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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.42 no.4 Lisboa dez. 2019

https://doi.org/10.19084/rca.18670 

ARTIGO

Plantas Alimentícias Não Convencionais: um estudo sobre a possibilidade de inserção na merenda escolar

Unconventional Food Plants: a study on the possibility of inserting in the school merchand

Shirley Grazieli da Silva Nascimento1,*, Karina de Souza Almansa1, Daniel Hanke1, Mariana Rockenbach de Ávila2, Joélio Farias Maia1 e Fernanda Novo da Silva1

1Universidade Federal do Pampa, campus Dom Pedrito, Rio Grande do Sul, Brasil

2Pesquisadora visitante no Instituto de Investigaciones Agropecuarias (INIA), Chile

(*E-mail: nascimento.shy@gmail.com)


RESUMO

O trabalho verificou a possibilidade de inserção das Plantas Alimentícias Não Convencionais na merenda escolar no município de Dom Pedrito, RS. Buscou-se compreender como ocorre a articulação do Programa Nacional de Alimentação Escolar em relação as estratégias de segurança alimentar e nutricional dos alunos. Participaram deste estudo dois gestores municipais e quatro servidores de duas escolas. Foram realizadas entrevistas nos meses de março e abril de dois mil e dezenove. Os resultados foram avaliados a luz da análise textual de discurso. Os resultados apresentam o desconhecimento dos servidores em relação às Panc’s e sua importância como elemento para assegurar segurança alimentar e nutricional, enfatizam a preocupação pela adoção de hábitos alimentares saudáveis, verificou-se o distanciamento entre a participação dos pais para com as atividades realizadas dentro da escola, sinalizando a necessidade da promoção de ações em torno da segurança alimentar, envolvendo todos os atores envolvidos no processo da alimentação na escola.

Palavras-chave: segurança alimentar e nutricional, políticas públicas, alimentação saudável.


ABSTRACT

The work verified the possibility of insertion of Panc's in the school lunch in the municipality of Dom Pedrito, RS. To this end, we sought to understand how the articulation of PNAE occurs in strategies to ensure food and nutritional security of students. Two municipal managers and four employees from two schools participated in this study. In-depth interviews were conducted in March and April 2019. Results were evaluated by textual discourse analysis. The main result shows the lack of knowledge of servers regarding the Panc's and their importance as an element to ensure food and nutritional security. Another result found was the concern for the adoption of healthy eating habits. Verify a detachment between the participation of parents towards activities carried out within the school, signaling the need to promote actions around food safety, involving all actors involved in the school feeding process.

Keywords: Food and nutrition security Public policies. Healthy eating.


INTRODUÇÃO

As práticas alimentares tiveram mudanças significativas em razão da modernidade e das transformações tecnológicos na indústria de alimentos, ocasionando impactos à saúde humana, relacionando a alimentação às doenças crônicas como hipertensão, diabetes, sobrepeso, tendo predomínio de déficits nutricionais (Kac & Velásquez Meléndez, 2003). No que diz respeito à produção, esta ocorre de forma intensiva, com massiva utilização de produtos químicos, acarretando consequências sociais e ambientais no âmbito rural (Friedmann, 2000).

Dentre as políticas públicas do Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) visa a melhoria das condições de saúde, bem como a adesão de hábitos alimentares saudáveis entre os discentes, levando em consideração os déficits nutricionais constatados no país (CONSEA, 2004). Cabe destacar que O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) foi extinto por meio da Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, pelo Governo Federal vigente neste ano (Brasil, 2019).

Como marco histórico do PNAE a sanção da Lei nº 11.947/2009, estabeleceu a obrigatoriedade de repasse de um percentual mínimo de 30% para destinação de produtos alimentícios advindos da agricultura familiar. Acarretando um incentivo à agricultura familiar, potencializando o desenvolvimento econômico, sustentável e inovador às aquisições públicas. O PNAE apresentou fatores que refletiram seu potencial estrutural devido à aquisição dos gêneros alimentícios advindos da agricultura familiar, resultando benefícios como renda e participação destes pequenos agricultores, conforme avaliação de Triches e Schneider (2010).

Sendo a escola o ambiente de promoção de boas práticas de cidadania e saúde, cabe salientar a importância da participação dos docentes nestas ações, através de atividades voltadas a estas temáticas, as quais devem compor o projeto pedagógico da escola para enaltecer a importância da saúde no processo da educação, bem como a temática de segurança alimentar e soberania alimentar e sua promoção, através de estratégias de fortalecimento da agricultura familiar (Altemburg, 2013).

 Os hábitos alimentares tiveram alterações, devido a globalização na produção de alimentos, mostrando uma nova superfície alimentar, esta base alimentar centralizada tem por característica produções em grande escala incentivadas de uma demanda estimulada pelo mercado (Kellen et al., 2015). Esta produção elevada, impulsionada por produtos químicos e máquinas, traz grandes impactos ao meio, pois ameaçam o ecossistema e a saúde das pessoas inseridas neste ambiente, sejam elas trabalhadores ou consumidores.

Torna-se necessário um modelo de práticas sustentáveis para produção, modelo este, que valorize os biomas, suas potencialidades e diversidade, como a exemplo das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC’s), que de acordo com Kinupp (2007) são todas as plantas que possuem potencial alimentício, sendo estas espontâneas, cultivadas, nativas que não compõem o cardápio habitual. Por se tratar de plantas com um alto índice nutricional, que compõem a história da alimentação humana torna-se um atrativo para agregação de valor a agricultura familiar, bem como para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).

Neste sentido, buscou-se analisar a possibilidade de inserção das Panc’s na alimentação escolar no município de Dom Pedrito, RS.

Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) representa o direito de todos a ter acesso a uma alimentação de qualidade tendo por base os quatro eixos do desenvolvimento sustentável, econômico, social, ambiental e humano (CONSEA, 2018). Ao abordar este tema são muitos os fatores que devem ser levados em consideração, como a origem dos alimentos produzidos, as condições nutricionais das pessoas e o ambiente como um todo. A SAN abrange todo o sistema que envolve a alimentação, não apenas produção, industrialização e distribuição, tendo impactos relevantes no que diz respeito à renda. Constatou-se que a insegurança alimentar é maior em domicílios com rendimento mensal domiciliar per capitainferior a meio salário mínimo por pessoa (IBGE, 2009), percebe-se que de acordo com a renda não é possível ter acesso à alimentação de qualidade, acarretando a Insegurança Alimentar e Nutricional (INSAN).

Levando em consideração o modo produtivista exploratório que compõe grande parte da produção de alimentos, ou seja, produções em escala que fazem uso de grandes extensões de terra, gerando uma quantidade abundante de produtos que não caracterizam alimentos de qualidade. Existe uma demanda por alimentos que vai além dos processos produtivos, componentes calóricos e nutricionais, abrangendo a sustentabilidade do sistema produtivo, cadeias curtas de comercialização, bem como a composição cultural e social de um alimento de qualidade (Paulillo & Almeida, 2005).

O foco da SAN é abranger todos os fatores que compõe a alimentação e não tratar o alimento como algo abstrato e optar por alimentos saudáveis e seguros (Maluf et al., 2015).

Políticas públicas para segurança alimentar

As políticas de alimentação e nutrição datam de 1930, tendo por foco a alimentação escolar, onde estados com maior desenvolvimento econômico participaram destas iniciativas, devido à obrigatoriedade escolar, assim responsabilizando-se pelo fornecimento da merenda em suas redes de ensino (Stefanini, 1998). O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é considerado na área da alimentação escolar, um dos maiores programas a nível mundial no que se refere a um atendimento universalizado. Surgiu na década de 1950 através da criação da Campanha de Merenda Escolar (CME), por meio de convênio de organizações internacionais como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), visando atender as necessidades básicas nutricionais dos estudantes no período escolar (Garcia, 2018).

Marco importante no histórico do PNAE foi a mudança de regulamentação em torno das aquisições públicas, através do decreto de Lei nº 11.947/2009, o artigo 14 dessa Lei determina que do total dos recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar (Brasil, 2009). Em relação a aquisição de alimentos advindos da agricultura familiar, no ano de 2017 o município realizou compras no valor de R$ 147.225,43 representando 31,57% do total de compras, sendo que neste foram repassados R$466.286,80 (FNDE, 2018).

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado, através da Lei 10.696/03, de dois de julho de 2003, o qual tem por finalidade a garantia de compra de alimentos pelas prefeituras junto aos agricultores familiares a um preço justo, garantindo a geração de renda (Brasil, 2003).

Logo com a ampliação do PNAE via decreto de Lei nº 11.947/2009, que estabeleceu que no mínimo 30% dos alimentos tenham origem da agricultura familiar, houve uma aproximação entre a alimentação escolar para com os alimentos produzidos por agricultores familiares, nesta perspectiva as políticas públicas representam um papel estratégico no que se refere a introdução dos agricultores familiares na produção de alimentos para abastecer o mercado interno, resultando em uma  reconexão entre produção e consumo (Triches & Schneider, 2010).

Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC’s)

A alimentação atualmente é tópico de grandes discussões, pois, a cada dia está mais concentrada em um menor número de alimentos, conforme dados analisados a partir do Inquérito Nacional de Alimentação. Com efeito, há uma maior concentração de consumo de alimentos como arroz (84,0%), café (79,0%), feijão (72,8%), pão de sal (63,0%) e carne bovina (48,7%), destacando-se o aumento no consumo de refrigerantes (23,0%) e menor consumo de frutas e hortaliças (16,0%), caracterizando um padrão alimentar com base em poucos alimentos (Souza et al., 2013).

Para Polesi (2016), reconhecer espécies vegetais disponíveis ao redor de propriedades e residências, pode se tornar uma alternativa alimentar de grande valia, como a exemplo das Plantas Alimentícias não Convencionais (PANC’s), que são plantas alimentícias que possuem uma ou mais partes que podem ser agregadas na alimentação humana, como raízes tuberosas, bulbos, folhas, brotos, flores e frutos (Kinupp, 2007).

Por vezes as Panc’s são vistas como as chamadas ‘’plantas daninhas’’, sendo eliminadas de seu ambiente natural, pois, nascem de forma espontânea em sua grande maioria, desvalorizando seu potencial alimentar e sua composição na biodiversidade local (Kinupp, 2007). O Brasil possui a maior biodiversidade do planeta, sendo quase 50 mil espécies, podendo ter crescimento neste número, pois a cada ano novas espécies são cadastradas (Fioravanti, 2016); desta variedade de espécies, de acordo com Altieri (2016), cerca de um terço pode ser consumida, agregando valor à biodiversidade e promovendo uma alimentação de qualidade a partir da diversificação de alimentos.

A Cartilha das PANC’s do Grupo de Viveiros Comunitários (GVC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul salienta a importância das PANC’s como alimentos funcionais para o organismo humano por meio de suas propriedades, propiciando benefícios à saúde através de seu consumo. Algumas destas plantas e seus benefícios são descritos no Quadro 1.

Há um grande potencial nas Panc’s a ser explorado e devido a carência de estudos e informações em torno deste tema, por vezes as plantas, suas folhas e frutos são desperdiçados por não haver conhecimento de seu potencial alimentício. Kinupp e Lorenzi (2014) relatam que estes alimentos não convencionais que são desperdiçados poderiam servir para produção de geleias, sendo fornecidas a merenda escolar, promovendo uma alimentação nutritiva a partir das PANC’s.

É importante levar em consideração as espécies presentes em cada região: no Rio Grande do Sul, por exemplo, existem 201 plantas nativas comestíveis, sendo que 40% destas ocorrem no Bioma Pampa, percebe-se que a falta de conhecimento faz com que não se utilize estas plantas com valor nutritivo considerável em nossa alimentação, além de ser uma alternativa de renda aos pequenos produtores locais (Reis, 2017). O Bioma Pampa abrange o Uruguai, Nordeste da Argentina, Sul do Brasil, e extrato do Paraguai (Pallarés et al., 2005) e sua vegetação herbácea apresenta alta riqueza de espécies (Overbeck et al., 2007). Estes campos são caracterizados por combinações distintas de solo, paisagem e padrões climáticos (Boldrini, 2009).

METODOLOGIA

A presente pesquisa foi realizada em três etapas distintas. Na primeira etapa, foi realizada uma busca de perspectivas bibliográficas em torno das temáticas abordadas nesta pesquisa, para melhor compreensão das mesmas. A segunda etapa foi formada através da pesquisa de campo, mediante a interação do pesquisador para com o objeto de estudo, tendo por foco a análise do universo de estudo e seus componentes no seu ambiente (Spink, 2003), por meio de entrevistas com os atores envolvidos.

O universo de estudo foi o município de Dom Pedrito, RS, localizado na região da Campanha Gaúcha (Figura 1). Conforme IBGE (2018), o município de Dom Pedrito possuí população de 38.898 habitantes, com 35.255 (ou  90,6%)  em  domicilio  urbano e  3.643  (ou  9,4%)  em  domicílios rurais. Também, apresenta uma área territorial de 5.190,238 km2, dados oriundos do último Censo, realizado em 2010 (IBGE, 2018; Nascimento, et al., 2018) e aproximadamente 450 estabelecimentos familiares e 1.600 pessoas com ocupação na agricultura familiar, dispondo 746 com cadastro DAP – Pessoa Física (CGMA, 2015).

 

 

Este município, essencialmente agrícola, possui sua renda basicamente do agronegócio. Cabe destaque no setor agrícola, a agricultura familiar que vem passando por diversas experiências e transformações em Dom Pedrito, RS. Atualmente, três ações de políticas públicas atuam junto a Agricultura Familiar como forma de fortalecimento e desenvolvimento no município: I) Feira Livre Comunitária de Dom Pedrito, II) O Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA) e III) O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

A pecuária, na qual o município também é referência, com um rebanho aproximado de 420 mil cabeças de bovinos e 150 mil cabeças de ovinos, contando com um sistema de criação tendo por base campos nativos e pastagens; a fruticultura, que apesar de ser pouco abordada, possui uma produção bastante diversificada, dentre as espécies que vêm sendo cultivadas cabe destacar as uvas viníferas, morangos, pêssegos e mandioca. Levando em consideração estas grandes produções, cabe aos produtores familiares buscar a diferenciação na produção, através da diversificação de produtos, onde através do PNAE tem a oportunidade de comercialização, sendo um incremento a renda, além de estimular a produção agroecológica e a introdução de alimentos diversificados na alimentação escolar.

Diante deste cenário, é possível visualizar a importância da agricultura familiar no fornecimento de alimentos diversificados à alimentação e sua relação com o PNAE na busca pela garantia ao acesso de alimentos de qualidade na escola. Desta forma a Secretaria de Educação e escolas do município configuram o objeto de estudo, para verificar como ocorre a execução do PNAE no município e qual a possibilidade de inserção das Panc’s na alimentação escolar, tendo em vista a busca de alimentos múltiplos na alimentação dos educandos.

Foram entrevistados os gestores e servidores do município que estão diretamente envolvidos com o processo da alimentação escolar, sendo estes: o Secretário de Educação do município, a nutricionista responsável pelas escolas de ensino regular do município, uma professora do Ensino de Ciências de cada escola participante, visto que a temática da alimentação está presente no componente de ensino desta disciplina em sua essência e uma merendeira de cada escola participante, totalizando seis atores envolvidos.

Para auxiliar nas discussões dos resultados utilizaram-se as siglas que seguem no Quadro 2.

 

 

Para a coleta de dados utilizou-se um roteiro de questões semi–estruturado com questões abertas, dando liberdade de respostas aos entrevistados. O roteiro de questões que abordou as Panc’s foi embasado no modelo apresentado por Reis (2017) abordando a temática em relevância nesta pesquisa, sendo respondido por todos os entrevistados.

O segundo momento foi constituído pelo trabalho de campo, para a delimitação da amostra foi enviada uma carta de apresentação do projeto para a Secretaria de Educação do município, onde através dessa carta as escolas interessadas responderam sobre o interesse em participar da pesquisa. A amostra foi delimitada através da técnica não probabilística por conveniência (Gil, 2008), ou seja, escolas de rápido acesso e em que os informantes se interessaram em responder a pesquisa.

As entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho dos atores envolvidos, sendo estes, a Secretaria de Educação do município, Setor de Alimentação do município e escolas participantes, durando em torno de 30 (trinta) a 50 (cinquenta) minutos cada entrevista. O recurso utilizado foi de um gravador de áudio, mediante aceitação dos entrevistados.

Por fim, o último momento refere-se à análise de dados, onde ocorreu a transcrição das entrevistas realizadas, com o auxílio do gravador de áudio utilizado e um computador para a organização dos dados resultantes. As questões abordadas nos roteiros foram organizadas de forma categórica conforme as temáticas levantadas neste trabalho, para dar clareza na interpretação dos resultados obtidos.

A análise dos resultados se deu por meio da análise textual de discurso a partir das entrevistas realizadas, esta técnica permite obter uma visão dimensional dos resultados, contando com a reconstrução dos dados através da categorização por aproximações, permitindo um novo entendimento criado a partir do processo de análise dos resultados apresentados (Moraes & Galiazzi, 2016). Os eixos de categorização dos resultados centraram-se em analisar: 1- Articulação do PNAE em Dom Pedrito; 2- PNAE e Segurança Alimentar: Uma abordagem sob diferentes olhares dos atores envolvidos e 3- Relação entre o PNAE, Segurança Alimentar e as PANC’s.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfis das escolas, gestores e servidores

Para obter maiores informações em torno dos questionamentos, foi necessário conhecer as pessoas envolvidas na execução do PNAE no município de Dom Pedrito, RS, desde a gestão até a operacionalização do mesmo nas escolas. As escolas que demonstraram interesse em participar são descritas no Quadro 2.

Neste trabalho foram entrevistados dois gestores, sendo estes o Secretário de Educação e a nutricionista responsável pelas escolas de ensino regular do município, os quais têm participação na execução do PNAE no município; quatro servidoras do município, sendo estas, duas professoras do Ensino de Ciências e duas merendeiras das escolas participantes que fazem parte da operacionalização do PNAE na escola e estão bem inseridas no contexto da temática da alimentação na escola. O Quadro 3 mostra as características pessoais de cada participante, auxiliando na composição do perfil dos atores participantes.

 

 

Para ter maior clareza na identificação e verificação dos resultados, será utilizado um código para cada entrevistado para melhor compreensão das discussões diante das questões que foram abordadas.

Articulação do PNAE em Dom Pedrito

De acordo com o relato do Secretário de Educação (SE), o PNAE é mantido com parte dos recursos financeiros transferidos pelo Governo Federal através do FNDE, sendo que o município complementa os valores referentes à alimentação escolar, uma vez que apenas o recurso repassado pelo Governo não cobre todas as despesas. Os valores transferidos têm por base o censo escolar do ano anterior ao da execução (Brasil, 2015), esses valores variam de acordo com a modalidade de ensino, conforme demonstrado o Quadro 4.

O município de Dom Pedrito tem a rede de ensino composta por: oito (08) escolas de Educação Infantil, oito (08) escolas de Ensino Fundamental e quatorze (14) Escolas do Campo, conforme dados da Secretaria de Educação do município. A forma de gestão dos recursos é centralizada, na qual as compras são feitas pela Prefeitura e posteriormente distribuídas às escolas, conforme o relato do SEC [..]‘’ Funciona da seguinte forma, é feita uma licitação para os itens gerais e pregões para os itens da Agricultura Familiar’’, após o resultado das licitações, o Setor de Alimentação é responsável pelo controlo e distribuição dos alimentos, a NUT confirma que [..]‘’ O setor é responsável pelo armazenamento e distribuição dos produtos não perecíveis, e os perecíveis são entregues pelo fornecedor direto na escola’’.

Em relação à compra de alimentos da Agricultura Familiar (AF), e de acordo com os gestores, a Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (ASCAR) é grande parceira, pois auxilia os agricultores na participação das chamadas públicas (pregões), organizando o fornecimento de cada produto conforme a disponibilidade de cada um. Conforme a nutricionista o Setor de Alimentação realiza reuniões com a ASCAR para verificar quais produtos estarão disponíveis para fornecimento para a partir daí serem elaborados os cardápios, sendo estes elaborados mensalmente pela nutricionista.

Quando questionada sobre quais seriam as dificuldades para aquisição dos alimentos da AF, a nutricionista responsável relatou que vê pouca diversificação dos produtos, pois todos plantam as mesmas hortaliças e verduras, sendo que alguns produtos são fornecidos por uma cooperativa da região, pois não há oferta na cidade. Citou como exemplo o suco de uva. O Secretário ressaltou que no caso de não fornecimento de algum produto devido a uma safra ruim (por influência do clima, por exemplo), ocorre a substituição do mesmo.

Estes relatos demonstram que a gestão municipal realiza a administração dos recursos, recebimento e distribuição dos produtos à merenda escolar, porém não está conectada a realidade do que está sendo produzido, demonstrando um distanciamento em ações de incentivo à AF, cabendo a ASCAR este papel.

PNAE e Segurança Alimentar: Uma abordagem sob diferentes olhares

Sabe-se que uma das premissas do PNAE é a utilização de produtos locais e da região, neste sentido foi questionado aos gestores, qual a estratégia do município para assegurar a segurança alimentar na alimentação escolar, conforme o SEC, as nutricionistas realizam um controlo em relação aos produtos que são entregues nas escolas, para que estejam em condições adequadas para serem utilizados, no caso de algum produto apresentar más condições, é marcada uma nova data para a entrega.

As merendeiras enfatizaram que com base no cardápio que é elaborado, percebe-se que há uma preocupação em garantir a SAN através da alimentação realizada na escola. Conforme Altemburg et al. (2017) é fundamental propor uma alimentação saudável aos discentes para que estes desenvolvam em seu cotidiano, hábitos alimentares saudáveis, incluindo alimentos diversificados e de qualidade. E a qualidade não se refere apenas à aparência do produto, mas uma qualidade total do produto que parte desde o modo de como é produzido, evidenciando a segurança do alimento, onde em conjunto com a promoção de hábitos e ações realizadas em torno da alimentação, acarretará a segurança alimentar dos educandos beneficiados pela merenda na escola.

A aceitação da merenda escolar foi outro fator questionado aos entrevistados, o qual foi unânime a confirmação de que os alunos têm por hábito irem ao refeitório e realizarem as refeições oferecidas na escola. Neste contexto, as professoras e merendeiras tem grande contribuição. A PROF1 relatou que sempre que possível aborda a temática da alimentação em sala de aula, salientando a importância de adquirir hábitos saudáveis, já a PROF2 relatou que comenta de forma informal, já que segue os conteúdos programáticos conforme o plano de ensino estabelecido. As professoras atentam para o fato de a alimentação ter reflexos no rendimento escolar dos discentes, a PROF2 salienta [...] ‘’ um aluno mal alimentado não irá render, como o outro que está alimentado, inclusive quando chega perto do horário da merenda eles ficam mais agitados’’. A segurança alimentar, conforme Paulino (2018), tem impacto positivo no desenvolvimento das tarefas, refletindo de forma cognitiva e emocional nas habilidades das crianças.

A MER1 afirmou que já presenciou casos de resistência as refeições com verduras e legumes, mas que busca através da flexibilização do cardápio introduzir receitas que agreguem estes alimentos de ‘’cara nova’’ para incentivar ao hábito alimentar saudável. A alimentação escolar é caracterizada pelas refeições que são realizadas na escola, oferecidas através do PNAE, um fator de grande relevância no período no qual os discentes estão na escola, pois não se trata apenas de um intervalo para o lanche, mas a pausa para uma refeição, auxiliando na criação de hábitos alimentares (Ferreira et al., 2019).

Relação entre PNAE, Segurança Alimentar e as PANC’s

A busca pela diversificação de alimentos é contínua. A partir dos alimentos advindos da AF o PNAE mostra que há uma preocupação com o cenário da alimentação e da segurança alimentar. Parte-se então para o ponto que deu origem a construção deste trabalho, a possibilidade de inserção das Panc’s na alimentação escolar. Quando questionados sobre o conhecimento das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC’s) apenas a PROF1 e MER2 confirmaram que já tinham ouvido falar a respeito, a PROF1 relatou [...] ‘’Tenho conhecimento devido a minha infância, pois meu pai trabalhava na campanha e trazia alguns destes alimentos para compor nossa refeição’’. Quando apresentado um conjunto de imagens com as Panc’s, todos identificaram pelo menos uma espécie; dentre as mais citadas m: amor-perfeito, araçá, radite e hibisco. Quando questionados se experimentariam, apenas a PROF2 disse que não, os demais entrevistados demonstraram interesse em experimentar, a PROF2 demonstrou grande resistência em torno do tema, além de um distanciamento com ações de incentivo à introdução de hábitos alimentares saudáveis.

Este fato contempla a prática da educação nutricional, através da estimulação para experimentar alimentos diferentes, discussões em torno da alimentação e de hábitos saudáveis (Paulino, 2018). Quando questionados da possibilidade de inserir as PANC’s na alimentação escolar, a maioria foi receptiva ao fato, confirmando que estas plantas poderiam ser introduzidas na alimentação escolar, porém a PROF2 relatou que em sua percepção não vê possibilidade de inserção destas na alimentação. Ainda no que se refere à introdução das Panc’s na alimentação escolar a PROF1 enfatizou [...] ‘’ Acredito que é necessário uma ‘’revolução’’ na cabeça dos pais, porque eles precisam trabalhar estas questões em casa, pois muitas vezes a criança diz que não gosta, mas nunca experimentou’’, este fator é muito relevante, pois o incentivo a hábitos saudáveis precisa emergir da família e a escolar ser o complemento deste processo, correlacionando com o que Kinupp (2009) descreve: é preciso repensar os paradigmas e tabus alimentares.

As professoras foram questionadas se o acesso a este tipo de alimento na escola auxiliaria na manutenção de hábitos alimentares saudáveis por parte dos discentes, apenas a PROF1 respondeu, dizendo [...] ‘’ Sim, pois, uma vez que eles provassem, teriam uma experiência de que é um alimento bom, além de ser economicamente viável, podendo ser uma alternativa para agregar renda aos produtores, além de serem alimentos mais saudáveis para as crianças’’. É preciso reconhecer o potencial da biodiversidade que nos cerca, por vezes este potencial é desconhecido, em virtude da cultura, deixamos de agregar vários benefícios nutritivos ao nosso cardápio, por falta de conhecimento do potencial das Panc’s (Kinupp & Lorenzi, 2014).

Os atores intervenientes neste trabalho são apenas uma parcela dos diversos atores envolvidos no processo da alimentação, e é através dessas pessoas, por meio de ações que o cenário da alimentação pode ser modificado. Esta percepção vai de encontro com a busca da conexão entre a alimentação e a segurança alimentar e nutricional, bem como a origem dos alimentos e sua qualidade, levando-nos a perceber a importância das representações sociais neste processo (Nascimento et al., 2019).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo diante de um cenário de insegurança alimentar, tendo em vista um menor número de alimentos à mesa, cada vez mais processados e a substituição de uma fruta por um doce, nos levam a crer que este quadro é irreversível. Porém, cabe destacar o papel da família na educação nutricional das crianças, pois conforme relatou a PROF1, os pais precisam instigar o hábito de experimentar novos alimentos e não cultuar o hábito de comer determinado alimento, porque ele nunca comeu. Esta participação da família é essencial para compor o processo de adoção de hábitos saudáveis.

 

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Recebido/received: 2019.10.05

Aceite/accepted: 2019.10.16

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