INTRODUÇÃO
A espécie Cojoba arborea (L.) Britton & Rose, nome vulgar boliviana, pertence à tribo Ingeae, família Mimosoideae-Fabaceae. É amplamente distribuída na América Latina, encontrada no México, América Central, Cuba, Jamaica, Hispaniola, Porto Rico, Colômbia, Bolívia, Peru e Brasil (Barneby e Grimes, 1997). Possui rápido desenvolvimento quando as sementes são colhidas e imediatamente semeadas, o que justifica a sua utilização na arborização urbana. A madeira é utilizada na construção em geral e também no fabrico de instrumentos musicais devido à sua excelente qualidade (Villalobos, 2000).
A espécie C. arborea tem 15-35 m de altura, vagens vermelho-intenso, deiscentes, espiraladas, com 20-26 cm de comprimento e 6 a 12 sementes, ovóides, com 1,0-2,0 cm de comprimento e cor preto brilhante (Villalobos, 2000; Velázquez et al., 2009). Há pouca informação na literatura sobre o manejo de suas sementes, o que limita seu uso na arborização urbana ou ainda na recuperação de áreas degradadas.
Sabe-se que as sementes de C. arborea são recalcitrantes (Salas et al., 2018), todavia o conhecimento sobre o grau de recalcitrância é limitado. As sementes recalcitrantes não passam pela perda de água no final da maturação, o que dificulta ser armazenadas por longos períodos e curta longevidade. Isso acontece porque a retirada da água ocasiona mudanças no pH intracelular e nas forças iônicas no citoplasma e estimulam a formação de ROS (Reactive Oxygen Species - espécies com oxigênio reativo) que tem efeitos potencialmente deletérios, pois muitas reações bioquímicas são executadas somente em uma estreita faixa de pH (Kranner e Birtic, 2005; Kranner et al., 2010; Roach et al., 2010).
É importante destacar que a retirada da água nas sementes recalcitrantes desencadeia a desnaturação de proteínas, alterações na atividade de enzimas peroxidases e danos nos sistemas de membranas, ocasionando seu colapso, ou seja, perda de viabilidade (Kranner e Birtic, 2005; Berjark e Pammenter, 2008, 2013). Por isso, é importante conhecer os limites de tolerância à secagem da espécie, bem como o grau de umidade de segurança, crítico e letal (Sacandé et al., 2004).
Face ao exposto, o objetivo do trabalho consistiu em avaliar o efeito da secagem das sementes de C. arborea sobre o seu comportamento fisiológico e grau de recalcitrância.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado no Laboratório de Sementes do Instituto Federal de Rondônia, Campus Ji-Paraná, Brasil. Foram utilizadas sementes de boliviana (Cojoba arborea), coletadas de 40 matrizes (10°54'08.8"S 61°54'30.4"W) identificadas dentro do perímetro urbano de Ji-Paraná, Rondônia. As sementes foram separadas das vagens manualmente.
Na determinação do grau de recalcitrância das sementes de C. arborea aplicaram-se testes germinativos em sementes com diferentes teores de umidade. Esse teste foi dividido em duas etapas: processo de secagem e teste de germinação.
Processo de secagem - A tolerância à secagem foi determinada ao colocar as sementes sobre uma peneira com malha de 5 mm em ambiente com ar-condicionado a temperatura média de 26ºC e umidade relativa média de 78%. O registro diário da umidade e temperatura foi realizado com auxílio de um termohigrometro marca Instrutherm HT-300. A cada cinco dias foram retirados ao acaso quatro amostras de 10 g de sementes para determinação do teor de água e 100 sementes para realização do teste de germinação. O teor de água foi determinado numa estufa de secagem laboratorial com ventilação forçada a 105 ºC ± 3 °C por 24 horas (Brasil, 2009).
Teste de germinação - O teste de germinação foi conduzido em estufa com caixotes de madeira (1,25x0,78x 0,17m), contendo vermiculita como substrato, utilizando quatro repetições com 25 sementes cada (Brasil, 2009). A sementeira foi efetuada a uma profundidade de 5 mm, com rega duas vezes ao dia, cessando a rega de acordo com a umidade do substrato. A avaliação da germinação foi diária, iniciada no primeiro dia após a instalação do ensaio e encerrada no 30° dia, considerando sementes germinadas as que apresentaram emissão de radícula de no mínimo 2 mm de comprimento. Com os dados obtidos nas avaliações, foram calculados os índices de velocidade de germinação (IVG) de acordo com a fórmula de Maguire (1962) e o tempo médio de germinação (TMG) conforme descrito por Labouriau (1983) e as percentagens de germinação. Ao final do teste de germinação foi avaliado o vigor das plântulas normais, obtendo o comprimento da parte aérea, comprimento da radícula e a massa seca das plântulas. Para avaliação do comprimento da parte aérea e comprimento da radícula foram medidas plântulas normais em cada tratamento, utilizando régua graduada em centímetros.
A determinação do peso da matéria seca das plântulas normais foi realizada concomitante ao teste de comprimento de plântulas. As plântulas de cada repetição foram colocadas em sacos de papel e levadas para secar em estufa com circulação forçada de ar, a 65ºC até atingir peso constante. Após este período, as amostras foram colocadas para resfriar em dessecador e, posteriormente, pesadas em balança com precisão de 0,001 g, sendo os resultados expressos em g/plântula.
As variáveis de porcentagem de germinação, tempo médio de germinação e vigor foram analisadas e submetidas ao teste de homogeneidade e normalidade dos dados pelo teste Shapiro-Wilk e aplicada análise de variância (ANOVA) seguida pelo teste Tukey (p < 0,05) para comparação entre as médias. O software utilizado foi o Assistat versão 7.7.
Baseada na avaliação do teor de água das sementes e a respectiva percentagem de germinação alcançada foram determinados: o teor de água letal, quando todas as sementes perderam a germinabilidade; o teor de água crítico, quando a germinabilidade inicial foi reduzida em 50% e o teor de água de segurança, quando não houve uma perda de germinabilidade significativa pela redução do teor de água das sementes (Sacandé et al., 2004).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O teor de umidade das sementes de Cojoba arborea recém-colhidas foi de 55,4%, diminuindo de maneira lenta em relação ao tempo de secagem (Figura 1), característico das sementes recalcitrantes.
A velocidade de secagem é fundamental para a avaliação do limite de tolerância à dessecação das sementes recalcitrantes. Quanto mais lenta a velocidade de secagem, menor o grau de desidratação suportado pela semente (Berjak e Pammenter, 2008).
Estudos semelhantes desenvolvidos por diversos autores com sementes recalcitrantes de outros táxones vegetais (mono- e eudicotiledóneas) também registraram redução na qualidade fisiológica das sementes com a secagem lenta (Bovi et al., 2004; Nascimento et al., 2007; Alves et al., 2008).
Verificou-se ainda a influência direta do teor de água sobre a taxa de germinação. Até o 5º dia de secagem a perda de umidade não interferiu na taxa de germinação, considerando-a como teor de segurança (Figura 2). Já a partir do 20º dia de secagem foi diretamente afetada pelo teor de umidade (23,7 %), sendo identificado como teor crítico. A partir do 35º dia o teor de umidade foi letal (18,0 %), ou seja, não houve germinação das sementes (Figura 2).
As sementes recalcitrantes são sensíveis à secagem, pois perdem a viabilidade a teores de água inferiores a um nível crítico mínimo, variando com a espécie (Bewley e Black, 1994; Berjark e Pammenter, 2008).
O efeito da secagem sobre o desempenho fisiológico de sementes florestais recalcitrantes de diferentes táxons foi relatado por Nazário et al. (2008) com sementes de Cynometra bauhiniifolia ao registrarem grau de umidade de 54,1 % das sementes recém-coletadas, teor de água crítico entre 46,6 % a 41,4 % e letal abaixo de 28,2 %. Já Carvalho e Muller (1998) observaram que as sementes de Bactris gasipaes Kunth tinham teor de água inicial de 48% e letal em torno de 12% e Barros et al. (2019) com sementes de Manilkara huberi registraram teor inicial de 33,7% e teor de água letal a partir de 11,9% de umidade.
Assim, fica evidente que as sementes precisam de diferentes sistemas de proteção a cada nível de remoção de água e, dessa forma, seu grau de tolerância é condicionado ao tipo de água removido (Walters, 2000). Os teores entre 15 e 20%, representam teores letais de água, classificando-as como água tipo 2 (Vertucci e Farrant, 1995), ou seja, água ligada a sítios hidrofílicos, e não ocorre mais síntese de proteínas e de ácidos nucléicos.
A diminuição do teor de água pela secagem afetou tanto a viabilidade das sementes quanto o vigor das plântulas. O índice de velocidade de germinação (IVG) teve comportamento semelhante ao da germinação (Quadro 1). O índice de velocidade de germinação das plântulas decresceu acentuadamente com o tempo, registrando 3,20 para sementes recém-coletadas e de 0,09 após o 30ºdia de secagem das sementes (Quadro 1), ficando evidente os danos provocados pela perda de água nas sementes de C. arborea.
Tratamento (dias) | Teor Água (%) | IVG | TMG (dias) | Comp. Aérea (cm) | Comp. Radícula (cm) | Massa Seca (g.plântula-1) |
0 | 55,40 | 3,20a | 8,01 | 8,22a | 12,86a | 0,209ab |
5 | 45,76 | 2,87b | 8,75 | 7,87ab | 14,49a | 0,231a |
10 | 36,43 | 2,44c | 9,54 | 6,91bc | 13,52a | 0,176abc |
15 | 29,60 | 1,94d | 8,89 | 6,77c | 13,96a | 0,222ab |
20 | 23,69 | 0,48e | 14,42 | 5,92cd | 14,50a | 0,166abc |
25 | 19,80 | 0,33ef | 12,08 | 5,56d | 14,60a | 0,138bc |
30 | 18,44 | 0,09fg | 20,25 | 5,12d | 9,95b | 0,117c |
35 | 17,99 | 0,00g | 0,00 | 0,00e | 0,00c | 0,00d |
40 | 17,65 | 0,00g | 0,00 | 0,00e | 0,00c | 0,00d |
45 | 14,66 | 0,00g | 0,00 | 0,00e | 0,00c | 0,00d |
50 | 13,97 | 0,00g | 0,00 | 0,00e | 0,00c | 0,00d |
55 | 13,94 | 0,00g | 0,00 | 0,00e | 0,00c | 0,00d |
CV(%) | 11,49 | 15,1 | 33,04 |
A partir do 10º dia de secagem das sementes houve um decréscimo no comprimento das plântulas normais. Já o comprimento da radícula das plântulas de C. arborea do 1º ao 25º dia de secagem das sementes não diferiram estatisticamente. As plântulas tiveram decréscimo do peso da massa seca das plântulas com a diminuição do teor de umidade (Quadro 1).
O tempo médio de germinação da C. arborea aumentou significativamente a partir do 20ºdias de secagem (Quadro 1), inviabilizando o uso comercial das sementes de boliviana. O aumento no tempo médio de germinação em função da secagem das sementes, pode ser explicado pelas mudanças na permeabilidade do tegumento a água, visto que a redução do teor de água pode aproximar as células da camada mecânica que são reforçadas por lignina, formando uma camada contínua, relativamente impermeável (Nascimento, 1997; Carvalho e Nascimento, 2000).
Os efeitos negativos da desidratação sobre a qualidade fisiológica das sementes com aumento do tempo médio de germinação, redução da velocidade de emergência, do comprimento e massa seca de plântulas, também foram registrados por outros autores no uso de sementes recalcitrantes de diversos táxones (Ferreira e Santos, 1992; Gentil e Ferreira, 1999; Carvalho e Nascimento, 2000; Nascimento et al., 2007; Santos et al., 2010; Oliveira et al., 2011; Nascimento e Carvalho, 2012; Silva et al., 2012).
CONCLUSÃO
As sementes de Cojoba arborea foram dispersas com alto teor de umidade, 55,4%. A secagem afetou a sua viabilidade e vigor, o que as caracteriza como sementes recalcitrantes. O teor de água crítico e o grau de umidade letal obtidos neste estudo verificaram-se a partir de 23,7% e 18,0%, respetivamente.