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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.43 no.3 Lisboa set. 2020  Epub 15-Set-2020

https://doi.org/10.19084/rca.20946 

Artigo

Espécies de Meloidogyne associadas a aceroleira no Submédio do Vale do Rio São Francisco, Brasil

Meloidogyne species in acerola tree in Sub-middle of São Francisco River Valley, Brazil

John Lennon F. dos Santos1,¥,* 

Nadiane R. Moura2 

Flávio de F. Souza3 

José Mauro da C. e Castro3 

Alexandre S. Capucho1 

1Universidade Federal do Vale do São Francisco, Programa de Pós-Graduação em Agronomia - Produção Vegetal, Petrolina, Pernambuco, Brasil.

2Universidade Estadual de Pernambuco, Petrolina, Pernambuco, Brasil.

3Embrapa Semiárido, Petrolina, Pernambuco, Brasil.


Resumo

O Brasil é o maior produtor, consumidor e exportador mundial de acerola, Malpighia emarginata. Devido ao seu alto teor em vitamina C, a acerola possui grande potencial de industrialização e despertou o interesse de produtores e do mercado consumidor. No entanto, em áreas com pomares de acerola tem vindo a verificar-se uma redução da produção e qualidade dos frutos, devido à ocorrência de nematoides-das-galhas radiculares (NGR), Meloidogyne spp. O presente estudo teve como objetivo identificar as espécies de NGR associadas à aceroleira no Submédio do Vale do Rio São Francisco, Brasil. Para isso, foram recolhidas 75 amostras, de solo e raízes, em áreas dos perímetros irrigados das cidades de Petrolina-Pernambuco, Juazeiro-Bahia e Sobradinho-Bahia, Brasil. Tendo por base a análise dos fenótipos de esterase, foram identificadas 75 populações de NGR sendo três, misturas de espécies: 72 amostras apresentaram o fenótipo típico de M. enterolobii (En4), duas o fenótipo de M. incognita (I1), duas de M. arenaria (A2), uma amostra de M. javanica (J3) e uma com um fenótipo atípico (P1). As principais cultivares de acerola plantadas na região foram consideradas hospedeiras de NGR, com destaque para M. enterolobii.

Palavras-chave: acerola; esterase; Malpighia emarginata; Meloidogyne enterolobii; nematoides-das-galhas-radiculares

Abstract

Brazil is the world´s largest producer, consumer and exporter of acerola. Due to its high content of vitamin C, acerola has great potential for industrialization and has triggered the interest of producers and the consumer market. However, in areas with acerola tree orchards there has been a reduction in fruit yield and quality, due to the occurrence of root-knot nematodes (RKN) Meloidogyne spp. The objective of the present study was to identify RKN species associated with acerola tree orchards in Sub-middle of São Francisco River Valley, Brazil. For this, 75 samples, containing soil and acerola tree roots, were collected in areas of the irrigated perimeters of Petrolina, Pernambuco state, and Juazeiro and Sobradinho, Bahia state, Brazil. Based on the analysis of the esterase phenotypes, a total of 75 populations were identified, of which three were mixtures: 72 presented the typical phenotype of M. enterolobii (En4), two of M. incognita (I1), two of M. arenaria (A2), one of M. javanica (J3) and one with an atypical phenotype (P1). The main acerola tree cultivars planted in the region were hosts of RKN species, with emphasis on M. enterolobii.

Keywords: acerola; esterase; Malpighia emarginata; Meloidogyne enterolobii; root-knot nematodes

INTRODUÇÃO

A aceroleira (Malpighia emarginata D.C.), por se tratar de uma planta de clima tropical, adaptou-se bem ao semiárido brasileiro e, graças ao seu alto teor de vitamina C, tornou-se numa fruta altamente requisitada pelo mercado mundial para a produção de sumos, geleias, polpas, consumo in natura e extração de vitamina C para utilização em cosméticos. Além disso, a acerola é fonte de outros nutrientes, como a vitamina A, vitaminas do complexo B (tiamina, riboflavina e niacina), ferro, cálcio e carotenoides (Seeram, 2008; Bortolotti et al., 2013). O Brasil é o maior produtor, consumidor e exportador mundial, com uma área plantada de aproximadamente 7.200 ha e uma produção média de 150.000 toneladas/ano. O Submédio do Vale do Rio São Francisco possui cerca de 1.339 ha de aceroleira (≈18% da área total) (Calgaro e Braga, 2012).

Diversos fatores de ordem fitossanitária, com destaque para os nematoides-das-galhas radiculares (NGR), Meloidogyne spp., têm influenciado negativamente a produtividade e a qualidade dos frutos da aceroleira. As doenças causadas por NGR são consideradas as de maior importância econômica, comprometendo a produção da aceroleira em cerca de 10% (Costa e Ritzinger, 2003). Plantas infetadas por NGR exibem folhas amareladas, pequenas e que caem precocemente, além de nanismo e aspecto geral de deficiência nutricional. No entanto, o sintoma mais característico da infecção é a presença de galhas no sistema radicular, que podem conduzir ao declínio das plantas (Castellano et al., 2011; Cavichioli et al., 2014).

Ao longo do tempo têm vindo a ser realizados trabalhos de prospeção para o melhor conhecimento das espécies de Meloidogyne associadas à aceroleira, assim como os possíveis danos causados na cultura. A ocorrência de M. enterolobii em aceroleira, no município de Junqueirópolis-São Paulo, e na região de Garça-São Paulo, Brasil, e na Costa Rica, já foi referida por vários autores como um dos principais fatores limitantes para o desenvolvimento da cultura (Bueno et al., 2007; Garcia et al., 2011; Humphreys et al., 2012). As informações obtidas em trabalhos de prospecção auxiliam na identificação e determinação da distribuição dos nematoides, além de contribuírem para o estudo da biologia, ecologia, epidemiologia e implementação de medidas de controlo (Neves et al., 2009). Fornecem ainda informações sobre a importância relativa das doenças e flutuações da sua intensidade, e permitem verificar a eficiência das medidas de controlo recomendadas.

O presente trabalho teve como objetivo identificar as espécies de Meloidogyne associadas à aceroleira no perímetro irrigado do Submédio do Vale do Rio São Francisco, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

Amostragem e manutenção dos NGR

Setenta e cinco amostras de solo e raízes foram recolhidas de áreas irrigadas dos municípios de Petrolina-Pernambuco, Juazeiro-Bahia e Sobradinho-Bahia, principais produtores de acerola do Submédio do Vale do Rio São Francisco.

No momento da amostragem, levaram-se em consideração as principais áreas de aceroleira dos respectivos municípios. As amostras foram recolhidas na projeção da copa das plantas que apresentavam sintomas de infecção por NGR, a cerca de 15-20 cm de profundidade, seguindo o padrão de amostragem em zigue-zague. Em cada área de aceroleira, foram colhidas dez subamostras que foram, de seguida, misturadas para a obtenção de uma amostra composta de 500 g de solo e 200 g de raízes. As amostras foram acondicionadas em sacos de plástico devidamente identificados e mantidas em caixas térmicas. Simultaneamente, foram também recolhidas amostras de solo para análise física, no Laboratório de Solos da Embrapa Semiárido, que consistiu na determinação da densidade do solo (kg/dm3), porosidade (%) e granulometria. Os solos foram classificados com base no Triângulo Textural proposto pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Soil Survey Staff, 1951). Em cada propriedade rural, foram registradas as coordenadas geográficas para localização das áreas de aceroleira amostradas (Quadro 1).

Quadro 1 Localização, cultivar e identificação das populações de Meloidogyne provenientes de áreas de aceroleira do Submédio do Vale do Rio São Francisco, Brasil 

Amostra Perímetro irrigado Coordenada geográfica Cultivar Espécie de Meloidogyne
1 Salitre a S 09°31'45"; W 040°15'01" Comum M. enterolobii
2 Salitre S 09°31'47"; W 040°15'12" Comum M. enterolobii
3 Salitre S 09°31'55"; W 040°15'19" Comum M. enterolobii
4 Bebedouro b S 09°08'21"; W 040°18'58" BRS Sertaneja M. arenaria + M. enterolobii
5 Bebedouro S 09°08'18"; W 040°19'01" Junko M. enterolobii
6 Bebedouro S 09°08'35"; W 040°18'24" Junko M. enterolobii
7 Bebedouro S 09°06'44"; W 040°17'56" Junko M. enterolobii
8 Senador Nilo Coelho b S 09º19'24"; W 040º37'27" Flor Branca M. enterolobii
9 Senador Nilo Coelho S 09°18'09"; W 040°34'48" BRS Sertaneja M. enterolobii
10 Senador Nilo Coelho S 09º18'12"; W 040º32'52" BRS Sertaneja M. enterolobii
11 Senador Nilo Coelho S 09º16'41"; W 040º31'25" Junko M. enterolobii
12 Senador Nilo Coelho S 09º17'47"; W 040º29'56" Comum M. enterolobii
13 Senador Nilo Coelho S 09º17'56"; W 040º29'42" Okinawa M. enterolobii
14 Senador Nilo Coelho S 09°19'17"; W 040°26'38" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii
15 Senador Nilo Coelho S 09°18'28"; W 040°26'16" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii
16 Senador Nilo Coelho S 09°18'38"; W 040°26'16" BRS Sertaneja M. enterolobii
17 Senador Nilo Coelho S 09°17'58"; W 040°25'56" Costa Rica M. enterolobii
18 Senador Nilo Coelho S 09°17'59"; W 040°25'53" BRS Sertaneja M. enterolobii
19 Senador Nilo Coelho S 09°17'26"; W 040°26'09" BRS Sertaneja M. enterolobii
20 Maria Tereza b S 09º06'26"; W 040º31'42" BRS Sertaneja; Junko M. enterolobii
21 Maria Tereza S 09º06'26"; W 040º31'11" Junko M. enterolobii
22 Maria Tereza S 09º06'18"; W 040º30'33" Junko M. enterolobii
23 Maria Tereza S 09º06'15"; W 040º30'21" Junko M. enterolobii
24 Maria Tereza S 09º06'29"; W 040º33'39" Costa Rica M. enterolobii
25 Maria Tereza S 09º06'29"; W 040º33'39" Junko M. enterolobii
26 Maria Tereza S 09º07'00"; W 040º33'40" Junko; Costa Rica M. enterolobii
27 Maria Tereza S 09º08'04"; W 040º34'00" Junko M. enterolobii
28 Maria Tereza S 09º09'35"; W 040º34'47" Junko M. enterolobii
29 Maria Tereza S 09º09'44"; W 040º34'07" Junko M. enterolobii
30 Maria Tereza S 09º11'22"; W 040º33'07" Flor Branca M. enterolobii
31 Senador Nilo Coelho S 09º18'10"; W 040º35'07" BRS Sertaneja M. enterolobii
32 Senador Nilo Coelho S 09º17'46"; W 040º35'30" Flor Branca M. arenaria + M. enterolobii
33 Senador Nilo Coelho S 09º17'16"; W 040º35'29" Flor Branca M. enterolobii
34 Senador Nilo Coelho S 09º19'10"; W 040º37'01" BRS Sertaneja M. enterolobii
35 Senador Nilo Coelho S 09º20'05"; W 040º36'23" Costa Rica M. enterolobii
36 Senador Nilo Coelho S 09º20'22"; W 040º36'48" BRS Sertaneja M. enterolobii
37 Senador Nilo Coelho S 09º19'44"; W 040º37'36" Junko M. enterolobii
38 Senador Nilo Coelho S 09º20'57"; W 040º37'16" Junko M. enterolobii
39 Senador Nilo Coelho S 09º23'07"; W 040º37'34" Junko M. enterolobii
40 Senador Nilo Coelho S 09º22'46"; W 040º36'54" BRS Sertaneja M. enterolobii
41 Associação Fonte da Vida c S 09º30'51"; W 040º51'25" Junko M. enterolobii
42 Associação Fonte da Vida S 09º30'12"; W 040º51'28" Junko M. enterolobii
43 Associação Fonte da Vida S 09º30'51"; W 040º51'34" Junko M. enterolobii
44 Associação Fonte da Vida S 09º30'74"; W 040º51'35" Junko M. enterolobii
45 Associação Fonte da Vida S 09º30'56"; W 040º51'35" Junko M. enterolobii
46 Associação Fonte da Vida S 09º30'42"; W 040º51'33" Junko M. enterolobii
47 Associação Fonte da Vida S 09º30'32"; W 040º51'32" Junko M. enterolobii
48 Associação Fonte da Vida S 09º30'73"; W 040º51'31" Junko M. enterolobii
49 Associação Asa Branca c S 09º27'54"; W 040º55'47" Junko; BRS Sertaneja M. incognita
50 Associação Asa Branca S 09º27'51"; W 040º55'46" Junko; BRS Sertaneja M. javanica
51 Associação Asa Branca S 09º27'54"; W 040º55'44" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii + Meloidogyne sp.
52 Associação Asa Branca S 09º27'54"; W 040º55'41" Junko; BRS Sertaneja M. incognita
53 Associação Asa Branca S 09º27'56" W 040º55'39" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii
54 Associação Asa Branca S 09º27'57"; W 040º55'31" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii
55 Associação Asa Branca S 09º28'00"; W 040º55'29" Junko; BRS Sertaneja M.enterolobii
56 Associação Asa Branca S 09º28'3"; W 040º55'22" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii
57 Associação Asa Branca S 09º28'4"; W 040º55'17" Junko; BRS Sertaneja M. enterolobii
58 Maria Tereza S 09°09'06"; W 040°33'02" Junko M.enterolobii
59 Maria Tereza S 09°09'30"; W 040°32'41" Junko M. enterolobii
60 Maria Tereza S 09°09'02"; W 040°31'05" Okinawa M. enterolobii
61 Senador Nilo Coelho S 09°20'23"; W 040°40'49" Flor Branca M. enterolobii
62 Senador Nilo Coelho S 09°21'27"; W 040°41'44" Junko M. enterolobii
63 Senador Nilo Coelho S 09°21'40"; W 040°41'49" Okinawa M. enterolobii
64 Senador Nilo Coelho S 09°20'50"; W 040°41'43" Flor Branca M. enterolobii
65 Senador Nilo Coelho S 09°20'50"; W 040°41'43" Junko M. enterolobii
66 Senador Nilo Coelho S 09°20'48"; W 040°42'06" Okinawa M. enterolobii
67 Senador Nilo Coelho S 09°21'03"; W 040°42'07" Flor Branca M. enterolobii
68 Senador Nilo Coelho S 09°20°35"; W 040°42'16" BRS Sertaneja M. enterolobii
69 Senador Nilo Coelho S 09°21'15"; W 040°42'28" Flor Branca M. enterolobii
70 Senador Nilo Coelho S 09°21'18"; W 040°42'25" BRS Sertaneja M. enterolobii
71 Senador Nilo Coelho S 09°20'43"; W 040°42'23" Okinawa M. enterolobii
72 Senador Nilo Coelho S 09°24'05"; W 040°31'30" Junko M. enterolobii
73 Mandacaru a S 09°23'25"; W 040°25'13" Junko M. enterolobii
74 Mandacaru S 09°23'42"; W 040°23'58" BRS Sertaneja M. enterolobii
75 Mandacaru S 09°23'05"; W 040°25'08" BRS Sertaneja M. enterolobii

a Município de Juazeiro-Bahia.

b Município de Petrolina-Pernambuco.

c Município de Sobradinho-Bahia.

As amostras de solo e raízes infetadas com Meloidogyne spp., com a presença de galhas nas raízes, foram encaminhadas para o Laboratório de Nematologia da Embrapa Semiárido. As raízes foram selecionadas, eliminando as regiões sem galhas e massas de ovos. Vasos de polietileno (3 L) foram cheios com 50% de solo argilo-arenoso esterilizado e 40% com solo e raízes de cada amostra. Um tomateiro cv. Santa Clara (suscetível aos NGR), com cerca de quatro semanas, foi transplantado para cada um dos vasos, para multiplicação dos NGR e posterior caracterização bioquímica. Os vasos foram mantidos em estufa com climatização controlada (temperatura: 23-32ºC, umidade relativa a 60%).

Caracterização bioquímica

A caracterização bioquímica das populações de Meloidogyne spp. foi realizada através da análise dos padrões enzimáticos de esterases obtidos por electroforese (Carneiro et al., 2000).

Quarenta dias após o transplante dos tomateiros, foram extraídas fêmeas, em início de postura e com coloração branco-leitosa, de raízes infetadas, com o auxílio de uma pinça de bicos finos, ao microscópio estereoscópico. As fêmeas foram colocadas em tubos do tipo eppendorf de 1,5 mL (seis fêmeas/tubo) aos quais tinham sido adicionados 6 µL de tampão de extração (20% peso/vol. de sacarose, 2% vol./vol. de Triton X-100, 0,01% peso/vol. de azul de bromofenol) (Esbenshade e Triantaphyllou, 1985). De cada uma das amostras recolhidas foram preparados oito tubos.

De seguida, as fêmeas foram maceradas com o auxílio de um pistão e o extrato proteico aplicado no gel de concentração. Em cada um dos géis foi utilizado um extrato proteico de seis fêmeas da população de referência - M. javanica. Os géis de separação (7,5%) e de concentração (4%) foram preparados de acordo com a metodologia descrita por Alfenas et al. (1991). A eletroforese decorreu em condições de baixa temperatura (≈4ºC) a 80 V, até a linha de azul de bromofenol atingir o gel de separação, e de seguida a 130 V. A eletroforese terminou quando a linha formada pelo corante se aproximou da extremidade inferior do gel de separação, aproximadamente 2 h depois.

Terminada a eletroforese, os géis foram cuidadosamente removidos e transferidos para gerbox (11x11x3,5 cm) com solução corante (tampão de fosfato de potássio 0,05 M, pH 6,0, contendo 0,05% vol./vol. de naftil acetato, 0,1% peso/vol. de Fast Blue RR Salt). A coloração decorreu a 37ºC, no escuro durante 20 minutos (Alfenas et al., 1991). Após a secagem à temperatura ambiente, os fenótipos de esterase foram caracterizados tendo sido calculada a mobilidade relativa (MR= distância percorrida pela banda/distância percorrida pelo corante de referência) das bandas polimórficas de cada população e as espécies de Meloidogyne identificadas por comparação com o fenótipo da população de referência, M. javanica (Esbenshade e Triantaphyllou, 1985, 1990).

Os fenótipos enzimáticos encontrados foram designados por uma letra e um número que correspondem, respectivamente, à inicial do restritivo específico da espécie de NGR identificada e ao número de bandas presentes no gel (Esbenshade e Triantaphyllou, 1985, 1990).

Uma vez identificadas as misturas de espécies de NGR, o que ocorreu em três amostras (Quadro 1), uma massa de ovos por fêmea foi recolhida, guardada individualmente em tubos do tipo eppendorf de 1,5 mL contendo NaCl a 0,1% (Esbenshade e Triantaphyllou, 1990; Carneiro e Almeida, 2001) e de seguida depositadas em solo contendo um tomateiro cv. Santa Clara. Quarenta dias após a inoculação repetiu-se o procedimento anteriormente descrito para confirmação das espécies de NGR presentes nas misturas.

RESULTADOS

A prevalência de NGR nas áreas de aceroleira amostradas, no Submédio do Vale do Rio São Francisco, foi de 100%. Em 75 amostras recolhidas, identificaram-se 75 populações de Meloidogyne (Figura 1). A cultivar Junko de aceroleira é a mais cultivada na região, pelo que 44% das amostras foram recolhidas em áreas com esta cultivar. Foram encontrados NGR também associados às cultivares BRS Sertaneja, Flor Branca, Costa Rica e Okinawa (Quadro 1).

Figura 1 Locais de amostragem de Meloidogyne spp. em áreas de aceroleira, em três municípios do Submédio do Vale do Rio São Francisco (Petrolina-Pernambuco; Juazeiro-Bahia e Sobradinho-Bahia). Os círculos representam a frequência de cada espécie de Meloidogyne identificada em cada um dos municípios. A - áreas amostradas; N - populações identificadas em cada município. 

A análise dos géis de poliacrilamida revelou a presença de cinco fenótipos de esterases distintos (Figura 2). O fenótipo En4 (Rm: 0,71; 0,77; 0,93; 0,97), típico de M. enterolobii, foi detectado em 72 amostras (96%). Esta espécie foi a mais frequente, estando presente em todas as áreas e associada a todas as cultivares de aceroleira (Quadro 1).

Figura 2 Fenótipos de esterase das populações de Meloidogyne spp. provenientes de áreas de aceroleira do Submédio do Vale do Rio São Francisco (A) e respectiva representação esquemática (B), com indicação da frequência de cada espécie (%). A - M. javanica (J3); B - M. enterolobii (En4/VS1-S1); C - M. incognita (I1); D - M. arenaria (A2); E - Meloidogyne sp. (P1); MR = mobilidade relativa. 

O fenótipo I1 (Rm: 1,02), característico de M. incognita, foi observado em duas amostras (2,6%), ambas no município de Sobradinho-Bahia e em áreas com as cultivares Junko e BRS Sertaneja (Quadro 1). O fenótipo J3 (Rm: 1,0; 1,12; 1,2), típico de M. javanica, foi observado em apenas uma amostra proveniente de uma área cultivada com as cultivares Junko e BRS Sertaneja, em Sobradinho-Bahia (Quadro 1).

Meloidogyne arenaria, fenótipo A2 (Rm: 1,2; 1,3), foi detectada também somente em duas amostras, em mistura com M. enterolobii, em áreas com as cultivares Flor Branca e BRS Sertaneja, no município de Petrolina-Pernambuco (Quadro 1).

Foi detetada também uma população com um fenótipo de esterases atípico denominado P1 (Rm: 1,2), não sendo possível a sua identificação (Quadro 1). Esta espécie foi obtida numa área de aceroleira do município de Sobradinho-Bahia, juntamente com M. enterolobii. O fenótipo é semelhante ao de M. paranaensis. No entanto, ao utilizar o marcador SCAR (Região amplificada de sequência caracterizada) não houve amplificação de fragmentos da amostra, não sendo possível ainda identificar a espécie.

DISCUSSÃO

A presença de NGR em todas as áreas amostradas da região do Submédio do Vale do Rio São Francisco pode ser explicada pelas ótimas condições de sobrevivência e disseminação. As principais cultivares de aceroleira plantadas na região foram identificadas como hospedeiras do NGR e isso pode explicar a sua crescente disseminação entre os pomares (pers. com.). As condições ótimas de temperatura e humidade da região facilitam a ocorrência de várias gerações de NGR durante o ano e muitas infestantes existentes nos pomares são autênticos reservatórios de nematoides. Outro fato que tem vindo a favorecer a disseminação e instalação dos NGR é a comercialização irregular de plântulas de aceroleira infetadas (Sharma e Junqueira, 1993; Carneiro, 2003; Torres et al., 2007). No Submédio do Vale do Rio São Francisco, o uso de máquinas e alfaias agrícolas em solos infestados também tem promovido a disseminação destes nematoides para áreas onde ainda não existiam (Carneiro et al., 2006; EPPO, 2016).

Meloidogyne enterolobii foi a espécie mais frequente nas áreas de aceroleira amostradas. A maior parte destas áreas de aceroleira tinham sido, no passado, cultivadas com goiabeira que, em consequência da presença desta espécie de NGR, sofreram uma redução de área de mais de 70%, de 6000 ha em 2000 para 1668 ha em 2006 (Carneiro et al., 2007).

Ao realizar um levantamento das espécies de Meloidogyne, provenientes de diferentes estados produtores de acerola no Brasil, Costa et al. (1999) detetaram a presença de M. incognita, M. javanica e M. arenaria, sendo M. incognita a espécie predominante. De acordo com Ferraz e Brown (2016), fatores edafoclimáticos como temperatura, humidade, porosidade, textura e estrutura do solo, afetam o movimento dos nematoides no solo. A disseminação de M. enterolobii pelas áreas amostradas pode ter sido também favorecida por alguns destes fatores. A textura do solo das 75 amostras recolhidas foi determinada e 97% apresentaram textura média a arenosa. Solos desta natureza apresentam maior porosidade, o que favorece a movimentação dos nematoides e, consequentemente, o processo de infeção das plantas (Wallace, 1969). Nestas áreas, a irrigação também é feita de forma incorreta, sendo observados solos altamente encharcados e, em alguns casos, com escoamento superficial. De acordo com EPPO (2016), M. enterolobii apresenta movimento limitado a poucos centímetros no solo. No entanto, a disseminação pode ser favorecida pelas águas de irrigação ou de chuva.

Meloidogyne enterolobii é uma espécie com ampla distribuição geográfica, polífaga, com elevada taxa de reprodução, referida como muito agressiva e com capacidade para se reproduzir em plantas com genes de resistência para as principais espécies de Meloidogyne (Carneiro et al., 2001; Castagnone-Sereno, 2012). Esta capacidade para superar genes de resistência é uma característica intrínseca da espécie, a qual não é dependente da temperatura do solo, como ocorre para outras espécies, como M. javanica, M. arenaria e M. incognita (Ferris et al., 2013; Carvalho et al., 2015; Rashid et al., 2017). A temperatura de 22ºC, as plantas com genes de resistência utilizadas (tomateiro (Mi-1) e pimentão (N)) foram eficientes contra a infeção e reprodução de M. incognita, porém isso não aconteceu para M. enterolobii (Brito et al., 2007; Kiewnick et al., 2009).

Meloidogyne incognita foi encontrada em apenas duas amostras, contrariando os resultados de Costa et al. (1999), Castellano et al. (2004) e Silva et al. (2016). As duas populações apresentaram o fenótipo I1 de esterases. De acordo com Carneiro et al. (2000), a presença do fenótipo I2 depende do estádio de desenvolvimento do nematoide e do número de fêmeas usadas. As populações de M. incognita tiveram origem em pomares de aceroleira situados em Sobradinho-Bahia, onde a primeira cultura implantada foi a aceroleira. Nessa área, portanto, não houve influência da plantação anterior de goiabeiras que, frequentemente, deixa os solos infestados por M. enterolobii, mas, mesmo assim, esta espécie predominou.

Costa et al. (1999) citam as espécies M. incognita e M. javanica como as espécies de NGR com maior impacto na produção da aceroleira. No entanto, apenas foi detectada uma população de M. javanica nas áreas amostradas. Este facto é sustentado pela ampla gama de hospedeiros e elevada taxa de reprodução e virulência de M. enterolobii o que pode, ao longo dos anos, ter permitido o aumento da frequência desta espécie no campo, suprimindo a reprodução das outras espécies lá existentes (Carneiro et al., 2001).

Finalmente, apenas foram identificadas duas populações de M. arenaria associadas a raízes de aceroleira. As espécies apresentaram o fenótipo A2 e encontravam-se em mistura com populações de M. enterolobii. De acordo com Esbenshade e Triantaphyllou (1990), os fenótipos A1 e A3 de esterases também são descritos para esta espécie, mas não foram detetados nas populações identificadas neste trabalho. Este mesmo fenótipo foi encontrado por Somavilla et al. (2011) e Silva et al. (2016) nas populações de M. arenaria associadas a quivi, no Rio do Grande do Sul, e a diversos vegetais no Estado do Ceará, respetivamente.

Pelo exposto, podemos então concluir que no Submédio do Vale do São Francisco, as aceroleiras se encontravam infetadas por M. enterolobii, M. incognita, M. javanica e M. arenaria, sendo M. enterolobii a espécie mais frequente.

As informações obtidas poderão vir a ser utilizadas para o desenvolvimento de variedades de aceroleira resistentes aos NGR.

Agradecimentos

À FACEPE (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco, Brasil) pela bolsa de estudos do primeiro autor (IBPG-1346-5.01/14).

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Recebido: 05 de Junho de 2018; Aceito: 15 de Setembro de 2020

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