INTRODUÇÃO
O uso de adubações fosfatadas é indispensável para a manutenção do fósforo (P) em formas disponíveis no solo, principalmente em solos de regiões tropicais, que são caracterizados por apresentarem teores de P abaixo das exigências mínimas das culturas e pela predominância de acidez (Araújo, 2011). Solos da classe dos Latossolos possuem alta capacidade de reter o P na fase sólida devido à presença de óxidos de ferro e alumínio de baixa cristalinidade e a baixos teores de matéria orgânica, contribuindo para a maior sorção de P nesses solos (Bezerra et al., 2013). Com isso a adubação fosfatada pode se tornar em alto investimento inicial e com baixa eficiência, devido à necessidade do uso de grandes quantidades para aumentar os teores de P disponível para as plantas no solo, pois esses os mesmos possuem baixo teor natural e alta capacidade de adsorção de fósforo (Gazola et al., 2013).
O P liberado pelos fertilizantes além de promover maior disponibilidade de P na solução do solo, pode sofrer diversas reações no solo, como à adsorção e precipitação com Fe, Al e Ca. Assim, o efeito da adubação fosfatada no solo, em formas de maior ou menor disponibilidade passa a ser um componente muito importante na avaliação agronômica e econômica de práticas de adubação fosfatada (Gazola et al., 2013).
No solo, o P se encontra em formas orgânicas (Po) e inorgânicas (Pi), principalmente em formas indisponíveis às plantas como o Pi com alta energia de ligação à fração mineral e formas de Po estáveis (Costa et al., 2017). A disponibilidade dessas formas de P no solo pode ser dividida em lábil, moderadamente lábil e P não-lábil, em função da capacidade de reposição de íons fosfato na solução do solo. P lábil é o P da fase mineral em equilíbrio com a solução do solo; o P moderadamente lábil é capaz de suprir a solução do solo com o nutriente de forma mais lenta, pois se encontra retido com energia maior que o P lábil; e P não-lábil ou recalcitrante é o P que está retido fortemente aos coloides do solo, compostos de baixa solubilidade, precipitados ou fixados e formas muito pouco ou nada reversíveis (Pavinato et al., 2010).
Assim, o conhecimento das frações de P no solo pode contribuir para entender a real capacidade do solo de suprir P para as plantas. O método de fracionamento de fósforo proposto por Hedley et al. (1982), é capaz de fornecer informações sobre a disponibilidade P a curto e longo prazos, por meio da determinação dos teores das formas de P no solo e sua disponibilidade para as plantas (Couto et al., 2017). Essa técnica usa extratores químicos aplicados sequencialmente em uma mesma amostra, para remoção progressiva das frações mais disponíveis até as mais estáveis de P.
Com base no exposto, o objetivo do trabalho foi avaliar o efeito de diferentes doses de superfosfato simples nas formas de P no solo Latossolo Vermelho-Amarelo cultivado com Brachiaria brizantha cv. Marandu, após dois e sete anos a adubação fosfatada.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas amostras de solo de um experimento de Brachiaria brizantha cv. Marandu instalado no ano de 2010, mas cultivado a mais de 20 anos em sistema extensivo para engorda de bois em uma propriedade rural no município de Rolim de Moura, estado de Rondônia. O clima local segundo Köppen-Geiger é considerado tropical quente e úmido (Am) (Alvares et al., 2013), com estação seca bem definida entres os meses de maio a setembro e estação chuvosa entre os meses de outubro a abril. A precipitação média anual é de 1.760 mm, umidade relativa do ar em torno de 79% e 85% no período chuvoso e temperaturas médias anuais em torno de 24ºC a 26ºC (Rondônia, 2012).
A caracterização de atributos química do solo foi feita antes da instalação do experimento, para conhecimento e planejamento dos tratamentos (Quadro 1). A área possui um solo do tipo Latossolo Vermelho-Amarelo Distrófico de textura média (Santos et al., 2013).
Profundidade | pH | P | K | Ca | Mg | Al | Al+H | SB | V | ||
m | (H2O) | mg kg-1 | cmolc kg-1 | % | |||||||
0-0,10 | 5,3 | 1,75 | 26 | 2,3 | 1,5 | 0,07 | 3,33 | 3,87 | 53 | ||
0,10-0,20 | 5,1 | 0,87 | 14 | 1,5 | 1,3 | 0,24 | 3,38 | 2,84 | 45 |
P (método Mehlich-1); SB (soma de bases); V (saturação por bases)
Este estudo foi feito aproveitando as amostras de solo de um experimento em fatorial (doses de calcário x doses de fósforo) que estava sendo conduzido em
blocos casualizados, com quatro repetições em parcelas de 7 x 7 m. Neste estudo se aproveitou somente as amostras de solo das parcelas com diferentes doses de fósforo e em uma dose única de calcário. As parcelas aproveitadas neste estudo receberam em 2010 4 t ha-1 de calcário dolomítico com PRNT de 97%, mantido em superfície para correção do pH, uma aplicação de potássio na forma de KCL na dose de 200 kg ha-1 de K2O, e aplicações anuais (2011, 2012, 2013 e 2017) de ureia para o fornecimento de nitrogênio (100 kg ha-1 de ureia nos meses novembro, janeiro e março).
Os tratamentos com doses de fósforo na forma de superfosfato simples foram 0; 0,1; 0,2; 0,4 e 0,8 t ha-1 de P2O5, aplicados e mantidos em superfície na implantação do experimento em 2010.
As amostras de solos foram coletadas em maio de 2012 e junho de 2017, para avaliar as formas de P após dois (2012) e sete (2017) anos da aplicação da adubação fosfatada. As amostras de solo foram compostas por quatro subamostras misturadas e coletadas em duas camadas (0-10 e de 10-20 cm). As amostras foram secas a sombra e depois passadas em peneira de 2 mm para as análises.
A determinação das formas de fósforo no solo seguiu a metodologia de fracionamento do P de Hedley et al. (1982) com as modificações propostas por Condron et al. (1985) e adaptações de Gatiboni (2003). Foram pesados 1,0 g de solo para cada amostra e colocado em tubo tipo Falcon de 50 ml. Amostras de solo foram extraídas sequencialmente com resina trocadora de ânions (RTA) em suspensão de solo e água, NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1, HCL 1,0 mol L-1 e NaOH 0,5 mol L-1. Após as extrações, o solo remanescente foi seco em estufa e submetido à digestão com H2SO4 + MgCl2 + H2O2 (fração Presidual), conforme descrito por Brookes & Powson (1981). O P inorgânico dos extratos alcalinos de NaHCO3 e NaOH foi determinado pelo método de Dick & Tabatabai (1977). Nesses extratos alcalinos, o P total foi determinado por digestão com persulfato de amônio mais ácido sulfúrico em autoclave (Usepa, 1971), sendo o P orgânico (Po) obtido pela diferença entre P total e o P inorgânico (Pi). O Pi dos extratos ácidos foi determinado segundo método de Murphy & Riley (1962). O fósforo total foi obtido por meio da soma das frações do fracionamento químico (P-Total).
Os resultados foram submetidos à análise de variância (ANOVA). Quando significativos (P<0,05), utilizou-se a regressão para avaliação das respostas de adubação fosfatada. Para realização das análises estatísticas utilizou-se o programa computacional de análise estatística SISVAR (Ferreira, 2011).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os teores de P em formas orgânicas e inorgânicas nas amostras retiradas em 2012 aumentaram conforme aumentou as doses de fósforo (Figura 1). Os maiores teores de P orgânico e inorgânico foram encontrados na camada de 0-10 cm (Figura 1-A), como era de se esperar, devido às doses de P2O5 terem sido aplicadas em superfície no solo sem incorporação e pelo retorno do P absorvido pela pastagem através da deposição dos resíduos vegetais, associados a pouca mobilidade do P no solo. A maior concentração de Po em relação ao Pi na camada superficial deve ser pelo resultado dos processos biológicos, incluindo a produção de restos vegetais, a renovação de raiz e a atividade microbiana combinada com a baixa mobilidade do P no solo (Bezerra et al., 2015).
Na camada 10-20 cm (Figura 1B) houve um aumento nos teores de Po e Pi com a aplicação de P2O5, principalmente nas maiores doses, indicando que altos teores de P na camada 0-10 cm pode ter favorecido a saturação de alguns sítios nessa camada, possibilitando a migração de P no perfil do solo e o aumento do conteúdo em camada sub superficial (Ceretta et al., 2010). A maior contribuição do P na camada de 10-20 cm foi observada no Po, pois, apesar da mobilidade de P na solução do solo ser muito baixa, a mineralização lenta e gradual dos resíduos orgânicos deixados em superfície proporciona liberação e redistribuição das formas orgânicas de P, pelo fato dessas formas serem móveis no solo e menos suscetíveis à adsorção que as formas de Pi (Couto et al., 2015).
A redistribuição de Po e Pi no perfil de solo em sistemas que a aplicação da adubação fosfatada se dá a lanço e não há revolvimento do solo como acontece na pastagem tem sido relatada por alguns autores, e sua ocorrência é atribuída à liberação de ácidos orgânicos, complexação do Al3+ trocável e decomposição das raízes no solo, em profundidade (Leite et al., 2016). Além disso, quando a adição de P no sistema é superior à capacidade de absorção das plantas e de adsorção do solo pode haver perdas de P por escoamento ou percolação através da porosidade no perfil do solo (Gatiboni et al., 2015).
No ano de 2017 não houve efeito das doses de fósforo nos teores de Po e Pi nas duas camadas avaliadas (Figura 2A e Figura 2B). Isso se deve pela não manutenção das adubações fosfatadas, para repor o fósforo retirado pelas plantas do sistema.
As formas orgânicas de P nas duas camadas (0-10 e 10-20 cm) foram superiores as formas inorgânicas nos dois anos avaliados. As plantas que crescem em solos altamente intemperizados, como os Latossolos, são mais dependentes do P orgânico, pois esses solos possuem pouco P disponível para as plantas e a maior parte do P inorgânico é encontrada fixada aos óxidos de Fe e Al (Gatiboni et al., 2007).
A aplicação de doses crescentes do adubo fosfatado em superfície levou a um acréscimo das frações de P nas camadas superficiais do solo, aumentando os teores de todas as labilidades de P avaliadas, especialmente na camada 0-10 cm (Figura 3).
Após dois anos (2012), houve efeito da adubação fosfatada nos teores de P lábil nas duas profundidades avaliadas, especialmente nas maiores doses de P2O5 (Figura 3A). O aumento dos teores lábeis, está relacionado ao aumento do P em frações prontamente disponíveis no solo (Guardini et al., 2012; Couto et al., 2017). E apesar da pouca mobilidade do P no solo, doses mais altas podem ter favorecido a migração do P para camadas mais profundas do solo (Guardini et al., 2012), justificando os maiores teores na camada 10-20 cm do solo.
Sete anos após (2017) a adubação fosfatada não apresentou efeito nos teores de P lábil (Figura 3B). Com o tempo devem ter ocorrido perdas de P da solução do solo para a fase sólida por adsorção e precipitação. O P inicialmente adsorvido à superfície dos agregados do solo difunde-se para o seu interior com o aumento de tempo de contato com o solo. É um processo considerado lento, podendo levar anos para atingir o equilíbrio, entretanto acredita-se que seja também responsável pela diminuição da disponibilidade de P de um solo recém-fertilizado (Sousa et al., 2010).
O P moderadamente lábil, no ano de 2012 apresentou efeitos da adubação fosfatada apenas na camada 0-10 cm (Figura 3C), onde os maiores teores foram encontrados nas maiores doses de fosfato. A adubação fosfatada realizada em superfície do solo favoreceu o acúmulo de P moderadamente lábil na camada superficial. Assim, o P adicionado acima da demanda das plantas tende a ser inicialmente adsorvido na superfície dos grupos funcionais mais ávidos por P, causando um acúmulo nas frações do solo com uma labilidade intermediária (Ceretta et al., 2010; Couto et al., 2015). Além disso, o não revolvimento do solo pode contribuir para que esse fósforo se concentrasse na camada superficial, devido a pouca mobilidade do mesmo no perfil do solo.
No ano de 2017, os teores de P moderadamente lábeis não foram influenciadas pelas doses de P2O5 (Figura 3D). Provavelmente, o período sem adubações fosfatadas pode ter favorecido a depleção de P moderadamente lábil a P lábil, para disponibilizar P na solução do solo e sustentar a absorção pelas plantas. Ou pela transformação de P moderadamente lábil em formas de P fixado (P não-lábeis), com o aumento do tempo de contato desse P com a matriz do solo (Sousa et al., 2010). Esses fatores, somados ao período sem adição de fontes de fósforo no solo, devem ter contribuído para a queda dos teores de P moderadamente lábeis, pois, à adição de fontes de P elevam consideravelmente os teores de P nessas formas (Gatiboni et al., 2007; Rodrigues et al., 2015).
A fração de P não-lábil, foi influenciada pelas doses de P2O5 apenas no ano de 2012 na camada 0-10 cm (Figura 3E), onde pode ter ocorrido uma saturação dos sítios ativos de adsorção de P devido a adubação ter sido em superfície, contribuindo para maiores teores na fração não-lábil de P na camada superficial do solo (Rodrigues et al., 2015).
Em 2017 não houve efeito da adubação nos teores de P não-lábil nas duas camadas avaliadas (Figura 3F). Provavelmente, o período sem adubação fosfatada pode ter favorecido a depleção de formas moderadamente lábeis a lábeis para sustentação das plantas, não permitindo a transformação de P em formas não-lábeis. Para muitos autores, formas de P moderadamente lábeis são considerados reservatórios de P, sendo o maior dreno do P dos fertilizantes, entretanto, se torna a principal fonte de P na ausência de fertilizações, repondo o P lábil (Gatiboni et al., 2007; Tiecher et al., 2012a, b).
As frações de P nos dois anos avaliados (Figura 4), demonstram um aumento dos teores de P em função da adubação fosfatada, nas amostras retiradas no ano de 2012 (Figura 4A), principalmente em forma moderadamente lábil, com aumento estimado de até 112,28 mg kg-1 por ton-1 de P2O5 adicionada ao solo. Esse aumento deve ser, devido à presença de altos teores de argila e óxidos no Latossolo Vermelho-Amarelo, que atuam como um dreno de P em solos fertilizados, devido à capacidade de adsorção de P em forma moderada (Couto et al., 2017).
Após o período de sete anos sem adubação (Figura 4B), há predominância de P não-lábil, provavelmente devido a não manutenção das adubações fosfatadas, para repor o fósforo retirado pelas plantas do sistema. Com isso, apesar do retorno de certas quantidades de P pelos restos vegetais, o P exportado do sistema deve ser superior ao que retorna, fazendo com que os teores de P lábil e moderadamente lábil sejam cada vez mais baixos e a predominância de formas recalcitrantes sejam maiores.
O P total é obtido pelo somatório das frações lábeis, moderadamente lábeis e não-lábeis, sendo no ano de 2012, influenciados pela adubação fosfatada nas duas camadas avaliadas (Figura 5A). No ano de 2017, o P total foi influenciado pela adubação fosfatada somente na camada de 10-20 cm (Figura 5B). Sendo um indicativo de que parte do P adicionado na superfície do solo possa ter migrado no perfil do solo.
Os teores de P total mais baixo em 2017 se devem ao período sem adição de fertilizantes fosfatados na área de pastagem. Já que os teores de P tendem a diminuir em solos sob pastagens com atividade pecuária por longos períodos de tempo pela absorção das plantas (Gatiboni et al., 2007) e posterior exportação pela produção animal, sem a reposição por meio de adubações fosfatadas.
CONCLUSÕES
O efeito das doses de fósforo é observado na disponibilidade de fósforo do solo após dois anos a adubação fosfatada. Com aumento nos teores de P orgânico, P inorgânico, nas frações de P lábil, moderadamente lábil e não-lábil, especialmente nas maiores doses de P2O5.
Após sete anos, não é observado efeito da adubação na disponibilidade de P orgânico, inorgânico e nas frações de P lábil e moderadamente lábil. Sendo observado efeito apenas para teores de P não-lábil.