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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.37 no.2 Lisboa jun. 2014

 

ARTIGO

Valorização agronómica de resíduos da produção de pasta de papel

Agronomic valorisation of wastes generated from pulp industry

Cristina Sempiterno1 e Rui Fernandes1

 

1INIAV- Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. Unidade Estratégia de Investigação e Serviços de Sistemas Agrários e Florestais e Sanidade Vegetal. LQARS - Tapada da Ajuda, Apartado 3228 1301-903 Lisboa, Portugal. E-mail: cristina.sempiterno@iniav.pt, author for correspondence.

 

RESUMO

A compostagem dos resíduos da produção de pasta de papel seguida da sua aplicação em solos agrícolas constitui uma opção com benefícios ambientais e económicos de valorização destes subprodutos. Com este trabalho pretendeu-se verificar os efeitos da aplicação de um produto resultante da compostagem dos resíduos desta indústria (resíduos da preparação da madeira, lamas primárias e secundárias), através de um ensaio experimental em vasos, realizado em ambiente condicionado, com terra de um leptossolo lítico tendo sido contempladas análises ao produto em estudo, ao solo e à planta teste (Lactuca sativa L.). Consideraram-se cinco modalidades experimentais que correspondem a uma testemunha, sem aplicação do resíduo compostado, e quatro modalidades com aplicações deste produto em quantidades crescentes (equivalentes a 25, 50, 75 e 100 t ha-1). A aplicação deste produto ao solo conduziu a aumentos de produtividade da cultura de alface, não tendo sido observados efeitos fitotóxicos nesta, mesmo quando fornecida a dose mais elevada (equivalente a 100 t ha-1). O composto revelou valor como corretivo orgânico e alcalinizante, dando origem a respostas significativas, relativamente à matéria orgânica e ao valor de pH do solo, diretamente proporcionais às doses aplicadas. O produto em estudo contribuiu ainda para a maior disponibilização de nutrientes, como o azoto e o fósforo, e mostrou ser uma fonte de cálcio para a planta. A aplicação do composto ao solo, mesmo em doses muito elevadas, não provocou acréscimos significativos (p>0,05) nos níveis de crómio, níquel e chumbo “totais” do solo. Nos restantes metais pesados analisados (Cd, Cu, Zn e Hg) ocorreram apenas ligeiras alterações, nunca ultrapassando os valores admissíveis em solos onde se pretenda aplicar este tipo de produtos.

Palavras chave: compostado, ensaio em vasos, Lactuca sativa, resíduos da indústria da pasta de papel

 

ABSTRACT

Composting the organic waste from pulp production and its land application is an option to get an agronomic valorisation of these by products. This work aims to quantify the effects of a composted pulp waste (wood fiber and sludges from primary and secondary treatment of wastes) application to the soil. A pot trial was conducted, at controlled conditions, on a LPli soil, and with lettuce (Lactuca sativa L.) as test plant. It was applied five experimental treatments, a control and four application rates (equivalent to 25, 50, 75 and 100 t ha-1).The application of this product to the soil led to increases in lettuce yield. No phytotoxic effects were observed, even when given the highest dose (equivalent to 100 t ha-1). The composted pulp waste acted both as an organic fertilizer and a liming material, giving rise to significant responses in relation to the soil organic matter and soil pH, directly proportional to the dose applied. The product under study also contributed to the increased availability of nutrients, such as nitrogen and phosphorus, and showed to be a source of calcium for the plant. The application of the compost to the soil, even at very high doses did not result in significant increases (p> 0.05) in the levels of “total” chromium, nickel and lead in the soil. Concerning the other heavy metals analyzed (Cd, Cu, Zn and Hg) only slight changes were observed, never exceeding the permissible values in soils where it wants to apply this type of product.

Key-words: composted pulp waste, Latuca sativa, pot trial

 

Introdução

Portugal é o 4º maior produtor europeu de pasta de papel, com 6,3% do total da produção. O nosso país é ainda o 11º maior produtor europeu de papel e cartão (2,2% do total da produção) (CELPA, 2012). À semelhança de outras indústrias, também a produção da pasta de papel produz grandes quantidades de resíduos. Os resíduos de madeira e do descasque de madeira constituem a maior fatia, seguida da produção de lamas. Em Portugal, em média, são produzidas cerca de 300 mil toneladas por ano (matéria húmida) de lamas no sector da Indústria de pasta e papel. Sendo produzidas cerca de 48 t de resíduos por cada 100 t de pasta de celulose produzida (Oliveira, 2009; Simão, 2011).

As preocupações ambientais e realidades económicas levam a um incentivo para o desenvolvimento de novas tecnologias de gestão para estes resíduos, nomeadamente as que privilegiem a sua valorização. Logo, encontrar um destino final ambientalmente adequado e economicamente viável ainda é um desafio para a comunidade científica e para os gestores públicos. De entre as propostas, o seu uso como corretivo orgânico e/ou condicionador de solos em áreas agrícolas e florestais tem sido apontado por diversos autores como uma alternativa promissora (Faria , 2000). Com efeito, atualmente quer a nível mundial quer nacional, já se recorre à valorização destes resíduos através da sua aplicação ao solo, havendo diversos estudos que apresentam resultados benéficos dessa reutilização (Campos et al., 1998, Camberato et al., 2006, Mohammadi et al., 2011, Oliveira, 2009). A aplicação ao solo permite tirar partido de alguns atributos positivos destes resíduos, como seja a sua riqueza em carbono (principalmente das lamas primárias) que ao aumentar o teor de matéria orgânica do solo contribui para um aumento da capacidade de retenção de água e nutrientes de solos de textura mais arenosa, bem como o arejamento e a permeabilidade de solos de textura mais fina (Camberato et al., 2006, Mahmood e Elliot, 2006). Outro potencial beneficio da aplicação destes resíduos ao solo é o aumento do pH em solos ácidos que, entre outros efeitos, contribui para o aumento da disponibilidade de determinados nutrientes. As lamas secundárias, resultantes de um tratamento no qual são incorporados nutrientes (azoto e fósforo) apresentam alguma riqueza nestes elementos (Camberato et al., 1997).

A eliminação de substâncias fitotóxicas, a neutralização de agentes patogénicos, a eliminação de microrganismos e sementes indesejados, o aumento da estabilidade da matéria orgânica, a eliminação de maus odores e o fácil manuseamento do produto resultante, são os principais resultados de um processo de compostagem quando feito em condições adequadas (Bertoldi et al., 1982). Assim, a compostagem destes resíduos, apresenta inúmeras vantagens: permite a utilização de um material estabilizado não apresentando características tão nocivas para o solo e apresentando-se mais benéfico para uma maior produtividade agrícola e florestal garantindo a sustentabilidade ambiental, conduz à produção de um produto mais manuseável (partículas mais finas e soltas) permitindo assim uma redução nos custos de aplicação e uma maior qualidade na aplicação.

Levou-se a cabo o presente estudo com o objetivo principal de avaliar a eficácia e a adequação da aplicação de um composto produzido a partir de resíduos orgânicos não perigosos provenientes de uma indústria de produção de pasta de papel em Portugal. Avaliou-se os efeitos a nível das características do solo e sobre a produção e a composição química de uma cultura teste.

 

Material e Métodos

Tendo em vista os objetivos do estudo, estabeleceu-se um ensaio em vasos, utilizando como cultura teste a alface - Latuca sativa var Tonale, variedade frisada de cor verde-claro, precoce, com bom rendimento e volume e alta resistência ao míldio. Esta cultura é considerada muito sensível à contaminação com metais pesados (Pais e Jones, 1997)

O delineamento experimental utilizado foi o de blocos completos casualizados, com quatro repetições, considerando cinco modalidades experimentais que correspondem a uma testemunha, sem aplicação da matéria fertilizante em estudo, que serve de termo de comparação às restantes modalidades, e quatro modalidades com aplicações da matéria fertilizante em quantidades crescentes. Os tratamentos experimentais considerados no ensaio foram os seguintes: T1 – Testemunha; T2 – com aplicação de composto equivalente a 25 t ha-1 ; T3 – com aplicação de composto equivalente a 50 t ha-1; T4 – com aplicação de composto equivalente a 75 t ha-1; T5 – com aplicação de composto equivalente a 100 t ha-1.

Em todos os tratamentos experimentais foi aplicada uma fertilização de base, procurando evitar a ocorrência de factores limitantes ao normal desenvolvimento da cultura. Aplicou-se uma solução nutritiva de fundo com 200 mg de N (sob a forma de NH4NO3), 260 mg de P (sob a forma de KH2PO4), 500 mg de K (sob a forma de KH2PO4 e K2SO4), 120 mg de Mg (sob a forma de MgSO4.7H2O), 20 mg de Mn e Zn, (sob a forma de MnSO4.H2O e de ZnSO4.7H2O), 4 mg de Cu (sob a forma deCuSO4. 5H2O) e 2 mg de B (sob a forma deNa2B4O7. 10H2O) por vaso.

Foi utilizada no ensaio terra retirada da camada 0 a 20 cm de um Leptossolo lítico (FAO, 2006), de reação ácida, com textura franco-arenosa, pobre em nutrientes, com baixo teor de matéria orgânica e baixa capacidade de troca catiónica potencial. Os teores de todos os metais pesados que fazem parte da sua constituição são inferiores aos limites máximos no solo estabelecidos no documento referenciado para permitir a incorporação deste tipo de matérias fertilizantes (Gonçalves e Batista, 2008).

Este tipo de solo, de textura grosseira e pobre em matéria orgânica e baixo poder tampão, possui as características ideais para responder de forma quantitativa à aplicação de produtos como o que estava em estudo.

A terra foi crivada por crivo de malha de 10 mm, para o ensaio em vasos e 2 mm para a análise química, cujos resultados se apresentam no Quadro 1.

 

 

Partindo de uma macro-amostra de um composto produzido a partir de resíduos da produção de pasta de papel (resíduos da preparação da madeira, lamas primárias e secundárias resultantes do tratamento dos efluentes líquidos), procedeu-se a uma crivagem submetendo a passagem do material por uma malha de 5 mm, após o que se efectuou uma redução do tamanho da amostra por quarteamento segundo a norma EN ISO 5667-13.

A amostra reduzida foi submetida a uma análise físico-química cujos resultados se encontram no Quadro 2, com excepção da análise granulométrica que foi efectuada sobre o material original.

 

 

A amostra crivada e reduzida constituiu a matéria fertilizante utilizada nas várias modalidades do ensaio experimental.

Com base no documento que é utilizado como referência no estabelecimento de critérios de qualidade para os compostados, “Especificações Técnicas sobre qualidade e utilizações do composto” (Gonçalves e Batista, 2008), os resultados obtidos pela análise laboratorial permitem incluir o produto na Classe de Qualidade I.

Após a incorporação homogénea da solução nutritiva e do composto nas quantidades previstas para cada tratamento experimental, aplicou-se água desionizada a todos os vasos, de modo a obter-se um teor de humidade correspondente a 70% da capacidade máxima de retenção de água, e deixou-se a terra a incubar. O transplante das alfaces que se encontravam inicialmente em motes e possuíam 3 a 4 folhas, foi realizado 15 dias depois, colocando uma planta em cada vaso a uma profundidade constante.

Os vasos de polietileno branco, com uma capacidade de 3 dm3, foram dispostos por blocos e tratamentos experimentais, casualizados nos carros porta-vasos. Durante o ensaio, a terra foi mantida a 70-80% da capacidade máxima de retenção de água. O controlo da quantidade de água a fornecer foi feito através de pesagens diárias dos vasos, utilizando-se água desionizada nas operações de rega. A fim de garantir a todos os vasos idênticas condições de luminosidade, exposição e temperatura, procedeu-se também, diariamente, à rotação dos vasos, em grupos de 4, e, semanalmente, à rotação em grupos de 16.

As determinações analíticas efectuadas ao solo, ao composto e às plantas foram feitas de acordo com os métodos em uso no LQARS (LQARS, 1977)

Na análise estatística dos dados experimentais utilizou-se o programa informático Statgraphics, versão 5.1 plus, tendo-se recorrido à análise de variância (ANOVA tipo II) para avaliação do efeito dos diferentes tratamentos experimentais sobre as diversas variáveis controladas; ao teste múltiplo de comparação de médias Duncan (p=0,05) para comparação a posteriori das médias correspondentes às modalidades experimentais e à análise de regressão para avaliar a resposta da produção, à aplicação de quantidades crescentes de compostado.

 

Resultados e discussão

Produção

Os valores médios do peso verde e seco das alfaces, obtidos para cada tratamento experimental, assim como os valores do desvio padrão e dos coeficientes de variação, constam no Quadro 3. Observou-se um efeito positivo e significativo (p=0,05) da aplicação do composto sobre a produção de biomassa em verde e, no limiar de significância em seco. A aplicação da dose correspondente a 25 t ha-1conduziu a um aumento de 10% da produção relativamente ao tratamento testemunha. Contudo, a aplicação de doses mais elevadas não resultou em produções superiores.

 

 

Composição química do material vegetal

No Quadro 4 apresentam-se os valores das concentrações médias de azoto, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, sódio, ferro, manganês, zinco, cobre e boro observados nas alfaces, correspondentes aos diferentes tratamentos experimentais do ensaio, expressos em relação à matéria seca.

 

 

Verifica-se que os tratamentos experimentais exerceram um efeito médio altamente significativo (p=0,001) sobre os teores de azoto, magnésio, manganês e zinco, muito significativo (p=0,01) sobre os teores de fósforo e significativo (p=0,05) sobre os teores de cálcio e enxofre. O potássio, sódio, ferro, cobre e boro não responderam significativamente (p>0,05) à aplicação do composto.

Os teores de N, Ca e Mg mostraram uma tendência significativa para aumentar nos tecidos vegetais em resposta às aplicações crescentes do composto. No entanto, os valores destes macronutrientes mantiveram-se, mesmo com a dose mais elevada, ainda abaixo do considerado suficiente para a cultura segundo Jones et al. (1991).

As plantas do tratamento testemunha apresentam valores significativamente superiores de Mn e Zn, o que muito provavelmente estará relacionado com o mais baixo valor de pH do solo deste tratamento sem composto, que conduz a uma maior disponibilidade destes elementos para a planta (Mengel e Kirkby, 2001).

A aplicação de composto não favoreceu a absorção de fósforo pelas plantas. Com efeito, o teor de P nos tratamentos com composto revelou um decréscimo relativamente à testemunha mas, embora com significado a nível estatístico, não altera a sua classificação em termos agronómicos, mantendo-se abaixo do limite inferior do intervalo de suficiência considerado para esta cultura (Jones et al., 1991; LQARS, 2006).

Composição química do solo

No Quadro 5 apresentam-se os valores médios dos diversos parâmetros analisados no solo correspondentes aos diferentes tratamentos experimentais do ensaio.

 

 

O efeito da aplicação de composto mostrou-se altamente significativo (p=0,001) sobre o pH, a condutividade elétrica, o teor de matéria orgânica, os teores de azoto total, azoto nítrico, fósforo, ferro ext., cálcio e sódio de troca, acidez titulável, soma das bases de troca, capacidade de troca catiónica e grau de saturação de bases, cobre “total” e zinco “total”. Os tratamentos experimentais exerceram ainda efeitos muito significativos (p=0,01) sobre o teor de cádmio “total” e efeitos significativos (p=0,05) sobre o teor de mercúrio “total”. Nos restantes parâmetros analisados não se registaram alterações significativas devidas aos tratamentos experimentais.

Para os valores médios daqueles parâmetros que sofreram maior variação foram ajustadas equações de regressão em função da quantidade de composto aplicada (Figs. 1 a 8). Os modelos que melhor se ajustaram foram funções lineares exceto no caso do grau de saturação de bases que foi uma função polinomial do 2º grau. São em todos os casos regressões significativas e com coeficientes de determinação elevados, variando entre os 79 e os 99%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Relativamente à reação do solo, registou-se um acréscimo nos valores de pH (H2O) com a aplicação de quantidades crescentes de composto, apresentando o solo da testemunha uma reação ácida, passando a pouco ácida no tratamento com 25 t de composto por hectare e a neutra nos restantes tratamentos. Quanto à condutividade elétrica, a aplicação ao solo de quantidades crescentes de composto embora tenha provocado acréscimos estatisticamente significativos, não teve significado em termos agronómicos, situando-se invariavelmente todos os valores na classe de solos sem efeitos salinos (CE< 0,40 dS m-1) (LQARS, 2006).

No que diz respeito à matéria orgânica do solo, tal como era esperado, registou-se um enriquecimento do solo em resposta à aplicação de níveis crescentes do composto, tendo a variabilidade introduzida pelo factor tratamentos experimentais representado cerca de 77% da variação total observada. No entanto, os teores de matéria orgânica mantiveram-se na classe baixa em todos os tratamentos experimentais, embora já muito próximos da classe média nos níveis mais elevados de composto (LQARS, 2006).

Observou-se sobre o teor de azoto total um efeito de acréscimo significativo com os tratamentos experimentais, registando-se um aumento de cerca de 20% quando se compara o solo da testemunha com o solo que recebeu a maior quantidade de composto, o que poderá, possivelmente, ser devido à ocorrência de alguma mineralização da matéria orgânica do composto.

Os níveis de fósforo do solo sofreram acréscimos altamente significativos com a aplicação de quantidades crescentes do composto, tendo sido os tratamentos experimentais responsáveis por 99% da variação total observada. A testemunha revelou valores médios, enquanto os tratamentos T2, T3 e T4 apresentaram valores altos e em T5 os valores apresentados deste nutriente foram muito altos (cerca de três vezes superiores ao da testemunha). Admite-se que este aumento da disponibilidade do fósforo, refletida no aumento dos teores extraídos pelo lactato de amónio e ácido acético (Égner rhiem), seja resultado do aumento do pH do solo e do fornecimento de matéria orgânica. A retenção de P é mínima para valores de pH(H2O) entre 6,0 e 7,0 pois, acima de pH(H2O) 5,5 os fosfatos de ferro e alumínio tornam-se mais solúveis e abaixo de 7,5 os carbonatos de fósforo solubilizam. O fornecimento de matéria orgânica leva, por um lado, ao bloqueamento dos locais de adsorção de P à superfície dos óxidos e hidróxidos de Fe e Al e à formação de quelatos com o Al, Fe e Mn solúvel, impedindo que precipitem o P (Tisdale et al.,1985, Varenes, 2003). Deste modo passa a existir uma maior concentração de fósforo disponível para a planta.

No caso do potássio e do magnésionão se encontrou resposta significativa à aplicação de doses crescentes de composto não havendo alteração em termos das suas classes de fertilidade mantendo-se esta num nível médio para o potássio e muito alto para o magnésio. Relativamente aos micronutrientes registou-se um aumento significativo (p= 0,05) nos teores de ferro e de manganês com a aplicação de quantidades crescentes de composto, mantendo-se no caso do manganês na classe alta e no ferro passou de alta para muito alta nos três últimos tratamentos (LQARS, 2006).

Sobre o cálcio e sódio de troca os tratamentos experimentais exerceram efeitos altamente significativos originando no tratamento com a dose maior de composto valores cerca de três vezes aos observados na testemunha, resultado que poderá ser atribuído à sua composição. Levando consequentemente, a um aumento dos valores da soma das bases de troca (SBT), da capacidade de troca catiónica (CTC) e do grau de saturação de bases (GSB) e neutralizando a acidez titulável. Relativamente ao sódio de troca, apesar de se ter verificado um aumento dos seus teores em resposta à aplicação de quantidades crescentes do composto, não teve consequências a nível agronómico, mantendo-se sempre em níveis baixos (inferior a 0,25 cmol(+) kg-1). A relação cálcio/magnésio de troca registou acréscimos com a aplicação de composto, e a partir da dose 50 t ha-1, apresentou valores que podem ser considerados desfavoráveis para a nutrição em Mg. A análise do composto (razão Ca/Mg aprox. 20) fazia prever esta ocorrência. No entanto, através da análise da planta não se verificou um decréscimo na concentração do referido nutriente em resposta à aplicação de doses crescentes do composto (LQARS, 2006).

A aplicação do composto não produziu efeitos significativos sobre a concentração dos metais pesados Cr, Pb e Ni e apesar de ter provocado acréscimos estatisticamente significativos nos teores de Cu, Zn, Cd e Hg, estes revelaram, em todos os tratamentos experimentais, valores muito abaixo dos máximos admissíveis em solos onde se pretenda aplicar este tipo de produto, estabelecidos no documento “Especificações Técnicas sobre qualidade e utilizações do composto” (Gonçalves e Batista, 2008).

Os teores de todos os metais pesados determinados no solo apresentam-se dentro do intervalo de valores encontrados por Ferreira (2004) ao efetuar o mapeamento geoquímico de base dos solos do nosso país (camada 0-25cm) (0,2<[Cd]<1,7; 1<[Cu]<111; 1<[Cr]<223; 1<[Ni]<119; 2<[Pb]<108; 1<[Zn]<589), e também estão dentro do intervalo de concentrações apontado por Pais e Jones (1997) como valores comuns em solos não contaminados (0,01<[Cd]<7; 2<[Cu]<100; 5<[Cr]<3000; 10<[Ni]<1000; 2<[Pb]<200; 10<[Zn]<300).

Os efeitos provocados pela aplicação de composto sobre a reacção do solo, atingindo-se valores de pH mais favoráveis à cultura utilizada no teste (6,5 – 7,5) e sobre o aumento do teor de matéria orgânica, com a consequente maior disponibilidade, direta e indiretamente, de alguns nutrientes (azoto, fósforo e cálcio) terão sido, muito provavelmente, os responsáveis pelo aumento de produção registado.

 

Conclusões

A aplicação do composto ao solo conduziu a aumentos de produtividade da cultura de alface, não induzindo qualquer efeito fitotóxico na cultura, mesmo quando usado na dose mais elevada (equivalente a 100 t ha-1).

O composto revelou valor como corretivo orgânico e alcalinizante, contribuindo para o aumento do teor de matéria orgânica do solo e elevando os valores de pH. Estes efeitos foram tanto mais intensos quanto maiores as doses de composto aplicadas. O produto em estudo mostrou ser também uma fonte de nutrientes disponíveis para a planta principalmente de cálcio e demonstrou contribuir para a maior disponibilização de nutrientes como o azoto e o fósforo.

A aplicação do composto ao solo, em doses até às equivalentes a 100 t ha-1, não provocou acréscimos relevantes nos níveis de metais pesados do solo.

 

Referências bibliográficas

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Recebido/Received: 2014.01.23

Aceitação/Accepted: 2014.03.14

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