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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.40 no.spe Lisboa dez. 2017
https://doi.org/10.19084/RCA16226
ARTIGO
Irradiação gama como uma alternativa segura para preservar as características químicas e bioativas de plantas utilizadas para fins terapêuticos
Gamma irradiation as a safe alternative to preserve the chemical and bioactive characteristics of plants used for therapeutic purposes
Eliana Pereira1, Amilcar L. António1,2, João C.M. Barreira1, Lillian Barros1, Albino Bento1 e Isabel C.F.R. Ferreira1,*
1Centro de Investigação de Montanha (CIMO), ESA, Instituto Politécnico de Bragança, Campos de Santa Apolónia, 1172, 5301-855 Bragança, Portugal;
2Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares, IST, Universidade de Lisboa, Portugal.
(*E-mail: iferreira@ipb.pt)
RESUMO
As plantas usadas pela indústria requerem tecnologias de conservação e descontaminação eficazes a fim de garantir a sua utilização nas melhores condições. A irradiação é uma tecnologia capaz de descontaminar as plantas, mantendo as propriedades químicas, organoléticas, nutricionais e bioativas. Neste estudo avaliaram-se os efeitos da irradiação gama relativamente nas propriedades químicas, nutricionais e antioxidantes de várias plantas aromáticas e medicinais.
Em geral, uma comparação entre as amostras não-irradiadas (controlo) e irradiadas mostrou que o tratamento por irradiação não causou alterações suficientes para definir um perfil químico específico. Assim, a irradiação gama (até 10 kGy) é uma tecnologia viável para as espécies estudadas.
Palavras-chave: irradiação gama, composição química/nutricional, atividade antioxidante, análise de componentes principais.
ABSTRACT
Plants used by the industry require effective conservation and decontamination technologies in order to ensure their use in the best conditions. Irradiation is a technology for plants decontamination that maintains their chemical, organoleptic, nutritional and bioactive properties. This study evaluated the effects of gamma irradiation on chemical, nutritional and antioxidants properties of several medicinal and aromatic plants. In general, a comparison between non-irradiated (control) and irradiated samples showed that irradiation treatment did not originate a specific chemical profile. Thus, gamma irradiation (up to 10 kGy) is a viable technology for the studied species.
Keywords: gamma irradiation, chemical/nutritional composition; antioxidant activity, principal component analysis.
INTRODUÇÃO
As plantas têm sido utilizadas por todo o mundo não só como alimento, mas também em diversas aplicações terapêuticas (Hayta et al., 2014). A presença de compostos bioativos confere a estas matrizes um grande potencial na prevenção e/ou tratamento de diversas doenças (infeciosas e não infeciosas). Por outro lado, a diversidade de biomoléculas permite a sua aplicação em diversas áreas, sendo utilizadas não só na indústria alimentar, como também na indústria farmacêutica servindo como ingredientes em formulações de alimentos funcionais e nutracêuticos (Ramarathnam et al., 1995; Small et al., 1996; kerget et al., 2005).
Aloysia citrodora P., Melissa officinalis L., Melittis melissophyllum L. e Mentha piperita L. são plantas aromáticas e medicinais amplamente consumidas sob a forma de infusões, sendo também incluídas como ingredientes em outros produtos alimentares (por exemplo, saladas, molhos, marinadas, sorvetes, geleias, queijo, etc.) (Kapp et al., 2013). Além da sua aplicabilidade na indústria alimentar, são também usadas para fins medicinais, uma vez que atuam terapeuticamente em distúrbios do sistema gastrointestinal e nervoso, exibindo propriedades antioxidantes, antimicrobianas e anti-inflamatórias (Rosa et al., 1995; Ragone et al., 2007; Skrzypczak-Pietraszeka e Pietraszek, 2012).
Os elevados parâmetros de rigor seguidos pela indústria na aquisição de matérias-primas de boa qualidade obriga a que as plantas passem por processos de descontaminação (Kausar et al., 2013). São várias as técnicas utilizadas para este fim, no entanto são múltiplas as desvantagens de algumas delas, desde a proibição em alguns países (devido a fatores que podem colocar a saúde dos consumidores em risco), à taxa reduzida de sucesso na descontaminação e aos danos causados no meio ambiente (Byun et al., 1999). A irradiação é uma metodologia credenciada para ingredientes secos sendo cada vez mais reconhecida em todo o mundo. Para além de ser eficiente na conservação reduzindo perdas naturais causadas por processos fisiológicos (brotamento, maturação e senescência), também elimina ou reduz microrganismos, parasitas e pragas, sem causar qualquer modificação (química ou organolética) ao alimento, tornando-o mais seguro para o consumidor (Sadecka, 2007; Nagy et al., 2011). Neste processo os alimentos são expostos a radiação ionizante de alta energia (em dose e tempo controlados) com a finalidade de melhorar a segurança dos alimentos pela inativação de microrganismos patogénicos (Sadecka, 2007). A irradiação gama foi aprovada como um método de controlo microbiano e desinfestação de vários produtos alimentares pela Food and Drug Administration (FDA), destacando-se das restantes técnicas por ser um procedimento técnica e economicamente viável, bem como fisicamente seguro, com um potente efeito antimicrobiano (Mizani et al., 2009).
O objetivo deste trabalho consistiu em avaliar os efeitos da radiação gama (doses: 1 e 10 kGy) nas propriedades químicas, nutricionais e antioxidantes das plantas referidas.
MATERIAL E MÉTODOS
Todas as amostras foram fornecidas pela empresa PRAGMÁTICO AROMA LDA., de Alfândega da Fé, Bragança (Portugal), no seu estado seco, em 2013.
As amostras secas foram reduzidas a pó, divididas em 3 grupos: controlo (não irradiado, 0 kGy), grupo 1 e grupo 2, em que se aplicou 1 kGy e 10 kGy como doses de radiação, respetivamente.
A irradiação foi realizada seguindo um procedimento previamente descrito pelos autores (Pereira et al., 2014). Após irradiação, as amostras foram submetidas a análises laboratoriais para avaliação do valor nutricional (proteínas, cinzas, gordura e valor energético), composição em moléculas hidrofílicas (açúcares e ácidos orgânicos) e lipofílicas (ácidos gordos e tocoferóis), seguindo metodologias descritas pelos autores (Pereira et al., 2015). A atividade antioxidante de extratos aquosos (preparados por infusão) e metanólicos (preparados por maceração) foi avaliada através de ensaios de atividade captadora de radicais livres, poder redutor e inibição da peroxidação lipídica, previamente descritos por Pereira et al. (2015).
Para cada dose de irradiação e espécies de plantas, foram utilizadas três amostras independentes. Os dados foram expressos como média ± desvio padrão. Todos os testes estatísticos (ANOVA) foram realizados de acordo com o descrito em Pereira et al. (2015), a um nível de significância de 5% usando o IBM SPSS Statistics para Windows, versão 22.0. (IBM Corp., EUA).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Relativamente ao valor nutricional o efeito da irradiação gama foi significativo em todos os parâmetros (p<0,05), exceto no teor de cinzas de M. officinalis (Quadros 1, 2, 3 e 4; informação mais detalhada pode ser consultada numa publicação dos autores (Pereira et al., 2015). Apesar das variações detetadas, não foi possível identificar nenhuma tendência geral, exceto no teor de proteína, que tende a aumentar em amostras irradiadas com 10 kGy em todas as espécies. Este aumento pode estar relacionado com os processos químicos (cisão das ligações carbono-azoto no esqueleto da cadeia de polipeptídica ou das ligações dissulfureto) ou alterações físicas que são geralmente associados ao tratamento por irradiação (Molins, 2001).
No que diz respeito à composição de açúcares livres, foram quantificadas a frutose, a glucose, a sacarose e a trealose em todas as espécies, exceto em M. melissophyllum onde foi encontrado um quinto açúcar cuja identidade não foi possível determinar. A dose de 10 kGy evidenciou o aumento do teor de açúcares em M. officinalis e M. melissophyllum, enquanto A. citrodora e M. piperita tenderam a apresentar valores mais elevados em amostras não irradiadas.
Nos ácidos orgânicos, não se verificaram diferenças significativas nas amostras de M. officinalis mas, tento em conta as restantes espécies, em geral, as maiores mudanças foram observadas em amostras irradiadas com uma dose de 1 kGy.
O conteúdo em tocoferóis foi significativamente alterado em resposta à aplicação da irradiação (especialmente para a dose de 1 kGy) em todas as amostras testadas, exceto para γ-tocoferol em M. piperita.
Relativamente aos ácidos gordos, o seu teor nas amostras controlo comparativamente com as amostras submetidas a irradiação foi significativamente alterado, exceto o C23:0 em M. officinalis, o C17:0 e o C24:0 em M. melissophyllum e o C15:1 e C16:0 em M. piperita. As disparidades verificadas nas amostras irradiadas podem ser devidas a mecanismos de radiólise de lípidos, que envolvem a ionização primária, seguido pela migração da carga positiva, quer em relação ao grupo carbonilo do carboxilo ou às ligações duplas (Molins, 2001).
No que concerne à avaliação do potencial antioxidante, as alterações induzidas por radiação gama foram estatisticamente significativas em quase todos os casos, exceto em M. melissophyllum na atividade da captação de radicais livres em extratos metanólicos e na concentração de fenóis nos extratos aquosos.
Assim, as diferenças resultantes da radiação gama foram comparados considerando o efeito individual dentro de cada espécie. Apesar do elevado número de alterações estatisticamente significativas, não foi possível identificar nenhuma tendência geral que possa caracterizar os efeitos da irradiação gama. Para além disso, pretendeu-se validar esta tecnologia, independentemente das espécies de plantas analisadas e os resultados foram avaliados considerando os dados de todas as espécies e parâmetros, simultaneamente.
CONCLUSÕES
Os efeitos da irradiação gama quando considerados individualmente mostraram uma significância estatística em casos particulares relativamente às propriedades nutricionais e antioxidantes das plantas estudadas. No entanto, quando analisados sob uma abordagem integrada, observou-se que as amostras não irradiadas e irradiadas foram agrupados indiscriminadamente indicando que a aplicação desta técnica de irradiação não provocou alterações suficientes para definir um perfil químico específico. Assim, em geral, pode considerar-se que este tipo de processamento (até 10 kGy) é uma tecnologia viável para as espécies analisadas.
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Agradecimentos
Os autores agradecem ao projeto PRODER nº 53514, AROMAP, pelo suporte financeiro do trabalho e da co-autora E. Pereira, e à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal) pelo suporte financeiro ao CIMO (projeto estratégico PEst-OE/AGR/UI0690/2014). Agradecem ainda a MaisErvas - Aromáticas e Medicinais pelas amostras fornecidas.
Recebido/received: 2016.12.22
Aceite/accepted: 2017.03.06