INTRODUÇÃO
A alface é uma das hortaliças mais consumidas no Brasil (Mogharbel e Masson, 2005), o consumo em fresco dessa hortícola torna a sua aparência um requisito importante para comercialização, por isso aspectos como cor, tamanho, textura, a presença de sintomas de doenças e anomalias nas folhas influenciam a qualidade do produto.
A propagação da alface para produção comercial é realizada através da sementeira em tabuleiros de alvéolos (Silva et al., 2002). As doenças causadas por fungos (Lopes et al., 2010) podem ser transmitidas através da semente, por isso a utilização de um material livre de patogénios é de suma importância para a prevenção dessas doenças (Machado e Souza, 2009).
O tratamento de sementes é realizado através de métodos classificados como físicos químicos ou biológicos. O tratamento químico utiliza produtos químicos de síntese que protegem as sementes (Pereira et al., 2015). Por sua vez, o tratamento biológico utiliza microrganismos antagonistas (Brand, 2009), enquanto que o tratamento físico consiste na exposição das sementes a agentes como o calor ou a radiação (Santos et al., 2016).
A termoterapia e a ozonização podem ser considerados tratamentos físicos, o primeiro é realizado através da exposição das sementes a elevadas temperaturas através de calor húmido (água quente), calor seco (estufa) ou a mistura dos dois que atuam na desativação de algumas enzimas do patogénio causando a sua morte (Oliveira et al., 2011; Pereira et al., 2015).
A ozonização é um importante agente higienizante de frutas, legumes e da água para consumo humano, pois este gás causa danos à membrana celular dos microrganismos matando-os por oxidação (Güzel-Seydim et al., 2004; Lanita e Silva, 2008).
Conforme as diretrizes da produção agroecológica a utilização de produtos químicos e formas de radiação não são permitidas na agricultura biológica, assim, métodos como a termoterapia e a ozonização são alternativas para este sistema de produção (Faria, 2007).
O objetivo desse trabalho foi avaliar o potencial fisiológico e sanitário de diferentes lotes de sementes de alface submetidas a vários métodos de tratamento físico.
MATERIAL E MÉTODOS
A alface (Lactuca sativa L. cv. Mimosa- Salad Bowl) da empresa Isla Sementes foi semeada em tabuleiros de 288 alvéolos com o substrato comercial (Turfa Fértil®) da empresa Turfa Fertil Agro no dia 10/01/2017 e mantida em estufa sob irrigação diária por aspersão até atingirem de duas a três folhas. Após 30 dias as mudas obtidas foram transplantadas para os talhões experimentais de 80 cm de largura numa área aberta de cultivo orgânico, anteriormente em pousio. A floração plena da alface (50% das plantas com flor) ocorreu 83 dias após o transplantio, e o início da maturação das sementes foi verificada 20 dias após o início da floração, momento ao qual realizou-se a colheita das sementes a partir de capítulos inteiros.
Durante o período de produção das sementes que incluiu a obtenção de plântulas em estufa e o cultivo das plantas no campo, as temperaturas foram as seguintes: Na transplantação a temperatura máxima (T ºC Máx) = 30,8 ºC, temperatura mínima (T ºC Min) = 21,0 ºC e humidade relativa de 68%. No período de floração e maturação as T ºC Máx foram de 27,5 ºC e 22,4 ºC e a T ºC Min 15,7 ºC e 15,2 ºC, respectivamente. A humidade relativa foi de 71% durante a floração e de 79% na maturação.
Após a colheita, as sementes foram debulhadas manualmente e peneiradas recorrendo a um crivo com rede oval (2,0 mm) e um crivo com rede de malha fina (1,0 mm). Seguidamente, um ventilador (De Leo, modelo General) com abertura igual a 3,0 cm foi utilizado para retirar as impurezas e assim constituir um lote. Após esse processamento foi verificado o teor de água inicial das sementes pelo método de secagem em estufa a 105± 3°C/ 24h, observando o valor de 9,0%, considerado ideal para o armazenamento em câmara fria a 12 ºC até o momento da aplicação dos tratamentos (Brasil, 2009).
Os tratamentos do ensaio incluiram: (i) termoterapia; (ii) exposição ao gás ozono durante 100 minutos; (iii) exposição ao gás ozono durante 200 minutos e (iv) um tratamento controle sem aplicação de qualquer tratamento físico.
No tratamento de termoterapia as sementes foram colocadas em pequenos sacos confeccionados com tecido de malha e atados com cordão de algodão para seguidamente serem pré-aquecidas a 43 ºC em estufa com ventilação durante 5 minutos. Após o pré-aquecimento, as sementes foram submetidas a um tratamento térmico em banho-maria a 49 ºC durante 30 minutos segundo a metodologia usada por Soave e Wetzel (1987). Após o tratamento as sementes foram imediatamente utilizadas para a montagem dos testes.
Os tratamentos de ozono consistiram na exposição das sementes a este gás durante 100 e 200 minutos. As sementes foram alocadas dentro de uma câmara feita com uma caixa organizadora de plástico com dimensão 41×29×25 cm e capacidade de 20 litros. O ozono produzido pelo equipamento Ozone Generator era levado até o interior da câmara através de uma mangueira. No interior da caixa foi inserido um sistema de arrefecimento (cooler) para uniformizar a circulação do gás (Figura 1).
A avaliação da eficiência e nível de danos fisiológicos causados pelos diferentes tratamentos foi realizada através dos testes de germinação, envelhecimento acelerado, comprimento e massa seca de plântula, emergência total, e índice de velocidade de emergência. A sanidade das sementes foi avaliada através do Blotter-test.
A experiência foi conduzida com um delineamento experimental em blocos casualizados com quatro repetições. Utilizou- se 20 sementes por repetição para os testes de comprimento e massa seca de plântula, e para os demais testes, 50 sementes por repetição.
O teste de germinação foi realizado através da distribuição das sementes provenientes de cada tratamento sobre papel mata borrão, humedecido com água destilada em 2,5 vezes sua massa seca, dentro de caixas Gerbox® com tampas, e mantidos em germinador do tipo Mangelsdorf, a 20°C sob luz branca constante. A primeira contagem de plântulas normais (plântulas com estruturas de raiz e parte aérea bem desenvolvidas, proporcionais e sadias) foi realizada após quatro dias de instalação do teste, e após sete dias foi feita a contagem final (Brasil, 2009).
O envelhecimento acelerado foi realizado através da distribuição das sementes de maneira uniforme, sobre uma tela de alumínio fixada no interior de caixas plásticas tipo Gerbox® (mini-câmaras). No interior de cada mini-câmara foi adicionado 40 ml de solução salina de NaCl (na concentração de 40g/100ml de água destilada) e estas mantidas em incubadora regulada a 41ºC durante 72 horas (Barbosa et al., 2011). Após esse período, as sementes foram submetidas ao teste de germinação seguindo os parâmetros descritos nas Regras de Análise de Sementes (Brasil, 2009).
O comprimento das plântulas foi avaliado por meio da distribuição das sementes sobre papel mata borrão, humedecido com água destilada em 2,5 vezes sua massa seca, dentro de caixas Gerbox® que foram mantidas inclinadas a 45º em germinador do tipo Mangelsdorf no escuro a 20°C durante sete dias. Após esse período, o comprimento das plântulas foi medido com o auxílio de régua milimétrica (Nakagawa, 1999).
A massa seca foi realizada através da separação da raiz e parte aérea das plântulas provenientes do teste de comprimento. Estas foram alocadas em sacos de papel do tipo Kraft, e em seguida, submetidas em estufa a 80 ºC por 24h. As plântulas foram pesadas em balança de precisão e os resultados expressos em mg/plântula (Nakagawa, 1999).
Para determinação da emergência total e índice de velocidade de emergência as sementes foram semeadas em bandejas de plástico retangular, utilizando areia como substrato. As bandejas foram mantidas no laboratório e realizou-se o molhamento uma vez ao dia. Diariamente foi feita a avaliação do índice de velocidade de emergência através da contagem do número de plântulas emersas durante o período que compreende a instalação até a estabilização da emergência das plântulas, e os resultados foram calculados através da formula proposta por Maguire (1962). A emergência total foi registrada após 14 dias a partir da sementeira observando-se as características de plântula normal para parte aérea, sendo os resultados expressos em porcentagem de plântulas emersas.
Para o teste de patologia (Blotter test) as sementes foram distribuídas sobre duas folhas de papel mata borrão esterilizado e umedecido com água destilada esterilizada (2,5 vezes o peso do papel) dentro de caixas plásticas do tipo Gerbox® previamente desinfetadas com solução de álcool 70%. As caixas com as sementes foram incubadas a 20°C durante sete dias sob luz branca fluorescente, e fotoperíodo de 12 horas, para posterior identificação dos fungos através da observação de suas estruturas em microscópio estereoscópico e ótico, metodologia adaptada de Brasil (2009).
A análise estatística dos resultados experimentais realizou-se utilizando a análise de variância com o programa Sisvar. Os dados obtidos foram testados quanto aos pressupostos estatísticos de homogeneidade (Hartley), e normalidade (Shapiro Wilk). A comparação entre os tratamentos realizou-se com base na menor diferença significativa (P< 0,05)
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O teste de germinação demonstrou que a termoterapia se diferenciou estatisticamente dos demais tratamento ao obter o maior número de plântulas normais (Quadro 1). Para a primeira contagem de germinação, além da termoterapia, as sementes tratadas com ozono 100 e ozono 200 também apresentaram maior velocidade de germinação e formação de plântulas devido seus resultados superiores com relação ao controle.
Não se verificaram diferenças significativas nos testes de envelhecimento acelerado, emergência total, índice de velocidade de emergência, e comprimento de parte aérea e radicular em comparação com o tratamento controle. No entanto, a massa seca de parte radicular aumentou sob o efeito dos diferentes tratamentos. Por sua vez, a massa seca de parte aérea apenas aumentou sob o efeito dos tratamentos de termoterapia e ozono 200.
Trat | G (%) | PC (%) | EA (%) | E (%) | IVE (%) | Cpa (cm) | Cr (cm) | Mpa (mg) | Mr (mg) |
Cont | 26 b | 17 b | 27 a | 32.5 a | 12,64 a | 1,00 a | 2,23 a | 0,0048 b | 0,0024 b |
Termo | 61 a | 48 a | 16 a | 44.0 a | 15,54 a | 1,95 a | 3,96 a | 0,0103 a | 0,0062 a |
Oz100 | 55 ab | 46 a | 23 a | 48.5 a | 19,79 a | 2,14 a | 4,35 a | 0,0080 ab | 0,0050 a |
Oz200 | 55 ab | 46 a | 37 a | 36.5 a | 14,59 a | 1,58 a | 3,30 a | 0,0090 a | 0,0061 a |
Pr** | 0,0244 | 0,0047 | 0,1379 | 0.0466 | 0,0807 | 0,1053 | 0,1173 | 0,005 | 0,0001 |
DMS*** | 30,805 | 23,424 | 24,181 | 16,005 | 7,483 | 1,314 | 2,504 | 0,003 | 0,001 |
CV (%) **** | 29,63 | 28,15 | 44,5 | 18.88 | 22,78 | 37,44 | 34,43 | 21,87 | 16,48 |
*Médias seguidas por letras diferentes nas colunas são diferentes estatisticamente (P < 0,05).
** P- Valor da análise de variância.
*** Diferença mínima significativa (DMS)
**** Coeficiente de variação (CV)
No teste de patologia (Quadro 2) realizado através do Blotter test verificou-se que a termoterapia foi eficiente no controle de Alternaria spp., contudo favoreceu o desenvolvimento do patogénio Aspergillus spp. em relação aos tratamentos com ozono. Quando avaliada a percentagem de sementes sadias e da presença de Penicillium sp. Fusarium sp., Rhisopus sp., Cladosporium sp., Epicocum sp., Phoma sp., Cercospora sp., e bacterioses encontrados nos lotes tratados foi possível observar que não houve diferença estatística entre os tratamentos.
Trat | ASP | ALT | PEN | FUS | RHI | CLA | EPI | PHO | CER | BAC | SADIAS |
Cont | 0,00 a | 31,00 b | 1,50 a | 4,50 a | 0,00 a | 2,00 a | 2,50 a | 0,00 a | 0,50 a | 1,00 a | 58,00 a |
Termo | 5,00 b | 0,00 a | 15,00 a | 0,50 a | 0,50 a | 0,50 a | 0,00 a | 0,00 a | 0,00 a | 1,50 a | 73,00 a |
Oz100 | 0,00 a | 21,00 ab | 0,00 a | 1,00 a | 0,50 a | 0,00 a | 2,00 a | 1,00 a | 0,00 a | 1,50 a | 66,50 a |
Oz200 | 0,50 a | 18,50 ab | 0,00 a | 4,50 a | 0,00 a | 0,00 a | 0,00 a | 0,00 a | 0,00 a | 2,00 a | 72,50 a |
Pr ** | 0,005 | 0,009 | 0,036 | 0,430 | 0,589 | 0,243 | 0,122 | 0,073 | 0,426 | 0,921 | 0,280 |
DMS *** | 3,786 | 21,917 | 15,420 | 9,174 | 1,485 | 3,150 | 3,587 | 1,212 | 1,050 | 4,287 | 24,446 |
CV (%) **** | 131,11 | 59,21 | 178,01 | 166,42 | 282,84 | 240,00 | 151,81 | 230,94 | 400,00 | 136,08 | 17,25 |
*Médias seguidas por letras diferentes nas colunas são diferentes estatisticamente (P < 0,05).
** P- Valor da análise de variância.
*** Diferença mínima significativa (DMS)
**** Coeficiente de variação (CV)
Espécies reativas de oxigénio como o ozono, podem causar o afrouxamento da parede celular favorecendo processos como a germinação (Fry, 1998). Violleau (2008) também concluiu à semelhança do que sucedeu neste trabalho que o tratamento de sementes de milho com ozono favoreceu o processo germinativo, e, além disso, o stress oxidativo promovido pela exposição ao gás permitiu aumentar a velocidade de germinação.
A germinação acelerada das sementes submetidas ao gás ozono também pode estar relacionada com a sua ação na degradação da lignina, composto normalmente encontrado no tegumento de sementes e que lhes confere proteção (Bodmer, 1991). Esse gás é capaz de oxidar compostos que possuem ligações duplas em sua estrutura molecular (García-Cubero et al., 2009), e a lignina possui esse tipo de ligação (Perrone, 2015).
O tegumento influência na capacidade de absorção de água pela semente, o que pode ser um obstáculo para a germinação (Santarém e Aquila, 1995). Entre os vários métodos usados para superar a impermeabilidade do tegumento e da dormência, a ação oxidante do ozono sobre a lignina pode ser útil para transpor a barreira imposta pelo tegumento permitindo o início da germinação (Almeida et al., 2004).
O endosperma das sementes de alface é constituído principalmente de galactomananas (Nascimento et al., 2004). As galactomananas são polissacarídeos componentes da hemicelulose que fazem parte da parede celular (Bon et al., 2008). Ben-Ghedalia e Miron (1981) e Sun & Cheng (2002) referem que o ozono tem sido utilizado como agente na degradação de hemicelulose em tecido vegetal como na palha de trigo. Estes resultados sugerem que a germinação pode ser facilitada pela ação do ozono não apenas sobre o tegumento, mas também sobre o endosperma das sementes.
Com relação ao efeito positivo do ozono sobre a produção massa seca Yvin e Coste (1997) destacaram que no tratamento de sementes de diversas espécies vegetais, o gás promoveu aumento no peso de matéria seca de plântulas. Violleau et al. (2008) também observou que a ozonização proporcionou um maior crescimento das raízes de plântulas de milho devido à produção de ácido jasmónico resultante do stress oxidativo da semente exposta ao ozono.
Diante disso, percebe-se que tais afirmações corroboram aos resultados obtidos nesse trabalho, principalmente em relação a massa de matéria seca de parte radicular das plântulas provenientes de sementes expostas ao ozono, as quais alcançaram médias superiores ao controle.
Com relação ao efeito benéfico da termoterapia sobre a germinação das sementes Vazquez-Yanes (1975) afirma que a imersão em água quente é capaz de modificar a permeabilidade do tegumento e estimular a germinação. Isso ocorre pois o tratamento potencializa absorção de água pela semente, e a ação do calor combinado com o tempo de exposição facilita a quebra da rigidez do tegumento (Martins et al., 2011) devido a desnaturação dos tecidos superficiais da semente (Pereira et al., 2015).
É importante salientar também que a elevação da temperatura promove alterações na velocidade das reações de mobilização e degradação de reservas armazenadas que afetam o crescimento das plântulas (Bewley e Black, 1994). Sendo assim, vale ressaltar, que a maior translocação de matéria seca de reserva em direção ao eixo embrionário origina plântulas mais pesadas (Nakagawa, 1999).
Um item importante a ser discutido antes da avaliação da patologia propriamente dita, diz respeito aos valores de coeficiente de variação (cv) obtidos neste teste. Em ensaios relacionados a patologia vegetal é comum encontrar coeficientes de variação altos. Poletto (2010) ao avaliar população de Fusarium sp. em erva-mate trabalhou com cv de 64,6%. Kingelfuss e Yorinori (2001) trabalharam com cv de 87,83% ao avaliar níveis de colonização por Colletrotrichum sp. e Cercospora sp. em folíolos de soja tratados com fungicida.
O efeito da termoterapia no controle do fungo Alternaria spp, foi referido por Cunha et al. (2017) num ensaio realizado com sementes de abóbora e por Costa et al. (2011) com sementes de tomate cereja. O desenvolvimento do fungo Aspergillus spp. devido ao efeito da termoterapia também foi referido por Cunha et al. (2017) em sementes de abóbora. Estes autores sugerem que o aumento da temperatura pode ter contribuído para reduzir a competição com fungos de crescimento rápido que poderiam inibir o crescimento do Aspergillus spp. Por outro lado, Lazaroto et al. (2009) atribuiram a alta incidência de Aspergillus niger no tratamento de sementes de cedro com água a 50ºC durante 30 minutos, ao aumento do teor de humidade e de temperatura que terão favorecido o desenvolvimento de fungos deterioradores.
CONCLUSÃO
O tratamento de termoterapia aumenta a percentagem de germinação de sementes de alface e o teor de matéria seca de parte aérea e radicular das plântulas.
A ozonização das sementes de alface pelo período de 100 minutos contribui para aumentar o teor de matéria seca da parte radicular. Por sua vez, se o período de exposição ao gás ozono duplicar o teor de matéria seca da parte aérea também aumenta em comparação com controle.
O tratamento térmico é eficiente no controle do fungo Alternaria sp., entretanto favorece o desenvolvimento de Aspergillus sp.