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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.42 no.3 Lisboa set. 2019
https://doi.org/10.19084/rca.16715
ARTIGO
Gestão de efluentes vinícolas: potencialidades da sua reutilização na rega de espécies ornamentais
Winery wastewater management: potential of its reuse in the irrigation of ornamental species
Teresa R. Freitas1,*, Mafalda Pires1, Berta Gonçalves1, Helena Ferreira1, José A. Peres2 e Eunice Bacelar1
1CITAB (Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas, DeBA (Departamento de Biologia e Ambiente), UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), Vila Real, Portugal
2Centro de Química de Vila Real (CQVR), Departamento de Química, UTAD, Vila Real, Portugal
(*E-mail: teresa.raquel.freitas@gmail.com)
RESUMO
Neste estudo avaliou-se a possibilidade da reutilização de um efluente vinícola (EV) tratado para rega de espécies ornamentais. Para tal, realizaram-se inicialmente testes de fitotoxicidade em sementes de Lepidium sativum e uma mistura de relva, sujeitas a concentrações crescentes de EV e um ensaio de rega em Petunia x atkinsiana com quatro tratamentos: EV sem diluição (EV100%), EV diluído (EV60%), EV com correção de pH (EVT) e controlo (EV0%). Após o ensaio, realizaram-se análises morfo-fisiológicas e bioquímicas. Os testes revelaram que as concentrações de EV potenciaram a germinação da mistura de relva, apesar de terem sido moderadamente fitotóxicas para L. sativum. Relativamente ao ensaio de rega em P. x atkinsiana, os tratamentos EV0% e EV100% destacaram-se positivamente em relação aos tratamentos EV60% e EVT no crescimento e anatomia foliar. Contudo, não ocorreram alterações nas concentrações foliares de pigmentos fotossintéticos e fenóis totais. Apesar do comprimento do sistema radicular e áreas radicular e foliar terem sido superiores nas plantas EV0%, não se registaram alterações na cor e no número de flores entre tratamentos. Estas caraterísticas visuais e estéticas são muito valorizadas comercialmente em espécies ornamentais. Portanto, conclui-se que a reutilização de EVs na rega de petúnias poderá ser uma alternativa sustentável.
Palavra-chave: Análise de crescimento, Anatomia foliar, Fitotoxicidade, Petunia x atkinsiana, Reutilização de efluentes.
ABSTRACT
This study evaluated the possibility of reuse treated winery wastewater (EV) for the irrigation of ornamental species. For that, initially phytotoxicity tests were made in seeds of Lepidium sativum and a grass mixture exposed to increasing concentrations of EV and an irrigation experiment in Petunia x atkinsiana with four treatments: winery wastewater without dilution (EV100%), diluted EV (EV60%), EV with corrected pH (EVT) and control (EV0%). After the irrigation experiment, morphological and biochemical analyses were performed. The tests revealed that EV potentiated germination of grass mixture seeds, although it was moderately phytotoxic to L. sativum. In the irrigation experiment in P. x atkinsiana, the EV0% and EV100% treatments stood out positively in relation to EV60% and EVT treatments in growth and leaf anatomy. However, there were no changes in the foliar concentrations of photosynthetic pigments and total phenols. Although length of the root system and root and leaf areas were higher in EV0% plants, there were no changes in colour and number of flowers in treatments. These visual and aesthetic characteristics are valued commercially in ornamental species, so it was concluded that the reuse of EVs for irrigation of petunias may be a sustainable alternative.
Keywords: Growth analysis, Leaf anatomy, Petunia x atkinsiana, Phytotoxicity, Reuse of wastewater.
INTRODUÇÃO
O setor vinícola é um dos setores agroindustriais com maior importância económica e cultural a nível mundial. Como estimado pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) no final de 2017 a produção mundial de vinho correspondeu a cerca de 250 MhL, valor menor em relação ao ano de 2016 devido ao efeito das alterações climáticas (OIV, 2018). Portugal no ano 2017 produziu aproximadamente 6,7 MhL de vinho sendo que, deste valor, sensivelmente 1,4 MhL corresponderam à região vitícola do Douro (Instituto da Vinha e do Vinho - IVV, 2018). Portugal é um país com longa tradição na produção de vinho sendo que, em 2016, ganhou 3197 prémios em 28 concursos (World Ranking of Wines & Spirits - WRW&S, 2016). O aumento das exportações de vinho português demonstra também o dinamismo do setor que revela um impacto positivo na economia portuguesa.
Nos centros de vinificação associados à elevada produção de vinho está, inevitavelmente, a geração de efluentes vinícolas (EVs), que são principalmente resultantes de lavagens diversas (equipamentos, tubagens, cubas de fermentação prensas, filtros, pavimentos, entre outros) e de perdas de mosto e vinho, uma vez que as adegas devem ser meticulosamente limpas para evitar a contaminação e a deterioração dos materiais e do produto final (Mulidzi, 2001). Os EVs apresentam uma elevada carga orgânica e, normalmente, alguns compostos fenólicos que dificultam a sua degradação biológica. Estes factos podem causar um problema ambiental grave, sendo essencial um tratamento adequado antes da sua descarga para o ambiente (Pirra, 2005; Lucas e Peres, 2011). Cada centro de vinificação produz efluentes com caraterísticas qualitativas e quantitativas diversificadas. O volume e a composição do efluente variam de acordo com os processos de produção, a sazonalidade, a dimensão da adega e as suas caraterísticas, o tipo de vinho, a região de produção, os equipamentos utilizados e as tradições e práticas enológicas (Pirra, 2009; Hirzel et al., 2017). Segundo Welz (2016) estima-se que por cada litro de vinho produzido são gerados entre 0,2 a 4 litros de EVs. A reutilização de efluentes vinícolas tratados para a rega pode ser considerada um elemento chave para o desenvolvimento ambientalmente sustentável desta agroindústria (Gvozdenac et al., 2014). Segundo Kumar (2008) e Marinho et al. (2013), ao nível empresarial a reutilização de EVs permite melhorar a gestão dos recursos hídricos ao reduzir os custos associados ao consumo de água e ao seu tratamento, promover a rega sustentável e a qualidade do meio ambiente pela redução da carga poluente que é descarregada nos ecossistemas aquáticos com o aproveitamento dos nutrientes existentes nas águas residuais e no balanço de carbono positivo. Para além das indústrias vitivinícolas os viveiros de plantas ornamentais também podem beneficiar da reutilização de EVs para a rega das suas plantas, uma vez que os efluentes são uma fonte de água e nutrientes. Ainda, são uma alternativa económica e contribuem para a diminuição do uso das águas superficiais e recarga dos reservatórios de água subterrânea (Lubello et al., 2004). Em 2012, identificaram-se em Portugal cerca de 1010 explorações com culturas ornamentais, que ocupavam 1365 ha em Portugal (Costa et al., 2014). A presença de nutrientes e matéria orgânica nos EVs podem estimular o crescimento da planta, mas os teores excessivos de elementos tóxicos (como por exemplo metais pesados ou a salinidade) podem provocar queimaduras nas folhas e problemas de toxicidade (Cordeiro, 2012; Marinho et al., 2013). Por isso, antes de qualquer reutilização de efluente na rega, deve-se aplicar um tratamento eficiente ao efluente para que sejam reduzidos os riscos que lhe estão associados (Kumar, 2008). O potássio presente nos EVs é um ativador de grande número de enzimas, regulador de pressão osmótica e é importante na fotossíntese (Mulidzi, 2001). Ao se realizarem estudos fisiológicos, bioquímicos e morfo-anatómicos às plantas poderá ser possível confirmar se existem elementos nos efluentes que alteram o seu desenvolvimento (estimulando ou prejudicando).
Neste estudo, pretendeu avaliar-se a reutilização de um EV tratado na rega de espécies ornamentais e, para isso, realizaram-se inicialmente testes de fitotoxicidade em Lepidium sativum e uma mistura de relva com diferentes concentrações de EV. A espécie L. sativum é frequentemente utilizada em testes de fitotoxicidade devido à sua elevada sensibilidade a componentes tóxicas e a mistura de relva (“Prado Florido”) está disponível comercialmente para utilização em zonas ornamentais de manutenção reduzida. Posteriormente, realizou-se um ensaio de rega em petúnia comum (Petunia x atkinsiana) com quatro tratamentos distintos. No final do ensaio, estudaram-se as respostas ao nível morfo-fisiológico, histológico e bioquímico para avaliar o efeito da rega com EVs no crescimento das plantas. P. x Atkinsiana é uma espécie ornamental criada pelo cruzamento de várias espécies selvagens, provenientes da América do Sul e pertence à família das Solanaceae (Vandenbussche et al., 2016). Trata-se de uma espécie mundialmente conhecida e utilizada para melhorar a qualidade das paisagens, decorando os jardins, canteiros, vasos pendentes, floreiras e outros espaços ornamentais, que com as suas diversas cultivares, ocupa o primeiro lugar na hierarquia de flores utilizadas na decoração de espaços verdes (Cantor et al., 2015). Apresenta também crescimento relativamente fácil, rápido e um longo período de floração (Popescu e Popescu, 2015). É frequentemente utilizada em estudos científicos de modelação de sistemas de rega de espaços verdes para torná-los mais eficientes, também revela rápido e fácil desenvolvimento e resistência a fatores de stresse (Isern et al., 2012; Popescu e Popescu, 2015; Vandenbussche et al., 2016). A Petúnia mostra uma combinação de caraterísticas morfológicas, estruturais e fisiológicas que determinam a sua capacidade adaptativa em ambientes distintos (Dellaferrera et al., 2015). Deve-se ter em conta que a rega em plantas ornamentais é uma opção benéfica e mais fácil em comparação com a rega de espécies agrícolas, por não serem usadas para consumo humano e os requisitos para o tratamento dos efluentes serem menos exigentes (Marinho et al., 2013). É fundamental nas espécies ornamentais que o aspeto visual seja preservado e se possível melhorado. A área foliar, a cor da folha e da flor, o número de folhas e flores são fatores que identificam a qualidade estética da planta, bem como o seu valor comercial (Bañón et al., 2011).
MATERIAL E MÉTODOS
Caraterização físico-química do Efluente Vinícola
Para o ensaio em questão foi selecionado um EV proveniente da Região Demarcada do Douro (RDD) com caraterísticas habituais dos EVs gerados em centros de vinificação e submetidos a um tratamento primário. Anteriormente aos testes de fitotoxicidade e ao ensaio de rega foram realizadas análises físico-químicas ao EV no laboratório de Tecnologias Agroambientais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A caraterização físico-química do EV permitiu verificar se o mesmo estava em conformidade com as normas, critérios e objetivos de qualidade dos efluentes com a finalidade de proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade das águas residuais em função dos seus principais objetivos segundo o Decreto-Lei nº 236/98 (Legislação Portuguesa) e a Norma Portuguesa 4434.
Para a determinação dos parâmetros físico-químicos foi utilizada a metodologia proposta em “Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater” (American Public Health Association - APHA, 2005). A quantificação da Carência Química de Oxigénio (CQO) foi determinada pela metodologia Standard Methods 5220D (APHA, 2005) com o auxílio do espectrofotómetro UV/Vis (UV/Vis, Hach DR/2400, EUA).
Para determinar a Carência Bioquímica de Oxigénio (CBO5) usou-se a metodologia Standard Methods 5210D (APHA, 2005), a partir do método manométrico com sensor de pressão Oxi-Top (Respirometric OxiTop®, WTW, Alemanha). O Carbono Total (CT) e o Carbono Inorgânico (CI) foram determinados após combustão catalítica a 680 ºC, seguindo a metodologia Standard Methods 5310B (APHA, 2005) e acidificação, respetivamente, usando ambos um detetor infravermelho não-dispersivo (NDIR) num analisador Shimadzu TOC-LCSH (Japão) equipado com um amostrador automático ASI-L. O Carbono Orgânico Total (COT) foi obtido pela diferença entre CT e CI. A medição do pH foi realizada por leitura direta usando um elétrodo HANNA pH 209 através da metodologia Standard Methods 4500-H+ (APHA, 2005). Os polifenóis totais foram determinados por espectrofotometria usando o método de Singleton e Rossi (1965) adaptado. O sódio e potássio foram determinados por absorção atómica de emissão, o magnésio e cálcio por absorção atómica com chama, a quantificação dos diferentes metais foi realizada por cromatografia iónica respeitando a metodologia do Standard Methods.
Testes de Fitotoxicidade
Através dos testes de fitotoxicidade é possível determinar se existem no efluente substâncias que possam inibir a germinação de sementes e o crescimento das raízes (Bragança et al., 2018). Para os testes de fitotoxicidade utilizou-se a espécie Lepidium sativum (agrião-de-jardim) e uma mistura de relva (“Prado Florido”). A espécie L. sativum (Somers, Bélgica) é frequentemente utilizada para avaliar a toxicidade das águas residuais, uma vez que evidencia sensibilidade no seu desenvolvimento quando colocada em contacto com toxinas (Arienzo et al., 2009). A mistura de relva (Greenkeeper, Portugal) é constituída por 50% de Festuca ovina subsp. duriuscula, 40% de Festuca rubra subsp. rubra e 3% de mistura de flores campestres. Várias espécies do género Festuca são frequentemente utilizadas em testes de fitotoxicidade para avaliar o efeito de compostos químicos (como pesticidas) no meio ambiente (Qi et al., 2015). A execução experimental teve a duração de 14 dias e foram comparadas diferentes concentrações crescentes de EV (0, 20, 40, 60, 80 e 100%). Para cada concentração efetuaram-se 5 réplicas com 10 sementes em cada placa de Petri às quais se adicionou 4 mL da solução. Nos primeiros 7 dias as soluções permaneceram numa estufa ventilada a 25± 2 ºC, sem luminosidade (P selecta, CD 2003711, Espanha). Após este período, foram colocadas sobre luz artificial com um período de 11 horas de luminosidade e à temperatura ambiente de 25 ± 2 ºC. Após os 14 dias, identificou-se o número de sementes germinadas e mediu-se o comprimento das raízes com um paquímetro digital (Mitutoyo, Reino Unido) o que permitiu calcular a Percentagem Relativa Média de Germinação (RSG) com a Percentagem Relativa do Comprimento das Raízes (RRG). As seguintes fórmulas foram definidas segundo Hoekstra et al. (2002):
Onde, NSG,T é o número de sementes germinadas em cada extrato (efluente) e é a média do número de sementes germinadas na solução padrão (água destilada).
Onde LR,T é o comprimento médio das raízes no extrato aquoso e é o comprimento médio das raízes do branco de controlo.
A partir da relação entre a RSG e a RRG determina-se o índice de germinação (IG), que é o índice mais completo para descrever o potencial fitotóxico de um material (Varnero et al., 2007). Foi calculado pela fórmula sugerida por Tiquia e Tam (1998):
Ensaio de rega em petúnias
O ensaio foi realizado no laboratório de Fisiologia Vegetal, do Departamento de Biologia e Ambiente da UTAD e teve a duração de 35 dias. Compararam-se 4 tratamentos: efluente sem diluição - EV100%; efluente diluído com 60% de efluente - EV60%, EV sem diluição, mas com correção de pH utilizando o hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) – EVT e o tratamento EV0% em que as plantas foram regadas com H2O desionizada. Os tratamentos EV60% e EVT foram incluídos neste estudo pois a diluição e a correção de pH são as formas mais simples e também as mais utilizadas para que os efluentes vinícolas cumpram os critérios impostos pela legislação (Mulidzi, 2001; Arienzo et al., 2009; Lucas e Peres, 2011).
Material vegetal
Inicialmente foram adquiridas 100 plantas a espécie de Petunia x atkinsiana com apenas 24 dias a um viveirista local, as quais, ao fim de 9 dias de aclimatação às condições experimentais, foram colocadas em vasos de capacidade volumétrica de 50 mL com um substrato constituído por turfa, sem fertilizantes (GreenPlants, Espanha) e uma pequena porção de perlite, sobre o substrato, para evitar perdas de água por transpiração. Para cada tratamento utilizaram-se 25 plantas de petúnia comum (P. x atkinsiana) com caraterísticas morfológicas semelhantes. Durante o estudo as plantas permaneceram à temperatura média de 25-30 ºC, com fotoperíodo de 13 horas de luz natural (irradiância de 600-700 µmol m-2 s-1) e humidade relativa moderada. O cálculo das necessidades hídricas das plantas efetuou-se através do seguinte procedimento: encheram-se quatro vasos com igual capacidade volumétrica e igual quantidade de substrato utilizado para o crescimento das petúnias. Seguidamente foi calculada a capacidade de vaso, ou seja, o conteúdo de água retido pelo substrato após sofrer saturação através do humedecimento e drenagem da água pelos orifícios localizados na base dos vasos. A partir desse cálculo foi determinada a quantidade de água a aplicar, que correspondeu a cerca de 30 mL. Portanto, ao longo do ensaio todas as plantas foram regadas com 30 mL duas vezes por semana no período da manhã (8.00 h). Na fase de plena floração, as plantas foram regadas três vezes por semana.
Análise de crescimento
No final da experiência, quando as petúnias estavam bem desenvolvidas e em plena floração, retiraram-se cuidadosamente dos vasos 8 plantas de cada tratamento. Mediu-se o comprimento e a largura das folhas (mm), o comprimento das raízes (mm) e o comprimento e diâmetro do caule (mm) com um paquímetro digital. Também foi avaliado o número total de folhas e flores de cada planta e determinaram-se as áreas foliares e radiculares através do sistema de análise de imagem WinDIAS 1 (Delta-T Devices Ltd, Reino Unido).
Anatomia foliar
Recolheram-se 5 folhas totalmente expandidas de 5 plantas de P. x atkinsiana por tratamento e utilizou-se sempre a secção da região mediana a fim de evitar diferenças de espessura ao longo da folha. As preparações definitivas foram elaboradas com as técnicas usuais de inclusão em parafina após a fixação em FAA (formol: ácido acético glacial: etanol 70%; 1:1:18), desidratação em série alcoólica etílica (70, 80, 90, 95 e 100 %) e passagem por xilol (Johansen, 1940; Berlyn e Miksche, 1976). Após a inclusão, efetuou-se o corte do material no micrótomo (Leica RM 2135, Leica Microsystem GmbH, Alemanha) e a colagem em lâminas, em banho-maria (54 °C) (Leica Biosystems Hi 1210 Histology Water Bath, Alemanha). Após 48 horas, procedeu-se à desparafinação em xilol e hidratação em série alcoólica etílica (100-70 %) e coloração com azul de toluidina 0,1 % (O'Brien et al., 1964). De seguida lavou-se, desidratou-se, passou-se por xilol e efetuou-se a montagem das preparações em Entellan® (Merck, Alemanha). Finalmente, procedeu-se à observação, análise e medição dos seguintes parâmetros: espessura da lâmina foliar; diâmetro transversal e longitudinal do tecido vascular e espessura da nervura central num microscópio ótico invertido Olympus IX51 (Olympus Biosystem, Alemanha) com câmara digital (Color View III, Soft Imaging System GmbH, Alemanha) e o Digimizer versão 4.6.1 (MedCalc software, Bélgica).
Análises Bioquímicas
Foram determinadas nas folhas de P. x atkinsiana as concentrações de pigmentos fotossintéticos e de compostos fenóis totais e a concentração de antocianinas totais nas pétalas das flores.
A determinação do teor de pigmentos fotossintéticos foi realizada segundo o protocolo proposto por Arnon (1949) e Sesták et al. (1971). Recolheram-se 8 discos foliares das plantas de cada tratamento. O macerado obtido foi homogeneizado em acetona a 80 % (v/v). Em seguida, procedeu-se à centrifugação (Centurion Scientific LTD, PrO-Research K2015R, Reino Unido). E procedeu-se à leitura das absorvâncias 663 nm e 645 nm no espectrofotómetro (Carry 100 Uv-Vis, Varian Palo Alto, EUA). Posteriormente, as concentrações de Clorofila a (Cla; mg g-1), Clorofila b (Clb; mg g-1) e Clorofila Total (Cltotal; mg g-1) foram calculadas segundo as fórmulas propostas por Mackinney (1941). Para a quantificação dos Carotenoides Totais (Car; mg g-1) foi utilizado o mesmo extrato, porém as leituras foram efetuadas com um comprimento de onda de 470 nm e aplicou-se a equação proposta por Lichtenthaler (1987). Ainda se determinou a razão entre Clorofila a e Clorofila b (Cla/Cb) e a razão entre a Clorofila total e Carotenoides (Cltotal/Car).
As concentrações dos fenóis totais foram determinadas de acordo com o procedimento adaptado do método de Folin-Ciocalteu (Singleton e Rossi, 1965). A 200 μL de extrato usado nos pigmentos fotossintéticos adicionou-se 1 mL de reagente de Folin-Ciocalteu e 800 μL de Na2CO3 a 7,5%. Posteriormente, homogeneizaram-se as amostras e efetuaram-se as leituras a 765 nm no espectrofotómetro. Para a conversão do valor de absorvância, efetuou-se uma curva-padrão, cujo padrão foi o ácido gálico.
Para determinar a concentração de antocianinas totais recolheram-se as 4 flores de P. x atkinsiana em plena floração disponíveis por tratamento. A concentração de antocianinas totais está comumente associada ao desenvolvimento da corola da petúnia e são atingidas antes da antese (Weiss et al., 1988). Após a recolha pesaram-se as flores que foram seguidamente, maceradas em azoto líquido. Adicionou-se a cada amostra 6 mL de CH3OH com 1% de HCl. De seguida, as preparações foram homogeneizadas e centrifugadas a 6000 rpm durante 10 minutos. Por fim, foram feitas as leituras da absorvância de 250 nm (Abdel-Aal e Hucl, 1999; Macías et al., 2013).
Análise estatística
Os resultados foram submetidos à análise estatística de variância ANOVA a um fator no programa IBM SPSS Statistics, versão 23 (Statistical Package for the Social Sciences, SPSS, Chicago, EUA). Para a comparação de médias utilizou-se o teste múltiplo de Tukey para um intervalo de confiança de 95%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caraterização físico-química do Efluente Vinícola
As águas residuais tratadas podem ser reutilizadas e aplicadas na rega de espaços verdes desde que os paramentos físico-químicos estejam em conformidade com o Decreto-Lei nº 236/98. No caso do efluente em estudo (EV100%), segundo a análise do Quadro 1, apresentou valores de CQO (1220 mg O2 L-1), CBO5 (730 mg O2 L-1) COT (332 mg C L-1), metais pesados e nutrientes (Quadro 1) em conformidade com o Decreto-Lei nº 236/98. Pelo contrário, o valor de pH (4,14) não se encontra em conformidade com a legislação, cujo VMR (Valor Máximo Recomendável) é de 6,5-8,4. No entanto, o pH do efluente estava muito próximo do VMA (Valor Máximo Admissível; 4,5-9,0). O baixo pH pode interferir negativamente com a concentração de nutrientes disponíveis para a planta (Mulidzi, 2001). Uma possível solução para o tratamento de efluentes ácidos é a utilização de Ca(OH)2 que eleva o valor de pH (Mulidzi, 2001; Lucas e Peres, 2011). Assim, para o ensaio de rega de petúnias, incluiu-se o tratamento EVT através da adição de Ca(OH)2 para que o pH apresentasse um valor legalmente permitido (6,20). A salinidade está associada à presença de sais dissolvidos no efluente, designadamente de sódio que em concentrações elevadas pode ser fitotóxico para as plantas (Marinho et al., 2013) o que não será problemático, neste caso, devido à reduzida concentração em sódio total que o efluente apresenta (1,74 mg L-1). A presença de nutrientes (como o potássio) e matéria orgânica nos EVs podem estimular o crescimento das plantas (Cordeiro, 2012) como revelam os valores elevados de CQO (1220 mg O2 L-1).
Testes de Fitotoxicidade
As sementes de L. sativum responderam de forma distinta às concentrações de EV (Figura 1). Com a análise do Quadro 2 as percentagens de RRG e RSG não apresentaram diferenças significativas entre os tratamentos, pelo contrário as percentagens do IG revelaram diferenças muito significativas entre os tratamentos (P = 0,008). As sementes expostas às concentrações 20 e 60 % de efluente revelam maior IG em relação às restantes concentrações. Segundo a classificação apresentada por Varnero et al. (2007) nas concentrações 20, 40, 60 e 80% o IG foi ≥ a 80 %, ou seja, não existiam substâncias fitotóxicas no efluente ou estavam presentes em concentrações muito reduzidas que não prejudicavam a germinação das sementes. Na concentração de 100 % o IG estava entre 50 a 80 %, pelo que se considerou que estavam presentes substâncias moderadamente fitotóxicas no efluente que prejudicaram a germinação e o desenvolvimento das sementes desta espécie.
No caso da mistura de relva (Figura 2), verificou-se que todas as concentrações de efluente promoveram a germinação de sementes, bem como o desenvolvimento das raízes, isto é, não existiram diferenças significativas entre as concentrações referentes aos parâmetros analisados, RSG, RRG e IG (Quadro 3). Obtiveram-se valores de IG entre 80 e 100 %, o que revela, também segundo a classificação de Varnero et al. (2007), que não existiam substâncias fitotóxicas no efluente ou podiam existir em concentrações muito baixas, mas que não influenciaram negativamente a germinação e o desenvolvimento das sementes da mistura de relva.
Análise de crescimento
Foram observados efeitos significativos nas plantas de Petunia x atkinsiana dos distintos tratamentos, em particular nos tratamentos EV0% e EV100%. Efetivamente, pela análise da Figura 3 e dos Quadro 4 e 5 foi possível constatar que, relativamente ao Comprimento e Área Radicular (Quadro 4), Número de Folhas e Área Foliar (Quadro 5), existiam diferenças muito significativas, sendo que as plantas do tratamento EV0% foram as que apresentam os valores mais elevados. A análise do sistema radicular é complexa. Pode ser influenciada pela variabilidade das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, do efluente e das práticas culturais, que podem alterar as caraterísticas dimensionais da raiz (Santos et al., 2017; Zolti et al., 2019). Além disso, as águas residuais podem proporcionar maior crescimento radicular devido à presença de nutrientes, mas, também podem causar problemas de toxicidade e, por isso, limitar o crescimento da raiz (Rocha et al., 2014).
Tendo em conta as caraterísticas visuais mais relevantes da planta é fundamental referir que o Número de Folhas e a Área Foliar (Quadro 5) diminuíram com a presença dos tratamentos EV60%, EV100% e EVT mas o Número de Flores manteve-se semelhante entre todos tratamentos.
Segundo Popescu e Popescu (2015) a capacidade de floração das petúnias pode ser influenciada pelas caraterísticas do meio de cultivo, pelas técnicas culturais e de melhoramento. No entanto, como verificamos neste estudo, não existiram diferenças significativas no Número de Flores (Quadro 4) o que comprovou que todos os tratamentos proporcionaram um bom desenvolvimento floral, o que é uma das caraterísticas mais importantes desta espécie ornamental (Bañón et al., 2011).
Os resultados revelaram ainda diferenças muito significativas ao nível do peso seco aéreo e significativas ao nível do peso seco radicular (Quadro 5). Estes resultados confirmaram que tal como no estudo de Peixoto et al. (2011), quanto menor a área foliar menor será o peso seco da parte aérea, ou seja, a produtividade da planta é reduzida com a diminuição da área foliar, ao contrário do que aconteceu no estudo de Lubello et al. (2004) onde não ocorreram alterações na área e peso foliar das plantas regadas com efluente.
Anatomia foliar
Através deste procedimento é possível relacionar a estrutura da folha de P. x atkinsiana com as condições de crescimento (Retamales e Scharaschkin, 2015). De uma forma geral, todas as folhas revelaram-se pouco espessas e frágeis, tal como observado nas imagens dos cortes histológicos (Figura 4). Ao nível do limbo distinguem-se apenas as epidermes adaxial e abaxial e ao centro o parênquima clorofilino e nervuras secundárias. Relativamente à espessura total da lâmina foliar verificou-se que as folhas das plantas regadas com EV60%, EV100% e EVT eram significativamente mais espessas que as do EV0% (Quadro 6). A espessura foliar desempenha um papel importante no funcionamento das plantas uma vez que está relacionada com o uso dos recursos que a planta consome (Vile et al., 2005). Para além disso, as folhas mais espessas (EV60%, EV100% e EVT) estão melhor adaptadas a condições de seca, intensidades de luz elevadas e baixas temperaturas (White e Montes-R, 2005).
Constataram-se também diferenças significativas nas dimensões da Nervura Principal (diâmetro transversal e longitudinal) apenas entre as folhas dos tratamentos EV100% e EVT, sendo esses valores superiores para o EV100% (Quadro 6). Relativamente à Espessura da Nervura Central, verificou-se que o tratamento que apresentou maior espessura foi o EV100%, sendo a diferença muito significativa (P = 0,006). Este facto pode estar associado a uma melhor condução de nutrientes e água pelos vasos condutores, devido ao maior número e/ou tamanho dos vasos do xilema e floema (Tabassum et al., 2016). Também, uma espessura maior dos tecidos fotossintéticos permite maximizar a captura de energia (Givnish, 1988), sendo possível que as plantas regadas com o tratamento EV100% relevem maior taxa fotossintética, bem como uma melhor adaptação a condições de stresse.
Análises bioquímicas
Pela análise dos resultados do teor de pigmentos fotossintéticos em P. x atkinsiana verificou-se que não existiam diferenças significativas nas concentrações de clorofilas e carotenoides nas folhas, bem como na razão entre o teor de Cla e Clb (que se encontra dentro da normalidade visto que o teor de Cla é 2 a 4 vezes maior que o da Clb) (Młodzińska, 2009) e na razão entre Clorofila total/Carotenoides. A capacidade fotossintética indica que a atividade fisiológica das plantas e o seu potencial de desenvolvimento vegetativo foi garantido em todos os tratamentos o que significa que o efluente não afetou o metabolismo celular de todas as plantas (Cantor et al., 2015; Chandanshive et al., 2018).
Verificou-se que não existiam diferenças significativas na concentração de compostos fenólicos ao nível foliar (Quadro 6). Segundo Pennycooke et al. (2005) este resultado indica que as plantas regadas com EVs não aparentavam sintomas de stresse.
As antocianinas estão associadas à cor da flor que é uma das características mais importantes nas plantas ornamentais. Segundo Griesbach et al. (1999), a presença de antocianinas como a cianidina-3-O-glicosido e a cianidina-3-O-rutinosido podem interferir com a cor da flor da petúnia. Estudos realizados com petúnias comprovam que por vezes a base bioquímica das diferenças na cor revela-se devido ao efeito do pH (Griesbach et al., 1999; Zhao et al., 2016). Pela análise da concentração de antocianinas totais nas flores, constatou-se que não existiam diferenças significativas e que os valores de pH dos diferentes tratamentos não afetaram a cor da flor.
CONCLUSÕES
Os testes de fitotoxicidade permitiram deduzir que o EV foi moderadamente fitotóxico para a germinação de L. sativum (Índice de Germinação de 76,7 %), uma espécie altamente sensível, mas que, pelo contrário, promoveu a germinação e o crescimento das sementes da mistura de relva (Índice de Germinação de 105,81 %). Os resultados podem variar segundo a sensibilidade da espécie e, por isso, será importante, no futuro, complementar estes testes com outras espécies e outros EVs com caraterísticas substancialmente diferentes do EV estudado. Em relação aos parâmetros de anatomia foliar as folhas regadas com EV100% apresentaram maior espessura foliar e dos tecidos vasculares, o que poderá assegurar maior longevidade e resistência a fatores de stresse. Por outro lado, as caraterísticas visualmente atraentes das petúnias foram preservadas em todos os tratamentos, bem como o número e as cores vistosas das flores. Em geral, obtiveram-se resultados que suportam os tratamentos EV0% e EV100%, que os permitem destacar positivamente no crescimento das plantas em relação aos tratamentos EV60% e EV T. Os resultados fisiológicos e morfo-anatómicos das plantas dos tratamentos podem ter sido distintos devido às diferentes concentrações de matéria orgânica (MO) nas soluções. A presença significativa de MO nos efluentes favorece o crescimento das plantas (EV100%) (Lubello et al., 2004; Marinho et al., 2013). No caso do EVT com a utilização de Ca(OH)2 o pH aumentou passando a estar dentro dos limites legais (Arienzo et al., 2009). Os parâmetros polifenóis totais e salinidade apresentaram-se igualmente em conformidade com o Decreto-Lei nº 236/98 em todos os tratamentos. Deve ter-se em conta que, de uma forma geral, a reutilização dos efluentes deve ser bem gerida para não causar danos nas plantas e no ambiente (Marinho et al., 2013).
A reutilização do EV tratado para rega de petúnias parece uma opção sustentável, mas deverá ser complementada com outros estudos prolongando o período de ensaio porque a utilização destes efluentes para rega por longos períodos de tempo pode implicar problemas de salinidade. Sugere-se também a realização de futuros ensaios com outras espécies vegetais aprofundando alguns aspetos como, por exemplo, o impacto da rega com EVs na morfologia do sistema radicular, nas trocas gasosas e na fluorescência da clorofila a. Relativamente a ensaios a desenvolver no contexto da viticultura moderna é fundamental que se apliquem procedimentos para determinar o tratamento mais eficiente para as caraterísticas do efluente. É também prioritário que se desenvolvam sistemas de gestão para avaliar a eficiência do processo face às necessidades hídricas, bem como o acompanhamento das empresas que estejam dispostas a implementar novas metodologias e estudos de análise ao impacte dos efluentes no desenvolvimento das plantas.
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Agradecimentos
Este trabalho é financiado por Fundos Europeus de Investimento através do FEDER/COMPETE/POCI - Programa de Competitividade e Internacionalização, no âmbito do projeto POCI-01-0145-FEDER-006958 e Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto UID/AGR/04033/2013" e pelo projeto INNOVINE&WINE – Platform of Innovation of the Vine and Wine, nº NORTE-01-0145-FEDER-000038.
Recebido/received: 2019.01.18
Aceite/accepted: 2019.05.02