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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.40 no.spe Lisboa dez. 2017
https://doi.org/10.19084/RCA16175
ARTIGO
A biodiversidade da flora associada a ecossistemas agrários com enrelvamento natural
The flora biodiversity associated to agrarian ecosystems with cover crops
Davide Gaião1, Anabela Nave1, Daniela Teixeira1, Leónia Nunes2 e Cristina Amaro da Costa1,3*
1Escola Superior Agrária de Viseu /Instituto Politécnico de Viseu, Quinta da Alagoa, Estrada de Nelas, Ranhados, 3500-606, Viseu, Portugal;
2Centro de Ecologia Aplicada "Prof. Baeta Neves, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349 - 017 Lisboa, Portugal;
3CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu, Av. Cor. José Maria Vale de Andrade, Campus Politécnico, 3504-510, Viseu, Portugal-
(* E-mail: amarocosta@esav.ipv.pt)
RESUMO
As infestantes, vistas na grande maioria das vezes como um obstáculo à boa produção agrícola, traduzem, pela sua presença e dinâmica, uma imensa riqueza que pode ser analisada do ponto de vista do equilíbrio de um ecossistema agrário.
Pretendeu-se com este trabalho efetuar a inventariação das espécies de flora presentes em cobertura natural do solo, em três ecossistemas agrários - olival, vinha e pomar de macieiras - localizados na quinta da Alagoa, Ranhados, Viseu.
Os inventários foram realizados ao longo de 9 anos, entre 2007 e 2015, mensalmente entre setembro e dezembro, com recurso ao método dos transetos. Em cada inventário, percorreu-se o campo aleatoriamente, perfazendo 300 passos e a cada passo registou-se a espécie presente.
Este trabalho, que incluiu os levantamentos florísticos realizados sistematicamente no período de tempo referido, a descrição das espécies encontradas, a análise dos dados por ecossistema e o resultado da aplicação de diversos índices de biodiversidade, permitiu contribuir para a caraterização e compreensão da biodiversidade da flora associada a diferentes ecossistemas com enrelvamento natural. No total observaram-se 18265 plantas pertencentes a 24 famílias, 64 géneros e 80 taxa, sendo que a família com maior diversidade de taxa foi a Asteraceae (26,4%). O pomar foi o ecossistema onde se registou maior diversidade da flora.
Palavras-chave: flora, biodiversidade, ecossistema, solo.
ABSTRACT
Weeds, often seen as a barrier to obtain a high agricultural production, can be part of and contribute to the agricultural ecosystem balance.
The aim of the study was to make a flora inventory in natural cover crops of three agricultural ecosystems - olive grove, vineyard and apple orchard - located at Quinta da Alagoa, Ranhados, Viseu.
Between 2007 and 2015, from September to December, weeds were monitored using the transect method. In each inventory, the observer moves randomly along a 300 steps transect across the field and records the species present at each step.
This study includes the flora inventory, the description of each one and a data analysis by ecosystem and based on biodiversity indexes. This information may help to know and understand the flora biodiversity found in different ecosystems with natural cover crops.
A total of 18265 plants were observed belonging to 24 families, 64 genera and 80 taxa. The Asteraceae family showed the greatest diversity of taxa (26,4%). The apple orchard was the ecosystem with higher diversity.
Keywords: flora, biodiversity, ecosystem, proprieties, soil
INTRODUÇÃO
Nos sistemas agrícolas, a biodiversidade contribui para diversos serviços ecossistémicos, como a formação do solo, ciclos de nutrientes, regulação do clima, regulação dos processos hidrológicos, regulação da abundância de organismos indesejáveis, entre outros (Millennium Ecosystem Assessment, 2005). Esta componente utilitarista da biodiversidade, habitualmente denominada biodiversidade funcional (Boller et al., 2004), assume especial importância no contexto da agricultura multifuncional e sustentável.
Atualmente, a cobertura do solo com recurso a vegetação espontânea é cada vez mais utilizada pelos produtores, não só em agricultura biológica mas também em agricultura convencional, pois esta técnica conduz a inúmeras vantagens, pela sua importância enquanto componente associada à biodiversidade funcional e também pelo contributo na gestão do solo e água, redução da erosão, entre outros (Campos et al., 2006; Stein, 2006; Torres et al., 2013; Nunes et al., 2015). Por esta razão, a identificação das espécies que constituem a vegetação espontânea, a análise da sua distribuição e grau de abundância e a compreensão das suas relações com as culturas agrícolas permitem uma gestão mais eficiente deste recurso.
Nos estudos de comunidades de plantas presentes em ecossistemas agrários, a utilização de índices de diversidade permite conhecer a riqueza (número de espécies que vivem num determinado habitat, comunidade ou região, sem considerar o seu grau de abundância) e equitabilidade (padrão de distribuição de indivíduos entre as espécies e descrevem a estrutura específica das comunidades) das espécies (Gomes, 2004; Rodrigues, 2007; Caetano et al., 2009; Mafhoud, 2009; Santos, 2011).
A diversidade florística pode ser avaliada com base em diversos métodos, dos quais se destacam o método de ponto de interceção, linha de interceção, Daubenmire, método dos quadrados, Braun-Blanquet, métodos dos transetos, método dos quadrados e monitorização fotográfica, por serem os mais simples e usuais (Poore, 1955; Elzinga et al., 1998; Cummings e Smith, 2001; Hanbury, 2003). De entre estes, o método dos transetos revela, pela facilidade da sua aplicação, a possibilidade de ajustamento a diversos tipos de ecossistemas, capacidade de monitorização de espécies de portes bastante diferentes, entre outras vantagens. Este método consiste em percorrer um trajeto com um comprimento escolhido a velocidade constante e registar os contatos de cada espécie detetada durante o percurso, a periodicidade ou distância previamente definida (Cummings et al., 2001; Rew e Pokorny, 2006; Pereira et al., 2007).
Com este trabalho pretendeu-se efetuar a inventariação das espécies de flora outono-invernal presentes em cobertura natural do solo, em três ecossistemas agrários: olival, vinha e pomar de macieiras, localizados na Quinta da Alagoa, Ranhados, Viseu e analisar a distribuição das espécies pelos diferentes ecossistemas.
MATERIAL E MÉTODOS
Levantamentos florísticos
Os levantamentos florísticos foram realizados entre 2007 e 2015, na quinta da Alagoa, Ranhados, Viseu, em três ecossistemas olival, vinha e pomar de macieiras, mensalmente entre setembro e dezembro, com recurso ao método dos transetos (Cummings et al., 2001; Rew e Pokorny, 2006). Em cada inventário, percorreu-se o campo aleatoriamente, perfazendo 300 passos e a cada passo registou-se a espécie presente. A identificação das espécies foi realizada com recurso a uma ficha de identificação auxiliar e guias de campo (Moreira et al., 2000; Portugal et al., 2000; Vasconcelos et al., 2000; Silva et al., 2011) e através da consulta de floras e chaves dicotómicas (Vasconcellos, 2000).
Índices de diversidade
Para o presente trabalho calculou-se a riqueza específica (S) (número total de espécies na comunidade) e o índice de diversidade de Margalef, que relaciona o número de espécies diferentes (S) com o número total de indivíduos observados (N). Quando o índice de Margalef é inferior a dois (2), significa que o habitat analisado possui uma diversidade baixa, enquanto valores superiores a cinco (5) são considerados indicadores de elevada diversidade (Moreno, 2001).
Análise estatística dos dados
Procedeu-se a uma análise descritiva dos dados, com base nos táxones identificados e em índices de diversidade. Os dados foram sujeitos a um teste de normalidade (Shapiro-wilk) e, posteriormente, a uma análise não paramétrica (Teste Kruskal Wallis). Foi utilizado o teste de Levene para verificar a homogeneidade das variâncias e decidir o teste de comparação de médias mais apropriado. Valores inferiores a p<0.05 foram considerados significativos. A análise estatística foi realizada com recurso ao programa IBM SPSS® versão 22.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No total dos três ecossistemas observaram-se, ao longo do período em análise, 18265 plantas pertencentes a 24 famílias, 64 géneros e 80 táxones (Quadro 1). Este valor de riqueza específica é bastante inferior ao referido para a região do Dão, onde são referidas 208 táxones em vinhas, (Caetano, 2006, Caetano et al., 2009; Monteiro et al., 2012) e 100 táxones em olival (Nave et al., 2009), o que pode ser explicado pelo menor número de levantamentos e pela área abrangida neste trabalho.
As famílias com maior diversidade de táxones foram Asteraceae (26,4%), Poaceae (17,2%) e Polygonaceae (8%), com 19, 15 e 6 táxones, respetivamente (Figura 1). Estes resultados são de algum modo coincidentes com os trabalhos de Monteiro et al. (2012) e Nave et al. (2012) que referem, para esta região, as famílias Fabaceae, Asteraceae e Poaceae entre as mais abundantes em vinhas e as famílias Asteraceae, Fabaceae, Brassicaceae e Poaceae em olivais.
O pomar de macieiras foi o ecossistema onde se registou maior número de famílias (22), seguido do olival com 20 famílias (Figura 2). A vinha foi o ecossistema com menor diversidade de famílias (16). Quanto ao número de táxones registados, verificou-se a mesma tendência, com o pomar e o olival a apresentarem uma maior riqueza específica, com 66 e 56 táxones, respetivamente.
As famílias botânicas com maior número de indivíduos (abundância) nos três ecossistemas foram Plantaginaceae, Asteraceae e Fabaceae (Figura 3a, b e c). A família mais representada no olival e pomar foi a Plantaginaceae, enquanto na vinha foi Asteraceae. De modo inverso, a segunda família mais representada no olival e pomar foi Asteraceae e na vinha Plantaginaceae. As famílias Poaceae e Fabaceae apresentaram, também, grande abundância.
Nos anos 2011 e 2013 registou-se o maior número de táxones e famílias no olival, enquanto a vinha apresentou maior diversidade em 2011 (Figura 4). Relativamente ao pomar de macieiras, observou-se uma evolução constante do número de famílias, com um decréscimo do número de táxones ao longo do tempo (cerca de 40 táxones diferentes em 2008 e 30 em 2015).
As 10 espécies mais frequentes e abundantes no conjunto dos três (3) ecossistemas foram Plantago lanceolata, Hypochaeris radicata, Cynodon dactylon, Trifolium repens, Plantago lagopus, Digitaria sanguinalis, Geranium sp., Calendula arvenses, Conyza canadensis e Crepis capillaris (Figura 5).
A abundância média por levantamento florístico e no conjunto dos três ecossistemas, ao longo dos anos, variou entre 167 (2007) e 264 (2013) indivíduos identificados (Figura 6). Entre 2008 e 2013, o número médio de indivíduos registados foi muito constante, mas a partir dessa data até 2015 decresceu para os 205 avistamentos por levantamento. A relação entre a abundância média e a temperatura média do ano é significativa (p<0,0001), sendo que nos anos mais quentes se observou maior número médio de indivíduos por levantamento.
Com base no Índice de diversidade de Margalef médio, observa-se que pomar é o ecossistema com maior diversidade (6,64), seguido do olival (5,62) e da vinha (4,39), sendo que se pode considerar que a diversidade florística encontrada no pomar e olival é elevada (valores superiores a 5).
CONCLUSÕES
A riqueza florística observada nos três ecossistemas em estudo na Quinta da Alagoa apresenta um composição florística semelhante, como seria de esperar, quer pela proximidade quer pela semelhança das práticas culturais realizadas. No entanto, a riqueza florística destes ecossistemas é bastante reduzida relativamente à riqueza florística deste tipo de ecossistemas na região do Dão. É, no entanto, importante enquadrar os resultados com o período de recolha de dados (setembro a dezembro), pois normalmente é um período de menor abundância e diversidade florística comparativamente a outros períodos do ano, como por exemplo o final da primavera.
Ao longo do período em análise e no conjunto dos três ecossistemas, verificou-se que o pomar é o ecossistema com maior diversidade: maior riqueza específica, maior número de famílias e maior índice de Margalef.
Apesar da grande diversidade de taxa nos três ecossistemas, importa referir que na vinha, 80,5% dos registos pertencem apenas a 23 taxa, no olival 77,6% dos registos a 19 táxones e no pomar 71,4% a 31 taxa, logo, é possível afirmar que os restantes táxones são pouco abundantes nestes ecossistemas. Este facto pode derivar da ausência de rega nestes ecossistemas e também devido aos cortes pontuais realizados principalmente na vinha.
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Recebido/received: 2016.12.22
Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.03.15
Aceite/accepted: 2017.03.15