INTRODUÇÃO
O início das discussões sobre reforma agrária no Brasil data das décadas de 1950, quando o tema surgiu como solução para os aclames sociais de pequenos agricultores de todo o país, que começavam a se organizar nas chamadas Ligas Camponesas na busca por terra como meio de sobrevivência, período esse em que os militares passaram a governar o país, com uma política fortemente voltada para a ocupação do território nacional, usando a reforma agrária como uma das estratégias para promover esta ocupação especialmente na região Amazônica (Delgado, 2005).
Em 4 de novembro de 1966, o Decreto nº 59.456 instituiu o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA. Em 9 de julho de 1970, por meio do Decreto nº 1.110, foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, com a função de organizar a política de terras do governo, tendo em vista, prioritariamente, a ocupação da Amazônia.
Nas décadas de 1980 e 1990, os movimentos de trabalhadores rurais ganharam força, tanto no campo como nas cidades. A problemática da reforma agrária como garantia do acesso à terra torna-se bandeira de lutas dos grupos organizados, pressionando o governo a dar uma resposta para essas demandas (Bergamasco, 1997).
Projetos de assentamentos rurais são um conjunto de unidades agrícolas independentes entre si, implantadas em um imóvel público ou particular, constituindo, nesse último caso, áreas de desapropriação para fins reforma agrária. É o local onde as famílias beneficiárias do Programa de Reforma Agrária serão assentadas para iniciarem ou refazerem suas atividades econômicas e estilos de vida rural.
Apesar de sua importância social e produtiva, a criação de assentamentos na Amazônia tem se tornado responsável por grande parte do desmatamento na região. Assentamentos de reforma agrária como fator de desmatamento têm aparecido de forma recorrente nos debates públicos.
Avaliar quais motivos contribuem para o aumento do desmatamento nessas propriedades viabiliza a discussão de alternativas e criação de ferramentas para o manejo eficiente, do ponto de vista produtivo e ambiental, de modo a minimizar os impactos encontrados, e evitar sua incidência futura em novos projetos de assentamentos.
Dessa forma, o estudo da dinâmica do desmatamento relacionado ao fomento do Estado para a exploração econômica dos assentamentos, por meio das medidas de política agrícola, é uma importante ferramenta para o desenvolvimento de estratégias que levem à sustentabilidade da agricultura familiar, que é a base econômica de sobrevivência das famílias assentadas no Brasil, trazendo à luz a discussão das políticas atuais para as famílias assentadas e a estrutura de ocupação territorial.
Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo quantificar e avaliar a dinâmica do desmatamento no Projeto de Assentamento São Pedro, localizado no município de Paranaíta, região Norte do Estado do Mato Grosso, ao longo de 22 anos, desde sua criação em 1997 até o ano de 2018. Buscou-se identificar quais atividades produtivas contribuíram para a perda da vegetação e analisar até que ponto a política de reforma agrária brasileira pode ser relacionada como causa de crescimento do desmatamento, a partir de seus impactos sociais, econômicos e ambientais.
MATERIAL E MÉTODOS
A área de estudo, denominada Projeto de Assentamento São Pedro, está localizada no município de Paranaíta-MT, região norte do estado de Mato Grosso, com coordenadas centrais: 9°42'37,710" S 56°45'31,464" W (Figura 1).
O Assentamento possui área total de aproximadamente 35.000 hectares e foi criado e homologado pelo INCRA, em 29 de dezembro de 1997, totalizando 776 lotes, com área média de 40 ha. O assentamento abriga mais de 3.000 pessoas, o que corresponde a cerca de 60% da população rural do município de Paranaíta (INCRA, 2016). Como pré-requisito da Política Nacional da Reforma Agrária, a população assentada é composta por agricultores familiares (Carvalho et al., 2019). Na literatura científica, a agricultura familiar é definida por muitas interpretações, dada a diversidade de categorias sociais que elas podem representar (Paula Filho et al., 2016; Calvi et al. 2020). Para este estudo, utilizamos a definição do governo brasileiro, que mescla aspectos teóricos da literatura sociológica e elementos normativos atribuídos por legislação. Portanto, a agricultura familiar representa os estabelecimentos agrícolas em que (a) a tomada de decisão de administrar a propriedade é da família, (b) que usa predominantemente a força de trabalho da família nas atividades produtivas e, (c) o tamanho da propriedade é menor ou igual a quatro módulos fiscais (Guanziroli et al., 2001; Brondízio et al., 2009), um padrão regional estabelecido pelo INCRA.
Dentre as atividades produtivas desenvolvidas no assentamento, a pecuária bovina leiteira, seguida pela pecuária de corte, representam as principais fontes de renda das famílias agricultoras. Em menor proporção, desenvolve-se a agricultura de subsistência, com cultivos de mandioca e espécies frutíferas destinada ao consumo doméstico. As Lavouras perenes de café mesmo tendo baixa produtividade, ainda são encontradas em pequenas parcelas de 0,5 a 1,0 ha (EMPAER/MT, 2017). Elas são mantidas muito mais pela carga cultural dos agricultores que migraram da região Sul do Brasil do que pela importância econômica que este cultivo desempenha localmente. A trajetória de uso da terra do assentamento indica que estas áreas de lavoura estão sendo substituídas cada vez mais por áreas de pastagem para pecuária bovina.
A vegetação é descrita como Floresta Ombrófila Densa (IBGE, 2012). Segundo a classificação de Köppen, o clima da região é tipo Am, com temperatura média de 26°C e a precipitação anual variando de 2.800 a 3.100 mm (Alencar et al., 2016).
Para delimitação da área original, foi utilizado um arquivo shapefile do perímetro total do Assentamento São Pedro. Para análise temporal da dinâmica da vegetação, foram utilizadas vinte e duas cenas do satélite Landsat, que abrange o período entre anos de 1997 a 2018.
O método utilizado foi a Classificação Supervisionada Máxima Verossimilhança - MAXVER, que utiliza padrões estatísticos como o diagrama de dispersão e sua densidade de probabilidades, sendo esses parâmetros obtidos através do conjunto de treinamentos da nuvem de pontos, onde foram consideradas a assinatura espectral e identificação visual dos alvos (Calvi, 2019), coletando-se amostras na escala de 1:25.000. Tal classificação foi escolhida por ser muito utilizada no sensoriamento remoto e por já se conhecer a área de estudo in loco, dando assim maior precisão às análises.
Esse método foi utilizado com o intuito de mensurar a quantidade de áreas desmatadas no assentamento São Pedro ao longo de 22 anos, gerando dados que, analisados no contexto histórico, político e social do território, permitam correlacionar com causas plausíveis do aumento do desmatamento a partir do estudo das políticas públicas aplicáveis, suas implicações e deficiências.
Foram definidas as classes VEGETAÇÃO e DESMATAMENTO, sendo que para a classe vegetação estão considerados os seguintes tipos de cobertura: floresta primária, floresta secundária e culturas perenes. As culturas perenes foram incluídas na classe vegetação, seguindo a orientação metodológica apresentada por Calvi (2019), Jiang et al. (2018) e Li et al. (2018). Esses autores, ao empregar o sensoriamento remoto com uso de imagens do satélite Landsat em estudos do uso e cobertura da terra na região da Transamazônica, estado do Pará, constataram que as lavouras perenes de cacau, café e os sistemas agroflorestais descreviam semelhantes assinaturas espectrais que àquelas das ‘florestas secundárias’, optando por agrupar esses tipos de cobertura em uma mesma classe.
A evolução da perda de vegetação dentro do intervalo de estudo foi feita por meio de análise comparativa a partir dos mapas temáticos que foram gerados para cada ano da resolução temporal adotada, através do registro dos números correspondentes a “área desmatada” e “área com cobertura vegetal”, e cálculo da perda anual de vegetação e seu total acumulado.
Nesse sentido, dos 22 mapas gerados, as imagens referentes ao primeiro e último anos do período objeto de estudo, bem como àquelas referentes aos anos de 1998 a 2006, inclusive, onde estão compreendidos os períodos de ocupação do assentamento e de aplicação de recursos do credito rural provenientes do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf. Esses mapas foram selecionados por serem os que melhor elucidam o objetivo desta pesquisa, qual seja, o de relacionar o desmatamento aos efeitos das políticas públicas implantadas e/ou sua falta ou insuficiência.
Como forma de subsidiar o entendimento ambiental, social e econômico do Assentamento foram coletados dados junto às entidades públicas e privadas atuantes no Assentamento São Pedro, como a Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural - EMPAER, responsáveis pelas atividades naquele munícipio, tendo em vista sua importância como entidade responsável pela execução de ações de assistência técnica e extensão rural na região.
Ainda em referência aos recentes estudos econômicos e ambientais realizados neste território, vale destacar o Projeto de Revitalização do Assentamento São Pedro, em execução desde 2016 como resultado de investimentos privados realizados pela Companhia Hidrelétrica Teles Pires - CHTP, que foi desenvolvido a partir do estudo da EMPAER/MT, em 2010. No âmbito deste projeto, foram gerados dados importantes sobre a região, dentre os quais destacam-se dois trabalhos que foram disponibilizados pela CHTP para essa pesquisa: o Relatório do Diagnóstico Produtivo e Socioambiental, e o Zoneamento Ambiental e Plano Estratégico de Recuperação de Áreas Degradadas no Assentamento São Pedro em Paranaíta.
RESULTADOS
Os dados extraídos dos referidos documentos, associados às publicações que apoiam as análises desse trabalho, foram fundamentais para compreender a relação entre o desmatamento e as políticas públicas implementadas ao longo da existência do Assentamento São Pedro.Após a classificação e análise das imagens do Assentamento São Pedro ao longo dos anos de 1997 a 2018 (Figura 2), é notável a evolução do desmatamento neste território. É possível observar que, no ano de sua criação, 1997, a área do assentamento encontrava-se constituída em 91,51% de vegetação e apenas 8,49% de áreas desmatadas, o que corresponde a 2.963,16 ha de áreas abertas. Já em 2018, a situação é bem diferente, sendo possível notar que 82,73% da área total do assentamento estava desmatada, o que equivale a 28.869,58 ha. A análise ano a ano na resolução temporal a dotada neste estudo indicou perda média de vegetação de 1.312,25 ha/ano, aproximadamente.
O resultado da análise confirma a diminuição das áreas de vegetação e sua relação com os períodos de ocupação do território. Segundo EMPAER/MT (2017), no início da ocupação das famílias nas novas áreas, o desmatamento era indiscriminadamente estimulado pelos órgãos governamentais para a expansão das atividades produtivas. Com o passar do tempo, a retirada total da floresta primária ali existente para abertura de áreas para implantação de pastagem e outras produções agropecuárias foi o que mais impactou na perda da vegetação.
Os resultados da classificação mostram que os maiores índices de desmatamento são apresentados nos anos de liberação e aplicação dos recursos do Pronaf, sendo os anos de 1999 (4.593,42 ha), 2000 (8.006,94 ha), 2002 (11.294,46 ha), 2003 (14.475,96 ha), 2004 (17.526,06 ha) e 2006 (20.876,04 ha) (Figura 3). Isso está diretamente ligado à exploração econômica adotada no assentamento, ou seja, a abertura de áreas de floresta primária e secundária e a conversão de outros usos da terra em pastagens cultivadas para pecuária bovina.
Nos anos de 2006 a 2012 houve estabilidade nos níveis de desmatamento. Isso se explica pelas ações de fiscalizações ambientais empreendidas ao longo da última década para frear o desmatamento na Amazônia. Como aponta Nogueira et al. (2019), em 2008, o Plano Amazônia Sustentável - PAS foi criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente para orientar ações de desenvolvimento sustentável na Amazônia.
De 2012 para 2013, registra-se redução de 4,2% na área desmatada, cerca de 1.500,00 ha (Quadro 1), possivelmente ocasionada pela promulgação do novo Código Florestal brasileiro e seus mecanismos de controle e combate ao desmatamento nos assentamentos. No município de Manicoré, Amazonas, o desmatamento teve uma redução imediata após o lançamento do novo Código Florestal, passando de 1.287 ha em 2012 para 834 ha em 2014 (Leal & Maniesi, 2018).
Ano | Área total desmatada (ha) | Área com cobertura vegetal (ha) | Perda anual de vegetação (ha) | Área desmatada acumulada (%) | Perda anual de vegetação (%) |
1997 | 2.963,16 | 31.934,25 | 2.963,16 | 8,49% | - |
1998 | 1.524,87 | 33.372,81 | 0 | 4,37% | -4,12% |
1999 | 4.593,42 | 30.304,35 | 3.068,55 | 13,16% | 8,79% |
2000 | 8.006,94 | 26.842,05 | 3.413,52 | 22,95% | 9,78% |
2001 | 7.941,06 | 26.956,89 | 0 | 22,76% | -0,19% |
2002 | 11.294,46 | 23.603,31 | 3.353,40 | 32,37% | 9,61% |
2003 | 14.475,96 | 20.373,12 | 3.181,50 | 41,48% | 9,12% |
2004 | 17.526,06 | 17.371,26 | 3.050,10 | 50,23% | 8,74% |
2005 | 16.127,10 | 18.770,58 | 0 | 46,22% | -4,01% |
2006 | 20.876,04 | 14.021,55 | 4.748,94 | 59,83% | 13,61% |
2007 | 20.511,72 | 14.386,05 | 0 | 58,78% | -1,04% |
2008 | 23.944,45 | 10.903,23 | 3.432,73 | 68,62% | 9,84% |
2009 | 19.984,16 | 14.855,28 | 0 | 57,27% | -11,35% |
2010 | 23.684,58 | 11.164,59 | 3.700,42 | 67,87% | 10,60% |
2011 | 22.228,46 | 12.611,42 | 0 | 63,70% | -4,17% |
2012 | 22.040,50 | 12.779,20 | 0 | 63,16% | -0,54% |
2013 | 20.573,78 | 14.265,92 | 0 | 58,96% | -4,20% |
2014 | 20.832,68 | 14.006,93 | 258,9 | 59,70% | 0,74% |
2015 | 21.351,36 | 13.488,25 | 518,68 | 61,19% | 1,49% |
2016 | 28.320,79 | 6.574,18 | 6.969,43 | 81,16% | 19,97% |
2017 | 28.510,02 | 6.384,92 | 189,23 | 81,70% | 0,54% |
2018 | 28.869,58 | 6.025,36 | 359,56 | 82,73% | 1,03% |
No ano de 2015, em meio a um cenário de forte crise econômica e política no país, os números do desmatamento voltaram a aumentar, passando de 21.351,36 para 28.320,79 hectares desmatados, um acréscimo de 21,54 %. Uma possível causa desse aumento são as lacunas que o novo Código Florestal deixou. Apesar da importância dessa medida de fiscalização, a nova lei foi criada com muitas brechas, deixando produtores com interesse em abertura de novas áreas sem medo de realizar os novos desmatamentos.
As taxas de desmatamento no Assentamento São Pedro entre os anos de 1998, 2001, 2005, 2007, 2009, 2011, 2012 e 2013 apresentam resultado negativo para perda de vegetação. Isso pode ser explicado, principalmente pela expansão da vegetação secundárias, mas também por parcelas menores onde se cultivavam lavouras perenes para o consumo, como guaraná, café, e citros em quintais agroflorestais entre outras, classificadas nas imagens como áreas de vegetação. Essa redução, porém, foi temporária, pois as análises apontaram um desmatamento progressivo deste território, acumulando 74,24% de área desmatada ao longo destes 22 anos, o que corresponde a 25.906,42 ha (Figura 4).
O ano de 2016 é um ano chave para análise desse trabalho, onde se registrou um alto índice de desmatamento, com perda de vegetação de 6.969 ha, acumulando 81,16% de área desmatada. Os resultados das análises confirmam a hipótese dessa pesquisa, de que o desmatamento está intimamente ligado à implantação e aumento da pecuária bovina extensiva no Assentamento. Isso se reforça no Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da EMPAER/MT (2017), que apontou que a área destinada a essa atividade passou de 45% da área total do assentamento em 2010, para 78% em 2016. Dessa forma, é possível apontar a pecuária bovina como a atividade de maior contribuição para o desmatamento no Assentamento São Pedro.
DISCUSSÃO
O sensoriamento remoto é um importante avanço técnico e científico para os estudos das interações homem-ambiente e das dinâmicas de uso e cobertura da terra. Para a região Amazônica, o uso do sensoriamento remoto tem produzido informações consistentes de cobertura espacial, que associado a outros dados, tem revelado elevadas taxas de alteração demográfica e ambiental (Brondízio, 2009). O uso dessa ferramenta foi fundamental para quantificar o desmatamento no Assentamento São Pedro ao longo dos anos analisados. Entretanto, ainda se nota dificuldade nas diferenciações mais precisas entre certos tipos de uso da terra (Calvi, 2019; Jiang et al., 2018; Li et al., 2018), motivo pelo qual optou-se, neste trabalho, por incluir as culturas perenes na classificação das áreas vegetação, reduzindo, assim, as margens de erro na classificação.
Além disso, um estudo aprofundado sobre o histórico de ocupação e exploração do Assentamento São Pedro garantiu maior confiabilidade à análise dos dados gerados pelo sensoriamento remoto. Entender a história do desmatamento na Amazônia é essencial para prever o futuro desse processo sob diferentes cenários e identificar medidas eficazes para seu controle, evitando os piores impactos (Fearnside, 2010).
Segundo Fearnside (2006), o desmatamento está relacionado com as forças econômicas que variam com o passar dos anos. As análises realizadas no presente estudo confirmam essa argumentação, na medida em que se observa que no processo de colonização do Assentamento São Pedro, as políticas econômicas norteadoras da permanência das famílias assentadas se assemelham àquelas praticadas ao longo da história da ocupação da Amazônia, onde o desmatamento tem força probatória da utilização da terra, sendo, pois, elemento de garantia de permanência.
Dentre as medidas de política agrícola previstas em lei, o Pronaf se destaca em virtude de sua importância para os beneficiários de reforma agrária. A criação deste programa representou o reconhecimento e a legitimação, por parte do Estado, em relação às especificidades de uma importante categoria social - os agricultores familiares - que até então estavam à margem dos benefícios da política agrícola brasileira e era designada por termos como pequenos produtores, produtores familiares, produtores de baixa renda ou agricultores de subsistência (Mattei, 2005). Pode-se, assim, dizer que o Pronaf é uma política pública brasileira de facilitação de crédito para agricultura familiar no Brasil.
Os dados do trabalho apontam que a pecuária bovina foi a atividade mais estimulada ao longo dos anos no Assentamento. É também a principal atividade financiada por programas de fomento à produção, como o Pronaf e o Fundo Constitucional do Norte - FNO na região norte do Mato Grosso (Costa, 2000). Apesar da expansão da produção de grãos em outras regiões do estado, a pecuária bovina ainda se apresenta como a produção com maior investimento e de maior expressão econômica naquela região. Entretanto, o baixo emprego de tecnologias reduz sua produtividade, fazendo com que sejam necessárias cada vez mais áreas para seu desenvolvimento de um sistema de produção extensivo, contribuindo para o aumento do desmatamento.
Os recursos disponibilizados pelo Pronaf no estado de Mato Grosso para as atividades ligadas à bovinocultura são, significativamente, superiores ao montante destinado a projetos de produção agrícola, o que impacta diretamente os números da atividade no estado. O rebanho bovino estadual em 2006 era de 20.666.147 cabeças e avançou para 24.309.475, em 2017, um aumento superior a 17% (IBGE, 2017). Grande parte desse rebanho pertence à agricultura familiar, com produção extensiva.
No Assentamento, o Pronaf está diretamente associado ao início da exploração da pecuária bovina nas propriedades rurais. Apesar de os assentados terem iniciado com a exploração agrícola em seus lotes, constata-se que este fator pouco influenciou no acesso às linhas de crédito do Pronaf elaborados pelos atores sociais responsáveis. A falta de gestão e comprometimentos dos órgãos responsáveis, tornou-se dentro do assentamento uma política de fomento a abertura de novas áreas de floresta.
Cumpre, porém, observar que a pecuária bovina, por si só, não deve ser rotulada como vilã do desmatamento. Ao contrário, com o devido acompanhamento e com políticas públicas que viabilizem o acesso a crédito e às tecnologias adequadas, a atividade pode ser explorada com respeito ao meio ambiente, garantindo bons resultados ao produtor. O grande gargalo na aplicação da política pública, talvez, esteja ligado à falta de assistência técnica e acompanhamento na aplicação desse recurso.
A reforma agrária é uma política pública que tem por objetivo oferecer aos menos favorecidos o acesso à terra e a condições de progresso social e econômico. Para que isso aconteça, outras medidas de política pública previstas na legislação pátria devem ser implementadas simultaneamente, a fim de garantir às famílias assentadas mais do que a terra, mas também subsídios para que atinjam o desenvolvimento necessário para além da subsistência.
Ao analisar todo esse cenário de forma integrada e articulada permite compreender e relacionar as causas que contribuíram para o avanço desenfreado do desmatamento no Assentamento São Pedro, e propor discussões sobre a aplicabilidade de medidas de contenção e de preservação ambiental neste e em outros assentamentos de reforma agrária implantados em todo o país.
CONCLUSÕES
Esta pesquisa foi baseada no estudo da dinâmica da vegetação do Projeto de Assentamento São Pedro, município de Paranaíta, estado de Mato Grosso (Brasil), utilizando séries temporais Landsat entre os anos de 1997 a 2018, que permitiram calcular uma perda anual média de vegetação de 1.312,25 ha durante o período analisado.
Esses dados foram correlacionados a aspectos do contexto histórico-social deste território, como sua forma de ocupação e exploração econômica, fruto das políticas públicas fomentadas pelo Estado em área de reforma agrária.
Foi observado que a ausência ou insuficiência das medidas da política agrícola nacional destinadas às famílias assentadas exerce reflexo direto nos índices de desmatamento, na medida em que os baixos resultados econômicos, ocasionados pela falta de orientação técnica e não uso de tecnologias, levam os produtores à abertura de novas áreas, especialmente para implantação de pastagens, tendo em vista a predominância da pecuária bovina na área de estudo.
Realizar reforma agrária sem prover as correspondentes medidas de política agrícola previstas em lei, limita o desenvolvimento econômico dos beneficiários. Espera-se que os resultados e discussões aqui apresentados possam influenciar positivamente o planejamento de novos assentamentos, a fim de que as políticas públicas relacionadas à reforma agrária sejam integral e adequadamente implementadas, sob a ótica da sustentabilidade às famílias assentadas.