INTRODUÇÃO
São diversas as razões, internas e externas, que justificam o repensar da cadeia de valor do cacau biológico em São Tome e Príncipe (STP) no sentido de promover o seu crescimento e desenvolvimento e a valorização do produto cacau. Ao nível interno, o facto de a economia assentar sobretudo, na agricultura, e o cacau ser o maior contribuinte líquido para atenuar o défice da balança comercial, agravada pela insuficiente produção agrícola para atender o consumo alimentar de uma população crescente. Também pelo abandono e substituição desta produção por outras mais rentáveis e menos exigentes em esforço de trabalho que tem vindo a ocorrer, a sua falta de atratividade para os jovens empreendedores que migram para a cidade com as consequências nefastas que daí advêm, e, sobretudo, porque desta produção subsiste um considerável número de pequenos agricultores familiares pobres e de idade avançada. Ao nível externo, por em todo o mundo, haver uma necessidade crescente do fornecimento sustentável e confiável de grãos de cacau de alta qualidade e existir potencial em STP para satisfazer nichos de procura, pela conjugação das características edafo-climáticas com as variedades de cacau existentes no país.
Não tendo STP condições para competir em termos de massificação de produção nem para realizar investimentos ao nível de outras economias de escala, repensar a cadeia de valor passa por melhorar de uma forma contínua a qualidade e a segurança dos grãos de cacau comerciais exportados, esperando que essa qualidade venha a ser reconhecida e paga pelos industriais internacionais de chocolate. A consequência desejada é que tenha impacto positivo no rendimento dos agricultores e melhoria do seu bem-estar e qualidade de vida e na balança comercial do país. Essa melhoria da qualidade deve ser tida em conta em simultâneo com os processos de certificação já existentes na produção (modo biológico) e na venda de cacau (fair trade). O objetivo deste artigo foi o de descrever os elos que a constituem e repensar a cadeia do cacau biológico de STP, no sentido de a potenciar e valorizar e, consequentemente, contribuir para aumentar o rendimento e a qualidade de vida dos produtores e das suas famílias.
METODOLOGIA
A metodologia adotada seguiu os passos de uma investigação participante, fundamental para descrever a realidade (Saunders et al., 2009) e aumentar o acesso à informação e o conhecimento (Gummesson, 2005), qualitativa na abordagem, descritiva quanto aos objetivos e exploratória no delineamento e recolha de informação oriunda de fontes primárias e secundárias. Estas últimas, derivaram da revisão bibliográfica e documental e, as primeiras, da observação, contato direto e entrevistas pessoais semiestruturadas realizadas no segundo semestre de 2018, a elementos-chave da cadeia de valor do cacau biológico, segundo o método face a face (Malhotra, 2011). Os entrevistados incluíram produtores, responsáveis das duas cooperativas de cacau (CECAB e CECAQ11), técnicos do ministério da agricultura e de empresas privadas (Satocao), empresários locais (Empresa Natural e Roça Santy, Perri), intermediários, distribuidores, exportadores, responsáveis de organismos e programas do estado (PAPAC) e decisores políticos dos ministérios e direções gerais (presidência, agricultura, estudos e planeamento). Os consumidores não foram considerados por STP vender fundamentalmente cacau comercial como matéria-prima à indústria internacional de chocolate. No caso dos produtores, as entrevistas foram realizadas por comunidades e sempre em grupo, num máximo de 12 pessoas por reunião. Ocorreram nos Distritos de Lembá (Brigoma, Ponta Furada, Santa Catarina e Lembá), de Lobata (Santa Luzia, Canavial I e II, Santo Amaro, Bela Vista, Boa Entrada), de Me Zochi (Santa Margarida, Vista Alegre, Batepa, Nova Moca, Cabeça Água, Laura) e de Cantagalo (Pedroma, Uba Budo, Clara Dias, Santo António, Monte Belo e Mendes da Silva), comunidades onde os agricultores têm convertido toda a produção do cacau convencional em biológico e onde veem tentando apostar cada vez vais na venda do cacau seco para que possam ter uma maior rentabilidade.
O processo de análise e tratamento das entrevistas passou, numa primeira fase, pela transcrição total das entrevistas e a revisão do texto reproduzido. Seguidamente procedeu-se a uma leitura prévia tendo sido identificado um conjunto de temas que serviram de referência para a categorização do material. Face aos temas identificados, procedeu-se a uma síntese, por entrevistado, das informações associadas aos temas e seguidamente à categorização destas mesmas informações. Os temas incluíam: 1) razões para produzir cacau biológico (com a categoria intrínsecas - subcategorias tipo cognitivo, tipo afetivo, tipo volitivo e, a categoria extrínseca - subcategorias segurança alimentar e pessoal); 2) Problemas ao nível da produção (nas categorias insumos, mão de obra, utensílios usados, operações culturais, apoio técnico, produtividade, transporte, taxa de conversão do cacau goma em seco, custos, preços, outros); 3) avaliação da ligação/integração do produtor na cooperativa (nas categorias aspetos positivos - subcategorias apoio técnico, fornecimento de insumos e serviços, partilha de conhecimento, reflexão, mudança das práticas culturais, benefícios económicos, e a categoria de aspetos negativos -subcategorias de empenhamento e tratamento desigual, falta de informação, falta de transparência, condições e serviços oferecidos); 4) efeitos do papel da cooperativa (categorizados em melhorias alcançadas, condições de participação, ocasião para mudar, inovar e experimentar e abertura à mudança); e, 5) resultados obtidos (categorizados em económicos, criação de valor, responsabilização, internacionalização, melhoria das condições sociais e bem estar).
A informação obtida na entrevista, complementada com a conseguida através do método de observação que identificou os distintos elos e com a oriunda das fontes secundárias, possibilitou descrever e analisar a cadeia de valor assim como, interpretar e compreender os conteúdos e papéis inerentes a cada elo e correspondentes significados.
Face à dimensão e complexidade, foram assim considerados multimétodos no processo de tratamento e posterior análise e interpretação da informação que incluíram, a já mencionada, transcrição das entrevistas e análise de conteúdo (Walter e Bach, 2009), através de um conjunto de técnicas de análise que permitiram a inferência de conhecimentos relativos às condições de colheita das mensagens (Bardin, 2009), visando uma descrição dos conteúdos de comunicação de forma o mais objetivo, sistemático e quantitativo possível (Auster, 1956) consentindo o seu posterior relacionamento (Coutinho, 2011). Foi ainda realizada a triangulação dos dados conforme sugerido por distintos autores (Greene et al., 1989; Duarte, 2009; Tuzzo e Braga, 2016), como forma de validação dos resultados encontrados, após a análise de conteúdo. Para além da validação, a triangulação permitiu a integração das diferentes perspetivas encontradas na análise da cadeia de valor do cacau, o fenómeno em estudo e a descoberta de alguns paradoxos e contradições, assim como, desenvolver e refletir os resultados encontrados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Descrição dos Elos e Processos na Cadeia de Valor do Cacau Biológico em STP
Os resultados encontrados, permitiram construir a cadeia de valor do cacau biológico apresentada na Figura 1, identificar e descrever os elos que a constituem e a sua relação, assim como compreender as circunstâncias em que os distintos intervenientes atuam. Esta cadeia envolve cinco segmentos principais - produção de cacau, abastecimento e comercialização, processamento em pó e manteiga, fabrico e distribuição de chocolate industrial e venda a retalho aos consumidores finais. Os principais intervenientes incluem produtores de cacau, cooperativas (CECAB e CECAC11), empresas de certificação, comerciantes de cacau, processadores (associações ou empresas - Satocao e Diogo Vaz com produção própria), fabricantes de chocolate (indústria nacional ou internacional) e retalhistas. A estrutura apresentada, está em linha com os estudos encontrados na literatura sobre a cadeia de valor do cacau, que afirmam a sua complexidade por o produto final, o chocolate, exibir grande variedade e não depender apenas desta matéria-prima, mas da incorporação de outras. Para Talbot (2002) o cacau é um produto muito afastado do consumidor final por existir um considerável número de intermediários na cadeia de valor, não apenas ao nível da armazenagem, mas da industrialização e comércio. Também Gilbert (2006), sustenta a criação de valor concentrada nas fases de processamento e manufatura do produto final. O autor distingue as linhas de produção do cacau comercial nos países exportadores, a dos produtos intermédios e a dos produtos finais derivados do cacau (chocolate e outros). Para estes autores, apesar da sua grande dimensão, o mercado internacional de cacau é muito concentrado, havendo poucos intervenientes a representar uma proporção importante do mesmo.
A produção do cacau, proveniente de uma árvore exclusivamente tropical, originária do Brasil e plantada na Ilha do Príncipe em 1822, está atualmente associada a pequenas explorações. Inicialmente foi realizada em grandes explorações (“roças”), tendo atingido um máximo de 35.000 toneladas no séc. XX, altura, em que STP foi o primeiro produtor de grãos de cacau e líder incontestado em qualidade. Razões políticas, económicas e de gestão deficiente, levaram ao retrocesso e abandono desta produção. Atualmente, a produção de cacau biológico ocorre apenas na ilha de São Tomé, não sendo o produto certificado como biológico na ilha do Príncipe.
Embora sujeito a algumas pragas e doenças, sobretudo o míldio, a produção do cacau biológico, que leva cerca de 5 meses, não recorre a fertilizantes, usa apenas como insumos o sulfato e a cal que são subvencionados pelo estado, recebendo os agricultores formação sobre os procedimentos normalizados da certificação biológica e utensílios e equipamentos.
As cooperativas CECAB, criada em 2004, operacional a partir de 2005 e autónoma desde 2012 e a CECAC 11, criada em 2011, concentram a grande maioria dos produtores de cacau biológico (Quadro 1). Ambas são financiadas pelo FIDA (Fundo para o Desenvolvimento da Agricultura) e PAPAC (Projeto de Apoio à Agricultura Comercial) e apoiadas por diversas organizações não-governamentais e pelo centro de investigação agronómica e tecnológica (CIAT). A CECAB, reúne a maior proporção dos produtores (2139) detendo a CECAC 11 cerca de 1100. Cada uma das cooperativas congrega diversas associações organizadas por zonas geográficas, que recebem a semente do cacau proveniente dos agricultores em dois períodos (agosto-setembro e fevereiro-março) (Figuras 2 e 3).
Cooperativa | Nº de Produtores | Área Total (ha) | Produção (kg) | Área Média da Exploração (ha) | Produtividade (kg/ha) | Preço Cacau (Dbs Kg/seco) | Preço FOB (€/ton) |
CECAB | 2139 | 4560 | 965774 | 2,1 | 212 | 46550 | 2540 |
CECAQ11 | 1135 | 1800 | 302000 | 1,6 | 168 | 50000 | 2816 |
Fonte: Prazeres (2018)
A Figura 4 apresenta a evolução da produção total de cacau biológico entre os anos 2005 e 2017 para a CECAB e os anos 2012 e 2107 para a CECAQ11. Ambas somaram, em 2015, aproximadamente 1300 toneladas de produção. Em casos pontuais os produtores podem entregar a semente do cacau a um comprador/negociante/intermediário que pode ser um funcionário ou representante de uma indústria internacional de chocolate ou um agente de exportação.
A formação aos agricultores e as estratégias de motivação para garantir os níveis e a qualidade da produção do cacau biológico é feita pelas cooperativas que também fazem formação de técnicos das associações que as integram e a que os produtores pertencem, técnicos estes que depois dão formação aos agricultores. Papel importante é realizado pelos denominados “sociotécnicos” que são produtores com bom desempenho na cultura do cacau que fazem o seguimento de outros agricultores, sendo remunerados por essa tarefa. Na realidade estes sociotécnicos acabam por substituir o papel dos serviços de extensão que cabia ao estado assegurar. Para além do trabalho estritamente agrícola, as cooperativas desenvolvem outras ações, como atividades sócio-recreativas nas comunidades, convidando especialistas que contribuem para sensibilizar os agricultores sobre diversos temas (violência doméstica, igualdade de género, consumo de álcool, doenças), financiam pequenas obras sociais nas comunidades e prestam apoio aos mais necessitados (medicamentos, óculos, caixões).
O registo de toda a informação é feito de forma manual ao nível das associações e o levantamento informático feito pela cooperativa, sendo que a CECA 11 tem melhor desempenho a este nível do que a CECAB. Nas associações bem organizadas, o processo descrito funciona melhor, havendo menos reclamações por parte dos produtores.
Para além das mencionadas cooperativas, contribuem para a produção de cacau biológico em ST produtores privados, dos quais se destacam sobretudo a Satocao, uma sociedade de exploração cacaueira suportada num investimento suíço fundada em 2010, e a Kennyson na Roça Diogo Vaz, em atividade desde 2014 e recentemente, com um projeto de uma fábrica de chocolate, uma loja e outros investimentos de menor dimensão. Ambas com certificação biológica, têm contribuído para a reabilitação da produção de cacau e para a melhoria da qualidade de vida das comunidades rurais, ao estarem associadas a pequenos e médios produtores dessas comunidades.
O fruto, selecionado em goma (o verde é recusado) e classificado pela associação pelo nível de profissionalismo do produtor (A, B, C) é registado e pago em avanço. As cascas das sementes de cacau são descartadas e o cacau em goma, depois de fermentado por seis a sete dias em caixas de fermentação de dimensão variável (geralmente 1 tonelada ou 500 kg), segue para o secador para perder humidade até ficar com 8%, sendo ensacado e enviado para a cooperativa a que a associação do produtor pertence. No final do processo, depois de seco, é feita a diferença/ conversão do que foi entregue em goma e em seco e o pagamento acertado com o produtor. A taxa de conversão do cacau em goma para seco é cerca de 60%. O processo de fermentação é vital para que o sabor a chocolate seja totalmente potenciado e desenvolvido nas etapas de processamento posteriores, nomeadamente na torrefação.
A compra de cacau diretamente aos agricultores por negociantes locais ou à CECAB e à CECAQ11 e a sua movimentação para o porto está em geral nas mãos de operadores privados. Estes intermediários podem ser funcionários ou representantes das marcas internacionais de chocolate ou agentes de exportação. Em geral, são os negociantes itinerantes, com pequenas camionetas que regularmente vão às aldeias, compram o cacau diretamente ao agricultor, após uma rápida verificação de qualidade e humidade, seguida de pesagem bruta. Estas balanças raramente são verificadas pelas autoridades competentes. O cacau é, neste caso, entregue no mesmo dia num centro de recolha próximo e/ou, logo transferido para os exportadores na área portuária.
O processo de certificação, realizado por uma entidade idónea, habilitada para tal e independente de todos os outros intervenientes na cadeia de valor, começa pela plantação, com a visita aos lotes e a obtenção de informação sobre densidade, idade, estado sanitário, localização (por exemplo, não existe certificação de plantações próximas de oficinas e quintais), estado de manutenção do lote, para ser possível fazer uma projeção da produção a obter. Se o lote estiver em condições de ser certificado, o proprietário é questionado sobre as operações culturais que realiza e a quantidade produzida. Embora os pequenos produtores não declarem as vendas, como comercializam sempre a uma determinada cooperativa ou a um outro transformador, que assegura e paga a certificação e estes têm registo das compras realizadas a cada produtor, é possível fazer os balanços de massa.
O estado não intervém, nem pode, no processo de certificação do cacau biológico, limitando-se a emitir um certificado de origem ligado à qualidade, com base na quantidade de roxos, vazios, ph, peso unitário e, peso total, entre outros parâmetros, existentes em cada 100 sementes de cada lote. A classificação é feita pelo CIAT (Centro de Investigação Agronómica e Tecnológica) de STP. Existem normas para o cacau fino baseadas, entre outros atributos, no aroma, sabor, número de sementes em 100 gramas, tipo de saco e tipo de costura. Algumas entidades certificadoras, antes da exportação realizam uma análise de resíduos.
O cacau, sobretudo vendido para o mercado internacional, passa por uma operação conhecida como conversão ou moagem, donde se obtêm dois produtos intermédios, a manteiga e o pó de cacau que são posteriormente recombinados, em distintas proporções, para o fabrico do chocolate, juntamente com outras matérias-primas como o leite e o açúcar. O pó de cacau pode, isoladamente, ser ainda usado na confeção de outros produtos. Quer a manteiga quer o pó de cacau são obtidos em proporções aproximadamente fixas devido ao teor regular de gordura da semente do cacau, sendo adquiridos por industriais de chocolate na Europa e também nos Estados Unidos da América.
Uma vez chegada aos países consumidores a mesma semente é convertida em manteiga de cacau (destinada à produção de chocolate) ou em cacau em pó (destinada à indústria de doçaria). Por norma este processo não é da responsabilidade dos industriais de chocolate, embora alguns dos grandes fabricantes tenham capacidade para realizar quer o processo de transformação do cacau, quer a aquisição da matéria-prima nos países produtores. Algum cacau pode ser processado nas áreas de produção, embora por norma sejam escolhidas sementes de menor qualidade (Orlandi, 2011).
Comprovando o referido por Talbot (2002) também o cacau biológico em STP é um produto muito afastado do consumidor final, quer pela existência de intermediação, quer por o produto não ser transformado e vendido como chocolate, mas em seco, ou seja, em forma não processada. Alguns destes intermediários com grande poder na cadeia de valor, abrem possibilidades de escoamento do produto diretamente à indústria e ao mercado do chocolate através de formas de certificação e de transação do cacau biológico desconhecidas da produção. Esta situação é facilitada pelo conhecimento dos industriais do mercado e das preferências dos consumidores e pela tomada de decisão focada no marketing e no desenvolvimento de novos chocolates e outros produtos dele derivados, externalizando o menor rendimento das operações de conversão.
Os grãos de cacau passam por muitos estágios diferentes de processamento antes de serem misturados com outros ingredientes para produzir chocolate. Manteiga de cacau e licor são usados para fazer chocolate, enquanto o cacau em pó é usado em bebidas e outros produtos de confeitaria. O chocolate de boa qualidade deve conter uma percentagem relativamente alta de cacau (até 70%) embora muitas vezes contenha apenas 20% (Cappelle, 2008). O processamento do cacau em STP é reduzido e apenas ocorre na empresa Claudio Corallo e Diogo Vaz. Para Koning e Jongeneel (2008). Para além das condições tropicais serem inadequadas ao armazenamento das sementes de cacau, existem outras razões para a transformação ocorrer nos países de destino. Os custos de energia serem altos para manter a temperatura baixa na transformação, a necessidade de elevado capital, o fornecer apenas emprego limitado aos trabalhadores e, os produtos intermediários e acabados de cacau serem menos facilmente transportáveis, são outras justificações.
O cacau pode ser armazenado por cerca de 6 meses na forma como é comercializado no mercado mundial (Talbot, 2002). Também o cacau em pó, a manteiga de cacau e o chocolate podem ser armazenados, havendo igualmente comércio internacional desses produtos. Em geral, o armazenamento de cacau é feito nos países de destino, a Europa e a América do Norte, porque a logística e as condições climáticas são mais adequados. Enquanto no hemisfério Norte, o cacau pode ser armazenado por vários anos, armazenar o cacau na origem em climas mais quentes é difícil por os compradores internacionais quererem que as encomendas cheguem com não menos que 5,5% de humidade e não mais que 7,5-8%. Assim, as condições de ventilação na armazenagem e transporte são muito importantes, assim como as de permanência do cacau na área do porto por alguns dias esperando para ser despachado. Para remessas enviadas em contentores (em sacos ou a granel), a velocidade de carregamento da embarcação deve ser grande. O mau estado das infraestruturas pode dificultar a produção e limitar a rede de comercialização.
Em termos de preços e margens comerciais, a produção de cacau, apesar de ser um dos principais pilares da cadeia de valor é também o seu elo mais fraco. No caso de existir um colapso do preço de mercado essa redução reflete-se no rendimento dos agricultores com consequências mais graves do que nos restantes intervenientes, não apenas por o preço ter impacto no seu nível e qualidade de vida e subsistência, mas também por determinar a continuidade e melhoria da produção e, a viabilidade e sustentabilidade da própria cadeia de valor. Para Orlandi (2011) que faz a análise económica dos diferentes sistemas de produção de cacau de STP, as variáveis mais importantes na estrutura de receitas e de custos, fundamentais a uma boa gestão e à elaboração de politicas de desenvolvimento agrícola, são, a manutenção de informação fidedigna e regular aos intervenientes no processo, a realização pelo agricultor do tratamento pós-colheita numa lógica de rácio beneficio/custo e, a possibilidade do produtor identificar, a partir do preço de exportação da semente de cacau, os valores parciais a jusante da sua própria venda.
Embora a rentabilidade do cacau seja variável, em função do sistema de cultivo e do desempenho de cada agricultor, de acordo com a qualidade e classificação do cacau produzido e com o contexto socioeconómico de cada país produtor, pode dizer-se que o preço pago e justo pelo cacau fino é de aproximadamente US $3,5 por quilo (ICCO, 2017). Infelizmente, não é este o preço atual, é mais baixo, razão pela qual a produtividade e os padrões de vida dos agricultores de cacau estão em declínio em muitos países e também em STP. A principal causa é a superprodução de alguns países induzida por uma má interpretação da tendência global dos mercados consumidores de cacau e seus derivados, que os leva a produzir muito mais do que a capacidade de absorção dos mercados. No caso de STP, os produtores têm tentando apostar cada vez vais na venda do cacau em seco para que possam ter uma maior rentabilidade pois a venda de gomas está por volta dos 13 Stn e o seco varia entre 39 e 40 Stn.
Os preços de cacau pagos aos produtores são indexados aos estabelecidos no mercado internacional, que são apresentados na Figura 5. A sua análise mostra não apenas a volatilidade dos mesmos como o seu decréscimo nos últimos anos, com consequências negativas para todos os intervenientes na cadeia de valor, em particular os produtores que representam a menor parcela de distribuição desse valor. Contudo, os agricultores detêm a maior quota de representatividade na cadeia de valor (74%) seguidos, por ordem decrescente de importância, das operações de Moagem (60%), dos industriais de chocolate (55%) e, dos comerciantes (40%) (ICCO, 2017). O preço de venda FOB (free on board) do cacau biológico, é cerca de 2 500 euros por tonelada, ou seja, aproximadamente 60 Stn/Kg, das quais, 50 a 60% é a proporção destinada à produção (cooperativa e produtor), 30 a 20 % corresponde aos custos ligados à exportação da responsabilidade da cooperativa, denominados Fobing costs (taxa de exportação, emissão do certificado de qualidade do CIAT e respetivas análises físico-químicas, certidão da Direção do Comércio, transporte e combustível até ao porto, carregamento no barco e colocação dos sacos na estiva), 5 a 6% são custos de funcionamento, 4 a 5 % destina-se ao Fundo Estrutural e de Desenvolvimento Social (Insumos, medicamentos para os agricultores, pulverizadores, infraestruturas) e 10 a 15% é usado para eventuais custos imprevistos. Ou seja, da margem bruta de comercialização (60 Stn/kg), corresponde à cooperativa um valor de 36 Stn/kg, recebendo o produtor apenas entre 18 a 25% deste valor (10 a 15 Stn/Kg), em virtude da cooperativa lhe descontar os seguintes custos operacionais: fundo de poupança a usar com fins sociais (10%), custos adicionais (8% a 10%) relacionados ao funcionamento da associação dos agricultores e ao desconto para a depreciação dos equipamentos (plástico dos secadores) e renovação da plantação. Descontando os custos, a margem líquida do agricultor vai corresponder a 18 a 22 Stn/kg, ou seja, cerca de 50% a 60% do valor inicial atribuído à produção (cooperativa e agricultores). Neste âmbito, Prazeres (2018) propõe uma estratégia de marketing e criação de valor para o cacau biológico de STP no mercado internacional assente numa IGP, como uma marca coletiva criadora de valor para todos os elos da cadeia, em particular os produtores de cacau biológico de STP.
Para além da emissão do certificado de origem ligado à qualidade, cuja classificação é feita pelo CIAT, o estado presta algum apoio aos pequenos agricultores e dá incentivos, através do FIDA, às cooperativas CACEC 11 e a CECAB, esta última já autónoma e a primeira num caminho no sentido de uma maior autonomização. Por outro lado, o Governo tem subvencionado ao longo dos tempos o sulfato de Cobre e Cal, para prevenção do míldio, a principal doença que ataca os cacaueiros, em cerca de 70%. De referir ainda que se perspetiva para breve o arranque de um novo projeto de Apoio às fileiras agrícolas de exportação, onde o cacau tem primazia, a ser financiado pela União Europeia. Uma das iniciativas deste projeto relaciona-se com a promoção da Marca do Cacau de STP e a criação do IGP-Identificação Geográfica Protegida para os principais produtos de exportação, entre outras atividades. Neste contexto, de mencionar o trabalho de Oliveira (2014) que desenvolveu uma proposta de certificação para o cacau de STP.
Repensar a Cadeia de Valor do Cacau Biológico em STP
Apesar dos resultados encontrados no estudo revelarem que quase a totalidade dos entrevistados, incluindo produtores, reconhecer a importância da qualidade do cacau para o desenvolvimento da cadeia e criar valor, existe também a perceção e a preocupação da dificuldade em conseguir incentivar e adequar a produção e o processamento para conseguir a qualidade de cacau premium desejada. Por outro lado, para muitos, em STP cultiva-se o melhor cacau do mundo.
Fazer a carta de solos e de fertilidade agrícola e a zonagem e ordenamento da produção de cacau por essas zonas/condições edafo-climáticas, atualizando a antiga carta de potencialidade agrícola com informação relevante, como a da fertilidade dos solos proveniente do projeto em curso da FAO, entre outros levantamentos de dados a fazer sobre variedades e condução das plantações, práticas agrícolas, locais e condições pós-colheita, incluindo o processo de fermentação, secagem e classificação, é fundamental. Aprofundar a análise da cadeia de valor é igualmente necessário para entender os elos ou processos críticos à melhoria da qualidade desejada e à criação de valor.
Os resultados sugerem também que repensar a cadeia de valor, passa ainda pela criação da figura jurídica de uma IGP (Indicação Geográfica Protegida, por exemplo Cacau Biológico de São Tomé e Príncipe-IGP) como uma solução para o crescimento e desenvolvimento sustentável da cadeia de valor e a valorização do Cacau Biológico de STP, conforme proposto por Prazeres (2018). O registo do nome geográfico Cacau Biológico de São Tomé e Príncipe-IGP é uma forma de proteção jurídica dos produtores e dos outros intervenientes na cadeia de valor que impede que o produto se torne genérico e possa ser adulterado, reproduzido ou falsificado. Só aos operadores desta cadeia de valor é concedido o direito exclusivo ao uso desse nome. Também pela notoriedade e consequente potencial valor que uma IGP pode atingir no mercado. Neste âmbito, o controlo é fundamental para evitar que os legítimos produtores, cooperativas e demais operadores da cadeia de valor sejam lesados, que haja concorrência desleal no mercado entre aqueles que cumprem as regras e os que não as cumprem e, que o consumidor seja defraudado.
Para além disso, uma IGP pode ter um efeito positivo e ajudar a melhorar a sustentabilidade dos distintos operadores da cadeia de valor, a balança comercial e impulsionar outros setores, como o turismo, desde que: i) haja um reforço das capacidades, do quadro jurídico-legal e do código da propriedade intelectual e a institucionalização de um sistema nacional de qualidade; ii) os produtores, cooperativas e outros operadores económicos estiverem interessados; iii) a área geográfica da IGP esteja claramente definida, sem ambiguidades, para que os produtores, demais intervenientes e autoridades competentes possam agir sobre bases corretas e fiáveis; iv) seja elaborado um Caderno de Especificações e processo de qualificação e registo da IGP adequado que sirva como um guia de orientação fundamental a todos os operadores; v) exista uma entidade responsável pela coordenação e gestão do uso da IGP e pela sua dinamização e valorização ou promoção; vi) o organismo de controlo for acreditado, oferecer garantias de objetividade, imparcialidade e transparência de atuação; vii) exista cooperação na construção de uma estratégia de posicionamento internacional; viii) o mercado valorizar o produto e os consumidores estiverem disponíveis a pagar um valor que permita remunerar todos os custos (comuns e de controlo); ix) haja, para contornar o problema de escala, uma maior concertação de estratégias de internacionalização com outros sectores ou produtos com objetivos de posicionamento semelhantes e direcionadas para um consumidor-alvo idêntico; x) o Cacau Biológico de São Tomé e Príncipe-IGP, na sua componente de promoção coletiva e para ganhar eficiência ou escala, se articule mais, não apenas de uma forma estratégica, mas, sobretudo operacional, com o turismo, o café biológico e, a gastronomia, entre outros sectores fundamentais.
Também não existe regulamentação nem restrições à expansão do cacau biológico. É uma questão da opção individual de cada produtor. Contudo, normativas e regulamentação específica para o sector de cacau biológico em STP são necessárias, sendo indispensável proceder à atualização da lei sobre o cooperativismo (lei-33/85), para que esta espelhe a realidade e possa beneficiar todos os associados, servindo o interesse coletivo e da comunidade. Segundo os decisores políticos entrevistados, falta regulamentação no sector, nomeadamente, de maior controlo de processos na cadeia de valor para garantir a qualidade do produto final, de credenciação dos operadores no mercado (compradores e outros intermediários), de regulação da comercialização e do preço de mercado, de combate ao roubo de cacau nas parcelas e, de apoio à colocação do produto (cacau seco) em bolsa para não estar dependente de um único comprador internacional, reduzindo a capacidade negocial.
Mesmo havendo alguns incentivos fiscais dados pelo governo, pela criação de emprego, promoção da industrialização e agregação de valor às matérias-primas, a própria indústria internacional não investe em STP para processamento do cacau na origem por este apresentar uma série de desvantagens e restrições comerciais, incluindo o fornecimento de sementes de uma única origem, os custos de transporte para os usuários finais e a necessidade de transportar a manteiga em forma sólida, em contraste com o envio por processadores em países consumidores em forma líquida e aquecida. Acresce ainda o escalonamento de tarifas e a concorrência de processadores de países industrializados que embarcam numa base just-in-time, em contraste com STP onde existe menos controle sobre a data de entrega e não cumprimentos dos padrões de qualidade e higiene exigidos pelos usuários finais.
CONCLUSÕES
A pesquisa participante, qualitativa quanto à abordagem, descritiva quanto aos objetivos e documental, bibliográfica e de campo quanto ao delineamento, mostrou ser adequada aos objetivos do estudo. Em particular as entrevistas e a observação participante, originaram informação relevante para caracterizar a cadeia de valor do cacau biológico em STP e produzir informação sobre perceções, comportamentos e atitudes que, por via da sua interpretação, foi fundamental para a reflexão realizada.
Repensar a cadeia de valor passa por distintos aspetos. Por um lado, por melhorar a produtividade, ultrapassando os principais problemas na produção de cacau, que se prendem com o encontrar alternativas para o controle de sombra, com o défice hídrico, motivado pelas alterações climáticas, pela seca e por condutas de rega destruídas (existentes até aos anos 90, mas que se degradaram devido à falta de manutenção), pela baixa densidade do cacauzal e pelo abandono de muitas plantações. Por abandono entende-se a saída da atividade ou sua substituição por outra mais rentável, mas também a quebra de práticas agrícolas que permitiam elevados rendimentos culturais, como a renovação dos cacauzais envelhecidos, a remoção de frutos caídos, as retanchas e a melhoria dos cuidados fitossanitários relacionados à aplicação de cal e sulfato, face ao acesso relativamente limitado que os produtores têm a estes insumos, subvencionados pelo estado. Por outro lado, por melhorar de uma forma contínua a qualidade, tendo em conta os processos de certificação já existentes na produção em modo biológico e na venda de cacau em fair trade, pela segurança e confiança nessa qualidade do cacau comercial exportado, e pela criação da figura jurídica da IGP. Contudo, para a solução IGP resultar, deve existir um controlo oficial eficaz e uma componente de promoção coletiva que permita ganhar eficiência ou escala, em articulação, de uma forma estratégica e operacional, com o turismo, o café biológico e, a gastronomia, entre outros sectores fundamentais, ajudando a melhorar a sustentabilidade e a qualidade de vida dos distintos operadores da cadeia de valor, a balança comercial e a impulsionar o turismo.
STP apresenta a particularidade, relativamente a outros países produtores de cacau de pequena dimensão, da pós-colheita não ser da responsabilidade dos produtores. Esta situação leva a uma rutura na participação do pequeno produtor na cadeia de valor do cacau biológico, implicando uma diminuição do seu rendimento potencial. A aposta numa IGP do cacau biológico será importante se a sua dinamização e gestão promover uma maior capacitação dos produtores no controle do processo de criar valor e melhorar a qualidade do produto final. A valorização do cacau biológico resultante deste processo deve levar os agricultores a inovar e a experimentar ou aceitar sugestões de melhorias tecnológicas que possam, por exemplo, associar a plantação do cacau a outras culturas complementares, com efeitos na diversificação cultural, no controlo sanitário, na melhoria do ensombramento e, consequentemente, na independência económica e aumento de rentabilidade e bem-estar dos produtores.
Aprofundar o conhecimento da cadeia de valor do cacau biológico é fundamental de modo a permitir determinar, limiares de produção e preço, aumentar a transparência na governação da cadeia de valor e conhecer o preço justo a pagar ao produtor no momento da venda do cacau, evitando-se situações de concentração e abuso de poder na cadeia de valor. Os pagamentos realizados às cooperativas justificam-se numa ótica de disciplina financeira necessária à sustentabilidade económica da cadeia de valor mas, devem ser usados para fazer face a necessidades reais e estar dependentes da manutenção de uma comunicação regular e fidedigna do seu uso por parte dos intervenientes no processo.
Criar conhecimento e novas competências, melhorando as existentes, em investigação, ciência e tecnologia, com a consequente promoção de inovação e processos de aprendizagem educacional e social, é fundamental para que as metas desejadas de transformação agrícola, melhoria contínua de qualidade e criação de valor na cadeia de valor do cacau biológico de STP, possam ser atingidas. Uma agenda em ciência, que forneça orientação sobre onde devem ser feitos investimentos estratégicos na área científica, bem como facilite o alinhamento de ações e recursos para melhorar o valor do uso desse investimento, é reconhecidamente importante, quer para a transformação da agricultura em termos gerais, tendo em vista a sustentabilidade e a segurança alimentar e nutricional, quer para um melhor posicionamento internacional do cacau biológico de STP. Recomenda-se assim o prosseguimento e o aprofundamento deste estudo, alargando a recolha e a análise da informação aos fabricantes internacionais de chocolate e aos consumidores, de forma a conhecer, quer o destino final do cacau biológico de STP, quer a perceção dos industriais e do consumidor final e daí retirar implicações gerenciais que levem a valorizar o cacau biológico de STP e promovam o rendimento e a qualidade de vida dos produtores e das suas famílias.