pesquisa foi realizada em duas etapas: o diagnóstico inicial e a simulação de um novo cenário decorrido da aplicação de regime quadrimestral de partos estabilizada.
As informações necessárias foram coletadas através de inquirição pessoal semi-estruturada (Nichols, 1991) e observações diretas realizadas durante visitas às propriedades.
A caracterização do sistema de produção foi feita através das seguintes informações: sistema de criação; número de matrizes; ciclo de parição aplicado; produção leiteira média; preço de venda do leite; idade e peso de abate dos(as) cabritos(as); preço de venda de animais para abate; porcentagem de animais vendidos para reprodução; preço de venda dos animais para reprodução; fertilidade e prolificidade das cabras; relação de matriz por reprodutor; taxa de reposição de machos e de fêmeas; preço de compra de matrizes e de reprodutores; preço de venda de animais de descarte; ; intervalo de partos; sistema de acasalamento; mortalidade até 3 meses, de 4 a 6 meses e acima de 6 meses; período de aleitamento; quantidade de leite (ou sucedâneo) oferecido por dia; tipo e qualidade dos alimentos fornecidos; consumo médio de concentrado, volumoso e sal; consumo de vacinas e medicamentos.
A identificação das despesas, assim como da receita, ateve-se aos itens alterados após aplicação das tecnologias. Segundo Tung (1990), quando se pretende apenas ajustar os métodos de produção, a técnica orçamentária mais recomendada é a orçamentação parcial, que consiste em estimar os efeitos das alterações sobre as despesas e lucros da estrutura existente. O mesmo autor lembra que é decisivo ter a capacidade de discernir entre despesas que se alterarão e as que ficarão inalteradas; no entanto, esta tarefa foi facilitada pelo auxilio do programa de simulação criado pelo GECAPRI (Grupo de Estudo em Caprinocultura) da UNESP-Jaboticabal desenvolvido em Microsoft® Excel. Os valores foram corrigidos com base no Indice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas (IGP-DI-FGV-Base 04/2011) e convertidos pela taxa oficial de câmbio Banco Central do Brasil (BACEN) 30/04/2011.
Simulou-se a aplicação de tecnologias em cada uma das propriedades com auxílio do programa computacional desenvolvido pelo GECAPRI, que exige a introdução das informações recolhidas no diagnóstico para estimar os índices zootécnicos, a estruturação do rebanho estabilizado, as despesas e as receitas.
De posse das informações de receita e despesa estimada pelo programa, em função das alterações sobre a estrutura existente aplicou-se a técnica do orçamento parcial, recomendada por Tung (1990), para verificar a viabilidade da aplicação das tecnologias.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Diagnóstico
O processo de diagnóstico foi dificultado pela falta de controle de alguns dados por parte dos produtores. Neste estudo, mesmo no sistema de produção caracterizado como mais tecnificado (propriedade "A"), algumas informações necessárias ao trabalho não estavam disponíveis em seus registros e tiveram que ser calculadas, ou estimadas, com base nas informações existentes. Alguns desses dados estão apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 - Dados do diagnóstico das propriedades.
Descrição da propriedade "A"
A propriedade "A" usufruía o arrendamento de 2 ha e um galpão de aproximadamente 1000 m2 que alojava todas categorias do rebanho em cama de maravalha sobre piso cimentado. Além desta instalação, possuía uma sala de ordenha e uma casa de residência para um dos funcionários.
Por indisponibilidade de área, o único alimento produzido na propriedade era Pannicum maximus fornecido picado. Os principais volumosos utilizados eram feno de tifton e pré-secado de alfafa comprados, respectivamente, na forma de fardos e "silo bag". As cabras em produção eram divididas em lotes de acordo com a produção e recebiam rações diferentes em função da exigência nutricional do lote. Em média as cabras em lactação recebiam 1,5 kg de MS de volumoso por dia proveniente de diferentes proporções de feno e pré-secado, e dependendo do lote em questão mais 2 kg de MS de concentrado por dia. As cabras secas e os bodes recebiam, aproximadamente, 1,3 kg de MS de volumoso proveniente de capim fresco picado e feno em proporções dependentes da disponibilidade dos ingredientes mais 0,6 kg de MS de concentrado por dia. Os cabritos e cabritas em recria recebiam 0,5 kg de MS de volumoso proveniente, basicamente, de feno mais 0,4 kg de MS de concentrado por dia.
A sala de ordenha foi planejada para uma produção de 1000 litros por dia. Equipada com uma ordenhadeira mecânica duplo 6, com linha de leite canalizada até um tanque de expansão. O desenho da sala exigia um funcionário no fosso e outro no manejo dos animais.
No levantamento, contabilizaram-se 40 matrizes; destas, 31 estavam em lactação e produziam diariamente 90 litros. A aquisição de novas cabras mascarou o índice de fertilidade. Todos os animais da propriedade eram registrados ou estavam em processo de registro, pois uma das principais fontes de renda é a venda de animais para reprodução e o registro agrega valor a estes animais.
Dos cabritos nascidos na propriedade, os 30% melhores eram vendidos para reprodução na forma de bodetes, 25% das melhores fêmeas ficavam para repor o plantel, 50% das fêmeas eram vendidas como cabritas para reprodução e as demais entravam num lote junto com os machos e vendido para abate. Este lote era abatido aos 3 meses de idade quando os machos estavam pesando em torno de 20 kg e as fêmeas 18 kg. Os índices de mortalidade observados foram considerados normais, sendo eles: 0,8% ao mês até os 3 meses, 0,6% de 4 a 6 meses e 0,4% acima de 7 meses. Falta referência para a mortalidade nacional
De acordo com revisão feita por Medeiros et al. (2005), as prevalências de mortalidade perinatal de caprinos são bastante variáveis. Em sistemas extensivos de criação há relatos de perdas que variam de 10 a 60% e em sistemas intensivos as variações vão de 8 a 17% (Smith e Sherman 1994, apud Medeiros et al., 2005).
Medeiros et al. (2004) mostram uma taxa de mortalidade das crias do nascimento ao desmame (90 dias de idade ) em sistema semi-intensivo de 12,33% ao ano. Cerca de 65,79% das mortes de crias observadas neste estudo ocorreram na primeira semana, notadamente nas primeiras 72 horas de vida (mortalidade neonatal). Dentro do período nascimento-desmama, houve um decréscimo no índice de mortalidade com o avanço da idade, sendo que nos primeiros 30 dias de vida deu-se a ocorrência maior de óbitos.O manejo sanitário se constituía no revolvimento da cama quinzenalmente ou quando se apresentava compactada. A troca do material era feito anualmente ou em casos de umidade elevada. Todos os animais eram vacinados contra raiva, clostridiose e linfadenite, além das vacinações de campanha governamental.
O ciclo de parição era anual, planejado de forma a concentrar os partos entre fevereiro e março na intenção de disponibilizar o leite para o mercado no período de entressafra. Para tanto, utilizava-se o programa de luz e efeito macho para sincronização e indução de cio, eventualmente utilizavam-se hormônios. O sistema de acasalamento aplicado era inseminação artificial nas melhores cabras e monta controlada nas demais.
Descrição da propriedade "B"
A propriedade "B" possuía um bodário, um berçário e dois galpões que abrigam as fêmeas nas diferentes idades, sendo um de madeira e outro de alvenaria, todos com piso elevado. Além destas, também possuía um pequeno laticínio anexo ao estábulo de alvenaria.
A sala de ordenha localizava-se dentro do galpão de madeira que abrigava as cabras lactantes, e constituía-se em plataforma de madeira para quatro animais ordenhados com auxílio de um ordenhadeira mecânica com dois "baldes ao pé". Ao atingir a capacidade do latão, o leite era transferido para um tanque de expansão.
Esta propriedade possuía 35 ha próprios, praticava a pluriatividade e aproximadamente 3 ha da propriedade estavam envolvidos com a caprinocultura. No levantamento, contabilizou-se 73 matrizes, destas 56 estavam em lactação e produziam 85 litros diariamente. A relação matriz/reprodutor era de 25/1 e nenhum dos animais tinha registro junto à associação. Porém a maioria dos animais apresentava boa caracterização racial.
Os cabritos nascidos eram castrados e vendidos com o máximo de 2 meses, as piores fêmeas tinham o mesmo destino, enquanto as 35% melhores em relação à conformação, peso ao nascimento e produção da mãe eram criadas para reposição do rebanho ou vendidas como cabrita criada (12 kg aos 2 meses) ou recriada (35 kg aos 10 meses) de acordo com a ocasião. Todos os animais eram confinados em instalações de piso ripado.
Observou-se que não existia nenhum tipo de controle escrito dos animais, de forma que não se sabia quantas cabras haviam sido cobertas, quantas pariram, qual o intervalo de partos de cada cabra, qual a data de nascimento dos animais, etc. A mesma falta de registros foi observada na contabilidade do sistema de produção, fato que dificultou a assistência técnica.
Não foi observado nenhum tipo de programa de controle reprodutivo. As cabras, na época do cio natural, eram agrupadas em lotes e colocadas com o reprodutor sem preocupação de se conhecer quais cabras eram cobertas de fato. A confirmação de prenhez era visual, ou seja, acontecia quando já havia passado aproximadamente 100 dias de gestação. Os partos concentravam-se entre agosto e setembro.
Os animais eram alimentados com cana picada, capim picado e/ou silagem de milho (de acordo com a disponibilidade em função da época do ano), acrescidos de concentrado. Existiam dois tipos de alimento concentrado: um preparado com 60% de fubá de milho (concentrado 1), oferecido às cabras em lactação e animais lactentes, e outro preparado com 60% de milho desintegrado com palha e sabugo (concentrado 2) oferecido às demais categorias.
As cabras em lactação recebiam no cocho 1,3 kg de matéria seca (MS)/dia na forma de volumoso mais 1 kg de concentrado 1, os bodes e cabras secas recebiam 1,3 kg de MS/dia na forma de volumoso mais 0,3 kg de concentrado 2, enquanto os cabritos(as) recebiam 0,4 kg de MS/dia na forma de volumoso mais 0,3 kg de concentrado 1. Todas as categorias recebiam o mesmo sal mineralizado à vontade; no entanto, freqüentemente observou-se falta do mesmo pois a reposição era semanal.
A propriedade disponibilizava um funcionário ao capril, que recebia ajuda de um outro apenas nas atividades de arraçoamento. Ao término das atividades de manejo com os animais , este funcionário se dirigia ao lacticínio para pasteurizar e embalar o leite produzido no dia.
A propriedade possuía outras espécies e um funcionário se dedicava exclusivamente ao corte e distribuição do volumoso. O índice de mamite era em torno de 12% das cabras em lactação. Os gastos com medicamentos baseavam-se em tratamento da mamite, fraqueza e desinteria dos cabritos, já que não se praticavam vacinações sistemáticas do rebanho, salvo campanhas governamentais.
Distinção entre as propriedades
Segundo o IBGE (2003), o Brasil possui um rebanho caprino de 9.428.622 cabeças, sendo que 93% do efetivo nacional concentra-se na região Nordeste, principalmente nos Estados da Bahia, Pernambuco e Piauí. Apenas 5% do plantel brasileiro encontra-se na Região Centro-Sul (Centro-Oeste, Sudeste e Sul), principalmente em Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. No caso deste trabalho, ambas propriedades analisadas estão em São Paulo.
A caprinocultura se reveste de especial importância social e econômica para os ecossistemas do semi-árido brasileiro. O potencial de adaptabilidade do caprino às condições naturais do meio semi-árido, onde a agricultura convencional é atividade de alto risco e a bovinocultura sofre pesadas perdas decorrentes do déficit hídrico, torna a caprinocultura uma das poucas atividades com capacidade de amenizar os problemas sócio-econômicos da região. Entretanto, o padrão "ultra-extensivo" de produção, caracterizado pelo manejo rudimentar dos rebanhos e seus baixíssimos índices de produtividade, não remuneram o produtor suficientemente. Devido às limitações regionais, não se observa um direcionamento à especialização e nem uma "preocupação" com o lado comercial da produção na maioria das propriedades. Para a grande maioria desses pecuaristas, esta é uma atividade voltada, eminentemente, para a subsistência familiar (Lima e Baiardi, 2000).
Na região Centro-Sul do Brasil e litoral do Nordeste a exploração caprina pode ser caracterizada como intensiva destinada à produção leiteira. A industrialização do leite e as orientações aos criadores de caprinos do Sudeste fazem que a matéria-prima seja mais bem utilizada pelos laticínios na fabricação de queijos e iogurtes com tecnologia aprimorada, e possibilita maior aceitação no mercado interno e, consequentemente, melhora as perspectivas da atividade. (Jardim, 1984)
Praticamente todo levantamento estatístico da agropecuária realizado para implantação de políticas públicas não traz informações suficientes para caracterizar os sistemas de produção vigentes na caprinocultura. Lemos Neto e Almeida (1993), levantaram a situação da caprinocultura paulista e mostraram que as raças criadas com maior freqüência eram a Saanen e a Alpina e, ao incluir seus cruzamentos com animais sem raça definida (SRD) totalizavam 57,3% do rebanho paulista. O fato da caprinocultura na região Sudeste estar em ascensão faz que a freqüência de criatórios que utilizam animais SRD seja considerável (28,5% em São Paulo), pois os criadores, normalmente, utilizam animais mais baratos para iniciar seus plantéis e obter animais melhorados a cada geração através de um cruzamento absorvente com raças leiteiras.
A propriedade "A" apresenta retorno expressivo ligado, essencialmente, à venda de matrizes e reprodutores baseada na multiplicação de animais puros de raças leiteiras, enquanto que a propriedade "B" ocupa-se mais em obter resultados econômicos positivos através do domínio mais amplo possível de várias tecnologias relacionadas ao manejo do rebanho e processamento do leite, além de uma boa estratégia de comercialização de leite e queijos com animais SRD de boa conformação funcional; porém o nível de tecnologia atual desta ultima é inferior a primeira, até mesmo por uma questão histórica, pois a primeira é de propriedade de uma família tradicional na criação de caprinos e já domina diversos aspectos tecnológicos adaptados a sua realidade.
Simulação
Com a alteração do regime de partos observa-se que seria necessário encurtar o período de descanso (intervalo da secagem ao parto) de 2 para 1,5 meses. O período de serviço (intervalo do parto a cobertura) reduziria de 7 para 3 meses em conseqüência da diminuição no intervalo dos partos que passaria de 12 para 8 meses. Portanto, ficou clara a necessidade de um bom acompanhamento do estado nutricional e sanitário do rebanho para que o sistema fosse implantado, uma vez que as cabras seriam exploradas mais intensivamente. A manutenção da condição corporal das mesmas é de fundamental importância para viabilidade do sistema, o qual não permite falhas no aproveitamento dos cios.
A produção leiteira média dos animais aumentaria, em função da maior quantidade de picos de produção no intervalo de dois anos (três lactações no regime quadrimestral contra duas lactações no regime anual) e, conseqüentemente, maior produção de leite durante o ano, pois a lactação seria interrompida com 180 a 195 dias; desta maneira, retirar-se-ia a fase de menor produção.
A curva de lactação das cabras prevê um pico em aproximadamente 30 dias após o parto com erro de mais ou menos 7 dias. Considera-se que uma curva mantém persistência satisfatória quando a produção diminui em torno de 10% de um mês a outro (Soares Filho et al., 2001), de forma que, se a lactação for interrompida precocemente em função de um novo parto, a cabra apresentará mais picos de produção que uma cabra fora deste sistema. Conforme dados da literatura, quando na curva de lactação ocorre um pico de produção muito acentuado, geralmente há uma menor persistência; inversamente, curvas que apresentam picos suaves têm demonstrado que o animal terá uma persistência mais longa. Isso, também pode ser influenciado pela raça, condição nutricional e estacionalidade de parição (Souza Neto et al., 1998). Tais fatos corroboram para que o sistema quadrimestral seja mais interessante para cabras de alta produção, ou melhor, cabras que apresentam altos picos de lactação.
Com este manejo, durante um período de dois anos, as cabras passam por dois cios naturais e um cio induzido. No setor de caprinocultura da UNESP-Jaboticabal implantou-se o regime quadrimestral de partos com cabras Saanen puras. Foram adotadas três estações de cobertura ao ano, nos meses de fevereiro, junho e outubro. Somente no mês de outubro as cabras aparentemente estavam em anestro, mas apenas o efeito macho foi suficiente para que elas entrassem em cio; no entanto, a taxa de concepção foi menor que nos outros meses de cobertura (80% contra 92%, na média de três anos de experiência).
A receita dos criatórios cresceria porque as cabras teriam partos mais próximos, apresentariam mais picos de produção de leite e mais crias durante o ano. A produção anual de leite aumentaria, porém não na mesma proporção da produção diária, pois seria observada uma redução no percentual do tempo em lactação. Não haveria sazonalidade da produção, o que permitiria o fornecimento contínuo de leite durante o ano.
Na região de abrangência do trabalho do Núcleo Sudeste da EMBRAPA Caprinos tem sido proposto pagamento diferenciado (superior) pelo leite de cabra na entressafra. No entanto, é preciso ter certa escala de produção para vislumbrar ganhos (Melo, 2003).
A despesa aumentaria praticamente em decorrência do maior número de cabritos(as) para serem alimentados. A mudança no regime de partos não exigiria aumento de área construída. A separação das matrizes em dois lotes ficaria facilitada pela presença de baias nas instalações já existentes nas propriedades.
Na propriedade "A", a aplicação desta tecnologia elevaria a receita anual em 23,5% pela maior quantidade de leite (7,5%), pelo dobro de animais que seriam disponibilizados para abate, 46% a mais de cabritas vendidas para reprodução e 50% a mais de bodetes conforme pode ser visto no Quadro 2. O acréscimo na receita desta propriedade seria maior que o observado na propriedade "B", pelo fato de vender animais para reprodução e conseguir melhor remuneração nos animais destinados ao abate.
Quadro 2 - Variação da receita anual e quantidade de produtos para venda na propriedade "A" pela mudança no regime de partos no rebanho.
No regime anual, esta propriedade apresentava 24 partos ao ano, enquanto que no regime quadrimestral passaria para 36, fato que explicaria a maior quantidade de animais nascidos. A produção leiteira média por cabra passaria de 3 litros para 3,6 litros diários; no entanto, os percentuais de acréscimo são idênticos em ambas às propriedades.
As alterações nas despesas seriam relativas a alimentação dos animais. A redução do percentual do tempo em lactação promoveria um efeito interessante nas despesas (Quadro 3), pois as cabras em lactação recebiam 2 kg de ração concentrada e as cabras secas 0,6 kg. Assim sendo, com o aumento da quantidade de cabras secas pela mudança do regime de partos (Quadro 4) observar-se-ia uma redução nas despesas com ração concentrada. No entanto, nos outros itens de despesa haveriam acréscimos. O maior número de animais nascidos durante o ano para serem alimentados seria o principal responsável pelo aumento das despesas.
Quadro 3 - Variação na despesa anual da propriedade "A" pela mudança no regime de partos.
Quadro 4 - Alteração na composição anual do rebanho da propriedade "A" pela mudança no regime de partos.
A aplicação desta tecnologia aumentaria a receita em € 5.977,17 e a despesa em € 766,07; desta forma, observar-se-ia um incremento no rendimento líquido de € 5.223,27 ao ano, o que respaldaria a indicação para aplicação da mesma. Ressalva-se a restrição relativa a sazonalidade da demanda pelos produtos lácteos caprinos.
Na propriedade "B" a aplicação do regime elevaria a receita anual em 12,5% pela maior quantidade de leite (7,5%), mas principalmente pelo acréscimo de 74% na quantidade de animais disponíveis para abate e 29% a mais de cabritas vendidas para reprodução, conforme pode ser visto no Quadro 5. A receita seria maior em função da comercialização dos animais para abate, pois a propriedade não possui animais de reprodução.
Quadro 5 - Variação da receita anual e quantidade de produtos para venda na propriedade "B" pela mudança no regime de partos no rebanho.
A produção leiteira média dos animais aumentaria 20% no regime quadrimestral, no entanto, a produção de leite anual da propriedade não elevaria na mesma proporção devido a diminuição de 10% que ocorreria no percentual do tempo em lactação das cabras em função da redução no período de lactação das mesmas, de modo que a produção anual de leite apresentaria um acréscimo de 7,55%, conforme Quadro 6.
Quadro 6 - Itens alterados nos índices zootécnicos com a mudança no regime de partos na propriedade "B.
Dentre todas as despesas, somente os itens referentes à alimentação sofreriam modificação, principalmente pelo aumento no número de animais que nasceriam durante o ano. Os gastos seriam provenientes do acréscimo de 2% com ração concentrada, 2,5% com volumoso, 4% com sal mineral e 50% com sucedâneo. Estes gastos resultariam em um aumento de 5,73% nas despesas, conforme mostra o Quadro 7.
Quadro 7 - Itens alterados na despesa anual da propriedade "B" pela mudança no regime de partos
A aplicação desta tecnologia nesta propriedade aumentaria a receita em € 2.110,73 e a despesa em € 707,24. Desta forma haveria um incremento no rendimento líquido de € 1.403,49 ao ano, o que respaldaria a indicação para sua aplicação. Além disto, proporciona produção constante durante o ano, apesar da maior demanda por produtos lácteos caprinos durante os meses de maio a junho.
CONCLUSÕES
Observou-se que a adoção do regime aumenta a complexidade do manejo e o mercado não absorve o leite de forma regular durante o ano. Por sua vez verificou-se que a adoção do regime permite alterar o padrão técnico-produtivo de forma satisfatória, interferindo na composição das receitas.
Destaca-se que quanto maior for a quantidade de dados e coeficientes técnicos gerados pelo sistema de produção melhor será a análise e, conseqüentemente, os projetos de intervenção mais consistentes. Cada propriedade responde de uma maneira diferente à aplicação de uma mesma tecnologia, pois seus ambientes financeiro, social, econômica, cultural, são diferenciados, mas tecnologias respeitadas estas dimensões melhoram o desempenho produtivo e financeiro, refletindo na qualidade de vida do produtor. Implica considerar, portanto, que a diversidade técnico produtiva é um fator importante na determinação de desempenho de unidades de produção quando da inserção de sistemas produtivos. Destaca-se ainda, a necessidade de associar estas tecnologias ao perfil sócio-econômico do produtor, considerando que impactos desta natureza se repercutem, de forma extremamente positiva, na consolidação da atividade, mas que muitas vezes fatores educacionais e de modelos de assistência técnica são impeditivos para adoção de regimes diferenciados de produção.
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