INTRODUÇÃO
A salinidade é um fator de grande importância no estudo de plantas cultivadas, sendo um dos principais fatores responsáveis pelo estresse nas plantas, tanto pelo efeito osmótico causado, como pelo efeito tóxico, devendo ser avaliada principalmente em regiões de clima semiárido (Coelho et al., 2014).
Em regiões semiáridas, a baixa precipitação pluviométrica e alta taxa de evaporação aumenta o acúmulo de sais, e o excesso desses pode perturbar as funções fisiológicas e bioquímicas das plantas, além de causar alterações na absorção e utilização de nutrientes essenciais (Torres et al., 2014; Tavares Filho et al., 2020).
O aproveitamento na irrigação de fontes de água com qualidade inferior, como as salinas, é considerado como uma possibilidade importante na utilização dos recursos naturais escassos. Embora as águas salinas sejam consideradas inadequadas na irrigação, há extensas evidências da viabilidade de seu uso, desde que se pratiquem técnicas de manejo adequadas e culturas tolerantes à salinidade (Batool et al., 2020).
Dentre as culturas que podem ser aproveitada ou utilizada nesta região, está a Moringa oleifera Lam., planta proveniente do norte da Índia que possui uma diversidade enorme de aplicações, por ser uma planta de multiuso, é também uma alternativa para o combate a fome no mundo, devido a sua composição rica em vitaminas e sais minerais (Jesus et al., 2013; Höhn et al., 2018).
Por ser uma planta perene resistente à seca, pouco exigente quanto ao solo, adubação, e tolerante às pragas e doenças, pode ser uma alternativa para grande parte do território brasileiro (Gandiwa et al., 2011), principalmente o semiárido.
Desta forma, é apontada como uma espécie alternativa aos agricultores familiares, pois utilizam na complementação da alimentação animal e humana, purificação de água, medicina e extração do óleo de suas sementes caracterizando-a como uma possível oportunidade de renda (Mirhashemi et al., 2018).
Assim, o objetivo do presente estudo é verificar a qualidade da água no semiárido e seus efeitos nos atributos do solo e na cultura da Moringa oleifera Lam., por meio de uma revisão bibliográfica.
CULTURA DA MORINGA OLEIFERA LAM.
Conhecida popularmente como moringa (Moringa oleifera Lam.), é uma espécie pertencente à família Moringaceae (Costa et al., 2019). É uma hortaliça arbórea que atinge de 8 a 12 metros de altura, apresenta ligeiro crescimento, capacidade de resistir em solos pobres, requerendo o mínimo de atenção em longos períodos de seca (Jesus et al., 2013; Höhn et al., 2018).
É originária do noroeste da Índia, e abundantemente disseminada em países como Tailândia, Malásia, Paquistão, entre outros (Benedito et al., 2008). A moringa foi introduzida no Brasil por volta de 1950, e é facilmente encontrada em diferentes regiões do nordeste brasileiro, principalmente nos Estados do Piauí, Maranhão e Ceará (Medeiros et al., 2017).
Por ser de fácil cultivo, se tornou típica de muitas regiões tropicais. É uma importante cultura em países como Etiópia, Filipinas, Sudão, África Oriental, Ocidental e do Sul, entre outros (Silva et al., 2013). Por ser bastante tolerante à seca, pode ser cultivada em regiões áridas e semiáridas, com precipitações anuais abaixo de 300 mm, além de ser cultivada em quase todas as classes de solos, menos naqueles onde há possibilidade de encharcamentos (Marinho et al., 2016).
A moringa possui ampla funcionalidade dentro dos sistemas de produção agrícola, apresenta diversas utilidades, como óleo, madeira, papel e biocombustível, diversas partes da planta podem ser aproveitadas como folhas, vagens, flores, cascas e sementes, pois apresentam propriedades medicinais (Amaya et al., 1992; Benedito et al., 2008; Gupta et al., 2018).
A espécie contém aminoácidos essenciais, antioxidantes e diversos nutrientes, podendo ser usada em dietas, no combate à desnutrição, e gerar meios de subsistência para os agricultores que as cultivam (Medeiros et al., 2017). Pode servir também como quebra-ventos, controle de erosão, cercas vivas, como planta ornamental, ou intercalada para fornecer semi-sombra para espécies que exigem menos luz solar direta como nos sistemas agroflorestais (Höhn et al., 2018).
Diversas são as possibilidades de uso da moringa, o que demonstra sua relevância econômica. Todas as partes podem ser consumidas de alguma forma pelo homem e alguns dos usos para a moringa incluem: a produção de biomassa, forragem para animais, agente de limpeza doméstica, fertilizantes, nutriente foliar, goma, suco clarificador de mel, plantas ornamentais, biopesticida, celulose, tanino para curtir couros, purificação da água, entre outros (Passos et al., 2013; Santiago & Bezerra Neto, 2017; Costa et al., 2019).
A IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO DA MORINGA
A Moringa oleifera Lam é um coagulante natural (Franco et al., 2017) com grande capacidade de reduzir a turbidez da água pela presença de uma proteína catiônica hidrossolúvel que desestabiliza as partículas compostas na água em meio líquido, caracterizando-se como um coagulante extremamente eficiente, de grande relevância para regiões como o semiárido brasileiro, que sofre com problemas de abastecimento de água (Silva et al., 2017; Wendling et al., 2019).
O uso do pó de semente de Moringa deve-se à sua capacidade de reduzir a turbidez e a presença microbiana na água. Além disso, seu extrato é ecologicamente correto, não prejudicial e biodegradável, e não altera a condutividade e o pH das águas residuais tratadas (Ntibrey et al., 2020).
Tem se mostrado adequada para remoção de metais visando o melhoramento da qualidade de águas, suas sementes apresentam também propriedades chamadas adsortivas com resultados bastante relevantes para a remoção de cadmio, de níquel e de manganês (Gualberto et al., 2014; Younes et al., 2020).
A moringa é uma espécie com grande potencial para produção de óleo vegetal para produção de biodiesel e tem sido largamente investigada como candidata aos programas de energia renovável (Liu et al., 2018). Suas sementes são oleaginosas, produzem entre 35% a 40% (Zheng et al., 2019) de óleo e podem ser usadas para a produção de biodiesel, o que já ocorre na Índia.
Estudos apontam que a espécie pode produzir até três toneladas de semente por hectare, a qual rende cerca de 78% de óleo rico em ácido oleico, indicando que o produto é adequado para a obtenção de um biodiesel com baixo teor de insaturações, sendo mais estável diante da oxidação, facilitando assim o transporte e o armazenamento (Gualberto et al., 2014; Etehadpouret al., 2020).
Além da utilização como biocombustível, das sementes se extrai um óleo com qualidade semelhante ao azeite de oliva, as sementes verdes e as vagens após fervidas servem como alimento, as folhas e flores servem para chás, vitaminas e sucos com outros legumes e também para a alimentação de animais (Jesus et al., 2013).
QUALIDADE DA ÁGUA: CLASSIFICAÇÃO DA ÁGUA DE IRRIGAÇÃO
A agricultura utiliza 70% da água doce do mundo, seguido do setor industrial com 21% e do consumo humano com apenas 9% (Nayak & Khuntia, 2019). A agricultura irrigada, mesmo ocupando apenas 18% da área cultivada, é responsável por cerca de 40% de toda produção agrícola (Crisóstomo et al., 2018).
Apesar da previsão do crescimento da demanda de água pela agricultura nas próximas décadas, visando o crescimento populacional mundial, não há previsão do aumento da disponibilidade de água doce no mundo (Melo et al., 2020). A utilização de águas de baixa qualidade, na agricultura irrigada pode se expandir, quando associado ao manejo adequado (Crisóstomo et al., 2018).
As áreas localizadas no semiárido brasileiro possuem elevado potencial de salinização do solo, devido ao manejo inadequado da irrigação e do uso de água salina provinda de poços artesianos (Santos et al., 2015). A escassez de recursos hídricos fez com que o uso de água de qualidade baixa fosse adotado como alternativa. No entanto, essas águas possuem sais dissolvidos, no que se tratando de regiões áridas e semiáridas irrigadas, potencializam o problema da salinização dos solos, causando sérios problemas sobre as culturas (Lima et al., 2015).
Na avaliação da qualidade da água, os padrões estabelecidos para uso na irrigação são mais simples do que aqueles utilizados para consumo humano, devido ao menor número de parâmetros a serem considerados.
A concentração dos íons como sódio, potássio, cálcio, magnésio, cloretos, sulfatos, carbonatos e bicarbonatos, bem como do pH, Condutividade Elétrica (CE) e Razão de Adsorção de Sódios (RAS), são os principais parâmetros físico-químicos utilizados na classificação da água para fins agrícolas, pois são capazes de influenciar no crescimento de cada espécie vegetal (Lima et al., 2014). A relação entre a CE e RAS, definem o risco da água em causar salinidade e sodicidade ao solo (Figura 1).
SALINIDADE DA ÁGUA E SEUS EFEITOS NO SOLO
Solos normais podem se tornar ineficazes com o acréscimo de sais solúveis provenientes de irrigações mal conduzidas, mesmo com um bom controle da qualidade da água de irrigação, o que dificilmente é realizado, havendo na prática, um contínuo depósito de sais no solo (Ntibrey et al., 2020).
Nas regiões áridas e semiáridas, a salinidade tem sido apontada como um dos principais fatores responsáveis pela diminuição no crescimento e na produtividade das culturas. Em alguns casos, essas águas promovem alterações nas condições físico-químicas que não existiam inicialmente no solo, em proporções que desfavorecem o aumento e o desenvolvimento da maioria das culturas (Valdivié-Navarro et al., 2012).
Os principais problemas causados pela salinização do solo são a limitação do potencial osmótico da solução do solo, reduzindo sua disponibilidade de água e intensificando a toxicidade de certos íons nas plantas (Ucker et al., 2013). Os sais são conduzidos pelas águas de irrigação e depositados no solo, onde se concentram à medida que a água se evapora ou é utilizada pelas culturas. Estes sais do solo e da água diminuem a disponibilidade da água para as plantas, a tal ponto que prejudicam os rendimentos das culturas (Brilhante et al., 2017; Ntibrey et al., 2020).
Nem todas as culturas reagem igualmente à salinidade. Algumas geram rendimentos aceitáveis a níveis elevados de salinidade e outras são vulneráveis a níveis relativamente baixos (Mirhashemi et al., 2018). A salinidade afeta também as propriedades físicas do solo, provocando desestruturação, aumento da densidade e redução das taxas de infiltração da água no solo pelo excesso de íons sódicos (Ucker et al., 2013).
A principal caracterização desse efeito é a expansão da argila quando umedecida e a concentração quando seca. Assim, seu excesso na dissolução do solo provoca a dispersão da argila e, desta forma, acarreta em uma camada adensada que dificulta o crescimento, respiração, expansão radicular, além da absorção de líquido e fixação de CO2 pela planta (Schossler et al., 2012).
SALINIDADE DA ÁGUA E SEUS EFEITOS NAS PLANTAS
A água é fundamental no metabolismo celular da germinação, pois sua absorção resulta na reidratação dos tecidos com consequente reativação na atividade enzimática, intensificando a respiração, na solubilização e transporte de fotoassimilados, atuando como reagente na digestão das reservas da semente, que culminarão na evolução do eixo embrionário (Azam et al., 2020).
A elevada acumulação de sais no interior das células provoca alterações nos processos metabólicos, interferindo no balanço iônico, afetando a absorção dos elementos minerais essenciais, ocasionando um desiquilíbrio nutricional (Silva et al., 2017).
O uso de águas salinas eleva as taxas de sais na solução do solo, principalmente as quantidades de sódio, que exercem efeitos negativos sob as plantas, promovendo alterações de natureza iônica, osmótica, nutricional e hormonal, trazendo prejuízos ao desenvolvimento das plantas inibindo a germinação, emergência, crescimento e acúmulo de biomassa (Sá et al., 2015).
Esses estresses se refletem negativamente no crescimento e no desenvolvimento dos vegetais, de modo especial pela redução da área radicular e foliar, da atividade fotossintética e eficácia produtiva das plantas (Neto et al., 2014).
O desequilíbrio nutricional causado pela salinidade decorre, acima de tudo, da redução na absorção de nutrientes essenciais à planta devido à competição na absorção e transporte, às alterações estruturais na membrana e à inibição da atividade de várias enzimas do metabolismo (Coelho et al., 2014).
ÁGUA SALINA E PRODUÇÃO DE MUDAS DE ESPÉCIES (MORINGA)
Uma das grandes dificuldades apontadas para a produção de muda das plantas em geral é a qualidade da água, pois compromete a germinação e o desenvolvimento da plantas, pois além de absorvem a agua do substrato, absorvem também os sais, que em excesso, provocam toxidez, consequentemente acarreta alterações fisiológicas nas sementes, o que causa decréscimo na porcentagem de germinação (Benedito et al., 2008; Oyeyinka & Oyeyinka, 2018).
A salinidade do solo e da água utilizada na irrigação representam significativos impasses ao processo de produção, seja pelas alterações das propriedades físicas e químicas do solo, assim como pela influência dos íons pertinentes sobre a germinação da semente, crescimento vegetativo, produção e nutrição mineral de plantas (Toit et al., 2020).
A produção de mudas de qualidade depende ainda de fatores como a composição dos substratos um fator de grande importância, pois a germinação de sementes, a iniciação radicular e o enraizamento estão diretamente ligados às características físicas, químicas e biológicas do substrato (Benedito et al., 2008).
Nos viveiros florestais, é frequente a utilização de componentes orgânicos para o desenvolvimento das plantas com o objetivo de melhorar os atributos físicos, químicos e biológicos dos substratos; no entanto, de forma geral, as formulações dos substratos são pobres em nutrientes essenciais para o crescimento da planta, sendo a adubação mineral necessária para o desenvolvimento das mudas de maneira satisfatória (Delarmelina et al., 2014).
A fase de produção de mudas influencia diretamente no desempenho final da planta, tanto do ponto de vista nutricional como do produtivo. A espécie arbórea pode ser avaliada por meio da análise de suas características de crescimento, como altura, massa seca, relação raiz/parte aérea, diâmetro do caule ou número de folhas (Villaseñor-Basulto et al., 2011).
A avaliação dessas características pode ser uma ferramenta útil para verificar se as mudas estão suficientemente aptas para sobrevivência após o transplante em campo (Reis et al., 2016). Estes parâmetros de desenvolvimento podem ser agregados em um único valor através do Índice de Qualidade de Dickson, aumentando a segurança na seleção das plantas mais vigorosas (Pereira et al., 2013).
A moringa é uma espécie pouco estudada, principalmente com relação ao seu desenvolvimento sob condições de estresse salino, porém alguns estudos já demonstraram que a salinidade afeta consideravelmente o desenvolvimento inicial das plântulas, onde puderam observar que o desenvolvimento é afetado significativamente em um nível de salinidade de 1,5 dS. m-1, até 2 dS. m-1 o desenvolvimento não é comprometido (Benedito et al., 2008; Mirhashemi et al., 2018; Villaseñor-Basulto et al., 2018; Azam et al., 2020; Tavares Filho et al., 2020;).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A qualidade da água interfere nos atributos químicos e físicos dos solos como também na muda e planta, decorrente do acumulo dos sais presente na solução, ocasionado o aumento da salinidade e sodicidade a níveis não tolerante a maioria das espécies cultivadas. Os estudos existentes apontam uma tolerância para um nível de salinidade de até 2 dS. m-1, para a cultura da Moringa oleifera Lam, acima disso existe uma diminuição do desenvolvimento e crescimento da planta.
O uso de água salinas é mais tolerante para as culturas do que para os seres humanos, em virtude dos mecanismos de defesa ou separação dos componentes tóxicos do não tóxicos das plantas. Porém, nas duas situações o uso adequado passa pelo manejo apropriado que possa separar os sais presente na solução ou diminuir suas concentrações para níveis aceitáveis para a cultura, evitando assim, o empobrecimento do solo no tocante a disponibilidade de água e nutrientes para as plantas.
Realizar mais pesquisas sobre o assunto é imprescindível, principalmente para regiões que a qualidade da água é afetada por razões climáticas como o semiárido, possibilitando e subsidiando o cultivo de espécies nesta região, que não possui o fornecimento de água com qualidade, melhorando a fixação e desenvolvimento econômico do homem na região.