ESTATÍSTICAS NACIONAIS DA PRODUÇÃO DE CASTANHA
As estatísticas recentes mostram um ligeiro acréscimo da área cultivada de castanheiro no território nacional (Figura 1). Embora com oscilações, parece haver também uma tendência para acréscimo de produtividade e consequentemente da produção total nacional. Atualmente, a maior parte dos produtores dedica bastante atenção aos seus soutos, implementando uma técnica cultural mais cuidada, apesar das dificuldades em controlar as principais doenças e pragas. Estas produtividades aparentemente baixas (< 800 kg ha-1; em 1980 atingiam 1400 kg ha-1) (Henriques e Borges, 2017), podem dever-se ao facto de haver áreas significativas de pomares jovens que ainda não se encontram em plena produção e ao reduzido número de árvores por hectare devido à morte continuada de árvores. Contudo, é expectável que as áreas cultivadas continuem a aumentar, bem como a produtividade e a produção total nacional.
Por NUT II, o Norte concentra grande parte da área cultivada do território continental (Figura 2a), sendo também a região que mantém maior dinamismo em torno da cultura, a julgar pelo número de árvores vendidas (Figura 2b). A região Centro, em torno da DOP ‘Soutos da Lapa’ é também uma região a considerar.
A produção de castanha também está fortemente concentrada na região Norte (Figura 3). A produção de 2017 registou um ligeiro acréscimo relativamente aos anos anteriores, justificável eventualmente por melhores condições ambientais ou pelo facto já referido do elevado número de soutos jovens que tendem a ser mais produtivos à medida que as árvores se desenvolvem.
PRINCIPAIS SUBPRODUTOS DO CASTANHEIRO
Tradicionalmente a castanha é consumida pelo miolo, embora quando dada aos animais estes consumam também a casca externa (pericarpo) e a película interna (tegumento). Atualmente, a elevada valorização da castanha e a redução do número de animais nas explorações, em particular suínos, fazem com que a castanha (miolo) seja usada exclusivamente na alimentação humana. Contudo, nesta espécie, também casca externa, película interna, ouriços, flor masculina (amentilhos), folhas e lenha de poda têm potencial de utilização diverso.
As principais formas de comercialização da castanha são em fresco ou descascada e congelada. Quando a castanha é comercializada em fresco, a casca não é recuperável, uma vez que é consumida em assadores de rua ou em ambiente doméstico. Em Portugal a quantidade de castanha processada (descascada), posteriormente congelada ou que sofre segunda transformação, representa cerca de 50 % da produção total, ou seja, cerca de 15 000 t. O material resultante do descasque (18 a 19 % da massa total) representará menos de 3 000 t, sendo habitualmente utilizado para queima nas unidades agroindustriais que o produzem ou para preparar um composto para uso agrícola. Contudo, estes materiais têm muitas outras utilizações potenciais. Apesar da produção de castanha estar dispersa, este subproduto surge concentrado nas quatro ou cinco unidades agroindustriais existentes no país (Alcino Nunes, Agroaguiar, Biosonega, Monsurgel e Sortegel) pelo que não exige custos adicionais de colheita e transporte.
Os principais componentes da casca de castanha são a lenhina Klason ((40%) e os hidratos de carbono ((40%). Entre os hidratos de carbono, a celulose é o predominante ((28%), sendo também detetadas quantidades significativas de xilano ((8%) (Morana et al., 2017). A casca de castanha foi também descrita como contendo teores significativos de taninos e elagitaninos (por exemplo, castalagina, vescalagina, acutissimina A e acutissimina B) e ácidos fenólicos (por exemplo, ácido gálico e ácido elágico). De notar que os rendimentos de extração destes compostos antioxidantes são favorecidos por temperaturas elevadas (≥ 90 ºC) (Barreira et al., 2008; Vázquez et al., 2009a).
Os ouriços têm também sido estudados pelo seu potencial alimentar e nutracêutico. Em processo de apanha manual o ouriço fica no souto e mesmo nos processos de apanha mecanizada apenas uma pequena quantidade é recolhida na máquina. Por princípio, o ouriço deve ficar no solo para permitir a reciclagem do carbono e outros nutrientes nele contido. Contudo, isso não invalida que outros usos lhe possam ser dados desde que adequadamente valorizados pelo mercado. Neste caso, ao contrário das cascas, seria necessário incorporar no processo os custos da apanha e transporte para as unidades fabris. Um souto em plena produção pode produzir cerca de 300 kg de ouriços (massa seca). O ouriço representa uma matriz complexa onde predomina (em matéria seca) o glucano ((25%), lenhina Klason ((24%), xilano ((16%), arabinano ((5%), proteína ((4%) e matéria mineral ((3%) (Moure et al., 2014). Em diferentes extratos de ouriço foram também detetadas quantidades significativas de compostos fenólicos (Vázquez et al., 2009b; Vella et al., 2018).
O ouriço permanece normalmente no terreno após a apanha da castanha. A implementação de novas tecnologias para a valorização deste material vegetal, em particular através da recuperação de compostos de interesse, pode assumir-se como uma estratégia útil e vantajosa. Uma das aplicações já descritas inclui a extração de compostos fenólicos e a posterior utilização destes extratos em formulações dermocosméticas (Pinto et al., 2017a,b).
As flores de castanheiro aparecem em final de junho, início de julho. As flores masculinas estão reunidas em amentilhos (5-15 cm de comprimento), enquanto as flores femininas estão normalmente localizadas na base das flores masculinas, na parte apical dos crescimentos mais recentes (Conedera et al., 2004). A flor masculina também tem sido estudada pelo seu potencial alimentar e nutracêutico (Barreira et al., 2008). Após a floração, os amentilhos caiem no solo sendo os seus nutrientes reciclados. Qualquer uso industrial deste material pressupõe o estabelecimento de um sistema de recolha e transporte autónomo tal como se referiu para os ouriços. A colheita deste material, leve e com queda escalonada, não se afigura fácil se for necessário em quantidades elevadas. Pode ainda colher-se da árvore em castanheiros para madeira. De qualquer forma, as flores de castanheiro não têm qualquer uso após ocorrer a fecundação e o ouriço ser formado, pelo que poderiam definir-se estratégias para a sua valorização.
No passado, as decocções de flores eram tradicionalmente utilizadas para combater constipações, tosse, diarreia e para manter os níveis plasmáticos de colesterol dentro da gama fisiológica (Carocho et al., 2014). Foi também verificado que as infusões de flores de castanheiro apresentam atividade antioxidante e outras características farmacológicas relacionadas com compostos fenólicos bioativos (Barba et al., 2014).
A flor de castanheiro revelou ter teores muito significativos de compostos fenólicos (> 100 mg/g of extrato), a maior parte dos quais pertencentes à classe dos taninos hidrolisáveis (14873±110 μg/g) (Barros et al., 2013), para além de uma forte atividade de bloqueio de radicais livres (Barreira et al., 2008). Além do mais, foi também quantificado um elevado teor de tocoferóis (163,42 mg/100 g peso seco) e de açúcares livres (11,91 g/100 g peso seco), sendo a frutose (5,05 g/100 g peso seco) e a glucose (4,62 g/100 g peso seco) os mais abundantes. Os principais ácidos gordos da flor de castanheiro são o linoleico e o α-linolénico (que em conjunto representam mais de 40% dos ácidos gordos totais), contribuído assim para a prevalência dos poli-insaturados (Barros et al., 2010).
As folhas têm elevado significado fisiológico para as árvores e para o agrossistema em geral. O castanheiro é uma árvore de folha caduca, com folhas oblongas-lanceoladas (8-25 cm de comprimento por 5-9 cm de largura) com margens dentadas-crenadas, com uma cor verde brilhante na face superior (Conedera et al., 2004). Quando verdes suportam o desenvolvimento da árvore com produtos da fotossíntese. Durante a senescência remobilizam os seus constituintes para as partes perenes sendo usados na estação de crescimento seguinte. Mesmo depois de secas contêm importantes nutrientes pouco móveis na planta que são reciclados no solo e asseguram a sua fertilidade.
Do ponto de vista etnofarmacológico, as folhas de castanheiro são tipicamente utilizadas para a preparação de infusões com o objetivo de aliviar a tosse, problemas gastrointestinais ou condições reumáticas (Díaz Reinoso et al., 2012). Hoje em dia, a folha de castanheiro tem também sido utilizada pelos seus efeitos na prevenção de diabetes e de danos no ADN (Mujić et al., 2011), pela sua atividade antibacteriana (Basile et al., 2000) e proteção contra o stresse oxidativo (Almeida et al., 2015). Tal como se verifica com outras plantas medicinais, muitas das substâncias ativas presentes nos extratos de folha de castanheiro foram identificadas como sendo compostos fenólicos, em particular derivados do ácido gálico e ácido elágico (Živković et al., 2009), mas também flavonoides e lignanas (Munekata et al., 2016).
Finalmente, também a lenha de poda pode ser um recurso importante para as populações locais. Embora a madeira de castanheiro possa ser valorizada, o material removido como lenha de poda não tem grossura para ser aplicado na indústria da madeira. A lenha de poda é maioritariamente queimada em ambiente doméstico. Claro que, e à semelhança do que se verifica com a maioria das cascas de árvore, a casca de castanheiro é rica em compostos polifenólicos, entre os quais se destacam as porficianodinas que contribuem para proteger a própria árvore. Entre os compostos já identificados na casca de castanheiro podem destacar-se a castalagina, ácido gálico, 1-O-galoíl-castalagina, vescalina, vescalagina, ácido elágico, castalina (Comandini et al., 2014), chestanina, acutissimina A, curigalina, (3′,5′-dimetoxi-4′-hidroxifenol)-1-O-β-d-(6-O-galoíl)-glucose e 5-O-galoíl-hamamelose (Lampire et al., 1998).
De uma forma geral, os principais agentes bioativos encontrados nos subprodutos de castanheiro são compostos fenólicos, em particular ácidos fenólicos, flavonoides e taninos (Díaz Reinoso et al., 2012; Vázquez et al., 2012). Deve, no entanto, ter-se em conta que as quantidades destes compostos variam de forma significativa em função de fatores como a cultivar, as condições edáficas e/ou climáticas (Borges et al., 2008). Por outro lado, deve também considerar-se, em qualquer trabalho objetivado na recuperação de compostos de interesse a partir dos materiais vegetais não utilizados, a influência do processo de extração selecionado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A castanha gera atualmente valor económico e social relevante em algumas regiões do território nacional. A possibilidade de valorizar alguns subprodutos seria um contributo adicional para a viabilidade económica do setor produtivo e demais agentes da fileira. Contudo, cada novo projeto de investimento deve ter em conta a disponibilidade dos recursos e os custos que podem estar associados à sua recolha para ambiente industrial. Alguns desses recursos como a casca externa são gerados em ambiente pós-colheita o que significa que não têm custos suplementares com apanha e processamento dirigido. Outros, como lenha de poda, são gerados no setor produtivo, o que significa que ficam dispersos no território em quantidades unitárias modestas. Nestes casos, a colheita, processamento e transporte podem ser uma dificuldade para se encontrar uma solução de uso diferente da que têm, que é a queima em ambiente doméstico ou industrias locais. Folhas, inflorescências e ouriços necessitam que se enquadre o negócio desde a colheita do material, transporte e processamento. No Quadro 1 procura fazer-se um resumo da quantidade e local em que estes recursos se encontram disponíveis.
Cultura | Subproduto | Disponibilidade | Quantidade atual (t) | Quantidade futura(t) | Distribuição espacial* | Observações | |
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Castanheiro | Flores (amentilhos) | Campo | - | - | Disperso (TM, BI) | Se valorizada é possível obter (bravo) | |
Cascas (ext. e interna) | Agroindústria | 3 000 | 3 000 | Concentrado (4 TM, 1 BI) | Acessível e fácil de encontrar | ||
Ouriços (pós-colheita) | Campo | 10 000 | 15 000 | Disperso (TM, BI) | Se valorizada é possível obter | ||
Folhas (pós-colheita) | Campo | - | - | Disperso (TM, BI) | Se valorizada é possível obter | ||
Lenha de poda | Campo | 30 000 | 35 000 | Disperso (TM, BI) | Difícil de valorizar dada a dispersão/uso | ||
Cultura | Subproduto | Quantidade atual (t) | Utilização atual | Possíveis aproveitamentos | Potenciais utilizadores | ||
Castanheiro | Flores (amentilhos) | - | Ciclagem de nutrientes | Extração de compostos fenólicos | Indústria agro-alimentar, nutracêutica e farmacêutica | ||
Cascas (ext. e interna) | 3 000 | Queima, composto orgânico | Extração de elaginatinos, ácidos fenólicos e lenhina Klason | ||||
Ouriços (pós-colheita) | 10 000 | Ciclagem de nutrientes | Extração de lenhina Klason e compostos fenólicos | ||||
Folhas (pós-colheita) | - | Ciclagem de nutrientes | Extração de compostos fenólicos (ácido gálico, ácido elágico, flavonoides e lignanas) | ||||
Lenha de poda | 30 000 | Queima | Extração de porficianodinas |
*TM, Trás-os-Montes; BI, Beira Interior