INTRODUÇÃO
A limitação natural de pragas é um serviço de ecossistema que consiste no aumento das populações de inimigos naturais das pragas através do estabelecimento de componentes paisagísticas que lhes forneçam alimento alternativo e refúgio (Villa et al., 2020, 2021), e que pode ser integrado nas estratégias de gestão dos agro-ecossistemas. O uso deste serviço pode ser otimizado conhecendo o seu funcionamento, o que pode ser feito através da modelação computacional das pragas, dos seus predadores, e da paisagem (Corral & Calegari, 2011; Topping et al., 2019; Ziołkowska et al., 2021). Neste contexto, o projeto OLIVESIM está a construir um sistema de modelos para simular os comportamentos de espécies de pragas da oliveira e de seus inimigos, na região de Trás-os-Montes (Portugal), através do sistema ALMaSS (Animal, Landscape and Man Simulation System), que recebe séries de dados de ações de gestão agrícola e de variáveis climáticas, com periodicidade diária (Topping et al., 2003). De facto, para alguns dos artrópodes modelados, a temperatura do solo é usada como dado de entrada na modelação computacional, uma vez que a temperatura desempenha um papel fundamental nas várias fases da sua vida e também porque interagem espacialmente ao nível do solo.
Para que a modelação computacional possa funcionar, as séries de dados climáticos devem ter uma estrutura temporal regular. No entanto, muitas vezes não estão completas, o que exige a aplicação de metodologias fiáveis para o preenchimento das lacunas existentes. Por outro lado, uma série de dados climáticos é formada por dados recolhidos com uma dada periodicidade, que pode ser diferente da necessária para o sistema computacional, o que implica uma conversão de periodicidade. No caso da conversão de séries de dados com periodicidade horária em séries de dados com periodicidade diária, que neste caso são as usadas pelo sistema ALMaSS, há uma redução da resolução temporal e, portanto, uma perda de informação no que diz respeito a períodos específicos do dia. Isto pode ser um problema quando se tenta simular, por exemplo, um comportamento animal que ocorre durante um período específico do dia. Uma forma de segregar esse período específico é criar variáveis diárias que são calculadas usando apenas os dados horários compreendidos nesse período do dia.
Neste trabalho, debruçamo-nos sobre o processamento da série de temperatura do solo necessária para o funcionamento dos modelos de praga-predador Bactrocera oleae (mosca da azeitona) (Paz et al., 2021) e Haplodrassus rufipes (aranha do solo) (Barreira et al., 2021), ambos artrópodes dependentes da temperatura do solo em certas fases ou durante toda a sua vida. De facto, a aranha habita os primeiros centímetros do solo, e a mosca pupa na mesma zona durante os meses mais frios do ano, tornando-se um potencial alimento para a aranha. Completámos as lacunas existentes na série de dados recolhida, e convertemos a sua periodicidade de horária para diária, criando também uma variável adicional, a temperatura média diária do solo durante o crepúsculo vespertino, que é o momento em que a aranha normalmente se move para caçar (Benhadi-Marín, J., comunicação pessoal).
MATERIAL E MÉTODOS
A temperatura do solo foi medida com periodicidade horária, de 2010 a 2020, a uma profundidade de 0,05 m, na estação meteorológica de Mirandela. Esta estação faz parte da rede de estações meteorológicas automáticas do Instituto do Mar e da Atmosfera (IPMA). O Quadro 1 resume as características da série de dados recolhida, que foi depois processada utilizando a linguagem R (R Core team, 2020), seguindo a sequência apresentada na Figura 1.
Comprimento da série | 96360 |
Número de valores em falta | 9172 |
Percentagem de valores em falta | 10% |
Número de lacunas | 88 |
Comprimento de lacuna mais frequente | 1 |
Maior comprimento de lacuna | 4285 |
Depois de completada a série de dados horários, calculou-se a temperatura média diária do solo (Ts), efetuando a média das 24 medições horárias de cada dia. Para o cálculo da temperatura média diária do solo durante o crepúsculo (Tsc) foi definido o período de crepúsculo como o período entre o pôr-do-sol e o fim do crepúsculo astronómico, isto é, quando o Sol está 18° abaixo do horizonte. Tsc foi então calculada efetuando a média ponderada dos dados de temperatura do solo medidos com periodicidade horária durante o período do crepúsculo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Figura 2 mostra a série de dados de temperatura do solo, medidos com periodicidade horária, recolhida na estação meteorológica de Mirandela, e os dados imputados em lacunas inferiores a 500 valores consecutivos em falta. Podemos verificar que os valores imputados se enquadram perfeitamente na série.
A Figura 3 mostra as séries de Ts e Tsc, calculadas para o período 2010-2020, permitindo verificar que Tsc é em geral superior a Ts. A Fig. 3 mostra também, a título de exemplo, o período de 22 de janeiro a 4 de fevereiro de 2011, ano durante o qual se realizou uma campanha de amostragem de artrópodes e solos, e os limites do intervalo de valores de temperatura dentro do qual o movimento da aranha ocorre. Podemos ver que em alguns dias, por exemplo no dia 24 de janeiro de 2011, Tsc está acima do limite inferior (tmin) e Ts está abaixo do mesmo, o que significa que se usássemos Ts em vez de Tsc para simular o movimento da aranha, estaríamos a impedi-la de mover-se, quando deveria estar a fazê-lo. Isto poderá também acontecer em redor do limite superior, mas de forma inversa - a aranha estar em movimento, quando já deveria estar em repouso. Ou seja, o uso de Ts, que exprime a temperatura média das 24h do dia, em vez de Tsc, que exprime especificamente a temperatura durante o período do dia em que a aranha se move, resultaria numa simulação incorreta do seu movimento. Desta forma, podemos ver como a utilização de dados climáticos temporais de alta resolução oferece a oportunidade de modular aspetos que, de outro modo, não seriam percetíveis (Afrifa-Yamoah et al., 2020).
CONCLUSÕES
A metodologia aplicada permitiu-nos (1) completar as lacunas existentes na série de dados de temperatura do solo, recolhidos com periodicidade horária, (2) convertê-la numa série com periodicidade diária, e ainda (3) criar uma variável adicional, a temperatura média diária do solo durante o crepúsculo vespertino. Este último passo possibilita que não haja uma perda de informação no que diz respeito àquele período específico do dia, reduzindo-se o erro associado à desaquação da resolução temporal da variável climática média diária para exprimir um fenómeno que ocorre apenas durante um determinado número de horas do dia.
As séries criadas permitirão uma simulação mais correta das pragas e seus predadores, contribuindo para melhores definições de estratégias de gestão dos agro-ecossistemas.