INTRODUÇÃO
Portugal produz anualmente cerca de 100 Gg de azeite (5% da produção mundial), em cujo processo industrial de extração em contínuo (2 fases) se geram mais de 547 Gg por ano de BA.
A mudança no processo industrial ocorrida nos lagares nos últimos 20 anos, passando de um sistema de extração contínuo de 3 para 2 fases, resolveu o problema do elevado consumo de água e da produção das águas ruças associados ao primeiro caso: Todavia, passou a gerar-se um BA mais húmido (65-70% de humidade) (Alburquerque et al., 2006). O problema ambiental transitou para as indústrias extratoras de óleo de bagaço onde, com graves impactos, cada ano se concentram toneladas de BA em lagoas ao ar livre.
Desde 2020, o BA não tem qualquer valor económico e os mais de 130 mil lagareiros têm de assumir os custos do trasporte deste subproduto para as indústrias extratoras. Na falta de soluções tecnológicas, persiste o alto risco ambiental de que o BA seja despejado no solo sem tratamento prévio, causando fitotoxicidade, situação para a qual urge encontrar alternativas.
A natureza orgânica do BA, o qual contém um alto teor de lenhina e celulose, alguma gordura e ausência de metais pesados, converte-o numa matéria-prima interessante para compostagem aeróbica. A maioria dos estudos de compostagem à escala industrial não têm sido conclusivos, reconhecendo a dificuldade em compostar um material que é pastoso, saturado de água e contem um alto teor de polifenóis, o que o torna fitotóxico.
Alguns dos tratamentos industriais desenvolvidos até agora concluem que é necessário aumentar o tempo de compostagem (até 9 meses) e a frequência dos revolvimentos mecânicos, ou a aplicação de ar forçado, o que encarece o processo industrial (de 0,12€/t para 0,63€/t). Apesar disso, grande parte dos autores considera aceitável o grau de maturidade e estabilidade dos compostos obtidos, nos quais estão presentes os percursores orgânicos das substâncias húmicas (Droussi et al., 2009). Todavia, não são ainda bem conhecidos os mecanismos de degradação dos polifenois e de outros compostos fitotóxicos.
Foi objetivo principal da investigação subjacente a este estudo avaliar, ao longo do processo de compostagem, a evolução de três caraterísticas do BA que se reconhecem como fatores limitantes da atividade microbiana, a saber, elevada razão C/N, elevado teor de humidade e densidade e elevada fitotoxicidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Delineamento e amostragens
Foram desenvolvidos 4 tratamentos de compostagem à escala industrial (pilhas de 27 m3) com diferentes doses de BA e outras matérias-primas como o ES e a CA como agente estruturante, cujas principais propriedades fisicoquímicas se apresentam no quadro 1. A temperatura dentro e fora da pilha foi registada diariamente e a do ar e evapotranspiração potencial foram obtidas duma estação meteorológica próxima (menos de 1 km). Os tratamentos A, B e C foram sujeitos a 6 revolvimentos ao longo da compostagem. O tratamento D, com composição igual à do A, não foi revolvido. As pilhas foram regadas quando necessário, de modo a garantir um teor de humidade próximo de 66%. Foram colhidas 3 a 5 amostras ao longo do eixo central das pilhas, aos 0, 15, 34, 58, 77, 98, 120, 148 e 176 dias de compostagem (160 amostras no total), para posterior análise laboratorial. Para além disso, foram colhidas amostras não perturbadas para determinação da densidade aparente (DapH) e teor de humidade.
Determinações analíticas
Com exceção destas últimas, as amostras secas a 65°C foram trituradas e crivadas (2 mm), quantificando-se a fração grosseira (Egr). Dados da cor (índices ah/Lh) foram processados com o software GIMP © . O pH em água 1:2.5 (p/v) e a condutividade eletrica (CE) 1:5 (p/v) foram medidos com um potenciômetro e medidor de condutividade Combi 5000, respetivamente. O carbono orgânico total (COT) e o azoto total (Ntotal), assim como as relações elementares C/N, H/C e O/C, foram obtidas por análise química elementar (AQE) com um LECO CHNS-932, e foram calculadas as cinzas após combustão em mufla a 500°C. Para avaliação da fitotoxicidade da mistura em compostagem, foram determinados o MLV (índice inverso de Munoo-Liisa, %) e o índice de germinação (GI), com base em ensaios com sementes de agrião (Lepidium sativum L.), nos quais se mediu o comprimento da raiz (RI), usando o software Image J © (Zucconi et al., 1981). Por último, foi utilizado o Statgraphics Centurion V para tratamento estatístico da informação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados da análise elementar CHNO permitiram monitorizar o processo durante os 176 dias de compostagem, observando-se uma importante perda de peso no primeiro mês (20%), seguida de rápida mineralização de C e N orgânicos. Este processo foi mais rápido na pilha C (com menos BA), onde a perda de N é favorecida pelos altos valores de pH (>8). No entanto, nas pilhas A, B e D, que contêm mais BA, o processo de mineralização de N foi menos expressivo, registando-se perdas de N abaixo de 7% nos primeiros 6 meses de compostagem.
O Diagrama de Van Krevelen (H/C vs O/C), comunmente usado para estudar o progresso da humificação (Hernández et al., 2019), demonstra poucas alterações na natureza dos compostos orgânicos nos primeros 4 meses, fase mesófila, na qual se produz ligeira deshidrogenação (baixa H/C) ou perda de grupos alifáticos (-CH2), provavelmente associada à degradação de gorduras vegetais, como o ácido oleico, ainda presente no BA (~3%). Observa-se, também, degradação seletiva de hidratos de carbono a partir dos 120 dias (baixa O/C), fase de maturação, o que conduz a um aumento da aromatização dos restos orgânicos compostados (Figura 1).
O índice MLV diminuiu de forma geral durante o processo de compostagem (Figura 2). Pode observar-se que as pilhas A, B e D perderam fitotoxicidade em apenas 120 d (MLV~50-65%), a pilha B alcançando a maior taxa de germinação e índice de comprimento radicular aos 148 d (GI~0,8; RI~0,9). A pilha C manteve-se fitotóxica ainda aos 156 d de compostagem (MLV~20%; GI~0,6, RI~0,3).
De modo a identificar as variáveis que melhor explicam a fitotoxicidade durante a compostagem, aplicou-se uma ACP com as variáveis determinadas, que mostra que o primeiro eixo de variabilidade (Fig. 3) reúne elementos associados à qualidade da matéria orgánica nos diferentes estágios da compostagem (83%). De facto, maior teor de COT e menor de Ntotal (C/N alta), significando matéria orgânica menos decomposta, correlacionam bem com a cor (ah), tornando-a um bom indicador do estágio de compostagem. A alta correlação do Ntotal com o pH e o teor de cinzas (inverso da perda de peso) indica que o processo de amonificação é favorecido para valores altos de pH. Se tal indica que a compostagem favorece a passagem do N orgânico a formas assimiláveis, sugere também que a regulação do pH durante a compostagem pode ser crucial para minimizar perdas de N-NH3.
Por outro lado, o segundo eixo de variabilidade (52%) é explicado pela fitotoxicidade do composto em formação. O MLV é inversamente correlacionado com H/C, isto é, quanto maior o teor de compostos alifáticos (alta H/C) maior a fitotoxicidade. Este efeito é mais expressivo na pilha C, com menos BA, a que manifestou fitotoxicidade em estágios avançados de compostagem (Figura 4).
CONCLUSÕES
A elevada fitotoxicidade do BA é significativamente reduzida após 120 dias de compostagem aeróbia nas pilhas A, B, D, sendo que são os compostos alifáticos (alta H/C) os principais responsáveis; observa-se também que a compostagem favorece a qualidade da MO devido á formação de constituintes orgânicos com uma natureza mais semelhante aos ácidos húmicos; então podemos dizer que a compostagem de BA é necessária como tratamento prévio para sua aplicação ao solo.