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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.1-2 Lisboa jun. 2022  Epub 19-Fev-2022

https://doi.org/10.19084/rca.26300 

Artigo

Filosofia da agronomia: uma proposta de análise epistemológica

Philosophy of agronomy: a proposal for an epistemological analysis

Leandro Paiola Albrecht1 

Alfredo Junior Paiola Albrecht2 

1Eng. Agrónomo, Licenciado em Filosofia, Mestre e Doutor em Agronomia, Professor da Universidade Federal do Paraná, Brasil

2Eng. Agrónomo, Especialista em Agronegócio, Mestre e Doutor em Ciências, Professor da Universidade Federal do Paraná, Brasil


Resumo

A ciência agronómica, como outras na contemporaneidade, é marcada por grandes conquistas, viés tecnológico, importância social e muito prolífica. No entanto, é carente o marco teórico pertinente à reflexão filosófica sobre a ciência agronómica e suas implicações. Nesse sentido, justifica-se atenção filosófica à sua construção, produção científico e impactos, na criação de uma filosofia da agronomia. O objetivo do presente trabalho foi analisar a pesquisa agronómica e sua geração de conhecimento e tecnologia, sob a ótica da filosofia da ciência. Foi conduzida uma revisão bibliográfica a partir de um trabalho de investigação qualitativa, por meio de pesquisa em literatura pertinente, estabelecendo uma aproximação com os objetivos de modo descritivo, interpretativo e crítico. O eixo de pesquisa foi à teoria do conhecimento, em que epistemologicamente a agronomia é preponderantemente empirista, sofreu influências positivistas e pode ser relativizada, não sendo autônoma e isenta. A produção científica na área agronómica é fruto do tempo e atende demandas humanas, seguindo as tendências da sociedade e sofrendo influência das correntes epistemológicas, no qual pode ser construída a filosofia da agronomia, que apresenta enormes desafios.

Palavras-chave: Agrárias; Científico; Conhecimento

Abstract

Agronomic science, like others in contemporary times, is marked by great achievements, technological bias, social importance and very prolific. However, the theoretical framework relevant to the philosophical reflection on agronomic science and its implications is scarce. In this sense, philosophical attention to its construction, scientific production and impacts on the creation of a philosophy of agronomy is justified. The objective of the present work was to analyze agronomic research and its generation of knowledge and technology, from the perspective of the philosophy of science. A bibliographic review was carried out based on a qualitative research work, through research in relevant literature, establishing an approximation with the objectives in a descriptive, interpretive, and critical way. The research axis was the theory of knowledge, in which epistemologically agronomy is predominantly empiricist, suffered positivist influences and can be relativized, not being autonomous and exempt. Scientific production in the agronomic area is the result of time and meets human demands, following the trends of society and being influenced by epistemological currents, in which the philosophy of agronomy can be built, which presents enormous challenges.

Keywords: Agricultural; Scientific; Knowledge

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento histórico da humanidade coexiste com o avanço das técnicas, da ciência, da produção agrícola e da filosofia. A filosofia que não só procura explicar racionalmente as origens, o mundo, o homem, a moral, a política, etc., desvinculado da mitologia, como desde a filosofia clássica. Na esteira da modernidade surgem grandes ideias e filosofias, que emanam de empiristas como Francis Bacon e o seu indutivismo (Bacon, 2003), de racionalistas como René Descartes, em seu inatismo, ceticismo e método (Descartes, 2016). E não se pode pormenorizar o criticismo, que possui como expoente Immanuel Kant e suas obras no alvorecer do iluminismo (Kant, 2009).

No entanto, a filosofia abrange espectros maiores, que configuram também reflexões sobre essa “nova ciência” e seus impactos. Pois, com a ruptura entre fé e razão, com a centralidade do homem, com os imperativos cartesianos e empíricos, chegou-se a extremos, como o positivismo. É visível que das intenções positivistas derivou o reducionismo e os exageros científicos, alvo de críticas. Nesse contexto de críticas, destaca-se o filósofo da ciência de Karl Popper, em seu racionalismo crítico e o falsificacionismo (Popper, 2013).

Assim, debruçada sobre essa conjuntura, surge uma filosofia da ciência que, estuda os paradigmas, programas, tradições e domínios da ciência. Mencionam-se autores como Thomas Kuhn, em seu relativismo científico (Khun, 2013) e, Paul Feyrabend, no tocante ao anarquismo na ciência (Feyrabend, 2011), os quais também precisam ser entendidos em suas colocações, quando confrontada a ciência agronómica e sua prática.

A ciência como modeladora da sociedade e modelada historicamente pela sociedade precisa ser analisada. A ciência agronómica como geradora de conhecimento, de tecnologias e mudanças na sociedade precisa de uma reflexão filosófica. É parco o marco teórico específico e pertinente à reflexão filosófica sobre a ciência agronómica, suas implicações e desafios, diferentemente das reflexões em agricultura em si ou mesmo sobre a sociologia rural. Em que é necessário, portanto, responder: O que é a ciência agronómica em termos epistêmicos? A partir de uma criteriosa, descritiva, interpretativa e crítica revisão bibliográfica, pressupõe-se ou cria-se a hipótese que é possível responder essa nobre questão, ao longo do desenvolvimento desse trabalho.

O presente artigo, no eixo temático da teoria do conhecimento, e permeando a filosofia da ciência, teve como objetivo principal gerar uma perspectiva de filosofia da agronomia, ao analisar a pesquisa agronómica e sua geração de conhecimento e tecnologia, sob a ótica da filosofia da ciência. Possuindo como objetivos específicos: traçar um histórico da agricultura e da ciência agronómica, como parte da humanidade e geradora de conhecimento e tecnologias; relacionar e discutir as principais correntes epistemológicas influentes na formação da ciência agronómica e os desafios emergentes.

METODOLOGIA

Os procedimentos adotados foram profundamente ligados ao problema, aos objetivos e à fundamentação metodológica da pesquisa. Foi conduzida uma revisão bibliográfica a partir de um trabalho de investigação qualitativa, por meio de pesquisa em literatura pertinente, estabelecendo uma aproximação com os objetivos de modo descritivo, interpretativo e crítico. Os pressupostos metodológicos se apoiam em literatura pertinente da metodologia científica (Marconi & Lakatos, 2010). Em que a construção da fundamentação teórica que subsidiou as discussões, interpretações e críticas argumentativas, foi bibliográfica e o procedimento foi baseado no uso de referências ligadas a filosofia da ciência, sociologia rural, agricultura, agropecuária e agronegócio.

DISCUSSÃO

A ciência agronómica no desenvolvimento dessa pesquisa levou um enfoque analítico nos termos da filosofia da ciência, na busca de atender os objetivos supramencionados, e criar uma filosofia da agronomia, espelhando no exemplo da filosofia da biologia tratada em literatura pertinente (Chediak, 2008; Abrantes et al., 2011).

História, agricultura e agronomia

A história da agronomia como ciência, possui um paralelo ou se confunde, mesmo que informal, com a agricultura (Pons, 2008; Mazoyer & Roudart, 2010). A agronomia como ciência de fato e formal, surge com o advento da ciência moderna e ganha maior repercussão com a revolução industrial e o emprego da ciência e tecnologia na sociedade (Santos et al., 2004). Esse emprego leva ao surgimento de uma nova agricultura, mais técnica, ostensiva, intensiva e extensiva. Segundo Pons (2008) e Mazoyer e Roudart (2010), há ainda a possibilidade de referência da agricultura como “antiga” e “moderna”, ou “científica” e “não científica”.

Na construção conceitual de Almeida (2000, p. 7-13), pode-se observar o estabelecimento de cinco fases para caracterizar o surgimento da agricultura e da agronomia no mundo. São fases que se entrecruzam, coexistindo e sucedendo-se no tempo, conforme considerações de Almeida (2000, p. 8-9) como segue:

Primeira fase: trata-se do período de “sobrevivência” humana na terra, da prática da coleta, da caça, do cultivo primitivo sobre queimadas e desmatamentos sumários; • Segunda fase: desde o neolítico, aparece uma agricultura mais ou menos organizada, para proveito de um pequeno número de nobres e do clero. [...]; • Terceira fase: pouco a pouco, ainda na Idade Média, os verdadeiros agricultores se diferenciam no interior das populações de escravos e se organizam as primeiras unidades agrícolas mais ou menos independentes em áreas periféricas aos feudos, concedidas pela igreja ou pelos senhores feudais. A Revolução Francesa, em 1789, acelera este processo na França e na Europa. [...]; • Quarta fase: no fim do século XIX e durante todo o século XX, as teorias econômicas substituem, gradativamente, a então “economia rural”, implantando a lógica do rendimento financeiro (regimes capitalistas) ou político (regimes socialistas). [...]; e • Quinta fase: No final do século XX surge um ideário agronómico novo, que transforma a agricultura de nível nuclear, familiar, em outra de abrangência do Estado e, se possível, do global. Trata-se da gestão, conservação e recuperação do meio ambiente global.

E o surgimento da agronomia como ciência ad litteram, encontra condição sine qua non no alvorecer na ciência moderna, desvinculada da filosofia e da teologia, apoiada na pesquisa centrada nas especificidades da ciência agrária, no desenvolvimento do capitalismo e domínio cultural do ocidente. Sobre isso, é importante observar o que Baiardi (2004a, p. 159) apresenta:

O advento das academias reais de ciência, das associações científicas sustentadas por elites esclarecidas em sociedades democráticas e das universidades modernas que se converteram em centros de produção do conhecimento, mudou a organização da ciência e mudou também a condição de seus profissionais. [...] O coroamento deste processo se dá somente no século XIX, quando, finalmente, se veio reconhecer, sem quaisquer limites, o papel social do pesquisador. [...], a ciência e as artes técnicas só conseguiriam avançar impulsionadas pelas ideias e pelos sentimentos, e, sobretudo, graças a alguns raros momentos de revolução do pensamento, como foram o Renascimento, a Revolução Puritana, O Iluminismo e o advento do orgulho nacional germânico.

Portanto, a agronomia como ciência, remonta o seu surgimento ao século XIX, com marcos como a fundação na França do Instituto Nacional Agronómico de Versailles (1848-1852) (Almeida, 2000) e as pesquisas que emergiam na Alemanha, por Justus Von Liebig e outros, na química agrícola (Baiardi, 2004a). Tal processo, Karl Marx retrata como parte da segunda revolução agrícola, como descrito por Mazoyer e Laurence (2010) em termos da segunda revolução agrícola da modernidade.

No Brasil, segundo Baiardi (2004a, p. 181-184) o processo remete ao Segundo Império, pois entre outras instituições criadas,

[...] o “Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, IIBA, que nasce nesse período, sob a influência da revolução que ocorria nas ciências agrárias na Europa [...], criado em novembro de 1859. [...] Depois do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, a segunda instituição de pesquisa em ciências agrárias criada no Brasil foi a Estação Agronómica de Campinas, a qual deu origem ao Instituto Agronómico de Campinas. [...]

No entanto, apenas após o início da República e especificamente após a consolidação da “revolução verde” no Brasil (após 1950), é que a ciência agronómica ganha expressão. Com profissionais formados em várias instituições de ensino nacional, desde os primeiros cursos, como a do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura (1877 em Cruz das Almas - BA), Escola Superior de Agricultura Eliseu Maciel de Pelotas (1881), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1901), Universidade do Paraná (1918, hoje UFPR), e tantas outras que foram surgindo e mudando de nome e estrutura ao longo do tempo.

As “revoluções verdes” são entendidas por alguns autores como duas, a primeira ocorrida no final da idade média até a “nova agricultura”, com a expansão das áreas até o uso intensivo (via sistematização e rotação). A segunda revolução estaria ligada a Revolução Industrial, com a introdução da mecanização, fertilização mineral, seleção e especiação (Pons, 2008; Mazoyer & Roudart, 2010). No entanto, a terminologia configurada a partir daqui se reportará ao período contemporâneo da história, em que assumirá também a divisão em três “revoluções verdes”, a primeira concernente às máquinas e mecanização (acompanhando a revolução industrial desde o início), a dos químicos (com grande expressão a partir do início do século 20) e a genética (de meados do século 20 até o advento da biotecnologia aplicada ao melhoramento genético). Poderia ainda se indicar uma quarta “revolução verde” em curso, a dos recursos digitais e computacionais, marcada pelo uso atual de aplicativo, banco de dados, robótica e sensoriamento remoto, úteis na aplicação de ações e tomada de decisões no empreendimento rural.

Atualmente a agronomia se depara com a necessidade de uma atual “revolução” duplamente verde, que associe as conquistas tecnológicas da ciência com a sustentabilidade. E com as aplicações da biotecnologia na agricultura, a ciência agronómica se depara com um novo paradigma, que não se contingência a tecnologia do DNA recombinante e transgênicos, mas abrange ao CRISPR (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) e ao RNAi (RNA interferente). Observando que biotecnologia não é só uma ferramenta no melhoramento genético (transgênicos e mutantes), na edição gênica (CRISPR) ou na alteração da expressão gênica (RNAi), mas abrange a todos os bioprocessos e bioprodutos aplicados na agricultura, a exemplos dos controles biológicos alternativos e a inoculação com bactérias fixadoras de nitrogênio, com imensuráveis benefícios ambientais, além dos econômicos.

No que tange a sustentabilidade, outro paradigma (esse muitas vezes baseado em práticas milenares) emerge, em conflito com o paradigma prevalecente (chamado “agricultura convencional”), que é a agroecologia. A agroecologia, questionada por assimilar em seu escopo práticas alternativas e possuir viés ideológico, é uma proposta, em suas várias vertentes (como a agricultura orgânica) de diminuir os desequilíbrios de sistemas simplificados, com uma abordagem mais ecológica.

Considerando esse contexto histórico de sua formação, a agronomia como macro área científica ou ciência aplicada (ciência agronómica ou ciências agronómicas), pode ser dividida e subdividida, de distintas formas, conforme a especialidade e foco (Abboud, 2013). Nesse trabalho será proposta uma divisão por especialidades, com caráter epistemológico, que agrupo conhecimentos e torna-se mais didática, em que as grandes áreas da agronomia seriam: agrometeorologia e climatologia; agronegócio e gestão rural; alimentos e agroindústria; ecologia de agroecossistemas e meio ambiente; edafologia e manejo dos solos; engenharia rural; fitotecnia; fitossanidade; sociologia e extensão rural; e zootecnia. Algumas dessas áreas poderiam ser subdivididas, a exemplo da fitotecnia: agricultura (grandes culturas); agrostologia e forragicultura; horticultura; plantas medicinais, aromáticas e condimentares; plantas ornamentais e paisagismo; produção de sementes e mudas; e silvicultura.

Essas divisões epistemológicas da ciência agronómica devem ser tema para outros estudos, e podem suscitar divergências no meio acadêmico, enquanto a perspectiva desse trabalho é propor e/ou consolidar uma nova área, a filosofia da agronomia. O entendimento possível é que, a agronomia é uma ciência holística e eclética, criando interfaces com outras ciências e caracterizando-se por ser inter e multidisciplinar. Nesse escopo, vale relaciona-la com as ciências biológicas, e por decorrência, cria espelhos a partir da filosofia da biologia, na construção de uma filosofia da agronomia.

A filosofia da biologia surgiu, também, como uma subárea da filosofia da ciência, até se tornar autônoma nas últimas décadas do século XX, assumindo protagonismo nas discussões “metacientíficas” e conceituais, na configuração de procedimentos empregados para reflexão nos discursos em ciências biológicas e na bioética (Abrantes, 2011). A função similar a essa da filosofia da biologia que a construção de uma filosofia da agronomia se aplica, e se coloca como área a ser inclusa nas ciências agronómicas, como desdobramento da filosofia da ciência.

Agronomia como ciência e o método

A ciência agronómica, como outras ciências, gera um conhecimento distinto do conhecimento mítico, teológico e filosófico. Alcançou sua maturidade e desenvolvimento no pós-renascença, em especial no século 17, em que ocorreu uma mudança extremada dos objetos, métodos e funções do conhecimento da natureza, em que se destacam pensadores como o inglês Francis Bacon (1561-1626), o francês René Descartes (1596-1650) e o italiano Galileu Galilei (1564-1642), que se somaram a Revolução Copernicana da ciência (Kuhn, 1990). Nesse abarcar da ciência, é imprescindível entender a relação entre ciência e filosofia, no qual Silva (2005a, p. 8) contrasta o método científico com outros conhecimentos, do qual surge a

[...] questão natural da credibilidade do conhecimento científico, em contraste com conhecimento de outras origens. [...] a ação do cientista revela certas preferências mentais ou consistências de seu método que são algumas vezes relacionadas com pontos de vistas ou escolas filosóficas, [...].

A partir dessa consideração inicial sobre o método, e entendendo a influência de pensadores e escolas filosóficas, Silva (2005a, p. 8-9) as caracteriza da seguinte forma:

O racionalismo refere-se à convicção filosófica de que a razão humana é o principal instrumento e a autoridade última na busca da verdade pelo homem. O racionalismo não nega o valor da experiência sensorial como uma fonte de conhecimento, mas sustenta que apenas a operação lógica da mente pode determinar a verdade de qualquer experiência ou ideia. Por sua aderência às regras de lógica estabelecidas, o cientista poderia ser taxado de racionalista. Entretanto, esta designação seria imprópria, dado que ele não acredita apenas na razão pura como um guia para o conhecimento válido. A base racional do método científico é fundamentada no sistema de lógica empregado no raciocínio científico, mas o método de análise científica requer muito mais do que apenas fé na razão. [...] O empirismo fundamenta-se na convicção de que a experiência sensorial deve ser considerada como a fonte mais confiável de conhecimento. Certamente, a ciência é, em parte e em certas áreas, um método empírico, tanto como um método lógico, isto é, racional. Todavia, o aspecto empírico da ciência relaciona-se ao modo como os dados são percebidos e não à fé na validade exclusiva de experiências sensoriais. [...] A evidência empírica é básica à ciência, mas ela só tem significado se interpretada por noções particulares sobre seus atributos, efeitos, etc. De fato, uma grande parte da estrutura do conhecimento científico é composta de abstrações, isto é, de ideias sobre fenômenos e suas inter-relações, não de evidência empírica. A ciência é empírica no sentido que seu último recurso para o estabelecimento da credibilidade de qualquer conhecimento particular é o fato empírico, a demonstração empírica, ou a predição empírica.

O racionalismo e o empirismo, dentro de uma compreensão de síntese Kantiana (Kant, 2009) são evidentes na ciência moderna, em que se sobressai na ciência agronómica o recurso empírico de validação. Mas cabem mencionar, de forma acessória, outras correntes, como o positivismo lógico, o pragmatismo e o determinismo.

[...] O positivismo lógico, que se refere à crença de que afirmações têm significado fatual apenas quando são confirmadas por evidência empírica. Na realidade, o positivismo lógico é um movimento de alguns filósofos da ciência para uma unificação dos vários ramos da ciência pelo esclarecimento de ideias e desenvolvimento de precisão metodológica através de análise lógica. [...] Observe-se que o positivismo lógico tem apenas conexão tênue com o positivismo, uma escola filosófica do século 19 que esperava arranjar todo o conhecimento em uma organização inter-relacionada de modo completo e coeso para a solução racional de todos os problemas humanos. [...] o pragmatismo, que consiste na crença de que o último teste do valor de uma ideia é sua utilidade na solução de problemas práticos. Certamente, o cientista é um homem prático que busca a solução de problemas reais. Entretanto, como uma posição filosófica, o pragmatismo é de pouco valor na ciência moderna. [...] o determinismo, ou seja, o argumento de que nada tem lugar na natureza sem causas naturais. O determinismo na ciência não é um “credo” mas um “postulado”, [...] que é empregado na análise de causalidade. A ciência também já foi relacionada à filosofia do materialismo, isto é, à doutrina de que todo o conhecimento pode ser derivado do estudo da matéria. Entretanto, hoje a ciência é materialista, mecanicista ou determinista apenas na medida em que ela se fundamenta em uma base de fatos demonstráveis objetivamente, como evidenciado por instrumentos físicos de mensuração. [...] (SILVA, 2005a, p. 9).

Para desdobrar o positivismo lógico, presente na atualidade e influente na agronomia, expande-se o conceito de positivismo lógico como sendo

[...] uma forma modificada de empirismo. O empirismo, em sua forma mais pura, é a doutrina segundo a qual todo o conhecimento é derivado da experiência sensorial. O positivismo lógico esposa algo que, sob um aspecto importante, é mais fraco que isso, e em outro, é mais forte. [...] É mais fraco porquanto concede a existência de algum conhecimento que não é derivado da experiência sensorial - mas apenas conhecimento de um tipo especial. Os positivistas lógicos traçam uma distinção entre verdades analíticas e verdades sintéticas. Verdades analíticas são aquelas cuja verdade depende apenas de seus significados, embora algumas vezes de maneira recôndita, que exige esforço para explicar. [...] Verdades sintéticas, pelo contrário, são aquelas cuja verdade depende de algo mais além de seus significados. [...] (MOORE, 2010, p. 27-30).

Ao interpretar a agronomia como uma ciência natural, e como predominantemente empírica, entende-se, como não meramente indutivista (de Bacon e outros), mas referem-se também a formas mais elaboradas, como o positivismo lógico e no fisicalismo de Carnap (Bastos & Candiotto, 2008, p.47-82), que é uma forma modificada de empirismo, ou ainda no naturalismo de Quine, que vê seu empirismo como decorrente de seu naturalismo, como melhor esclarece Moore (2010, p. 27-30):

A versão própria de Carnap do empirismo lógico tem ainda um traço adicional decisivo. Carnap sustenta que a distinção mais fundamental dentre tais distinções, a distinção entre verdadeiro e o falso, é sempre traçada relativamente a algum arcabouço linguístico. [...] Muito grosseiramente, Quine aceita o núcleo empirista desse conjunto de ideias, mas se detém frente às várias modificações propostas. Quais são suas objeções a essas modificações? Para responder a essa questão, temos que considerar inicialmente a forma peculiar que assume seu empirismo. [...] Certamente, os cientistas naturais recorrem à experiência sensorial para justificarem suas descobertas, como devem fazer se o empirismo for correto e suas descobertas tiverem alguma pretensão ao título de conhecimento. Mas o empirismo não acarreta que suas descobertas tenham alguma pretensão ao título de conhecimento, menos ainda que tenham uma pretensão exclusiva. [...] Portanto, o próprio empirismo é uma teoria testável. Não é parte de alguma propedêutica filosófica para investigação científica. Para Quine, não há tal coisa. [...] nada há que distancie manifestamente a perspectiva de Quine seja positivismo lógico em geral, seja do positivismo lógico de Carnap, em particular. Tanto sua perspectiva como a do positivismo lógico são adornos do empirismo. Certo, são adornos diferentes. Mas não vimos ainda nada que os ponha em conflito entre si. O positivismo lógico partilha com Quine o respeito pela ciência. [...]

Assim, o fato de a agronomia, como ciência que produz conhecimento por base experimental, com premissas inicialmente empíricas, não tem demérito, diante das perspectivas de filósofos modernos como Quine, em seu empirismo sem dogmas e por uma explicação unificada da atividade científica (Bastos & Candiotto, 2008, p.155-216). Não assumindo assim um indutivismo ingênuo, como apontado por Chalmers (1993), em que a ciência começa com a observação e, apresenta problemas. Mas no outro extremo, a ciência agronómica não pode ser a “dona da verdade”, pois assim a ciência pode virar um mito, e como aponta Alves (2006, p.10), “todo o mito é perigoso, porque induz o comportamento e inibe o pensamento. Esse é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência”. Nesse sentido, Chalmers (1994, p.98) propõe uma defesa do experimento (empiria) contra o ataque dos céticos, em que:

[...] os resultados experimentais determinados pela maneira como o mundo funciona e não pelos pontos de vista teóricos dos experimentadores é que proporciona a possibilidade de testar-se a teoria em relação ao mundo. Isso não quer dizer que se obtenha com facilidade resultados significativos, também não é uma negação de que o significado dos resultados experimentais seja as vezes ambíguo e nem uma exigência de que sejam infalíveis. Estou argumentando contra o relativismo cético, não contra o falibilismo. A meta de produzir resultados experimentais objetivos, significativos e sem ambiguidades é um problema bastante sério. Embora a priori não existam garantias de que essa dificuldade venha a ser resolvida, a história e a prática da ciência mostram que isso geralmente é possível.

As proposições supramencionadas de Chalmers (1994) encontram apoio e concordância nas elucubrações de French (2009, p.75-91). Assumindo assim a experimentação como válida e considerando que o método é central na distinção entre o senso comum na agricultura e a ciência agronómica (um método de aquisição de conhecimento fidedigno), caracteriza-se assim, melhor a relação entre ciência e método na agronomia (Silva, 2005a, p.16; Silva, 2005b, p. 26-27).

Momentos epistemológicos da ciência agronómica

No entanto, mesmo que supostamente criteriosa hoje, a pesquisa agronómica não está dissociada do meio que a circunda, sendo reflexo de condicionantes, em cabe ressaltarem os momentos epistemológicos discutidos por Baiardi (2004b, p. 24-27), no qual os dois primeiros momentos pode-se dizer que são “pré-científicos”, em que a ciência esteve “miscigenada” com a filosofia (primeiro momento) ou sobre o domínio teológico católico (segundo momento, da Alta Idade Média), mas nem por isso deixaram de trazer desenvolvimento tecnológico na área de ciências agrárias. O primeiro momento é marcado pelo rompimento com o mítico e surgimento da filosofia, é

[...] aquele que condiciona a produção do conhecimento do apogeu da Antiguidade Clássica até o início da Era Cristã, cobrindo cerca de quatro a cinco séculos. [...] As concepções metodológicas dominantes eram difusas, mas referenciadas pelas contribuições de Platão, Aristóteles, Euclides, Epicuro, Arquimedes, Eratóstenes, Aristarco, Ptolomeu, etc. [...] Epicuro, o qual propôs uma teoria do conhecimento denominada ‘canônica’, que tem na percepção sensorial a pedra angular da verdade. [...] na Escola de Alexandria, onde teve lugar a prática de experimentos diversos - o que repercutiu sobre as emergentes ciências agrárias as quais obtiveram um estatuto e reconhecimento social, sobretudo devido à obra de Columella. Os trabalhos deste agrónomo tinham um nítido caráter interdisciplinar e se apoiavam em observações e registros de longos anos e também em experiências. [...] O segundo momento epistemológico influencia as contribuições dadas à ciência durante a Idade Média, [...] condicionadas pelas visões de mundo e paradigmas da busca do saber ensejados pela interpretação cosmológica-dogmática dada pela Igreja Católica ao pensamento de Aristóteles. Eram visões referenciadas pelos escritos de São Tomás de Aquino que tentou evitar o divórcio da ciência com a fé, promovendo a síntese do pensamento de Aristóteles com o cristianismo. [...] Seguindo essa orientação, foi possível fazer o conhecimento avançar - inclusive o agronómico, que se posicionou ao lado de outras áreas do saber que buscavam explicações e soluções que somente foram plenamente dadas pelo método experimental, após o advento da revolução científica. [...] (Baiardi, 2004b, p. 24-25).

Após as ditas “trevas científicas” do período medieval, inicia-se o resgate, via renascença, das teorias do conhecimento clássico helenístico, que busca dissociar a religião da ciência, e permiti novos horizontes, inclusive na ciência agronómica, que no período medievo esteve praticamente estagnada, restringindo-se mais as conquistas tecnológicas do período helenístico da cultura ocidental, marcada pelo uso primitivo da terra e pelo feudalismo. A partir do final do período medieval (Baixa Idade Média, depois de 1000 d.C.), inicia-se a primeira “revolução verde”, segundo Mazoyer e Roudart (2010), que com o adentrar da modernidade, tem-se em vista o terceiro momento epistemológico que toma corpo e é

[...] marcado pela rejeição da visão cosmológica aristotélica mediada pela construção ontológica de Tomás de Aquino. Tudo tem início com a chamada Revolução Copernicana no âmbito da astronomia e cujo espírito se propaga para outros campos do conhecimento, [...] enfatizando os papéis da observação, da experiência e da teorização. [...] O novo método de busca do conhecimento sugerido pelos pesquisadores que mais se destacaram no Renascimento, entre os quais Kepler e Galileu, [...]. Neste contexto, não há mais espaço para um conhecimento que não esteja baseado na nova forma de realizar pesquisa. Durante este período, as ciências agrárias beneficiaram-se dos resultados experimentais pioneiros dos entomologistas, microbiologistas e agrónomos italianos, [...] (Baiardi, 2004b, p. 26-27).

Com a Revolução Copernicana na ciência, segue-se na idade moderna o alvorecer de uma “nova ciência” (uma nova agricultura e uma nova agronomia), em seus pilares, como a conhecemos hoje. Nesse crescimento do conhecimento científico, e na esteira dele o conhecimento agronómico, o quarto momento epistemológico poderia ser denominado de Revolução Científica, que se caracteriza

pelo empenho do pesquisador em afastar todos os preconceitos sintetizados nos quatro ‘ídolos’ propostos por Francis Bacon (idòla tribus, idòla specus, idòla fori e idòla theatri), [...]. Durante a Revolução Científica toma corpo a ideia de Descartes da necessidade de se propor um sistema filosófico coerente [...] só reconhecer como verdadeiro o que evidentemente aparecer como tal. A contrapartida no campo da ciência à contribuição dada por Descartes no terreno da filosofia é a obra de Isaac Newton. [...] A partir da revolução científica a moderna agronomia toma um impulso em termos de mecanização, de manejo de solo, de seleção de animais e plantas e de proteção às colheitas que a capacita a resolver os problemas de segurança alimentar [...] (Baiardi, 2004b, p. 26-27).

O quinto e o sexto momentos epistemológicos são marcados pela Revolução Industrial e pelo Positivismo/Neopositivismo (respectivamente), no qual se contempla o utilitarismo acentuado da ciência, a busca pelo domínio da natureza, o otimismo com os resultados tecnológicos, o crescimento logarítmico do conhecimento científico e o “endeusamento” da ciência. Período esse marcado por grandes avanços na ciência agronómica, chamada de segunda “revolução verde” por Mazoyer e Roudart (2010), e que anteriormente nesse trabalho é referido e sintetizado como “revoluções verdes” contemporâneas (três “revoluções verdes”: máquinas e mecanização; agroquímicos; e genética). No entanto, o quinto período, em especial é um divisor, pois marca certo

amadurecimento em termos do abrandamento da polarização entre o racionalismo e o empirismo, ou seja, fortalecia-se a ideia que a representação do concreto, do supostamente real, seria igualmente dependente da observação e da experiência. [...] na prática é um reconhecimento nos meios científicos da essencialidade de se outorgar igual ênfase tanto ao sujeito como ao objeto de pesquisa - não surge por acaso. Decorre da proposição de um verdadeiro sistema filosófico por parte de Immanuel Kant, diante de sua insatisfação com o que se apregoava sobre a capacidade cognoscitiva do homem, tanto pelos empiristas como pelos racionalistas. [...] O intento de Kant é conciliar, no processo cognoscitivo, a receptividade da sensibilidade com a espontaneidade do intelecto. [...] No campo das ciências agrárias não tem se verificado o equilíbrio proposto por Kant, o qual permitiu no século XX um fantástico avanço no conhecimento científico básico. Não obstante, a agronomia e as demais ciências aplicadas se beneficiaram da hegemonia das abordagens empiristas, condicionadas que foram pelo positivismo comtiano, que relegou os fins últimos da pesquisa, fazendo o interesse especulativo se voltar, inteiramente, à realidade existente, a fins práticos.[...] O sexto momento epistemológico é aquele do pensamento científico contemporâneo, o qual tem sido profundamente influenciado pelo positivismo, que se alçou como filosofia do progresso a partir das obras de Auguste Comte. O positivismo reforçou a tendência de valorização dos preceitos da ciência moderna, baseada na observação, na experiência e na busca sempre e cada vez maior de utilidade para o saber, fazendo com que a dimensão nominalista se sobrepusesse à dimensão essencialista na produção do conhecimento. (Baiardi, 2004b, p. 26-27).

No período contemporâneo da ciência, ou sexto momento epistemológico (Baiardi, 2004b) é marcante os questionamentos e dúvidas sobre a validade, objetividade, seriedade, autonomia, independência, idoneidade e benefícios da ciência. A ciência como absolutamente certa, nas palavras de Popper (2013) se tornou um ídolo, ou como Feyerabend (2011) a vê, uma religião moderna, dependente da persuasão, propaganda, subterfúgio e retórica, ou ainda, retratada por Chalmers (1993) como a procura de limitada parte da verdade. As duas grandes guerras mundiais, a relatividade imposta pelas descobertas em física quântica, as discrepâncias do modelo capitalista industrial e predatório, a ineficiência dos modelos planificados despóticos, as tensões nucleares durante a guerra fria e os problemas ambientais, ponham em xeque o avanço científico sem limites e reflexão.

É importante salientar que a ciência é uma atividade humana, que pode ser permeada por tendências, interesses pessoais, competição, erros, intenções emocionais, ideologias e claro, questões mercadológicas. Segundo Hochaman (1994, p.228)

[...] “a comunidade científica é autônoma, fundada no consenso, estável e tem, como comunidade, uma finalidade última. No campo científico, um mercado científico, também um lugar autonomizado, a dinâmica da competição, do conflito por crédito, encontra-se condicionado pela estrutura social, onde o ‘progresso da razão’ resulta da competição por acumulação e reprodução de capital simbólico” [...].

Na ciência agronómica, as “revoluções verdes” da modernidade trouxeram grandes benefícios, permitiram a urbanização/industrialização, possibilitaram a escala na produtividade, trouxeram agilidade nos manejos, permitiram efetividade agrotecnológica e aplacaram a fome. No entanto, a “revolução” das máquinas trouxe latente poluição por combustíveis fósseis; a “revolução” dos agroquímicos levou a desequilíbrio ambiental e potencial danos à saúde humana; e a genética traz impasses bioéticos e econômicos (como na questão dos transgênicos).

Todo esse contexto de imperativo da ciência, contraposto aos seus resultados econômicos, sociais, ambientais, éticos e políticos, incentiva as

[...] reflexões epistemológicas que tiveram lugar com as contribuições dadas pela física ao conhecimento da natureza - rompendo com o paradigma clássico e estabelecendo através da relatividade e da física quântica novas visões de objetos físicos infinitamente grandes e infinitamente pequenos - o positivismo e o neopositivismo, que punham a máxima ênfase na exatidão e na verificabilidade dos enunciados das ciências da natureza, começaram a ser questionados. [...] Entretanto foram os trabalhos de Bertrand Russell sobre o papel da lógica no conhecimento, os do Círculo de Viena (Schlick, Carnap, Bergmann, Feigl, Gödel, Hahn, Neurath e Waismann) sobre a linguagem ideal e sobre o empirismo lógico, os do Institut für Sozialforschung de Frankfurt (Horkheimer, Adorno e Marcuse, principalmente) sobre a refutação do posicionamento sistemático e a proposta do ceticismo e os de Karl Popper criticando o empirismo e relativizando a similaridade da teoria à verdade, que ensejaram a possibilidade de outras abordagens metodológicas nas ciências agrárias. A partir destas contribuições o pensamento agronómico passa a receber novas contribuições, novas influências e, no limite, a se abrir para uma perspectiva sistêmica ou holística. (Baiardi, 2004b, p. 27).

Os momentos epistemológicos discutidos por Baiardi (2004b), e em consonância com Baiardi (2017) e Chalmers (1994) permitem considerações no aspecto evolutivo, que tornam a compreensão mais sistêmica, progressiva e holística da agronomia como ciência. A abordagem da agronomia na relação ciência, tecnologia e sociedade (Santos et al., 2004), que impõem inúmeros desafios e traz alguns dramas, afastando o reducionismo, pois, embora o conhecimento científico “em um dado momento seja temporariamente não relacionado ou coordenado, o cientista se esforça, constantemente, para relacionar fatos isolados em conjuntos” (Silva, 2005, p.19). No tocante aos desafios para o conjunto de conhecimento agronómico, em consonância com Almeida (2000), propõe-se pensar diferente a agronomia, em termos de novos conceitos e abordagens, considerando sobretudos problemas ambientais e sociais, e abrindo espaço para o confronto entre o saber formal e a realidade.

Ciência agronómica e desafios contemporâneos

Como a agronomia como ciência se entrelaça com o desenvolvimento da agricultura moderna, pode-se entender, como Conway (2003), Almeida (2005), Almeida (2006), Silveira e Almeida (2008), Gurevitch et al. (2009), Solomon et al. (2010), Albrecht e Missio (2013) e Vargas e Almeida (2016), que os desafios da ciência agronómica são os novos desafios da agricultura: demanda mundial de alimentos, biotecnologias, sustentabilidade, ética e cidadania. Esses se constituem em verdadeiros dramas da inserção social, econômica, ambiental, político e ético da agronomia diante da agricultura vigente.

Desses desafios emergem propostas epistemológicas dentro da ciência agronómica, apontando a “crise do paradigma” prevalecente pelo acúmulo de “anomalias”, o que poderia levar a uma “revolução científica”, nos termos de Kuhn (2013) e corroborada por Chalmers (1993). Uma proposta seria a transição agroambiental ou a implementação do paradigma agroecológico, como indicada por vários autores na área agronómica (Gomes & Rosenstein, 2000; Gomes, 2003; Borsatto & Carmo, 2012, 2013; Reichert & Gomes, 2013). No entanto, a síntese deste possível paradigma agroecológico com os ganhos científicos e tecnológicos já existentes, poderia se tornar uma realidade mais viável, a exemplo das modalidades de produção integrado ou sistemas integrados de produção agropecuária, tendo como fim a sustentabilidade.

O modo pelo qual responder os desafios postos e dramas contundentes da ciência agronómica não é único, nem objetivo e as respostas não serão isentas, assumindo hora nuances mercadológicas, ideológicas ou políticas. Portanto, não há como fazer ciência agronómica, como qualquer outra ciência, descolado da realidade, e sem compreender a relação ciência, tecnologia e sociedade.

CONCLUSÕES

A ciência agronómica não possui seus pilares constitutivos na contemporaneidade, remontando, portanto, a antiga datação de sua edificação e importância, que se entrelaça com a história da agricultura. Mas, após as “revoluções verdes”, a ciência agronómica passou a constituir maior relevância e impacto na sociedade, e apresenta enormes desafios. A agronomia é preponderantemente empirista, sofreu influências reducionistas/positivistas e pode ser relativizada, não é linear, não é autônoma e isenta. A produção científica na área agronómica é fruto do tempo e atende demandas humanas, seguindo as tendências da sociedade e sofrendo influência das correntes epistemológicas. Porém, são imprescindíveis e necessárias maiores pesquisas e reflexões no tocante a intersecção da ciência agronómica e filosofia, no entanto, o presente artigo apresenta-se como um marco introdutório na construção formal da filosofia da agronomia.

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Recebido: 23 de Janeiro de 2022; Aceito: 19 de Fevereiro de 2022

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