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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.40 no.spe Lisboa dez. 2017
https://doi.org/10.19084/RCA16197
ARTIGO
Evolução da produção e comercialização de produtos tradicionais qualificados de ovinos e caprinos (2003-2012)
Evolution of production and marketing of traditional qualified products from sheep and goat (2003-2012)
Paula Cabo1,2*, Alda Matos1, António Fernandes1,3 e Maria Ribeiro1,3
1Dept. Ciências Sociais e Exatas, Escola Superior Agrária, Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
2Centro de Investigação de Montanha, Instituto Politécnico de Bragança, Portugal
3Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
(*E-mail: paulacabo@ipb.pt)
RESUMO
O presente estudo analisa a produção e comercialização de produtos qualificados de ovinos e caprinos (carne e queijo), com base em fontes documentais. Evidencia-se a relevância decrescente das carnes qualificadas de borrego relativamente à produção nacional. Todavia, globalmente, os produtores são capazes de explorar a mais-valia da qualificação por via do diferencial dos preços. As carnes são comercializadas pelos agrupamentos, para os mercados local/regional e nacional, preferencialmente para as Médias e Grandes Superfícies M&GS. Quanto às carnes caprinas é o Cabrito Transmontano que apresenta maior estabilidade na produção. As M&GS e a restauração são os canais mais usuais para o escoamento, sendo comercializadas pelos agrupamentos para o mercado nacional. Relativamente ao queijo de ovelha, verifica-se, em média, um diferencial de 23% entre os preços dos produtos qualificados e similares. Já no queijo de cabra, a opção pela qualificação tem vindo a perder vantagem, pois nem sempre representa uma mais-valia no preço ao produtor. Os queijos de ovelha são maioritariamente comercializados pelos produtores, para as M&GS, no mercado nacional. O queijo de cabra é comercializado pelo agrupamento de produtores, para os mercados local/regional e nacional, preferencialmente para Empresas Transformadoras, Associações de Produtores e Embaladores ETAP&E.
Palavras-chave: Produtos Qualificados, Ovinos, Caprinos, Produção, Comercialização.
ABSTRACT
This paper analyzes the production and marketing of qualified products from sheep and goat (meat and cheese), using secondary sources. The results show the decreasing relevance of qualified lamb meat in the domestic production. However, generally, producers are able to explore the added value of qualification in terms of price. These lambs are marketed by producers associations, for medium and large grocery stores, and are destined to local/regional and national markets. Regarding goat meat, the Cabrito Transmontano was the one presenting greater stability in production. The qualified goat kids are generally traded by producers associations for domestic market, while medium and large grocery stores and restaurants are the most usual marketing channels. The sheep cheeses present, on average, a differential of 23% between the prices of qualified products and similar products. For goat cheese, the qualification label is losing advantage, since it not always means a price increase to producers. The sheep cheeses are predominantly traded by producers in domestic market, preferential for medium and large grocery stores. The goat cheese is marketed entirely by producers association, for local/regional and national markets and the preferred marketing channel are processing enterprises, producers associations and packers.
Keywords: Qualified Products, Sheep, Goat, Production, Marketing.
INTRODUÇÃO
A agropecuária e indústrias alimentares a ela associadas assumem especial relevância na estrutura económica do país, desempenhando um papel fundamental na sustentabilidade das economias das regiões rurais, em especial no Interior Norte de Portugal.
Os pequenos ruminantes, particularmente as espécies ovina e caprina, possuem maior capacidade de aproveitar os nutrientes em terrenos acidentados e de baixa produtividade forrageira do que outras espécies de maior dimensão. O regime de exploração extensivo, para além de lhes proporcionar uma alimentação diversificada, ajuda a prevenir incêndios, potencia o desenvolvimento vegetal e evita a erosão. Estes animais assumem, assim, um papel fundamental na sustentabilidade das regiões rurais mais deprimidas, não só como uma alternativa económica viável para a população local, dada a escassez de outras atividades ligadas à agropecuária, mas, também, pelo seu contributo no combate à desertificação socioeconómica do espaço rural.
Nos últimos anos, tem-se assistido ao abandono da atividade, por parte de pequenos e médios criadores de ovinos e caprinos, devido à fraca rentabilidade e pequena dimensão da exploração agrícola, diminuição dos apoios à produção, novas exigências sanitárias, idade avançada e reduzido interesse dos jovens agricultores pelo setor agropecuário (INE, 2011; Rente 2014; Matos, 2015a). De facto, contrariamente ao verificado a nível mundial (FAOSTAT, 2015), observa-se algum desinteresse pela criação de ovinos e caprinos em Portugal, refletido na diminuição do número de explorações e do efetivo. O efetivo autóctone [1] acompanha a tendência decrescente nacional e era, em 2013, apenas 5% e 11% do efetivo ovino e caprino nacional, respetivamente. Esta perda de efetivo reflete-se na produção e comercialização dos respetivos produtos qualificados.
Assim, atendendo: (a) às políticas comunitárias de incentivo à valorização dos produtos agroalimentares tradicionais com Nomes Protegidos, que apontam estes produtos como uma boa aposta estratégica para o desenvolvimento do espaço rural; (b) à promoção da criação de raças autóctones de pequenos ruminantes; e, (c) ao desenvolvimento e valorização de produtos tradicionais de reconhecida qualidade, o presente estudo propõe-se efetuar uma análise da produção e comercialização de produtos cujos nomes estão qualificados como Denominação de Origem Protegida DOP e Indicação Geográfica Protegida IGP, obtidos a partir da ovelha e da cabra (carne e queijo).
METODOLOGIA
Com vista à concretização do objetivo enunciado adotou-se uma metodologia de investigação quantitativa, descritiva e longitudinal, bem como, a análise de conteúdo de bibliografia sobre a temática. O estudo abarca o período de 2003 a 2012, e engloba uma análise temporal de indicadores relativos à produção e comercialização dos queijos e carnes qualificados de ovino e caprino (volume e valor da produção, preço mais frequente, mercados de destino e modalidades de escoamento), individual e global, incluindo a comparação com produtos similares (sem qualificação). Os dados relativos à produção qualificada sustentam-se nos inquéritos anuais dirigidos aos agrupamentos gestores dos Nomes Protegidos (em regra, agrupamentos de produtores) publicados pelo Gabinete de Planeamento e Políticas GPP [2]. Os dados da produção nacional têm por base as estatísticas agrícolas do Instituto Nacional de Estatística - INE.
Conforme GPP (2014), neste trabalho, entende-se por: (a) preço do produto, preço de venda do agrupamento/produtor, preço mais frequente (maior número de observações), preço à 1ª transação, incluindo IVA; (b) produtos similares, produtos que passaram pelo mesmo processo de produção dos produtos qualificados, mas não foram submetidos ou aprovados no processo de qualificação; (c) peso limpo, peso do corpo da rês despojada da pele e órgãos internos, com exceção dos rins e gorduras envolventes, desprovida da cabeça, extremidades locomotoras e cauda; e (d) valor da produção, obtido através do preço médio ponderado do preço mais frequente pela quantidade produzida.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta secção apresenta a análise da produção, preços ao produtor, mercados de destino e modalidades de escoamento das carnes e queijos qualificados de ovino e caprino.
Produção e Comercialização de Carne Qualificada de Pequenos Ruminantes
Em 2012, a produção nacional de carne de pequenos ruminantes, ascendia a 19 mil toneladas, sendo apenas 42 toneladas relativas a carnes com Nomes Protegidos (36 ton. de borrego e 6 ton. de cabrito). No mesmo ano existiam nove carnes de ovino e seis carnes de caprino com nomes qualificados como DOP/IGP. Contudo, apenas as carnes de Borrego do Nordeste Alentejano, de Borrego Serra da Estrela e de Cabrito Transmontano, apresentaram produção e comercialização nesse ano. O Borrego do Nordeste Alentejano era responsável por grande parte da produção (71%), sendo a produção remanescente repartida pelas carnes de Borrego Serra da Estrela e de Cabrito Transmontano.
A representatividade da carne caprina qualificada na produção nacional é ligeiramente superior, sendo, em média, de 0,82% nas carnes de caprino e 0,59%, nas carnes de ovino. Todavia, de uma forma geral, observa-se um decréscimo do peso de ambas as carnes ao longo do período em estudo, motivado pelo decréscimo global da produção das carnes qualificadas (superior ao verificado no total nacional das respetivas carnes) reflexo da diminuição do número de explorações produtoras (Quadro 1). Efetivamente, apenas o número de explorações de Borrego Serra da Estrela e de Cabrito Transmontano apresentam uma evolução positiva, com a ressalva que o primeiro apenas entrou no mercado em 2010, e o segundo, apresenta algumas oscilações no número de explorações ao longo período em análise.
Por outro lado, a análise da produção média por exploração (Figura 1) releva que a dimensão produtiva das explorações ovinas tem decrescido (redução global de 60% desde 2006). Embora a produção média global por exploração de carne qualificada de caprino mais que triplique desde 2006, mantém ainda valores médios bastante reduzidos (142 kg/exploração; ± 24 cabritos/ano/exploração). A Figura 1 realça também a disparidade entre os sistemas produtivos, sendo que as explorações alentejanas produzem uma média anual de 1645 kg de carne de borrego/exploração, enquanto os restantes produtores exibem produções médias de 320 kg e 550 kg/ano/exploração. Este cenário continua válido para as carnes caprinas, sendo extremo no caso do Cabrito das Terras Altas do Minho, cuja produção média anual é de apenas um cabrito por exploração.
Carnes ovinas
Globalmente, observam-se fortes oscilações no volume de produção total das carnes qualificadas de ovino[3] (Figura 2), o qual tem decrescido, em especial, devido à redução superior a 82% da carne líder do mercado, o Borrego do Nordeste Alentejano (167 ton. em 2003 e 30 em 2012) e à saída do mercado dos borregos de Montemor-o-Novo e Baixo Alentejo (a partir de 2006), provocando uma quebra de produção superior a 40% do volume de produção anual (100 ton./ano). O presente decréscimo foi aligeirado em 2010, pela entrada da carne de Borrego Serra da Estrela, cuja produção, em 2012, foi de 6 ton., representando 17% da carne de ovino com DOP/IGP desse ano.
O Cordeiro de Barroso apresenta o maior diferencial relativamente ao preço médio, com cotações ao produtor acima do preço médio da globalidade das carnes (1,80 /kg), tendo todavia saído do mercado após 2005 (Figura 3). O Borrego do Nordeste Alentejano, dada a sua posição de liderança, dita o nível de preço médio da fileira.
A análise dos diferenciais de preços entre as carnes de ovino (Figura 4), mostra que, em média, a discrepância entre o preço do produto qualificado e sem qualificação é de 57% (2,30 /kg). Em 2007, a carne de Borrego do Nordeste Alentejano apresentou diferenciais superiores a 144% (3,60 ). Contudo, tal não se viria a manter nos anos mais recentes, apontando para uma perda da capacidade dos produtores em aproveitar a mais-valia da qualificação, por via do acréscimo do preço de mercado.
O valor da produção das carnes de ovino com DOP/IGP exibe uma evolução similar às quantidades, registando um máximo de 1930 mil euros em 2003, tendo decrescido, posteriormente, a um ritmo anual médio de 20,2%. A Figura 5 sintetiza a evolução da produção de carne ovina qualificada, através dos índices de quantidade, preço e valor.
A produção das carnes qualificadas de ovino foi inteiramente vendida pelos agrupamentos de produtores, tendo, nos últimos cinco anos analisados, alternado entre os mercados local/regional e nacional. Quanto às modalidades de escoamento, apesar de existirem algumas oscilações motivadas pela entrada e saída dos agentes no mercado, as M&GS foram o canal preferencial para colocar o produto à disposição do consumidor final (escoamento superior a 90% da produção, em média). O comércio tradicional (talhos) apenas assume uma expressão relevante em 2012 (12%).
Carnes caprinas
De modo geral, observaram-se grandes oscilações na produção das carnes de cabrito, devido ao abandono do mercado DOP/IGP do Cabrito de Barroso (Figura 6).
Em 2010 e 2011, a entrada no mercado do Cabrito do Alentejo trouxe algum dinamismo, contribuindo, no primeiro ano, com 40% do total da produção e, no ano seguinte, com 62%. Todavia, em 2012, não foram registadas produções da referida IGP.
O Cabrito Transmontano ostentou maior estabilidade da produção no período, com um valor médio de 6 ton./ano (±35% da produção de carne qualificada de caprino). Todavia, a carne de Cabrito Transmontano é a carne DOP vendida ao menor preço, registando diferenciais médios de 2,65 /kg, quando comparada com a carne de maior preço ao produtor (cabrito das Terras Altas do Minho) (Figura 7). De facto, o Cabrito Transmontano tem sido historicamente remunerado a preços inferiores aos das restantes carnes qualificadas de caprino (diferenciais até 5 /kg), sendo que o diferencial tem decrescido por via do aumento global do preço em 21,9%, no decénio em análise.
A carne de Cabrito Transmontano exibe a maior discrepância entre o preço do produto qualificado e sem qualificação (12% a 38%), indiciando maior capacidade dos criadores em aproveitar a mais-valia da qualificação, via acréscimo do preço (Figura 8).
Quanto ao valor da produção, este apresentou o máximo de 278 mil euros em 2003, decrescendo 75,7%, globalmente, após esse ano. As variações detetadas no valor da produção das carnes de caprino com DOP/IGP resultam de oscilações da produção, já que os preços se mantiveram relativamente constantes (Figura 9).
No período de 2003 a 2012, ocorreram algumas oscilações nas modalidades de escoamento (Figura 10) explicadas por diversos fatores, entre os quais, a entrada e saída de agentes no mercado da carne com DOP/IGP já referidos (ver Figura 6). Globalmente, foram as M&GS e a restauração os canais mais utilizados para escoar o produto.
Para o Cabrito de Barroso, de 2003 a 2005, a modalidade mais representativa foi a expedição para as M&GS. Porém, em 2006, não apresentou produção e, em 2007, foi unicamente escoada nas feiras. A modalidade de escoamento preferencial do Cabrito Transmontano foi a restauração, embora nos últimos dois anos, os criadores tenham apostado igualmente nas feiras, no comércio tradicional (talhos) e nas M&GS. O Cabrito do Alentejo escoou o produto para as M&GS.
De 2008 a 2012 as carnes caprinas foram predominantemente escoadas pelos agrupamentos. Destaca-se, no ano de 2010, a entrada do cabrito do Alentejo com IG, com distribuição exclusiva por parte dos produtores. Por fim, a produção qualificada de caprino foi sobretudo vendida no mercado nacional, embora os criadores de Cabrito Transmontano estejam mais vocacionados para o mercado local (2009 e 2012).
Produção e Comercialização de Queijos Qualificados
A produção nacional de queijos, em 2012, foi de 78767 ton., sendo cerca de 1,7% relativa a queijos com Nomes Protegidos (58%, queijo de vaca, 30%, queijo de ovelha, 11%, queijo de mistura e 1%, queijo de cabra). Neste ano existiam 17 queijos[4] qualificados em Portugal (seis sem produção); dois queijos de vaca, oito queijos de ovelha, quatro queijos de mistura e um queijo de cabra. O volume de produção dos queijos qualificados ascendeu a 1324 ton., sendo os queijos de São Jorge (58%), de Azeitão (10%) e Amarelo da Beira Baixa (8%) responsáveis por mais de ¾ da produção (GPP, 2014).
A representatividade do queijo qualificado de pequenos ruminantes na produção nacional é reduzida (3,55% queijo de ovelha; 2,67% queijo de mistura e 0,85% queijo de cabra, em média). No período de análise, o peso do queijo qualificado de ovelha cresceu, impulsionado pela diminuição global de 27% da produção nacional de queijo de ovelha. Enquanto o contributo do queijo de cabra qualificado decresceu, prejudicado pelo acréscimo global de 65% na produção nacional de queijo de cabra.
Tendo em consideração que o queijo de mistura é maioritariamente fabricado com leite cru de ovelha e cabra, a análise posterior limita-se aos queijos (ovelha e cabra) estremes.
A análise do volume de produção mostra que os queijos qualificados de ovelha e cabra exibiram uma tendência global de decréscimo, em reflexo da diminuição do número de explorações abastecedoras de leite (Quadro 2), com 175 explorações leiteiras a abandonar a atividade ao longo do decénio.
Quanto à produção média por exploração (Figura 11), embora apresente bastantes oscilações ao longo dos anos, exibiu, em termos globais, um acréscimo (42%, nas explorações abastecedoras de leite de ovelha e 32% nas de cabra).
Todavia, à semelhança do sucedido no segmento das carnes, a produção média das explorações caprinas é menor, sendo de apenas 224 kg de queijo/exploração leiteira, um volume insignificante, se confrontado com a produção média de 1919 kg de queijo por exploração abastecedora de leite de ovelha. A análise comparativa expõe igualmente a enorme disparidade entre os sistemas produtivos regionais, cujas explorações abastecedoras de leite de ovelha do Nordeste Transmontano (Queijo Terrincho) apresentam produções médias inferiores aos 600 kg/ano, enquanto a produção média dos queijos líderes (Azeitão e Nisa) se situa nas 5 ton./ano/exploração abastecedora de leite.
Queijos de ovelha
A análise da evolução da produção dos queijos qualificados de ovelha apresenta oscilações no volume de produção global, motivadas por flutuações no volume de alguns queijos, nomeadamente, nos queijos de Évora e Serpa (Figura 12).
O Queijo de Azeitão e os produtos Serra da Estrela (queijo e requeijão) adquiriram importância gradual no mercado, sendo, em 2012, responsáveis por 35% e 30% da produção, respetivamente. Contrariamente, o Queijo de Nisa, líder de mercado em 2003, assume atualmente a terceira posição, fruto da redução global de 47% da produção.
Em termos globais verifica-se que o preço médio do queijo de ovelha se manteve estável ao longo do período em análise (Figura 13).
O Queijo de Azeitão experimentou a evolução mais favorável no preço (acréscimo de 18%). Em oposição, o preço do Queijo de Nisa sofreu um decréscimo global de 62%, com a alteração do preço médio de 17 /kg (2003 a 2009) para 6,1 /kg (2010 a 2012). O Queijo Terrincho tem igualmente perdido valor, com a redução global 11% no preço. Aliás, o Queijo Terrincho apresenta o menor diferencial entre os preços dos queijos qualificados e dos produtos similares (11%, em média). Em 2012, esse diferencial atingiu mesmo valores negativos (preço do produto qualificado ± 0,21 /kg abaixo do similar) (Figura 14), refletindo a incapacidade dos produtores para explorar o potencial da qualificação, enquanto fator diferenciador para o consumidor. O Queijo de Azeitão exibe o maior diferencial entre o produto qualificado e o similar (entre 31%-80%, ou seja, 4-8 /kg), sendo o queijo que melhor aproveita a mais-valia da qualificação, no sentido da valorização do preço ao produtor. A Figura 14 mostra ainda que, em média, a discrepância entre o preço do produto qualificado e o similar é de 23% (± 2,60 /kg).
O valor da produção do queijo de ovelha com DOP/IGP apresenta uma evolução semelhante às quantidades. Este valor atinge o máximo de 9,18 milhões de euros, no ano de 2008. Globalmente, o valor da produção diminuiu cerca de 25%, fruto do decréscimo do volume de produção (23%), reforçado pela descida do preço médio em 3%. Na Figura 15 pode observar-se a evolução dos índices de quantidade, preço e valor da produção de queijo qualificado de ovelha, no período de 2003 a 2012.
As M&GS foram, inegavelmente, o canal mais utilizado para escoar o queijo de ovelha qualificado (Figura 16), sendo, em média, cerca de 58% da produção vendida através destes retalhistas. Este canal era, em 2012, responsável pelo escoamento de 64% da produção. O comércio tradicional e a venda direta ao consumidor têm vindo igualmente a ganhar peso (quota de 45%, em 2009), exibindo, nos últimos anos, uma média de 28%. Este ganho ocorreu sobretudo em detrimento das ETAP&E.
De 2006 a 2012, os queijos de ovelha com DOP/IGP foram predominantemente comercializados pelos próprios produtores, sendo cerca de 69% da produção escoada desta forma, 27% através de outra entidade e apenas 4% através dos agrupamentos. O mercado nacional é o mercado eleito para distribuir os queijos de ovelha qualificados (média anual 2010-2012, 83%). O mercado local/regional tem perdido importância (no triénio 2010-2013 apenas 7% da produção se destinava a estes mercados, enquanto, no biénio anterior superava os 40%). O mercado externo tem ganho terreno, absorvendo 12% da produção nacional de queijo qualificado de ovelha em 2012.
Queijos de cabra
Em 2012, o volume de produção do Queijo de Cabra Transmontano ascendia a 13,34 ton., perfazendo, na produção, cerca de 130 mil euros. No período em análise, a produção de Queijo de Cabra Transmontano sofreu algumas oscilações, refletindo-se numa perda global de 5,6%. Esta perda afetou negativamente o valor da produção, o qual foi parcialmente compensado pelo crescimento médio anual do preço de 2,4%. Neste sentido, o valor da produção do Queijo de Cabra Transmontano acabou por exibir um acréscimo global de 15% (1,6%, média anual). A Figura 17 apresenta a evolução dos índices (quantidade, preço e valor) da produção de Queijo de Cabra Transmontano.
A análise comparativa dos preços (Figura 18) indica que, até ao ano de 2007, o preço do Queijo de Cabra Transmontano era superior ao do produto similar, em cerca de 2 /kg. Este diferencial alterou-se após 2008, quando ambos os queijos aumentaram os preços de venda. Porém, o aumento foi maior no queijo não qualificado, diminuindo assim o diferencial de preços e tornando menos atrativa a opção pela qualificação. No contexto da evolução dos preços da totalidade dos queijos qualificados de pequenos ruminantes, observa-se um decréscimo global de 6,3%, fortalecendo a ideia que a qualificação nem sempre se reflete numa mais-valia no preço ao produtor. Este fator poderá explicar o decréscimo da produção de queijos qualificados, no contexto da produção nacional.
No período de 2003 a 2012, os canais mais utilizados para escoar o Queijo de Cabra Transmontano foram as ETAP&E (Figura 19), apesar da perda de protagonismo, em favor do comércio tradicional, no biénio 2008-2009. De notar ainda, que a venda direta ao consumidor vem ganhando alguma expressão, respondendo por 17%, em 2012.
O Queijo de Cabra Transmontano é vendido pelo agrupamento de produtores, destinando-se, de forma equitativa, aos mercados local/regional e nacional.
CONCLUSÕES
O presente estudo expõe os constrangimentos do segmento dos produtos qualificados de ovino e caprino. Apesar do seu elevado potencial, refletido no vasto número de Nomes Protegidos a ele associados, a implementação no mercado é deficiente. O decréscimo da produção e a funcionalidade limitada das organizações do sector aliados à reduzida dimensão económica de parte significativa dos resilientes, mormente, os produtos com origem geográfica no Interior Norte do país, faz recear pelo seu futuro.
Portugal dispõe de uma ampla diversidade de produtos qualificados, fruto das variadas singularidades regionais, tradições geoculturais e atividades agro-pastoris. Cada um destes produtos está integrado em sistemas de produção e comercialização subjacentes às particulares condições agroambientais e socioeconómicas referidas. O segmento de mercado de produtos com DOP/IGP de origem ovina e caprina é o espelho dessas realidades. Todavia, as carnes e queijos qualificados, produzidos no Interior Norte do país, económica e demograficamente mais deprimido, são incapazes de se impor no mercado nacional, fruto da reduzida dimensão económica dos produtores e das condições sociodemográficas dessas regiões. Veja-se a raça Churra da Terra Quente, com um encabeçamento de 17 mil cabeças (apenas superado pela raça Serra da Estrela) possui um efetivo médio de apenas 113 cabeças/criador. As explorações ovinas desta raça exibem as menores produções médias (Queijo Terrincho: 600 kg/ano/exploração; Borrego Terrincho: 320 kg/ano/exploração). Contrariamente, os criadores de maior dimensão económica, reflexo das condições agro-pastoris e/ou socioeconómicas das regiões onde estão inseridos, têm as maiores produções médias, como é o caso dos borregos e queijos do Alentejo (Queijo de Nisa: 5,3 ton./ano/exploração; Borrego do Nordeste Alentejano: 1,65 ton./ano/exploração) e Península de Setúbal (Queijo de Azeitão: 4,8 ton./ano/exploração). Estes produtos conseguem, igualmente, as melhores performances no acesso aos mercados (interno e externo) e na exploração da mais-valia da qualificação em termos de preço ao produtor. De facto, os pequenos produtores do Nordeste Transmontano (Queijo e Borrego Terrincho; Cabrito Transmontano e Queijo de Cabra Transmontano) debatem-se com dificuldades de acesso ao mercado nacional e de adoção de modalidades de escoamento alternativas às tradicionais, seja por restrições geográficas ou de volume de produção, agravadas pelas deficiências em marketing, que os impedem de explorar plenamente a mais-valia da qualificação. Tanto mais que, a reputação do atributo qualidade, estreitamente associado aos modos de produção e maneio na agropecuária e ao fabrico artesanal próprio da região de Trás-os-Montes, dificultam a diferenciação, por parte dos consumidores, da qualificação como DOP/IGP, face aos produtos tradicionais/regionais (Cabo et al., 2015). Acresce o facto das ( ) gerações mais novas da população não serem muito apreciadoras das carnes de ovino e caprino, e para além disso, o seu preço, face ao da carne de porco e de aves, numa conjuntura de crise, ser nitidamente desfavorável (INE, 2012:33).
Tais fatores ditam a importância do associativismo no desenvolvimento da atividade, sendo crucial, não só na aposta em estratégias de comunicação em marketing, por forma a potenciar o reconhecimento, por parte dos consumidores, do valor acrescentado da qualificação dos produtos, mas também no aumento do poder negocial dos criadores e produtores, por forma a colmatar as debilidades intrínsecas da fileira, como a ancianidade, fraca dimensão económica e falta de cultura empresarial (Matos, 2015b).
Em suma, a qualidade associada à origem, aos produtos naturais, ao pastoreio e ao modo artesanal de fabrico, são poderosos fatores para elaborar estratégias de marketing para segmentos de consumidores específicos. O aproveitamento destas oportunidades poderá, eventualmente, contribuir para o desenvolvimento de novos produtos e proporcionar maior rendimento aos produtores, fixando as populações, através da diversificação da oferta no meio rural. Neste particular, torna-se necessário apostar na promoção deste segmento, através de políticas que fomentem o associativismo, a formação dos agentes da fileira nas áreas de marketing e empreendedorismo e consciencializar produtores e consumidores das mais-valias da qualificação.
Referências Bibliográficas
Cabo, P.; Ribeiro, M.; Fernandes, A. & Matos, A. (2015) Hábitos e Preferências dos Consumidores de Produtos Tradicionais Regionais Certificados: O Caso de Trás-os-Montes. In: Atas do XXV Jornadas Hispanolusas de Gestión Científica: Tendiendo Puentes entre la Investigación y la Transferencia de Conocimiento. Ourense, Espanha. 10 p. [ Links ]
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Rente, J. (2014) Plano de Negócios Monsaluz, Sociedade Agrícola Lda. Dissertação de Mestrado. Évora, Universidade de Évora. 128 p. [ Links ]
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Agradecimentos
Este trabalho é financiado por: Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente FEDER, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE 2020) [Projeto nº 006971 (UID/SOC/04011)]; e, por Fundos Nacionais através da FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2013.
Recebido/received: 2016.12.22
Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.04.11
Aceite/accepted: 2017.04.11
[1] De acordo com a Sociedade Portuguesa de Ovinotecnia e Caprinotecnia SPOC (2015), existem 15 raças autóctones de ovinos (Bordaleira de Entre Douro-e-Minho, Campaniça, Churra Algarvia, Churra Badana, Churra do Campo, Churra Galega Bragançana, Churra Galega Mirandesa, Churra do Minho, Churra da Terra Quente, Merina da Beira Baixa, Merina Branca, Merina Preta, Mondegueira, Saloia e Serra da Estrela) e 6 raças autóctones de caprinos (Cabra Algarvia, Bravia, Charnequeira, Preta de Montesinho, Serpentina e Serrana).
[2] No período de 2003 a 2007 através do Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica IDRHa, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, no período de 2008 a 2012 através do GPP, do Ministério da Agricultura e do Mar.
[3] Regra geral, a carne de borrego qualificada corresponde a carcaças com peso > 7kg (entre 7 e 13kg, exceto em 2006 e 2007, em que a carne do Borrego do Nordeste Alentejano possuía carcaças com peso superior a 13 kg). Apenas na carne de Borrego Terrincho se abatem reses com peso < 7kg.
[4] Dos 17 queijos qualificados, 14 são queijos com DOP/IGP, 2 são requeijões com DO/DOP e 1 é travia (GPP, 2008-2014).