ESTATÍSTICAS NACIONAIS DE PRODUÇÃO DE AMÊNDOA
As estatísticas recentes das áreas cultivadas de amendoal, da produtividade e da produção nacional de amêndoa (Figura 1) mostram um setor em que as áreas plantadas têm aumentado de forma gradual, embora a produção nacional ainda reflita mal esse aumento, provavelmente devido ao facto da maior parte dos amendoais ainda não ter entrado em plena produção, o que se verifica em grande parte das novas áreas instaladas. No entanto, é expectável que a tendência de aumento da produção verificada no período 2016-2017 se mantenha para a próxima década.
De qualquer forma, nota-se um pico na produtividade, e por consequência na produção nacional, perspetivando-se que já a partir de 2017 se tenha começado a refletir o investimento feito nesta cultura.
A região Norte apresenta a maior área cultivada de amendoal em Portugal, situando-se próxima de 20 000 ha (Figura 2a). O Alentejo, por sua vez, mostra-se como a região onde a área plantada mais tem crescido (Figura 2a). Trás-os-Montes registou o maior dinamismo no comércio de árvores para plantação, tendo vindo a ser vendidas mais de 60 000 árvores por ano (Figura 2b). Com boa dinâmica parece encontrar-se também a região Centro, onde o número de árvores vendidas se aproximou de 35 000 nos anos de 2016 e 2017. Já a situação do Alentejo, onde a área de amendoal tem aumentado muito nos últimos anos, sobretudo na forma de plantações em alta densidade, parece não estar refletida nestes dados, talvez porque a maioria das plantações seja efetuada por empresas estrangeiras e/ou com plantas obtidas diretamente a viveiristas espanhóis. De acordo com dados da EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, S.A. (EDIA, com. pessoal), no ano de 2018 foram inscritos para rega 7 462 ha de amendoal, sendo que a área total de amendoal no Alentejo se cifra em cerca de 7 750 ha.
A produção de amêndoa por NUT II reflete as áreas plantadas, sendo, como já indicado anteriormente, no Norte que se encontram os valores mais elevados (Figura 3). É também de destacar o aumento de produção de 2017 em comparação com o ano anterior. Ainda que a amendoeira seja uma espécie de marcada alternância, sobretudo quando cultivada em sequeiro, é provável que o aumento de produção registado em 2017 seja também o reflexo de novos pomares em crescimento, a grande maioria em regadio, a aumentarem a sua produtividade. Os baixos valores de 2016 podem estar associados a chuvas persistentes que se registaram na floração e a alguns problemas fitossanitários associados. Ainda que em escala menor, o incremento de produção em 2017 verificou-se também nas restantes regiões produtoras.
PRINCIPAIS SUBPRODUTOS DA AMENDOEIRA
Associados à colheita e pós-colheita da amêndoa são concentrados dois produtos principais: a amêndoa propriamente dita (parte comestível); e o endocarpo (casca rija), que resulta do processo de britagem. O mesocarpo (cascarão) e as folhas, outros subprodutos com potencial de valorização comercial, tendem a não chegar a armazém na medida em que as máquinas de colheita atuais fazem essa separação no campo. Os produtores com menores áreas de cultivo também retiram o cascarão, enviando apenas a amêndoa com casca para comercialização. A lenha de poda tem também valor comercial, existindo ainda a possibilidade da goma de amêndoa ser explorada comercialmente.
O rendimento da amêndoa (percentagem de peso do endocarpo que corresponde à parte edível) pode variar entre 18 a 32%, dependendo da variedade e das técnicas culturais, tendo um valor médio próximo de 25%, sendo o restante representado pela casca lenhificada que envolve a parte edível (endosperma, embrião e tegumento). Tomando por referência a produção nacional de amêndoa com casca de 2017 ((20 000 t), e admitindo que cerca de 60% (12 000 t) seja britada (a restante será comercializada/exportada com casca), pode admitir-se que se gerem cerca de 9 000 t (75%) de casca após britagem. Estimando que as áreas plantadas continuem a aumentar, e sobretudo que a produtividade unitária média nacional possa subir bastante, é de admitir que este valor possa duplicar nos próximos 10 anos. Tradicionalmente este material é queimado para produção de energia ou lançado para o ambiente de forma não controlada (Urrestarazu et al., 2005). De facto, ainda não foram desenvolvidos processos de aproveitamento industrial competitivos para este subproduto, pelo que são de equacionar outros usos que o valorizem, como a área da cosmética e alimentar (Ramalhosa et al., 2017). A casca dura da amêndoa contém, por exemplo, níveis elevados de xilano, o que faz com que este material possa ser aproveitado para a produção de xilose, furfural, ou para o fracionamento em celulose, pentosano e lenhina (Esfahlan et al., 2010). A gestão deste subproduto tende a estar facilitada uma vez que, apesar de a produção estar dispersa, grande parte da amêndoa produzida em Portugal é processada num reduzido número de unidades agroindustriais, cooperativas e organizações de produtores. Amendouro, SA., Mateos, S.A. e Migdalo, S.A. Pabi, S.A., são as mais representativas atualmente.
Outro subproduto que pode ter interesse é o tegumento que envolve diretamente a parte comestível da amêndoa. Em Portugal serão processadas cerca de 3 000 t de amêndoa em grão. Parte desta amêndoa (~60%) é pelada, uma vez que existem aplicações alimentares (por exemplo massapão) que requerem a incorporação da amêndoa pelada (Frison-Norrie e Sporns, 2002).
A remoção desta película (tegumento) é normalmente feita em duas etapas: branqueamento com água quente e subsequente descasque mecânico. Tendo em conta que a película representa 6-8% da massa do endosperma (Garrido et al., 2008), serão geradas entre 108 e 144 toneladas deste subproduto. Admitindo que a produção de amêndoa duplicará nos próximos anos e que o processamento evolui ao mesmo ritmo, podem, num futuro próximo, ser geradas mais de 280 toneladas deste material. Atualmente, estas películas são quase inteiramente destinadas à alimentação animal ou utilizadas como combustível em instalações industriais (Harrison e Were, 2007). No entanto, contêm, tal como a água que remanesce do processo de branqueamento, elevados teores de compostos fenólicos (maioritariamente flavonoides, taninos condensados, taninos hidrolisáveis e ácidos fenólicos) e uma considerável atividade antioxidante (Garrido et al., 2008; Mandalari et al., 2010; Bolling, 2017), com particular interesse a nível da proteção contra a oxidação do colesterol LDL (Chen et al., 2007; Amarowicz, 2016).
Para além dos compostos fenólicos, os tegumentos de amêndoa foram também descritos como tendo outros compostos que podem acrescentar valor ao seu aproveitamento industrial. Entre esses compostos merecem destaque os triterpenoides (ácido betulínico, ácido oleanólico e ácido ursólico) (Takeoka et al., 2000), anteriormente descritos como tendo atividade anti-inflamatória (Singh et al., 1994), anti-VIH (Kashiwada et al., 1998) e antitumoral (Pisha et al., 1995).
Uma forma de aumentar o valor dos subprodutos da amendoeira (e também reduzir as preocupações ambientais associadas) seria a extração destes compostos bioativos para a sua posterior utilização como ingredientes de formulações alimentares ou farmacêuticas. Por outro lado, pode também considerar-se a incorporação direta dos tegumentos de amêndoa, evitando os custos de extração, particularmente em produtos à base de cereais (apesar de os processos fermentativos poderem eventualmente causar algumas alterações a nível dos compostos fenólicos) (Mandalari et al., 2010).
O mesocarpo (cascarão) tende, como foi já indicado, a chegar cada vez em menor quantidade a armazém, uma vez que as máquinas atuais de colheita fazem a separação no campo (vibradores com descascador) ou descascadores independentes usados no campo ou em armazém. À medida que se mecaniza a colheita, a quantidade de cascarão que se recolhe reduz-se. Contudo, podemos admitir que o mesocarpo representa 10% da massa seca da amêndoa com casca. Assim, a totalidade deste material em pomar seria de 2 000 t. O material que atualmente chega ao armazém dos produtores tende a ser usado na alimentação animal ou como fertilizante orgânico. De qualquer forma, o mesocarpo é rico em nutrientes e uma fonte de matéria orgânica para o solo. Estes materiais podem ter um papel no sequestro de carbono no solo e na ciclagem de nutrientes. O seu papel é ainda mais relevante no contexto das alterações climáticas em que a melhoria das propriedades físicas e biológicas dos solos são o principal instrumento para a mitigação dos seus efeitos. Esta aproximação realista ao problema não invalida que este subproduto possa ter um destino alternativo na indústria farmacêutica ou outra que o valorize.
O mesocarpo da amêndoa vai-se tornando seco, duro e adstringente, refletindo o facto de apresentar uma grande concentração de flavonoides quando comparado com as partes homólogas de outros frutos. Pensa-se que estes níveis pouco usuais possam resultar do intenso calor, radiação ultravioleta, e ataques de insetos a que a amêndoa é sujeita, uma vez que os flavonoides representam uma proteção contra todos estes fatores de stresse. O extenso período de maturação, bem como a persistente estabilidade durante o período de senescência do fruto, também contribuem para a biossíntese de lignanas no mesocarpo, comparado com a quase ausência destes compostos noutros frutos. O mesocarpo em senescência, após a colheita da amêndoa, mantém-se estável durante muito tempo, sem variação nos seus teores de açúcares, flavonoides e lignanas, talvez também devido aos baixos teores de humidade (8-20%). Além destes componentes, o mesocarpo também contém fibra (celulose, hemicelulose), pectina, taninos complexos e minerais. Assim, este componente botânico pode ser considerado como fonte de alimento, ingredientes alimentares ou farmacêuticos (Takeoka e Dao, 2003; Esfahlan et al., 2010). No mesocarpo de amêndoa é ainda de relevar a presença de triterpenoides (Takeoka et al., 2000), lactonas (Sang et al., 2002) e esteróis (Esfahlan et al., 2010).
Contudo, deve ter-se também em conta que a reciclagem em campo, como matéria orgânica, já corresponde a uma boa valorização desses materiais orgânicos.
As folhas de amendoeira são hoje vistas como matéria-prima para a indústria alimentar ou nutracêutica (Ramalhosa et al., 2017). Sempre que se equacione uma valorização para as folhas deve esclarecer-se se se trata de folhas jovens ou de folhas senescentes de outono. A composição química das folhas varia enormemente com a sua idade. No caso da amendoeira, uma árvore de folha caduca, no momento da colheita as folhas encontram-se ainda verdes e com potencial fotossintético. No processo de colheita por vibração caiem algumas folhas, que normalmente são separadas em campo e permanecem no solo, onde, tal como acontece com o cascarão, os seus nutrientes são reciclados. De qualquer forma, a colheita de folhas verdes em extensão apreciável é de evitar uma vez que enquanto verdes, mesmo após a colheita, mantêm capacidade fotossintética e são importantíssimas ao repor fotoassimilados determinantes para a estação de crescimento seguinte. As folhas são importantes até à senescência completa. Quando chega o outono, grande parte dos nutrientes contidos nas folhas são remobilizados para a parte perene das árvores e usados na formação das flores e na retoma do crescimento no ano seguinte (não esquecer que a amendoeira faz a floração antes de ter capacidade fotossintética, isto é, suportada em fotoassimilados armazenados no ano anterior). As folhas secas que caiem no outono são ainda ricas em alguns nutrientes menos móveis, que não regressam à árvore, como cálcio e boro, podendo estes ser reciclados no solo e absorvidos no ano seguinte. Uma vez mais, esta observação não invalida que as folhas que caiem na colheita possam ser usadas para um fim na indústria farmacêutica ou outra que as valorize e justifique a separação e o armazenamento. Tudo depende da relação custo/benefício.
A lenha de poda deve ser valorizada. No Norte, onde o setor se encontra distribuído em pequenas explorações, o aquecimento das casas é feito com lenha. Esta lenha é obtida das podas das árvores de fruto (oliveira, amendoeira, vinha, …) ou em alternativa do abate de árvores como carrascos, carvalhos e outras. Nesta região, a queima para aquecimento das habitações é uma valorização importante, uma vez que as famílias necessitam de armazenar lenha suficiente para o inverno. Em alternativa, o aquecimento das habitações teria de ser feito com um combustível fóssil de maior impacto no aquecimento global. As partes mais finas das lenhas de poda são destroçadas e permanecem na superfície do solo como mulch (onde podem exercer papel importante na prevenção da erosão e no sequestro de carbono no solo, isto desde que não esteja identificado um problema sanitário que recomende a sua remoção ou queima) ou são queimadas no campo. A lenha de poda pode, contudo, ter usos alternativos à queima doméstica, desde queima em caldeiras industrias, fabrico de biochar (pirólise), pellets, estilha (para queima ou para mulch agrícola), etc. Deve acrescentar-se que o amendoal tradicional tem recebido uma técnica cultural negligenciada, que se reflete nas baixíssimas produtividades que as estatísticas mostram. É expectável que quem está atualmente a investir no amendoal venha dedicar maior atenção à cultura, sendo a poda uma das práticas culturais que urge alterar. No futuro, será recomendável que se proceda a podas anuais ligeiras, após a poda de formação que estabelece as pernadas principais (Bento et al., 2017). Isto significa que a lenha de poda será sobretudo composta por ramas finas, provavelmente de menor valor comercial. Um amendoal em plena produção em regime de poda anual, não deverá gerar mais de 1 000 kg matéria seca por ha. Isto significa que no Norte poderiam ser geradas até 20 000 t de matéria seca. Atendendo ao contexto de minifúndio e agricultura familiar em que a cultura da amendoeira se insere nesta região, parte da lenha será usada para fins domésticos. Sendo assim, parece ser um recurso quantitativamente limitado e disperso por uma grande área territorial. No Alentejo, em que o setor se carateriza por um reduzido número de produtores que gerem grandes áreas, o recurso encontra-se mais concentrado, mas no total da região não ultrapassará as 5 000 t, devido à menor área cultivada. A queima doméstica, a destruição no campo como mulch e eventualmente o fabrico de biochar através de plataformas móveis poderão ser possibilidades realistas de uso deste recurso.
A goma de amêndoa tem também sido referida como tendo uso potencial como agente de revestimento de batata para fritar para reduzir a absorção de óleo (Ramalhosa et al., 2017). Esta goma, contudo, não é desejável que apareça no amendoal, uma vez que está associado a problemas sanitários e/ou práticas culturais desadequadas que devem ser combatidos pelo produtor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A amendoeira está a ser uma interessante fonte de receita para os produtores que iniciaram mais cedo as plantações e que já estão a colher amêndoa. Os preços da colheita de 2019 foram de novo bastante atrativos para os produtores. A cultura gera atualmente cerca de 2000 t de cascarão e de 9000 t de casca rija, subprodutos que podem duplicar em 10 anos devido ao aumento da área plantada e à melhoria das condições de cultivo. Qualquer valorização destes materiais pode beneficiar tanto produtores como agroindustriais. A lenha de poda tenderá a ser destroçada e a ficar no solo como mulch. Atendendo a que cada vez mais se preconiza um regime de poda ligeira e frequente (anual), este material fino será cada vez menos valorizado como combustível ou para outro fim concorrente. O uso de folhas para qualquer fim industrial será sempre questionável, devido ao seu relevante papel no processo fotossintético enquanto jovens e na remobilização de fotoassimilados durante a senescência. Por outro lado, raras são as árvores que reagem bem à desfoliação e a amendoeira, dados os seus problemas fitossanitários, não será certamente uma delas. De qualquer forma, no Quadro 1 apresenta-se um resumo da quantidade e local em que estes recursos se encontram disponíveis e dos seus usos potenciais.
Cultura | Subproduto | Disponibilidade | Quantidade atual (t) | Quantidade futura(t) | Distribuição espacial* | Observações | ||
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Amendoeira | Cascarão (colheita) | Campo | 2 000 | 4 000 | Disperso (TM, Alg., Al., BI, Rib.) | Se valorizada é possível obter | ||
Casca rija | Agroindústria | 9 000 | 18 000 | Concentrado (2 TM, 3 Al., 1 BI) | Acessível e fácil de encontrar | |||
Casca (tegumento) | Agroindústria | 120 | 280 | Concentrado (2 TM, 3 Al., 1 BI) | Acessível e fácil de encontrar | |||
Folhas (colheita) | Campo | - | - | Disperso (TM, Alg., Al., BI, Rib.) | Se valorizada é possível obter | |||
Lenha de poda | Campo | 25 000 | 45 000 | Disperso (TM, Alg., Al., BI, Rib.) | Difícil de valorizar dada a dispersão/uso | |||
Goma | Campo | - | - | Disperso (TM, Alg., Al., BI, Rib.) | Questionável a possibilidade de uso | |||
Cultura | Subproduto | Quantidade atual (t) | Utilização atual | Possíveis aproveitamentos | Potenciais utilizadores | |||
Amendoeira | Cascarão (colheita) | 2 000 | Ciclagem de nutrientes | Extração de compostos fenólicos (flavonoides, lignanas, taninos condensados), fibra, triterpenóides, lactonas, esteroides. | Indústria agro-alimentar, nutracêutica e farmacêutica | |||
Casca rija | 9 000 | Queima, ciclagem de nutrientes | Extração de polióis e açúcares-álcoois | |||||
Casca (tegumento) | 120 | Queima, alimentação animal | Extração de compostos fenólicos (taninos condensados, flavonoides) | |||||
Folhas (colheita) | - | Ciclagem de nutrientes | Extração de compostos fenólicos | |||||
Lenha de poda | 25 000 | Ciclagem de nutrientes e queima (grossa) | Extração de fibra | |||||
Goma | - | - | Estruturação de pigmentos em substituição da goma arábica |