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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.40 no.spe Lisboa dez. 2017
https://doi.org/10.19084/RCA16196
ARTIGO
Desempenho produtivo de coelhos criados em jaulas sob o efeito de duas densidades
Productive performance of rabbits created in cages under the effect of two densities
José Pedro Araújo1,2, Rui Marques1, Preciosa Pires3, Jesus Cantalapiedra4, José Durão1 e Joaquim Lima Cerqueira1,5
1Escola Superior Agrária do IP Viana do Castelo, Refoios do Lima, 4990-706, Ponte de Lima, Portugal;
2Centro de Investigação da Montanha (CIMO), ESA-IPVC, Ponte de Lima, Portugal;
3Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Viana do Castelo, Portugal;
4Servicio de Ganaderia de Lugo. Xunta de Galicia, España;
5CECAV, Animal and Veterinary Research Centre, UTAD, Vila Real, Portugal.
(*E-mail: pedropi@esa.ipvc.pt)
RESUMO
A produção de coelhos para carne, recorrendo essencialmente a sistemas de jaula em flat deck, deve considerar um espaço mínimo por animal. A densidade animal deve ser avaliada considerando o efeito no seu bem-estar e nas suas capacidades produtivas. Este trabalho teve por objetivo estudar o crescimento de coelhos em engorda submetidos a duas densidades. No ensaio, foram utilizados 300 coelhos em engorda, distribuídos por 40 jaulas com uma superfície útil/jaula de 3600 cm2, submetidos a duas densidades, constituindo-se dois lotes (6-6C e 9-9C coelhos/jaula). Registou-se o peso dos coelhos aos 37 dias de idade (d), 64 d e 71 d, o consumo de alimento, a temperatura (T) e a humidade relativa (HR). Os dados foram analisados por ANOVA, visando avaliar o efeito da densidade, no peso vivo (PV), ganho médio diário (GMD) e índice de conversão (IC) e avaliado o efeito de dois períodos de engorda nos referidos parâmetros ambientais. Aos 64 d e 71 d de idade os coelhos 6C apresentaram pesos médios significativamente superiores ao 9C. As cargas para as três idades, foram respetivamente para 6C e 9C, de 16,6 e 24,5 kg/m2 (37 d), 38,7 e 53,7 kg/m2 (64 d) e, 43,0 e 56,5 kg/m2 (71 d). O GMD dos 37-64 d, 64-71 d e 37-71 d foi influenciado pela densidade, com crescimentos superiores no 6C. Não se verificaram diferenças (P>0,05) no índice de conversão entre 6C e 9C. A mortalidade foi superior no 9C (6,1%) (P<0,01). As diferenças obtidas poderão ser justificadas pela elevada densidade, carga animal e competição pelo acesso ao alimento. Os valores de T, HR e ITH foram de 21,0°C, 86,7% e 20,7. Para o ITH, 100,0% das observações foram inferiores a 27,8, indicando a ausência de stresse térmico.
Palavras-chave: alojamento, performance produtiva de coelhos, densidade animal.
ABSTRACT
The production of rabbit`s meat using the flat deck cage systems, should consider a minimum space per animal. The stocking density should be assessed considering the effect on the animal welfare and productive capacities. The objective of this work was to study the growth of rabbits through fattening submitted to different densities. In a commercial farm 300 rabbits were distributed in 40 cages with a floor area of 3600 cm2/cage, subjected to the following densities: 6 (6C) and 9 (9C) rabbits/cage. The animals were weighed at weaning, 37 days old (d), and at 64 d and 71 d. Also, the food consumption, the temperature (T) and relative humidity (RH) were registered. Data were analyzed by ANOVA, to evaluate the effect of density on body weight (BW), average daily gain (ADG) and conversion index (CI) and to assess the effect of two fattening periods in the environmental parameters. There were differences (P<0,05) in live weight at 64 and 71 d of age, with the group 6C presenting higher values relative to 9C. The stocking density for the three ages were respectively for 6C and 9C, 16.6 and 24.5 kg/m2 (37 d), 38.7 and 53.7 kg/m2 (64 d), 43.0 and 56.5 kg/m2 (71 d). The 37-64 d, 64-71 d and 37-71 d ADG were influenced by the density, with higher growth for 6C. Concerning feeding conversion it was not observed the effect of stocking density. Mortality was higher in 9C (P<0.01). These differences may be justified by the high density stocking and competition for access to food. The values of T, HR and temperature-humidity index-ITH were 21.0°C, 86.7% and 20.7. For ITH, 100.0% of the observations were less than 27.8, indicating the absence of thermal stress.
Keywords: housing, fattening rabbit performance, stocking density.
INTRODUÇÃO
O bem-estar dos coelhos depende essencialmente das condições de alojamento conferidas pelos cunicultores (Rashed e El-Edel, 2015). A densidade de coelho por jaula é um fator que influencia o trabalho, o custo de investimento, o desempenho produtivo e consequentemente a rentabilidade (Villalobos et al., 2008). Nas explorações comerciais na Europa, a densidade varia, de 14 a 23 coelhos/m2 (ou de 720 a 425 cm2/coelho) (Trocino e Xiccato, 2006), encontrando-se geralmente acima das recomendações da EFSA (2005). A densidade ótima corresponde a 16-18 coelhos/m2, ou seja 40-45 kg/m2, considerando o peso ao abate (Szendro e Zotte, 2011). Densidades superiores a 19 coelhos/m2 reduzem o consumo de concentrado e as taxas de crescimento, com ausência de efeito na eficiência alimentar ou na mortalidade (Maertens e De Groote, 1984; Aubret e Duperray, 1992). A EFSA (2005) recomenda uma superfície mínima de 625 cm2 mínimo/coelho e não mais do que 40 kg/m2 no final de engorda, a fim de evitar perturbações no comportamento dos animais. Os coelhos após o desmame tendem a amontoar-se, enquanto os animais mais velhos preferem densidades mais reduzidas, e quando sujeitos a elevadas densidades despendem menos tempo a alimentar-se (Morisse e Maurice, 1997; Matics et al., 2004).
Em cunicultura o controlo ambiental deve proporcionar conforto térmico aos coelhos. A qualidade do ambiente é um aspeto essencial para o sucesso da exploração, visto influenciar a produtividade dos animais, pela sua ação no consumo voluntário de alimento, na reprodução e na mortalidade. A temperatura (T) ideal para coelhos em engorda, situa-se entre 15 e 20°C e a humidade relativa (HR) entre 60 e 70%, referindo-se valores superiores a 30°C e inferiores a 10°C como críticos. Quanto ao índice temperatura-humidade (ITH) valores inferiores a 27,8 indicam ausência de stresse térmico (Marai et al., 2001).
Este trabalho teve por objetivo avaliar a influência da utilização de duas densidades numa exploração, através de indicadores produtivos durante a engorda e avaliar alguns parâmetros ambientais.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado numa cunicultura, com instalações fechadas, localizada no concelho de Braga. O pavilhão tinha uma área de 507,5 m2, dispondo de ambiente controlado por intermédio de painel de humidificação e extratores de ar em topos opostos do pavilhão, com um comprimento total de 29 metros. No pavilhão havia aproximadamente 5000 coelhos em engorda.
No ensaio, foram utilizados 300 coelhos em engorda, distribuídos por 40 jaulas de 95x40 cm (incluindo área do comedouro), com uma superfície útil de 3600 cm2. Foram utilizadas duas densidades, constituindo-se dois lotes (66C e; 99C coelhos/jaula) (Quadro1). Em cada jaula, os coelhos foram pesados, aos 37 dias de idade (d), 64 d e 71 d. Foi administrado ad libitum, na totalidade das jaulas, alimento de engorda entre os 37-54 d e de acabamento entre os 54 e os 71 d, tendo-se quantificado o alimento consumido em dois períodos (P): P1 (37-64 d) e P2 (64-71 d), considerando que em bandas anteriores ocorreu mortalidade inferior na última semana. Cada comedouro disponibilizava alimento a duas jaulas. Recorreu-se a uma balança eletrónica modelo Kern HCB 20K10, com capacidade máxima de 20 kg e uma precisão até 10 g. Registou-se a mortalidade nos coelhos.
A temperatura (T) e a humidade relativa (HR) foram monitorizadas através de uma sonda Tinytag ultra 2-TGU-4500, instalada ao nível das jaulas, no centro do pavilhão a 4,5 metros do painel de humidificação, obtendo-se registos horários, no período entre 23 de junho e 27 de julho de 2015. Efetuou-se o cálculo do Índice de Temperatura-Humidade (ITH): ITH = T ºC - [(0,31 - 0,0031HR) (T ºC - 14,4)] (Marai et al., 2001).
Os dados foram analisados por ANOVA, através do programa IBM-SPSS (ver. 22.0), visando avaliar o efeito da densidade no peso vivo individual (PV), ganho médio diário (GMD), e índice de conversão (IC) no P1, P2 e período total de engorda (P1 + P2) e avaliar eventuais diferenças nos referidos parâmetros ambientais entre os períodos P1 e P2. Foram considerados os resultados globais (global) e os registos de jaulas em que não ocorreu a mortalidade (sem mortalidade).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de T, HR e ITH foram de 21,0±2,6ºC (mín. 13,5; máx. 29,0), 86,7±9,3% (mín. 42,4; máx. 100,0) e 20,7±2,5 (mín. 13,5; máx. 27,0), respetivamente. Verificou-se efeito do período (p<0,01) na T e no ITH (Quadro 2). Constatou-se para a T valores superiores no P2, (21,4±2,3°C vs 20,9±2,7°C), relativamente ao P1. Igualmente para o ITH, os valores foram igualmente superiores no P2, (20,6±2,6 vs 21,1±2,2). Para a HR não se verificaram diferenças entre os dois períodos. Para o ITH, a totalidade das observações (n=816) foram inferiores a 27,8, indicando a ausência de stresse térmico para os animais. Globalmente os parâmetros ambientais enquadraram-se dentro dos limites de conforto térmico em cunicultura.
No início do ensaio não se verificaram diferenças no PV médio aos 37 d (P>0,05) entre 6C e 9C, tendo ocorrido diferenças significativas no PV aos 64 e 71 d, com PVs médios superiores no lote 6C (2,58 kg) vs lote 9C (2,40 e 2,45 kg) (Quadro 3). Araújo et al. (2015), na mesma exploração e para a densidade de 9C, obtiveram um PV de 2,47 kg aos 71 dias de idade.
Ocorreram diferenças no GMD durante a engorda entre C6C (46,7 g/dia) e C9 (41,7 g/dia, global a 42,6 g/dia, sem mortalidade). No GMD verificaram-se igualmente diferenças significativas no P1, no P2 e no conjunto dos 2 períodos (P1+P2), com valores superiores no 6C, de 3,8 g/dia, 9,4 e 5,0 g/dia respetivamente, considerando o global. Os GMDs diminuíram de 49,2 g/dia e 45,4 g/dia registados no P1, para 37,0 g/dia e 27,6 g/dia no P2, respetivamente no 6C e 9C (Quadro 4). A diminuição no GMD no período final de engorda, pode advir do impacto negativo de altas densidades sobre o comportamento do coelho devido à falta de conforto (Villalobos et al., 2008).
Relativamente às densidades (kg/m2) para as três idades verificaram-se valores mais elevados no 9C, destacando-se aos 71 d, 56,5 e 61,3 kg/m2, no global e sem mortalidade respetivamente (Quadro 5). Araújo et al. (2015) ao utilizarem num estudo 19,4 e 25,0 coelhos/m2, obtiveram respetivamente densidades de 48,8 e 58,5 kg/m2, aos 71 dias de idade. A densidade utilizada para lote 9C, ultrapassou os valores recomendados por alguns autores. Maertens e De Groote (1984) referiram que os animais se encontram em situação crítica acima de 15 coelhos/m2 e/ou 40 kg/m2, enquanto Aubret e Duperray (1992) consideraram crítica uma densidade superior a 20 coelhos/m2 (correspondente a 46-47 kg/m2 ao abate). O lote 6C (densidade de 16,7 coelhos/m2 e, portanto, no limiar referido por estes autores, apresentou um valor de 43,0 kg/m2, aos 71 d) inferior aos 46-47 kg/m2. Relativamente ao lote 9C (25 coelhos/m2), a densidade ultrapassou os valores críticos referenciados para os dois indicadores (coelhos/m2 e kg/m2). Morisse e Maurice (1997), na avaliação do efeito do aumento da densidade sobre o comportamento dos coelhos com 10 semanas de idade, constataram um tempo de repouso superior e de ingestão de alimento inferior em densidades superiores a 20 coelhos/m2 e peso superior a 40 kg/m2, o que poderá refletir-se na diminuição do crescimento na última semana de engorda. Como referem Aubret e Duperray (1992), uma densidade superior a 19 coelhos/m2 reduz a ingestão de alimento e a taxa de crescimento, sem efeito no índice de conversão e mortalidade.
A mortalidade foi nula e de 6,1% respetivamente para o 6C e 9C, com diferenças (P<0,01) (Quadro 6). De destacar que a mortalidade em9C ocorreu maioritariamente no P2, o que poderá justificar-se pela densidade mais elevada.
Não se verificou efeito da densidade no índice de conversão no P1, P2 e P1+P2 (P>0,05) (Quadro 7), resultado semelhante ao obtido por Araújo et al. (2015), na mesma exploração, quando compararam a densidade de 7 vs 9 coelhos/jaula. No presente estudo, apesar de não se ter comparado estatisticamente os dois períodos, o IC aumentou no global de 2,97 e 2,87 kg de alimento/kg ganho de peso no P1 para 5,31 e 7,16 no P2, respetivamente no 6C e 9C. Considerando os resultados sem mortalidade, o IC em9C aumentou de 2,87 no P1 para 4,72. De salientar as diferenças ocorridas no IC no P2 para o 9C, considerando 7,16 e 4,72 kg/kg global e sem mortalidade respetivamente. De referir que a mortalidade mais elevada no P2, última semana da engorda, justificou a discrepância nos resultados obtidos do IC.
CONCLUSÕES
A imagem da cunicultura, na opinião pública e o impacto económico da densidade devem ser avaliados, considerando o bem-estar dos animais e o seu desempenho produtivo. No presente estudo, onde se comparou o efeito da densidade de coelhos em engorda de 16,7 coelhos/m2 (6C) vs 25,0 coelhos/m2 (9C) salientam-se as seguintes conclusões: os pesos vivos médios superiores no 6C; a influência da densidade no GMD durante a engorda, com crescimentos superiores no 6C; a ausência de diferenças no índice de conversão e a mortalidade superior no 9C. Globalmente os parâmetros ambientais enquadraram-se dentro dos limites de conforto térmico, evidenciando ausência de stresse térmico para os animais.
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Recebido/received: 2016.12.22
Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.02.27
Aceite/accepted: 2017.03.06