INTRODUÇÃO
A batata-doce cultivar Lira, produzida no concelho de Aljezur e em parte do concelho de Odemira, encontra-se registada desde 2009 como “Batata-doce de Aljezur” com Indicação Geográfica Protegida (IGP). Apresenta um paladar muito apreciado pelo consumidor, mas baixa produtividade. Entre os fatores que intervêm na produção, a fertilização e a nutrição das plantas são dos mais importantes. A extração média de uma cultura de batata-doce ‘Lira’, com uma população de 40 000 plantas por hectare e uma produção de 20 t ha-1, é de 130 kg ha-1 de K, 109 kg ha-1 de N, 54 kg ha-1 de Ca, 27 kg ha-1 de Mg, 13 kg ha-1 de P e 155 g ha-1 de B (Veloso & Mano, 2021). A batata-doce pode apre-sentar produções adequadas em solos com baixa fertilidade e considerados demasiado pobres para outras culturas. Por vezes, um aumento considerável de produção é obtido com a aplicação de uma pequena quantidade de nutriente (O’Sullivan et al., 1997). A análise de terra e de plantas são instrumentos funda-mentais na avaliação da fertilidade do solo, do estado nutricional das plantas e um contributo importante na racionalização da fertilização. Contudo, muitos produtores de batata-doce ‘Lira’ não realizam regularmente análises de terra e/ou de plantas e aplicam empiricamente os fertilizantes, comprometendo a produção e contri-buindo, por vezes, para a poluição dos recursos naturais e para o aumento dos custos de produção.
O objetivo deste estudo foi avaliar a fertilidade do solo e o estado nutricional das plantas de parcelas comerciais de batata-doce ‘Lira’, de modo a detetar situações de desequilíbrio potencialmente limitantes da obtenção de boas produções.
MATERIAL E MÉTODOS
Na região da “Batata-doce de Aljezur”, em 29 parcelas, foram colhidas amostras de solo numa camada com a profundidade de 0 a 20 cm, tendo-se usado os seguintes métodos analíticos: análise granulométrica - densímetro de Bouyoucos; matéria orgânica - digestão com dicromato de sódio e determinação por espetrofotometria de absorção molecular (EAM); pH (H2O) - suspensão solo:água 1:2,5 (v/v) e potenciometria; fósforo e potássio extraíveis - extraídos com lactato de amónio a pH 3,65 e determinados por espetrofotometria de emissão de plasma com detetor ótico (P-AL e K-AL); boro extraível - água fervente EAM UV/ViS; catiões de troca - acetato de amónio 1M (pH=7) e EAA com chama (Ca++ e Mg++) e EEC (K+ e Na+); capacidade de troca catiónica potencial (CTCp) e grau de saturação (Ca, Mg, K, Na) - cálculo.
A metodologia de amostragem das folhas foi adaptada de Bryson et al. (2014). A meio do ciclo cultural, colheu-se a folha mais nova completamente desenvolvida, uma por planta, em trinta plantas de cada parcela.
Na época de colheita das raízes marcaram-se, em oito parcelas, seis unidades de amostragem por parcela, correspondendo cada uma a duas linhas contíguas com um metro de comprimento. As raízes de reserva de cada uma das unidades de amostragem foram lavadas com água destilada e calibradas por peso. Na amostragem das raízes de reserva para análise mineral foi seguida a metodologia proposta por Porras et al. (2014). As amostras de folhas e das raízes de reserva foram secas em estufa a (65±5ºC) e em seguida moídas. O N foi determinado pelo método de Kjeldahl; o P, K, Ca, Mg, Fe, Mn, Zn, Cu e B foram determinados numa solução clorídrica das cinzas, obtidas após incineração em mufla a (500±25°C), utilizando um espectrofotómetro de emissão de plasma (THERMO SCIENTIFIC iCAP 7400 ICP-OES). Para a análise estatística dos resultados recorreu-se ao software STATISTICA 12 para Windows.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados das características físico-químicas dos solos das parcelas monitorizadas (Quadro 1) foram classificados de acordo com Calouro (2022) e revelaram, em média, solos de textura arenosa, com teores baixos de matéria orgânica e pouco ácidos. Embora com intervalos de variação acentuados, predominam teores altos de fósforo e baixos de potássio extraível, refletindo, provavelmente, as fertilizações efetuadas. O teor de boro extraível é muito baixo na maioria das amostras. O teor em catiões de troca Ca++, Mg++ e K+ é muito baixo, assim como a CTCp. O grau de saturação em Ca, Mg, K e Na é médio.
Os solos arenosos permitem a produção de raízes de reserva mais alongadas e perfeitas, mas apresentam baixa capacidade para reter nutrientes. Nos solos com estas características, a utilização de fertirrega ou o fracionamento da aplicação dos nutrientes, em particular do nitrogénio, são fundamentais para evitar a lixiviação dos nutrientes.
Parâmetros | Média ± sm | Intervalo de variação |
Areia (%) | 91,6 ± 0,81 | 82,4-97,2 |
Limo (%) | 3,4 ± 0,42 | 0,86-10,0 |
Argila (%) | 4,9 ± 0,44 | 0,91-9,56 |
Matéria Orgânica (%) | 0,74 ± 0,06 | <0,25-1,60 |
pH (H2O) | 5,9 ± 0,09 | 5,1-6,8 |
P extraível (P2O5) (mg kg-1) | 107 ± 14 | 8-284 |
K extraível (K2O) (mg kg-1) | 40 ± 6 | 9-177 |
Boro extraível (mg kg-1) | 0,13 ± 0,02 | <0,20-0,30 |
Ca de troca [cmol (+) kg-1] | 0,66 ± 0,07 | 0,25-1,79 |
Mg de troca [cmol (+) kg-1] | 0,25 ± 0,03 | 0,05-0,57 |
K de troca [cmol (+) kg-1] | 0,07 ± 0,01 | 0,02-0,36 |
Na de troca [cmol (+) kg-1] | 0,08 ± 0,01 | 0,01-0,24 |
CTCp (7,0) [cmol (+) kg-1] | 1,90 ± 0,14 | 0,8-3,5 |
GS (Ca, Mg, K, Na) (%) | 55,6 ± 3,29 | 16,3-100 |
N.º observações - 29; sm - desvio padrão da média
Na Figura 1 apresentam-se os teores foliares obtidos em relação ao intervalo proposto por Bryson et al. (2014). Na maior parte das amostras os teores de N, P, Ca, Mg e B encontram-se no intervalo de suficiência, embora os valores de P se encontrem, sobretudo, situados junto ao limite inferior e os de Ca apresentem uma elevada dispersão. Apenas 3 das 29 amostras têm um teor de K no intervalo de suficiência, mas junto ao limite inferior, apresentando as restantes teores abaixo do limite mínimo.
De acordo com Byju & George (2005) o K é o nutriente mais importante para a produção de batata-doce. No caso da batata-doce ‘Lira’, os teores foliares obtidos parecem refletir um desequilíbrio nutricional ao nível da planta, que poderá limitar a produção. Os teores foliares médios (média±sm) de N (37,8±0,91 g kg-1), P (2,6±0,08 g kg-1), Ca (9,4±0,65 g kg-1), Mg (6,4±0,32 g kg-1), Zn (21±0,7 mg kg-1) e B (47±2,5 mg kg-1) inserem-se no intervalo de suficiência proposto por Bryson et al. (2014). Os teores médios de Fe (125±8,2 mg kg-1), Mn (255±25,0 mg kg-1) e Cu (11±0,7 mg kg-1) situam-se acima e o teor de K (24,1±1,07 g kg-1) encontra-se abaixo daquele intervalo.
No Quadro 2 apresenta-se a composição mineral média das raízes de reserva com peso >50 g.
Nutrientes | Média ± sm | Intervalo de variação |
N (g kg-1 PF) | 2,66 ± 0,071 | 1,25-3,95 |
P (g kg-1 PF) | 0,39 ± 0,008 | 0,23-0,60 |
K (g kg-1 PF) | 3,65 ± 0,060 | 1,84-4,96 |
Ca (g kg-1 PF) | 0,21 ± 0,009 | 0,06-0,55 |
Mg (g kg-1 PF) | 0,22 ± 0,005 | 0,13-0,37 |
Fe (mg kg-1 PF) | 3,83 ± 0,213 | 0,38-10,58 |
Mn (mg kg-1 PF) | 4,49 ± 0,350 | 0,09-14,37 |
Zn (mg kg-1 PF) | 2,54 ± 0,146 | 0,20-5,77 |
Cu (mg kg-1 PF) | 0,92 ± 0,059 | 0,07-2,19 |
B (mg kg-1 PF) | 1,31 ± 0,064 | 0,15-2,22 |
N.º observações - 106; sm - desvio padrão da média
O K e o Mn foram, respetivamente, o macro e o microutriente em que a concentração obtida foi mais elevada.
A ‘Beauregard’ encontra-se muito difundida a nível mundial, sendo também cultivada em Portugal. Ao compararmos a composição mineral das raízes com peso >50 g da ‘Lira’ com a composição mineral da polpa da ‘Beauregard’ apresentada por Laurie et al. (2012), a ‘Lira’ apresenta um teor bastante mais elevado de K, mais elevado de P, aproximadamente igual de Mg e mais baixo de Ca, Fe e Zn. Sendo os teores foliares de K baixos, praticamente na totalidade das amostras, o teor mais elevado na raiz poderá estar relacionado com o facto de a amostra analisada incluir a epiderme ou por a ‘Lira’ ter maior capacidade para acumular K.
CONCLUSÕES
A fertilidade do solo da “Batata-doce de Aljezur” deverá ser melhorada através da incorporação dos fertilizantes adequados e na quantidade recomendada.
O potássio foi o nutriente mais exportado pelas raízes de reserva e, provavelmente, será necessário reajustar a quantidade e/ou o modo de aplicação deste nutriente, de modo a melhorar as produções obtidas.