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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.41 no.1 Lisboa mar. 2018

https://doi.org/10.19084/RCA17076 

ARTIGO

Técnicas nucleadoras e adubação verde em unidades demonstrativas de restauração ecológica

Nucleating techniques and green manuring in demonstration units of ecological restoration

Renata Freitag1*, Isabelle Bonini2, Normandes M. da Silva3 e Antônio B. Vecchiato4

1Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia, Rede BIONORTE, Cuiabá - Brasil

2Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, Universidade do Estado de Mato Grosso, Nova Xavantina - Brasil

3Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental, Universidade Federal de Mato Grosso, Rondonópolis - Brasil

4Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Departamento de Geologia, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá - Brasil

(*E-mail: renatafreitagrh@gmail.com)


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi testar a capacidade de regeneração de uma das cabeceiras degradadas do rio São Lourenço quando submetida a diferentes técnicas nucleadoras de recuperação. A área foi dividida em quatro tratamentos com diferentes técnicas: muvuca de sementes, adubação verde, plantio direto, plantio mecanizado, distribuição a lanço e semeadura direta de sementes ao solo. Para cada tratamento foram estabelecidas três parcelas de 81 m2, nas quais foram mensuradas a riqueza, a densidade e a abundância de indivíduos, bem como a cobertura vegetal do solo e o desenvolvimento das plantas. Cerca de 55% das espécies plantadas se estabeleceram nas unidades demonstrativas de restauração ecológica. A espécie mais abundante foi Cajanus cajan, com 345 indivíduos, e a mais frequente foi Canavalia ensiformis, com 92 observações. Foi verificado que os tratamentos diferiram quanto à riqueza de espécies (F(9,248.39)= 4.76; p< 0,001) e abundância de indivíduos (F(9,248.39)= 4.58; p< 0,001), e que estas variáveis estão fortemente e positivamente associadas com os índices de cobertura do solo. Conclui-se que a técnica mais bem sucedida foi a semeadura de muvuca de sementes com distribuidor de calcário e adubos utilizados na agricultura de precisão, e que a utilização de diferentes técnicas de revegetação em simultâneo pode gerar resultados satisfatórios para a recuperação de um ecossistema degradado.

Palavras-chave: Degradação, Muvuca de sementes, Sucessão natural, Viabilidade econômica.


ABSTRACT

The objective this work was to test the regeneration capacity of one of the degraded headwaters of the São Lourenço river when subjected to different recovery nucleation techniques. The area was divided into four treatments with different techniques: muvuca (mixture) of seeds green manuring, no-till, mechanized planting, hauling and direct seeding of seeds to the soil. For each treatment, three plots of 81 m2 were established, in which the richness, density and abundance of individuals were measured, as well as the vegetal cover in the soil and the development of the plants.  Approximately 55% of the planted species were established in the demonstration units of ecological restoration. The most abundant species was Cajanus cajan, with 345 individuals, and the most frequent was Canavalia ensiformis, with 92 observations. It was verified that the treatments differed in species richness (F (9,248,39) = 4.76, p <0.001) and abundance of individuals (F (9,248,39) = 4.58, p <0.001), and that these variables are strongly and positively associated with the soil cover indexes. It is concluded that the most successful technique was the seeding of multivalent seeds with distributor of limestone and fertilizers used in precision agriculture and that the soil cover index favors species richness and abundance of individuals, and that the use of different revegetation techniques simultaneously can generate satisfactory results for the recovery of a degraded ecosystem.

Keywords: Degadation, Muvuca seeds, Natural succession, Economic viability.


INTRODUÇÃO

A vegetação ripária presta importantes e fundamentais serviços ao meio ambiente, contribuindo para a preservação e continuidade dos ecossistemas (Tundisi e Matsumura-Tundisi, 2010). No entanto, a supressão das matas ciliares, especialmente em resultado da expansão agropecuária, acarreta na redução ou perda dos bens e serviços ecossistêmicos, inclusive em Áreas de Preservação Permanente (APPs), mesmo sendo estas protegidas por lei (Soares-Filho et al., 2014). Este cenário contribui para o surgimento/intensificação de processos erosivos e assoreamento de rios (Michalková et al., 2011), contaminação dos corpos d’água (Lowrance et al., 1984), perda de biodiversidade (Zimbres et al., 2017) e empobrecimento do solo (Lamb, 2005), dentre outras consequências. Visando reverter este processo e reestabelecer as condições de equilíbrio dos sistemas naturais, inúmeras técnicas de recuperação têm sido testadas e aplicadas, especialmente em áreas de relevante interesse ecológico.

Dentre estas técnicas destaca-se a nucleação, método de recuperação de áreas degradadas com processos sucessionais próximos aos naturais e com mínima intervenção (Yarranton e Morrison, 1974). Este método apresenta excelentes resultados e principalmente baixo custo de execução e manutenção (Reis et al., 2003, 2010; Balensiefer, 2012; Reid et al., 2015). A implantação desse método em locais degradados proporciona um ambiente favorável para o estabelecimento de novas espécies, além de acelerar os processos sucessionais da vegetação (Corbin e Holl, 2012) considerado assim um “princípio básico” nos projetos de restauração ecológica (Tres et al., 2007). Além disso, a nucleação melhora a fertilidade do solo e torna o ambiente abundante e rico em espécies (Fang e Peng, 1997; Corbin e Robinson, 2016), sendo capaz também de promover interação ecológica com fragmentos e remanescentes de vegetação nativa (Reis et al., 2010).

Estudos sobre a eficiência da nucleação vêm ganhando destaque no meio acadêmico, sobretudo em regiões de intensa degradação das paisagens, como é o caso do estado de Mato Grosso. Neste, um terço do seu território (90.335.790,80 ha) é degradado: matas ciliares, 1,16%; áreas de mineração, 0,3%; desmatamentos, 34% e área de vegetação nativa queimada equivale a cerca de 0,3% (Sema, 2009). À vista disso, APPs próximas de cursos d’água têm sido foco de diversos estudos na última década, especialmente por sua fragilidade, relevância ecológica e serviços ecossistêmicos prestados (Bechara et al., 2007; Tres et al., 2007; Schorn et al., 2010; Pietro-Souza e Silva, 2014; Reis et al., 2014; Fragoso et al., 2016; Silva et al., 2016).

Nesta região, as nascentes do Alto Rio São Lourenço compreendem uma das áreas mais afetadas. Pesquisas já realizadas nesta bacia demonstraram que há mobilidade de diversos pesticidas por escoamento superficial, lixiviação e volatilização em amostras de água subterrânea e sedimentos de fundo, fatores estes determinantes na contaminação do aquífero freático (Casara, 2011; Possavatz et al., 2014). Além disso, Lima (2012) constatou a regressão de uma das nascentes em direção à parte mais baixa do terreno. Diante dessa situação, Checoli et al. (2016) trabalhou neste local em 2011 com a gestão participativa hidrográfica da microbacia, onde definiu e implantou diferentes técnicas relacionadas ao Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), tornando essa área uma Unidade Demonstrativa de Restauração Ecológica (UDRE).

Cabe ressaltar, ainda, que a bacia hidrográfica do rio São Lourenço é uma unidade de planejamento e gestão de elevado nível de criticidade (cenário futuro), agravado principalmente pela intensa atividade agrícola do entorno (Sema, 2009). Tal situação interfere negativamente na dinâmica hidrológica, fato que define esta área como de alta prioridade de intervenções para restituição das matas cilares (Sema, 2009). Por isso, é importante facilitar a compreensão acerca das características ecológicas das espécies e do ecossistema e, consequentemente, demonstrar a eficiência das técnicas nucleadoras, da muvuca de sementes e da adubação verde em projetos de restauração ecológica. Desta forma, este trabalho tem como objetivo testar a capacidade de regeneração de uma área degradada em uma das cabeceiras do rio São Lourenço submetida a diferentes técnicas nucleadoras de recuperação.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

A pesquisa foi realizada na microbacia hidrográfica do Alto Rio São Lourenço, próxima ao perímetro urbano do município de Campo Verde, Mato Grosso (Figura 1). O clima da região é do tipo Aw na classificação de Köppen, apresentando dois períodos bem definidos: seco (abril a setembro) e chuvoso (outubro a março). A precipitação média anual é de 1750 mm, com altitude de ~736 m e relevo predominantemente plano (Cândido, 2012). Lima (2012) detectou que os solos do local são do tipo Latossolo Vermelho e Vermelho Amarelo, e que também há a presença de Gleissolos, ou seja, forte indicação de presença de água nas camadas mais subsuperficiais. A vegetação existente no local é constituída por formação florestal com grande presença de arbustivas-arbóreas e algumas espécies típicas de solos úmidos e encharcados (Silva e Simões, 2004).

 

 

Situação da área de estudo e técnicas de recuperação aplicadas

A microbacia do Alto Rio São Lourenço apresenta uma paisagem bastante degradada pela expansão das atividades agrícolas. Tal paisagem é constituída, predominantemente, por monoculturas mecanizadas e pequenos fragmentos de vegetação ciliar. Tendo em vista a recuperação ambiental da região, inúmeras UDREs foram implementadas em 2011 por Checoli et al. (2016), contemplando ações de pesquisa científica e extensão, com participação da comunidade local na transformação desse ambiente em um laboratório natural de aprendizagem. As técnicas nucleadoras testadas na UDRE apresentam algumas vantagens quando comparadas ao modelo convencional de recuperação, podendo acelerar a sucessão ambiental e assim, restituir a diversidade e as funções ambientais (Quadro 1) (Bechara et al., 2007).

Checoli et al. (2016) implementou nesta localidade diferentes técnicas de recuperação de áreas degradadas: 1) muvuca de sementes, que consiste no agrupamento de espécies de grande importância no processo de estabelecimento da vegetação (leguminosas, nativas e frutíferas) formando uma mistura; 2) adubação verde por meio de leguminosas, as quais apresentam elevado potencial de fixação biológica de nitrogênio e produção de biomassa; 3) plantio direto, um sistema diferenciado que visa diminuir o impacto no solo (sem prévia mecanização); 4) plantio mecanizado, técnica comumente utilizada para semeadura de grãos, com preparo prévio mecanizado do solo; 5) distribuição a lanço, utilizando trator com vincão e trator com grade e 6) semeadura direta de sementes ao solo, método no qual as espécies são semeadas diretamente no campo. Para execução de tais métodos, a área total (5,4 ha) foi dividida em quatro tratamentos: T1, T2, T3 e T4, com 0,64; 2,7; 1,08 e 0,98 ha, respectivamente (Quadro 2). No T4, a correção por meio de adubos utilizados na agricultura de precisão objetivou nivelar as propriedades dos solos de todos os tratamentos, pois a área que recebeu os adubos era a que apresentava o solo mais compactado e lixiviado, ocasionado especialmente pela declividade do terreno e ausência de vegetação. Essa ação foi uma tentativa de reduzir as perdas de sementes nativas da muvuca para uma avaliação comparativa mais equilibrada.

Na parte superior da cabeceira (0,89 ha) foram alocadas parcelas isoladas da presença de bovinos e sem intervenção metodológica (tratamento controle), mas estas não obtiveram sucesso no final do período avaliado e por isso foram desconsideradas em nossas análises estatísticas. Isto revela o elevado nível de degradação da área estudada, que não apresentou sinais de recuperação sem intervenção humana.

Sementes e mudas nativas utilizadas na UDRE totalizaram 45 espécies, e todas foram doadas pela prefeitura municipal de Campo Verde e adquiridas por meio do projeto Y Ikatu Xingu “Salve a Água Boa do Xingu”. Uma importante campanha que desde 2004 vem atuando juntamente com comunidades locais e indígenas na recuperação e proteção, em diferentes estágios de crescimento de vegetação nas nascentes e cabeceiras do Rio Xingu, em Mato Grosso. As espécies de leguminosas introduzidas na área foram: Crotalaria juncea L., Crotalaria ochroleuca G. Don., Cajanus cajan (L.) e Canavalia ensiformis (L.) DC. Essas espécies são de rápido crescimento, porém de ciclo de vida curto, e formam uma cobertura de dossel (Lamb, 2005), sombreando gramíneas e ervas daninhas, o que facilita a colonização do local por uma gama mais ampla de espécies (Elliott et al., 2003), além de melhorar as propriedades do solo fixando nitrogênio (Macedo et al., 2008).

Coleta de dados 

Em cada um dos quatro tratamentos foram demarcadas três parcelas permanentes de estudo, cada uma com 81 m2 (9 x 9 m). Foram realizadas três coletas, duas no primeiro ano de experimento, uma na seca (julho/2011) e a outra na chuva (dezembro/2011) e uma última amostragem no período seco (setembro/2012). Foi utilizada a metodologia de avaliação e monitoramento de espécies inoculadas, plantadas e espontâneas sugerida por Ceconi (2007). Para tanto, foram avaliadas a riqueza, densidade e abundância de indivíduos, a cobertura vegetal no solo e o desenvolvimento das plantas. Todas as espécies foram identificadas por meio de exsicata junto ao Herbário da Universidade Federal de Mato Grosso. Também foram verificadas as espécies bioindicadoras de recuperação, exóticas e invasoras agressivas. Para determinar o índice de cobertura vegetal no solo foram atribuidos valores de 1 a 5, onde 1 corresponde de 0-20% de cobertura; 2 de 21-40%; 3 de 41-60%; 4 de 61-80% e 5 de 81-100%. Para maiores detalhes verificar a metodologia proposta por Checoli et al. (2016).

Análise de dados

Para comparar a riqueza e a abundância de espécies entre os tratamentos e intervalos de coleta, foi realizada uma ANOVA fatorial de medidas repetidas com teste post-hoc de Tukey HSD (α= 0,05) (Zar, 2010). Os pressupostos de normalidade e homocedasticidade foram averiguados por meio dos testes de Shapiro-Wilk e Levene (Zar, 2010), respectivamente, e não foram violados. Para verificar a associação entre os tratamentos e os índices de cobertura do solo com as frequências de riqueza e abundância, uma Análise de Correspondência Múltipla foi efetuada (Greenacre e Blasius, 2006). Para detectar a existência de espécies possivelmente relacionadas a cada tratamento, foi calculado o IndVal (Indicator Value), que baseia-se na comparação das abundâncias relativas (especificidade) e frequências de ocorrência (fidelidade) entre diferentes ambientes (Dufrêne e Legendre, 1997). A significância desta análise foi apontada por meio do teste permutacional de Monte Carlo com 999 randomizações (α= 0,01). Todas estas análises foram efetuadas com o auxílio do programa R (R Development Core Team, 2016). Para ilustrar a evolução dos estratos herbáceo e arbustivo de cada tratamento, foram elaborados perfis esquemáticos da vegetação a partir da média de altura das espécies no programa SigmaPlot 13.0 (Systat Software Inc., 2016).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apenas 25 espécies de plantas se estabeleceram nas unidades demonstrativas (Quadro 3), o que corresponde a 55% do total de espécies plantadas e/ou semeadas. Dentre estas, a espécie mais abundante foi Cajanus cajan, com 345 indivíduos, enquanto a espécie mais frequente foi Canavalia ensiformis, com 92 observações. As famílias que apresentaram maior riqueza foram Fabaceae e Bignoniaceae, que juntas totalizaram 60% do rol de espécies.

Inúmeros pesquisadores já avaliaram a importância e eficiência de C. cajan e C. ensiformis em promover um ambiente favorável para o estabelecimento inicial de espécies mediante técnicas nucleadoras (Beltrame, 2013; Resende e Pinto, 2013; Souza e Piña-Rodrigues, 2013; Machado et al., 2014; Pietro-Souza e Silva, 2014; Silva et al., 2014), mas poucos estudos descrevem sua importância relativa para a estrutura da comunidade vegetal de plântulas. Aqui, é possível demonstrar que estas espécies possuem um alto índice de valor de importância para a estrutura fitossociológica da comunidade, resultado de seus elevados potenciais de germinação em solos distróficos. Isto mostra que estas espécies devem ser analisadas não apenas como variáveis preditoras dos processos de restauração, mas também como variáveis respostas, uma vez que a dinâmica não-induzida destas espécies pode ter reflexos relevantes sobre a produção de biomassa e os processos de interação ecológica da comunidade.

Os tratamentos diferiram quanto à riqueza de espécies (F(9,248.39)= 4.76; p< 0,001) e abundância de indivíduos (F(9,248.39)= 4.58; p< 0,001). O tratamento T1 se destacou no período chuvoso (segunda coleta), mas apresentou baixa resistência (82% de mortalidade) no auge do período seco (terceira coleta). Neste tratamento, o estiolamento dos caules da faixa de contenção prejudicou o desenvolvimento das plântulas, pois produziu sombra em excesso e fez as crotalárias tombarem. Por outro lado, o T4 apresentou maiores valores de riqueza e abundância e menor mortalidade no final do período avaliado, demonstrando maior resistência e eficiência (Quadros 4 e 5).

 

 

 

O sucesso do tratamento T4 parece estar associado com a técnica de inoculação utilizada (semeadura) e/ou com a adição de NPK. Segundo Ferreira et al. (2007), a semeadura direta possui muitas vantagens em relação ao plantio, como a praticidade, agilidade e baixo custo econômico. Além do mais, esta técnica assemelha-se com o processo de regeneração natural (Duryea, 2000) e dispensa a fase de viveiro, evitando o impacto do plantio e a distorção do sistema radicular (Mattei, 1995). No entanto, deve-se considerar que esta técnica proporciona uma germinação irregular e com predominância de poucas espécies, sendo então mais aconselhada como método de recuperação suplementar ou para locais de difícil acesso (Duryea, 2000).

Em relação ao uso de NPK, Pereira (2014) detectou um efeito positivo para vários parâmetros fisiológicos, resultando em um possível aumento na razão clorofila total/carotenóides. No entanto, o autor adverte que a adubação química por NPK pode ser nociva, pois em muitos casos promove o aumento da salinidade do solo e danifica as raízes das plantas. Em contexto semelhante, Silva (2015) também obteve resultados positivos com a adubação química, ainda que em menor magnitude quando comparada à adubação orgânica. Por outro lado, Regensburger et al. (2008) e Kinyua et al. (2010) detectaram pouco ou nenhum efeito da fertilização sobre a abundância de plantas. Isto mostra que muitas incertezas ainda predominam sobre o uso de adubos químicos em técnicas de restauração ecológica, reforçando a necessidade de mais estudos sobre as práticas de adubação (química e orgânica) em UDREs. Segundo Longo et al. (2011), o uso de fertilizantes não garante o sucesso da recuperação em áreas degradadas quando a estrutura do solo está comprometida. Isso sugere que os bons resultados encontrados no T4 provavelmente não são resultantes da adição de adubos químicos, uma vez que o solo estava altamente compactado. Esses mesmos pesquisadores afirmam que são necessários mais de 15 meses após a intervenção para verificar possíveis mudanças na estrutura física do solo e favorecimento na restauração da área.

A Análise de Correspondência Múltipla (Figura 2) mostrou uma forte associação entre os tratamentos T2 e T4 com um maior índice de cobertura do solo, o que pode explicar os resultados satisfatórios destes tratamentos no final do período avaliado. Em contrapartida, o T1 mostrou-se mais associado a níveis baixos de cobertura do solo, fato que pode ter corroborado para a alta taxa de mortalidade observada neste tratamento. Ressalta-se, no entanto, que grande parte da cobertura do T4 foi proporcionada pela espécie invasora Oryza latifolia Desv. (Poaceae), conhecida popularmente como arroz-do-brejo. As implicações funcionais da colonização desta espécie sobre os tratamentos de restauração ecológica não foram avaliadas neste estudo, mas sua alta capacidade de proliferação pode inibir ou prejudicar o estabelecimento de espécies primordiais para a sucessão ecológica.

 

 

Apesar da colinearidade com outras variáveis, a cobertura do solo pode indicar um outro aspecto importante para a recuperação de ambientes degradados: a amplitude da copa do estrato herbáceo-arbustivo. Esta é uma medida empírica, porém extremamente relevante do ponto de vista ecológico (Checoli, 2012), pois pode indicar se as condições do microambiente estão se tornando mais propícias (e.g. retenção de umidade, porosidade do solo) (Farias et al., 2012) e, consequentemente, o sucesso ou fracasso da técnica.

Do total de espécies analisadas, apenas três (12%) apresentaram valores de indicação significativos, sendo duas indicadoras do tratamento T1 e uma indicadora do T4 (Quadro 6). Nenhuma espécie foi indicadora simultânea de dois ou mais tratamentos, sugerindo que a utilização de diferentes técnicas pode resultar em diferentes configurações da estrutura da comunidade. Por isso, a integração de diferentes métodos pode ser uma boa alternativa para restituir a heterogeneidade espaço-ambiental da paisagem degradada.

 

 

Quanto ao perfil do estrato herbáceo-arbustivo foi observado, de modo geral, que a altura dos indivíduos variou entre 0,2 e 3,5 m, com destaque para G. ulmifolia, que teve os maiores espécimes. Verificou-se ainda que o tratamento T3 apresentou indivíduos significativamente mais baixos e menor cobertura de copa em comparação aos demais tratamentos (Figura 3, 4, 5 e 6).

 

 

 

Este mosaico de multiestratificação e cobertura de copas favorece a formação de diferentes nichos ecológicos e, consequentemente, de núcleos de diversidade. A variabilidade deste estrato emergente exerce papel fundamental na manutenção de microssítios de regeneração, pois a diversificação do dossel cria condições adequadas de microclima para que espécies com diferentes níveis de exigência de luz possam se estabelecer. São estes microssítios que garantem o reestabelecimento do sistema (Robinson e Handel, 2000), pois suas diferenças contemplam a heterogeneidade naturalmente observada no ambiente. Considerando a diversidade e a complexidade das comunidades vegetais nos trópicos, é possível inferir que a utilização de diferentes métodos (com diferentes resultados) seja considerada uma boa opção para a recuperação de ecossistemas degradados. Experimentos realizados em áreas submetidas à nucleação aplicada confirmaram o sucesso dessa técnica: presença de sementes de árvores de grande porte (Reid et al., 2015), aumento da chuva de sementes e do estabelecimento de plântulas (Zahawi e Augspurger, 2006; Zahawi et al., 2013). Contudo, dependendo do estado de degradação do ecossistema, a recuperação pode ocorrer parcialmente, sendo restaurado em alguns níveis de biodiversidade e serviços ecossistêmicos (Chazdon, 2008).

Entretanto, a utilização de diferentes métodos de revegetação, per se, pode não ser o suficiente para recuperar um sistema. A recuperação de uma área degradada deve contemplar mecanismos semelhantes aos da sucessão natural, de forma a garantir recursos bióticos e abióticos suficientes para sua manutenção sem mais intervenções ou adição de subsídios. No entanto, muitas técnicas de recuperação ainda priorizam modelos exclusivamente quantitativos e produtivistas, nos quais o incremento de biomassa vegetal é considerado o fator mais importante para o reestabelecimento do sistema. Felizmente, uma nova tendência aponta para técnicas que priorizam a interação ecológica e as diversidades biológica e funcional. Não existe (e nem existirá) uma fórmula exata para a restauração ecológica. Qualquer generalização baseada em modelos conceituais estáticos pode impedir a busca por técnicas mais adequadas. Por isso, ressaltamos a necessidade de que as particularidades de cada ambiente sejam cuidadosamente analisadas e consideradas na proposição de um PRAD. Só assim será possível obter êxito na conciliação entre recuperação ambiental, viabilidade econômica e sustentabilidade.

CONCLUSÕES

A técnica mais bem sucedida foi a semeadura de muvuca de sementes com distribuidor de calcário e adubos utilizados na agricultura de precisão.

A riqueza de espécies e a abundância de indivíduos dos tratamentos estão fortemente e positivamente associadas com os índices de cobertura do solo.

A utilização de diferentes técnicas de revegetação em simultâneo pode gerar resultados satisfatórios para a recuperação de um ecossistema degradado.

 

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Agradecimentos

Ao Programa de Pós Graduação em Recursos Hídricos – PPGRH, pela oportunidade. Á Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, pela logística. Á Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelas bolsas de estudo concedidas. Á FAPEMAT - Fundo de Amparo a Pesquisa de Mato Grosso, pelo apoio financeiro ao projeto de pesquisa. Ao CNPQ pelo apoio financeiro (processo 561923/2010-8 e processo 307102/2015-7).

 

Recebido/received: 2017.03.25

Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.10.27

Aceite/accepted: 2017.10.30

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