INTRODUÇÃO
Uma das primeiras árvores de fruto a ser domesticada foi a amendoeira. O sucesso comercial desta cultura relaciona-se com a sua ecologia e as características nutricionais e tecnológicas da amêndoa. Esta cultura, que tradicionalmente ocupava as terras marginais em regiões de clima mediterrânico, atualmente encontra-se dispersa por quase todo o mundo, sendo que 36% da área ocupada pela amendoeira localiza-se na Europa (Aguiar, 2017).
A amêndoa possui uma grande importância económica, ambiental, cultural e social em Portugal, chegando mesmo a ser caracterizadora da paisagem e uma das principais fontes de rendimento em algumas das regiões de Portugal.
As regiões de Trás-os-Montes e Alto Douro e Algarve tradicionalmente eram as duas principais áreas de produção de amêndoa no nosso país. Atualmente temos verificado um crescimento da área de produção no Alentejo, devido, essencialmente, ao surgimento da Barragem do Alqueva e consequente disponibilidade de água para regar.
No nosso país, as variedades tradicionais estão a ser substituídas por novas variedades mais bem-adaptadas ao clima e mais produtivas, embora nas zonas de exploração tradicional de amendoeira, existam, ainda, diversas variedades tradicionais/regionais. Na região do Algarve, dentro das variedades que compõem o pomar tradicional de sequeiro, destacam-se: Bonita, Barrinho Grado, Ferragudo, Lourencinha, Boa casta, Mollar Salles, Bonita de São Brás e Rabo de Raposa (variedades de floração tardia), bem como José Dias, Galamba, Ludo, Amarelo Grado, Duro Amarelo, Duro da Estrada, Mollar da Fuseta (variedades de floração precoce). Já na região de Trás-os-Montes, são de salientar, por ordem de importância, as variedades: Parada ou Refego, Casanova ou Sebastião Guerra, Verdeal, Gémea e Pegarinhos (GPP, 2007).
Maioritariamente, o amendoal no Alentejo está a ser instalado em regadio, em sistemas intensivo e super-intensivo. Nas regiões onde esta cultura é mais tradicional os pomares encontram-se habitualmente em sequeiro, com compassos mais alargados e a condução das plantas em vaso. Registou-se atualmente, na região de Trás-os-Montes, a instalação de algum amendoal em regadio. A busca por produções mais elevadas por hectare tem fomentado o desenvolvimento de novas técnicas de poda e sistemas de condução mais eficientes e aumentado o número de árvores plantadas por hectare.
Segundo Cabo e Matos (2017), em resultado da sua excelente qualidade, a amêndoa produzida no país tem boa procura, a nível interno e externo, e a localização estratégica de Portugal proporciona uma importante vantagem competitiva, pois encontra-se junto dos grandes mercados consumidores de amêndoa transformada da União Europeia. É de salientar que o mercado potencial europeu é cerca de três vezes maior que a oferta atual, constituindo uma janela de oportunidades para a atividade no contexto nacional (Cabo e Matos, 2017). Associado ao crescimento desta cultura no Alentejo têm surgido novos investimentos, tanto nacionais como estrangeiros, na área da transformação.
É necessário ganhar dimensão para aumentar a competitividade externa da amêndoa nacional, pois um dos problemas desta fileira está relacionado com a distribuição do produto e com a concorrência de países produtores com preços mais competitivos. Uma das soluções possíveis é melhorar o setor organizacional da fileira, das estruturas de agregação e dos canais de escoamento.
A amêndoa é um fruto muito utilizado na alimentação, sendo muito apreciado pelo seu sabor, versatilidade culinária e propriedades nutricionais. Estas características e a crescente valorização económica desta cultura têm impulsionado o crescimento deste setor em Portugal e no Mundo. Atendendo a este cenário, pretende-se contribuir para o conhecimento mais pormenorizado do setor da amêndoa, através da análise da evolução deste setor a nível nacional, retratando a produção, comercialização, consumo e comércio externo da amêndoa. Este estudo abarca o período 2005-2019 e tem por base múltipla informação estatística, complementada com outras fontes secundárias.
MATERIAL E MÉTODOS
Com vista à concretização do objetivo deste estudo selecionou-se uma metodologia de investigação quantitativa e descritiva, bem como, a análise de conteúdo de bibliografia sobre o setor da amêndoa.
O estudo abarca o período de 2005 a 2019, e engloba uma análise temporal de indicadores relativos ao setor nacional da amêndoa (volume, área de produção e consumo nacional).
Os dados da produção e área de produção nacional têm por base as estatísticas agrícolas do Instituto Nacional de Estatística - INE e abrangem o período entre 2009 e 2018. Relativamente aos dados de 2019 referentes à área de produção, estes foram recolhidos através do parcelário do iSIP (IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas).
Os dados relativos ao consumo nacional de amêndoa foram recolhidos nas estatísticas do GPP - Gabinete de Planeamento e Políticas e abarcam o período de 2005 a 2017.
Outra importante fonte de informação quantitativa foi a EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, S.A., que contribuiu com os dados relativos aos produtores de amêndoa inscritos no perímetro de rega do Alqueva até fevereiro 2019.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta secção apresenta a análise do consumo nacional de amêndoa, área de produção, regiões produtoras, produção e investimento no setor.
Evolução da área de amendoal em Portugal
Em Portugal (Figura 1) verificou-se um aumento da área de produção de amêndoa. De acordo com a informação recolhida no iSIP, entre 2009 e 2019 registou um aumento de aproximadamente 34%, chegando aos 35 873 hectares em 2019. Também a produção nacional de amêndoa (com casca) aumentou significativamente, cerca de 56%, entre 2009 e 2018. Por sua vez, o rendimento da amêndoa (toneladas por hectare) sofreu um aumento de cerca de 18%, entre 2009 e 2019.
O Quadro 1 demostra que a região que detém a maior área de produção de amêndoa em 2019 é Trás-os-Montes (Distritos de Bragança, Guarda e Vila Real) com 23 120,4 ha de amendoal, ou seja, cerca de 62% da área total nacional. O Alentejo (Distritos de Beja, Évora e Portalegre), atualmente, representa 30% da área total de amendoal, com 10 597,9 ha.
Distrito | Área (ha) |
---|---|
Bragança | 17302,2 |
Beja | 8349,6 |
Guarda | 3521,1 |
Vila Real | 2297,1 |
Évora | 1543,9 |
Faro | 993,6 |
Viseu | 817,2 |
Portalegre | 704,4 |
Castelo Branco | 297,1 |
Setúbal | 16,9 |
Lisboa | 13,5 |
Santarém | 11 |
Coimbra | 3,1 |
Porto | 1,3 |
Leiria | 0,3 |
Braga | 0,1 |
Viana do Castelo | 0,1 |
Se analisarmos a área de amendoal em Portugal por NUT II (Figura 2), verificamos que entre 2013 e 2018 as regiões que tiveram um maior aumento foram o Norte e o Alentejo, registando um aumento de 11,2% e 89,5%, respetivamente. O forte aumento da área de produção de amêndoa no Alentejo pode relacionar-se com a recente facilidade de irrigação dos terrenos, resultante da barragem do Alqueva. Em 2018 a área de produção no Norte chegou aos 21223 hectares, enquanto o Alentejo assinalou 9190 hectares, ultrapassando a área de produção algarvia, uma região, que embora atualmente tenha uma baixa produção de amêndoa, é tradicionalmente uma região de produção deste fruto.
De acordo com dados fornecidos pela EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, S.A., no ano de 2018 foram inscritos 7 462 hectares de amendoal regado e até fevereiro do corrente ano já se encontravam inscritos 6 500 hectares de amendoal regado, estando ainda prevista a inscrição de mais 2 000 hectares. Estes dados mostram a forte dinâmica do amendoal nesta região, que em 10 anos constitui-se como a segunda região em termos de área de amendoal e, dentro de dois ou três anos, com uma produção muito próxima da produção registada em Trás-os-Montes.
Evolução da produção de amêndoa em Portugal
Acompanhando a evolução da área de produção da amêndoa em Portugal, também a produção aumentou, verificando-se um crescimento de 55% entre 2009 e 2017, sendo que entre 2017 e 2018 houve uma quebra de 40% na produção (Figura 1). Segundo o INE (2019), os amendoais tradicionais da região norte foram altamente afetados pela precipitação na plena floração, que dificultou a polinização, ocasionando reduções significativas na produtividade regional. Em 2017 a NUT II Norte teve uma produção 16 358 toneladas e em 2018 baixou para 10 361 toneladas (Figura 3).
De acordo com a Figura 3, as NUTS II onde a produção de amêndoa teve um maior aumento, entre 2013 e 2018, foram o Norte e o Alentejo, registando um aumento de 74%. Apesar de se ter verificado esta quebra na produção, é importante salientar que a região Norte representa 72% do total da produção portuguesa de amêndoa. Esta região é tradicionalmente uma região produtora de amêndoa, detendo a DOP Amêndoa Douro, a única denominação de origem protegida nacional para este fruto.
Evolução do sistema produtivo do amendoal em Portugal
A produção de amêndoa tem uma forte tradição na Península Ibérica e tem sofrido uma grande expansão nos últimos anos com o aparecimento de novas plantações de norte a sul de Portugal, intensificação do sistema produtivo, crescimento da área com rega, uso de variedades autoférteis, de floração mais tardia, mais produtivas, mas com necessidade de maiores cuidados culturais.
Em Trás-os-Montes e no Algarve, embora se tenha verificado a instalação de amendoais com compassos mais apertados (pomares intensivos), instalação de sistema de rega em algumas situações, e uso de variedades autoférteis (Vairo, Guara, Soleta, Belona, Marinada, etc.), a grande maioria dos pomares continuam a ser pomares tradicionais, com compassos mais largos, variedades tradicionais ou mais antigas (Bonita de São Brás, Refego, Pegarinhos, Casanova, Verdeal, Lauranne, Ferragnès, Ferraduel, Ferrastar, Marcona, Masbovera, Tarraco, etc.), maioritariamente enxertadas em GF677, conduzidas em vaso clássico e maioritariamente em sequeiro. Uma das dificuldades que estas regiões enfrentam são os terrenos com algum declive, que acrescem uma maior dificuldade na manutenção do solo. Segundo Almeida (2017), em sequeiro a estratégia mais adequada é a introdução de cobertos vegetais de leguminosas de ressementeira natural, de uma maneira geral, menos competitivas que as gramíneas e fixam azoto atmosférico. A produtividade dos amendoais em sequeiro é baixa, logo é necessário que os custos de exploração sejam baixos. O controlo da vegetação com recurso a herbicidas ou corte tem custos mais elevados, não esquecendo o facto de o uso das leguminosas no coberto reduzir a aplicação de fertilizantes azotados.
Um dos fatores mais limitantes dos amendoais em sequeiro é a dependência da água das chuvas para promover o crescimento e a produtividade das árvores.
No Alentejo, encontramos um panorama totalmente diferente. A área encontra-se em franco crescimento, sendo a quase totalidade dos amendoais em regadio, em sistemas de produção intensivo ou superintensivos, com o uso de variedades autoférteis (Lauranne, Vairo, Guara, Soleta, Belona, etc.), maioritariamente enxertadas em GF677, Rootpac 20 e Rootpac 40, conduzidas em vaso, eixo ou sebe. Neste tipo de sistemas produtivos (intensivos e superintensivos) a rega é obrigatória.
Nos pomares de regadio é habitual implementar-se um sistema misto de gestão do solo baseado em vegetação natural, com aplicação de herbicida residual na linha e enrelvamento da entrelinha gerido com o corte da vegetação (Almeida, 2017).
A fileira da amendoeira, claramente não estava preparada para uma evolução tão rápida e intensa ao nível do sistema de produção, havendo um desconhecimento sobre o comportamento de algumas variedades nas diferentes regiões, hábitos de crescimento das plantas, sistemas de condução e poda, e, muito em particular, sobre a sensibilidade aos inimigos da cultura. Neste último caso, é importante salientar a maior sensibilidade de algumas das novas variedades, sobretudo a doenças, o aparecimento de novos inimigos da cultura em Portugal, sobretudo nas plantações intensivas e superintensivas e o aumento da importância de alguns inimigos mais comuns no amendoal em Portugal.
Investimento no setor (projetos)
Após a consulta dos dados do PRODER/PDR2020 e do IFAP é possível afirmar que houve um aumento significativo do número de projetos, mas também da sua dimensão média e do montante de investimento por projeto, entre 2009 e 2015 (Santos, 2016; Cabo e Matos, 2017). Em Portugal, entre 2009 e 2015, no âmbito do PRODER, foram contratados 891 projetos para investimento em amendoal, perfazendo 6657 hectares, sendo que em 2013 foi o ano que se registou um maior número de contratações. Entre 2014 e 2016, no âmbito do PDR2020, foram executados 1090 projetos de investimento em amendoal, perfazendo 13 318 hectares, sendo que 2015 foi o ano que registou maior investimento, tendo só neste ano atingindo um investimento de 91449000 € (Santos, 2016; Cabo e Matos, 2017).
Previsão de produção futura
Com base no investimento na instalação de amendoal em Portugal continental, no âmbito do PRODER e PDR2020, entre 2014 e 2016, e tendo em conta a área de amendoal no ano de 2019, foi possível fazer uma previsão da produção para 4 anos (Quadro 2). Esta estimativa foi possível assumindo um rendimento de 0,71 t/ha, no 6º ano após a instalação do amendoal. Este cálculo teve por base a estimativa de produção por ha/ano, adaptada a partir das tabelas do IFAP.
Evolução do consumo de amêndoa em Portugal
A par da tendência mundial, também o consumo nacional de amêndoa tem registado um aumento no decorrer dos últimos anos. Este aumento está diretamente relacionado com a tomada de consciência da importância de um estilo de vida e hábitos alimentares mais saudáveis.
Para além do elevado valor nutricional, o sabor e a textura da amêndoa tornam-na muito atrativa. Cerca de 50% da sua constituição é gordura, possuindo ainda proteína e hidratos de carbono. Este fruto tem um elevado valor calórico, cerca de 600 kcal/100 g, sobretudo devido ao seu elevado teor de gordura. Esta gordura é do tipo insaturada. Este alimento constitui, ainda, uma excelente fonte de vitamina E, manganês, magnésio, cobre, fósforo, fibra e riboflavina (Ramalhosa et al., 2017).
O consumo nacional de amêndoa, entre 2005 e 2017, registou um aumento significativo (Figura 4). Em 2005 este situava-se abaixo de 4 000 toneladas e em 2017 ultrapassou as 6 000 toneladas.
De acordo com a Figura 5, analisando o consumo médio por pessoa, para o mesmo período, verifica-se alguma oscilação ao longo dos anos. No entanto, a partir de 2015, fruto das novas tendências do mercado, houve um crescimento do consumo em cerca de 45 %. Assim sendo, o consumo médio anual de cada português em 2017 atingiu os 6,36 kg.
CONCLUSÕES
A produção e comercialização de amêndoa tem tido um franco crescimento a nível nacional e internacional. Um fator que muito tem contribuído para o desenvolvimento da cultura é o facto de os frutos secos estarem cada vez mais associados a um snack saudável, existindo ainda um aumento na procura de produtos do sector healthy food, “bebida de amêndoa”, óleo de amêndoa e “manteiga de amêndoa”. No entanto, ainda existe alguma “falta de conhecimento técnico sobre a cultura, falta de pessoal técnico qualificado, fata de alternativas de transformação e falta de estruturas de agregação (apesar de estar a ser criada uma organização de produtores)” (Freire, 2015).
Em Trás-os-Montes a área de cultivo tem vindo a aumentar, embora esta região tenha problemas relacionados com a falta de dimensão das parcelas e pouca disponibilidade de recursos hídricos. Relativamente à produção, apesar do decréscimo de 40% entre 2017 e 2018, estes valores, com condições climatéricas favoráveis, têm tendência a aumentar.
O Alentejo está em franca expansão, sendo a região, que atualmente tem verificado um maior investimento no setor da amêndoa, contudo representa apenas 14% da produção de amêndoa nacional.
A continuidade do crescimento da cultura da amêndoa em Portugal requer o empenho de todos os intervenientes na cadeia de valor. É fundamental valorizar a produção, apostando na excelência quanto à qualidade dos lotes de amêndoa comercializados, ganhar dimensão/criar massa crítica, explorar as sinergias do trabalho em rede, trabalhando ao nível organizacional da fileira e no desenvolvimento dos canais de escoamento e de logística para a Europa e outros países relevantes para o setor da amêndoa.