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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.38 no.2 Lisboa jun. 2015
ARTIGO
Monitorização da condição fitossanitária do castanheiro por fotografia aérea obtida com aeronave não tripulada
Chestnut health monitoring by aerial photographs obtained by unnamed aerial vehicle
Luis M. Martins1, João P. Castro2, Ricardo Bento3 e Joaquim J. Sousa3
1 Centre for the Research and Technology of Agro-Environmental and Biological Sciences, CITAB, University of Trás-os-Montes and Alto Douro, UTAD, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal. E-mail: lmartins@utad.pt, author for correspondence
2 Centro de Investigação de Montanha, Instituto Politécnico, Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança Portugal. E-mail: jpmc@ipb.pt
3 Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores - Tecnologia e Ciência (INESC-TEC - Pólo UTAD) University of Trás-os-Montes and Alto Douro, UTAD, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal. E-mail: rbento@utad.pt; jjsousa@utad.pt
RESUMO
A doença da tinta (Phytophthora cinnamomi) e o cancro (Cryphonectria parasitica) são as doenças que causam mais danos ao castanheiro europeu (Castanea sativa). Decorridas duas décadas, após a introdução do cancro do castanheiro em Portugal, a hipovirulência começou a observar-se nalguns locais. A população dessas estirpes caracteriza-se pela baixa diversidade em termos de grupos de compatibilidade. Em Portugal muitas das sub-populações pertencem apenas ao grupo EU-11, que aparece somente nalguns locais em Itália. O sucesso dos tratamentos contra o cancro através da hipovirulência depende da forma como a população do fungo se estende na área que se pretende tratar. Neste estudo é apresentada uma alternativa para monitorizar a sanidade de castanhais, através da realização de voos aerofotogramétricos com veículo aéreo não tripulado. Para a monitorização da área tratada e também avaliar o declínio do castanheiro, realizaram-se voos aerofotogramétricos, que abrangem 231 ha. Para o voo foi usado o Veículo Aéreo Não Tripulado (UAV) eBee da Sensefly. Obtiveram-se fotografias aéreas policromadas e de infravermelho próximo (NIR), que foram comparadas com imagens de 2006. Verificou-se que apesar das novas plantações (11%), a área de coberto pelo castanheiro sofreu uma regressão, pois em 129 ha (56%) a condição dos soutos piorou. Grande parte do declínio deve-se aos agentes bióticos, o que pode ser comprovado com observações de campo.
Palavras-chave: Cryphonectria parasitica, Phytophthora cinnamomi, declínio do castanheiro, UAV eBee.
ABSTRACT
The Chestnut ink disease (Phytophthora cinnamomi) and the chestnut blight (Cryphonectria parasitica) are the diseases that cause more damage to European chestnut (Castanea sativa). After two decades from the first occurrence of chestnut blight in Portugal, the hypovirulence began to be observed in some locations. The population of these strains is characterized by low diversity. Many of the sub-populations belong only to the EU-11 group, which appears only in some orchards in Italy. Successful treatment depends on the way the population of the fungus extends into the area to be treated. This study refers to the monitoring of chestnut decline, by aerophotogrammetric flights, covering 231 ha in the Padrela region (Valpaços). Unmanned Aerial Vehicle (UAV) eBee (Sensefly) was used and color and near infrared (NIR) aerial photographs were obtained. Those photographs were compared to aerial images taken in a national flight in 2006. During the period between 2006-2014 new chestnuts plantations occurred (11%), nevertheless the area covered by chestnut decreased. In 129 ha (56%) the chestnut decline increased. The biotic agents were the principal causes of the C. sativa decline, which was confirmed by field observations.
Keywords: Cryphonectria parasitica, Phytophthora cinnamomi, Chestnut decline, UAV eBee.
Introdução
O castanheiro (Castanea sativa Mill.) tem assumido crescente importância económica em Portugal, desde meados da década de 1980, facto também notório na área de produção da “Castanha da Padrela”, onde se desenrolou este trabalho. Nesta zona, a castanha Judia é uma das principais fontes de receita das populações locais. Todavia, a intensificação da produção favoreceu o aparecimento de problemas fitossanitários, destacando-se a doença da tinta, causada pelo oomiceta do solo Phytophthora cinnamomi Rands, e o cancro, pelo fungo Cryphonectria parasitica (Murr.) Barr., como as principais causas do declínio. Os sintomas causados por estes ou outros agentes bióticos podem ser monitorizados por deteção remota, devido à alteração da assinatura espectral das árvores afetadas.
No caso de C. parasitica, trata-se de um organismo de quarentena da lista A2. Os meios de luta têm sido difíceis de implementar dado o seu custo e os resultados imprevisíveis. Já a utilização de estirpes hipovirulentas (HV) é um método promissor. O tratamento com HV, leva à conversão da forma original virulenta (V) do ascomiceta, na forma HV, através da fusão do citoplasma das hifas das estirpes em confronto (Grente e Sauret, 1969).
A fotografia aérea convencional ou as imagens de satélite podem ser utilizadas na monitorização, mas a sua aquisição tem custos avultados, sobretudo quando as áreas a avaliar são pouco extensas ou há necessidade de fazer reconhecimentos intervalados por curtos períodos de tempo.
Neste estudo é apresentada uma alternativa para monitorizar a sanidade de castanhais, através da realização de voos aerofotogramétricos com o Veículo Aéreo Não Tripulado (UAV) eBee da Sensefly (Sensefly, 2014). Obtiveram-se fotografias aéreas policromadas e de infravermelho próximo (NIR), que foram comparadas com imagens aéreas de 2006. A metodologia usada permite que seja replicada noutras áreas e a monitorização da condição dos povoamentos a custos substancialmente inferiores à avaliação somente por trabalho de campo ou recorrendo a fotografia aérea convencional.
Material e Métodos
Fotografia aérea de pequeno formato
A área de estudo (23l ha) localiza-se na freguesia de Padrela e Tazém, no concelho de Valpaços. Para obter Fotografia Aérea de Pequeno Formato (FAPF) foi utilizado um Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), também chamado UAV (do inglês Unmanned Aerial Vehicle) ou Drone (zangão, em inglês). O modelo usado foi o EBee da Sensefly (Figura 1).
O voo realizou-se em 18 de Julho de 2014, à altura de 300 m, ao longo de seis linhas de voo, orientadas no sentido Norte - Sul, sendo a resolução das imagens de 16 cm. Após a cobertura procedeu-se à ortorretificação e georreferenciação das imagens, com base em pontos de controlo do terreno (Figura 2).
Ocupação pelo castanheiro
Para a fotointerpretação, desenvolveram-se chaves fotográficas referentes a árvores com diferentes condições fisiológicas. As observações e fotografias de campo foram comparadas com as imagens aéreas, indicando-se na Figura 3 alguns exemplos.
Num Sistema de Informação Geográfica (SIG), com as coordenadas de base no datum World Geodetic System de 1984 (WGS 84), foi colocado o polígono retangular da área de estudo e distribuídas 231 parcelas circulares com um raio de 17,84 m. As parcelas foram dispostas numa quadrícula de 100x100 m, correspondendo cada ponto a 1 ha.
Ao SIG adicionaram-se fotografias aéreas ortorretificadas de falsa cor, com a largura do pixel de 1 m, datadas de 2006. Estas fotos foram obtidas para a realização do Inventário Florestal Nacional, pela então Autoridade Florestal Nacional. Em cada parcela, fez-se a análise visual relativa ao Índice de Coberto (IC) pelo castanheiro. Para isso, foi considerada proporção entre a área coberta pelas copas e a superfície da parcela de 1000 m2. O valor representado varia entre 0 e 100. Nas fotos de 2014, fez-se o mesmo procedimento, relativo ao coberto pelo castanheiro nesse ano.
De acordo com a evolução do coberto, foi estabelecido um índice para a Qualidade do Povoamento (QP) que pode variar de 0 a 20. Se IQ<10, significa que a percentagem de coberto pelo castanheiro diminuiu no período em análise (2006 a 2014).
QP = (IC14-IC06+100)*0,1
Onde: QP = Qualidade do Povoamento (0 a 20)
IC14 = índice de coberto pelo castanheiro em 2014 (0 a 100)
IC06 = índice de coberto pelo castanheiro em 2006 (0 a 100)
Vitalidade dos soutos
Para conhecer a evolução da vitalidade, usaram-se métodos para estimar parâmetros com base em atributos observados em pontos vizinhos. Segundo Soares (2000), os fenómenos espaciais estruturados, como os povoamentos florestais, têm uma distribuição que não é aleatória. Assim, podem aplicar-se métodos que permitam predizer e quantificar a distribuição espacial, neste caso da incidência de doenças.
Nos métodos geoestatísticos assume-se a existência de correlação espacial entre variáveis aleatórias georreferenciadas, correlação que depende da distância entre pontos e que tende a diminuir à medida que essa distância aumenta (Muge, 1990). Esses métodos podem utilizar observações pontuais relativas a uma única variável regionalizada de interesse, , referida a um conjunto de pontos da área de estudo (métodos univariados) ou utilizar também variáveis regionalizadas auxiliares, cujos valores poderão contribuir para melhorar as estimativas da variável de interesse principal, desde que esta esteja correlacionada. Na interpolação é analisado o comportamento variáveis regionalizadas, , cuja continuidade espacial pode ser modelada por um semivariograma representado em baixo,
onde: xi e xi+h representam vetores de posição de pares de pontos na área de estudo.
Resultados e Discussão
Índice de coberto e declínio do castanheiro
Pela análise dos resultados, constata-se que a FAPF policromada e de falsa cor podem ser usadas com fiabilidade e a baixo custo, na monitorização da sanidade de C. sativa. Observamos algum arrastamento nas segundas que deverá ser corrigido em futuras missões. A sua utilização comparada com observações de campo possibilitou reconhecer o agravamento do declínio do castanheiro da Padrela de 2006 até 2014.
De acordo com a análise dos dados (Quadro 1) verifica-se que Índice de Coberto (IC) não sofreu diferenças significativas no período de 2006 a 2014 (26,5±3,5 e 26,0±2,8). A evolução de IC mostra que o valor da Qualidade dos Povoamentos (QP), numa escala de 0 a 20 é baixo (10.0±1.9). O Erro de Amostragem (SE%) de QP é reduzido, revelando que a variação de IC é baixa, tendo assim a mesma tendência em toda a área de estudo.
Contrariamente ao que seria desejável, em 56 % da área de estudo, correspondendo a 129 ha, o crescimento do copado foi inferior a 5% ou regrediu. Em algumas parcelas a diminuição do Índice de Coberto (IC) atingiu 65%. O declínio deveu-se à mortalidade ou à diminuição da dimensão das copas devido a agentes bióticos ou abióticos, pois é pouco evidente o corte voluntário pelo agricultor, para conversão por outras culturas.
No local avaliado, o interesse pela cultura é revelado nas novas plantações que contribuíram para um aumento de 11% (26 ha) da área de castanheiro. Contudo, a área de produção em termos globais sofreu uma regressão devido precisamente à diminuição da área do coberto pelas copas (AC%) que passou de 35% em 2006 para 30% em 2014.
Em resultado da diminuição da área relativa das copas a condição global dos soutos piorou em 129 ha, correspondendo a 56% da área de estudo. Houve contudo, povoamentos que melhoraram (21%), devendo-se ao crescimento de árvores saudáveis e ao aumento do IC pelas novas plantações.
Assim, muita da mortalidade observada é dispersa por todos os povoamentos, sendo também compensada por novas plantações nos mesmos soutos.
Vitalidade dos soutos
Através da “krigagem” ordinária foi possível mapear as áreas de maior e de menor declínio (Figura 4). Neste caso, verificamos que a zona de Vale de Coelho teve um comportamento mais favorável, podendo isso estar associado à exposição predominantemente a Norte. As manchas relativas aos soutos em pior condição têm uma maior distribuição, o que está em concordância com a análise de dados, desenvolvida de acordo com o IC.
Conclusões
No inventário ou monitorização do declínio da floresta há vantagens quando se utiliza a deteção remota. As FAPF são muito versáteis na observação de sintomas por poderem usar várias regiões do espectro eletromagnético, que, associado à adequada resolução, possibilitam separar as copas com diferentes níveis de ataque. Na monitorização da sanidade do castanheiro com FAPF, há trabalhos desenvolvidos em Portugal (Abreu et al., 1993; Castro et al., 2010; Martins et al., 2007), Suíça (Bissegger e Heiniger, 1991) e Itália (Ambrosini et al., 1997). Os inventários deverão ter continuidade, para que a identificação das causas do declínio. Isso permite que avaliação do efeito das intervenções, para melhoria dos soutos, possa ser mais objetiva (Silva, 2001; Martins et al., 2001; 2007).
Neste estudo demonstrou-se a viabilidade de utilizar a aeronave eBee SensFly na monitorização da sanidade de áreas com C. sativa. Comparativamente com a fotografia aérea convencional, tem custos operacionais muito baixos, sendo até a qualidade e resolução das imagens superior à de voos nacionais. Para áreas superiores a 1000 ha, pode ser preferível a utilização de metodologias de amostragem com coberturas aéreas parcelares ou então o recurso a aeronaves tripuladas.
O estudo demonstrou que a utilização de séries fotográficas permite a análise objetiva do declínio dos soutos. O índice utilizado (percentagem de coberto de copas) reflete, de forma adequada a evolução do estado das árvores, pois é independente da condição da luz e da condição momentânea do castanheiro que pode, por exemplo, recuperar de uma sintomatologia de clorose. Os valores de IC comparados com o trabalho de campo permitiram também verificar que o declínio tem múltiplas causas, sendo o cancro uma delas. Assim, a zonagem recorrendo à deteção remota permite inferir sobre um quadro global de declínio, mas os problemas fitossanitários específicos necessitam sempre de ser validados por registos de campo.
A evolução do IC permitiu concluir que apesar de existirem novas plantações estas não compensam o declínio. Neste caso, os povoamentos em regressão devido aos fatores bióticos e abióticos atingem 56% (129 ha). As perdas que nalguns soutos chegam a 65%, refletem-se em perdas económicas.
Em última análise, verificamos que apesar do aumento da área com novos soutos (11%), pela reconversão de solos com matos, pastagens ou outras culturas agrícolas e das novas plantações em povoamentos, para repor a mortalidade do castanheiro, a área de produção em termos globais até sofreu uma regressão, pois a área de coberto pelas copas passou de 35% em 2006 para 30% em 2014.
Considerando que estes dados poderão ter replicação noutros locais, deverá existir uma cuidada reflexão, pois apesar dos esforços e investimentos nesta cultura, verifica-se que está a sofrer uma regressão continuada, cujas causas merecem ser melhor compreendidas, para que as futuras intervenções sejam mais assertivas e eficazes.
Referências Bibliográficas
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Recebido/Received: 2015.05.03
Aceite/Accepted: 2015.04.29