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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28490 

Artigo

Efeitos da utilização de chorume de suíno bruto ou tratado na substituição da adubação fosfatada de fundo na cultura do milho

Effects of using raw or treated pig slurry as substitutes of the basal fertilization of maize with mineral phosphate

Paula Alvarenga1 

Miguel Araújo1 

Joana Prado1 

Henrique Ribeiro1 

David Fangueiro1 

1LEAF - Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food Research Center, Associated Laboratory TERRA, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal


Resumo

A valorização agrícola de efluentes pecuários é considerada prioritária nas estratégias preconizadas na legislação (Portaria nº 79/2022). Porém, é importante evidenciar os méritos dessa estratégia em termos agrícolas, i.e., que a fertilização com materiais orgânicos pode ser feita sem perdas de produtividade e sem riscos para o solo, mas, também, criando soluções para reduzir os impactos ambientais (perdas de nutrientes para as águas e emissão de amoníaco). Este estudo pretende evidenciar que é possível fazer a aplicação de todo o P em fundo por via orgânica (140 kg P2O5/ha), suplementando o N por via mineral, de modo a fornecer a mesma quantidade total de N e P em todos os tratamentos orgânicos, sem excesso de P. Foi utilizado chorume de suíno, bruto ou tratado por separação sólido líquido e por acidificação (pH 5,0), de modo a avaliar qual o benefício destes tratamentos na disponibilização de N e P para a cultura do milho (Zea mays L.), num ensaio em vaso. A aplicação dos fertilizantes orgânicos, mais ricos noutros nutrientes essenciais, permitiu atingir um rendimento em biomassa e um crescimento da planta (altura e número de folhas) significativamente superiores aos obtidos por aplicação de adubação mineral (395 kg N/ha, 62 kg P2O5/ha, 150 kg K2O/ha), tendo os melhores resultados sido alcançados por aplicação do efluente bruto, do efluente acidificado, ou da fração líquida do efluente acidificado, evidenciando o benefício da acidificação na disponibilização de nutrientes para a cultura. É de realçar o facto de, apesar da concentração de P nas folhas e raízes da planta ter sido significativamente superior no controlo com adubação mineral, relativamente aos tratamentos orgânicos, a exportação total de P efetuado pelas plantas fertilizadas com efluentes pecuários foi, em termos absolutos, superior, ou idêntica, ao controlo com adubação mineral.

Palavras-chave: efluente suinícola; fertilização orgânica; acidificação; separação sólido-líquido; fósforo

Abstract

The agricultural valorization of animal slurries and manures is considered a priority and recommended in the legislation (Portaria No. 79/2022). However, it is important to highlight the merits of this strategy in agricultural terms, i.e., that fertilization with organic materials can be carried out without a reduction in productivity and endangering soil quality, but also creating solutions to reduce the environmental impacts (loss of nutrients to water and ammonia emissions). This study intends to evidence that it is possible to apply all the P via organic materials, as basal fertilization (140 kg P2O5/ha), with a supplementer N mineral application, to level the total amount of N and P provided by the organic fertilizers, avoiding excess P application. The study used raw pig slurry, and the materials obtained by its solid-liquid separation and acidification (pH 5.0), to evaluate the benefit of these treatments in the availability of N and P to maize (Zea mays L.), in a pot assay. The application of the organic fertilizers, richer in other essential nutrients, allowed achieving a biomass yield and plant growth (height and number of leaves) significantly higher than those obtained by applying the mineral fertilizer (395 kg N/ha, 62 kg P2O5/ ha, 150 kg K2O/ha), with the best results being achieved by applying the raw slurry, the acidified slurry, or the liquid fraction of the acidified slurry, evidencing the benefit of acidification in the availability of nutrients for the crop. It is worth noting the fact that, although the P concentration in the leaves and roots of the plant were significantly higher in the control with mineral fertilization, relatively to the organic treatments, the total P exported by the plants fertilized with the pig slurry derived fertilizers was, as an absolute value, higher, or identical, to the control with mineral fertilization.

Keywords: pig slurry; organic fertilization; acidification; solid-liquid separation; phosphorous

INTRODUÇÃO

A valorização agrícola de efluentes pecuários, e a reciclagem dos nutrientes neles contidos, principalmente N e P, é de extrema importância, permitindo uma gestão mais sustentável de recursos. É nessa perspetiva, de economia circular, que a recentemente publicada Portaria nº 79/2022 (DR, 2022), sobre a gestão de efluentes pecuários, prioriza a sua valorização agrícola, pelo próprio ou por terceiros, relativamente a outro tipo de valorizações económica e ambientalmente interessantes, como a compostagem e produção de biogás.

É claro que, esta prática só é motivadora para o agricultor se não levar a quebras de produtividade, sendo, por isso, muitas vezes executada em complemento à adubação mineral tradicional, e não em sua substituição. Este tipo de utilização tem riscos consideráveis de contaminação de águas subterrâneas e de eutrofização de águas superficiais (Pedersen et al., 2020), devendo ser avaliadas estratégias alternativas que minimizem este risco. Uma das possibilidades, a aplicação dos efluentes pecuários com base nas necessidades de N da cultura, leva, normalmente, a uma aplicação excessiva de P a longo prazo, o que poderá ser evitado se a quantidade máxima a aplicar respeitar, em alternativa, as necessidades de P da planta. Ora, a quantidade de P disponibilizado para a cultura a partir do efluente é, a priori, uma incógnita, dependente de muitos fatores, muito inferior ao seu teor total, mas que se sabe poder aumentar procedendo à acidificação dos efluentes pecuários (Regueiro et al., 2020).

Neste enquadramento, o objetivo geral deste trabalho foi avaliar a substituição total da fertilização de P em fundo, na cultura do milho, através da utilização de um efluente pecuário (neste caso um chorume de suíno), bruto ou tratado (acidificação e separação sólido-líquido), considerando os efeitos da sua utilização, por comparação com a adubação mineral convencional, utilizando diferentes parâmetros de produtividade, da qualidade do solo e de exportações de nutrientes pela planta.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um ensaio em vasos, com 5,25 kg de solo (Arenossolo Háplico), recolhido na zona de Alcochete. O solo possui reação ácida (pH 5,5), baixo teor em matéria orgânica (MO, Walkley-Black, 5,9 g/kg), baixo teor em K extraível (Egner-Rhiem 19 mg K2O/kg), mas elevado teor em P extraível (Egner-Rhiem 111 mg P2O5/kg).

O efluente foi recolhido numa suinicultura localizada na região de Leiria (efetivo médio de 650 cabeças, com produção em ciclo fechado). O efluente bruto (PS) foi analisado (Quadro 1) e submetido a vários tratamentos, de modo a gerar diferentes materiais com interesse fertilizante: (i) separação sólido-líquido, gerando uma fração líquida (PS_L) e uma fração sólida (PS_S); (ii) acidificação, obtendo-se o efluente acidificado (aPS); e acidificação seguida de separação sólido-líquido, gerando as respetivas frações, líquida (aPS_L) e sólida (aPS_S), acidificadas. Na acidificação foi utilizado H2SO4 concentrado (98% m/m e d=1,98 g/cm3; 5,5 mL/kg de chorume bruto, para acidificar até pH c.a. 5,0). A separação da fração sólida e líquida foi feita por centrifugação da amostra (7 min, 4000 rpm). Os materiais foram posteriormente analisados (Quadro 1).

Quadro 1 Propriedades do efluente bruto (PS) e dos produtos resultantes do seu tratamento; separação sólido-líquido (PS_L e PS_S), da sua acidificação (aPS), e da separação sólido-líquido do efluente acidificado (aPS_L e aPS_S) (média, n=3). Concentrações reportam à matéria seca. Resultados para o mesmo parâmetro marcados com a mesma letra não apresentam diferenças significativas (teste de Tukey HSD, p>0,05). 

pH MO (g/kg) Ntotal (g/kg) NH4 +-N (g/kg) Ptotal (g/kg)
PS 7,1c 695,6c 92,5c 68,1c 19,72b
PS_L 7,5b 594,0e 160,9a 138,5d 4,55e
PS_S 8,4a 762,1b 51,5e 26,2b 23,03a
aPS 5,4de 677,4d 85,6d 67,5e 16,87c
aPS_L 5,3e 548,6f 115,3b 106,7a 20,79b
aPS_S 5,4d 817,7a 51,6e 26,1f 8,14d

Foi calculada a quantidade de cada um dos materiais orgânicos a aplicar em fundo de modo a veicular a mesma quantidade de P total, 140 kg P2O5/ha (20.8 mg P/kg solo), bem como a quantidade de N total aplicado por essa via. Pelos valores obtidos, o PS_L não foi utilizado posteriormente, por ser mais pobre em Ptotal, sendo necessária uma quantidade de efluente superior à capacidade de retenção de água do solo. Tomando a quantidade máxima de N aplicado pelo material orgânico com a maior razão N:P (aPS_S), 395 kg N/ha em fundo (132 mg N/kg solo), foram calculadas as quantidades de N mineral a aplicar em cobertura, de modo a igualar o N total aplicado em todos os tratamentos. Foi preparado um controlo de adubação mineral (NP, 395 kg N/ha, com sulfato de amónio, e 62 kg P2O5/ha, com superfosfato, uma dose menor que nos tratamentos orgânicos, considerando a maior disponibilização de P nos adubos minerais, e a classe de fertilidade alta do solo para P), e um controlo de solo não fertilizado (controlo), quatro réplicas por tratamento. Todos os vasos, à exceção do controlo, receberam uma aplicação basal de K (150 kg K2O/ha, com cloreto de potássio, 41.5 mg K2O kg/solo). Os vasos foram semeados com milho (Zea mays L. var. P0937 da Pioneer Sementes), 3 dias após a aplicação dos efluentes e mantidos a 65% da sua capacidade de retenção de água (1 planta por vaso). O N por via mineral foi aplicado 15 dias após a emergência, tendo o ensaio sido interrompido 60 dias após a sementeira (quando foram visíveis sintomas de carência de P no controlo mineral). As raízes, a parte aérea e o solo foram caraterizados, utilizando diferentes indicadores, que nos permitem avaliar a capacidade dos efluentes para se substituírem à adubação de N e P por via mineral.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando os parâmetros da cultura, altura da planta, biomassa seca das raízes e da parte aérea (Figura 1A), os tratamentos orgânicos apresentaram valores significativamente superiores aos obtidos no controlo, onde o crescimento da planta foi muito limitado, e aos obtidos na adubação mineral. Esta diferença, relativamente à adubação mineral, pode ser devida à aplicação de outros macro e micronutrientes que são veiculados pelos efluentes pecuários, o que permitiu um maior rendimento em biomassa e um maior crescimento (média de 14 folhas na fertilização orgânica versus média de 11 folhas na fertilização mineral).

Relativamente à leitura de SPAD (Figura 1B), à exceção do tratamento onde foi aplicado aPS_S, não se verificaram diferenças significativas nos teores em clorofila entre as plantas com fertilização orgânica ou mineral. De facto, o aPS_S foi o único tratamento em que todo o N foi aplicado em fundo através do material orgânico, tendo apresentado resultados inferiores aos dos outros tratamentos em alguns dos parâmetros.

Figura 1 Biomassa da parte aérea (A) e leitura de SPAD (B). (média, n=3). Resultados marcados com a mesma letra não apresentam diferenças significativas (teste de Tukey HSD, p>0,05). 

Relativamente às concentrações obtidas para N e P nas folhas e nas raízes das plantas, elas foram significativamente superiores para ambos os elementos no controlo mineral (e.g., Figura 2A para o P na parte aérea). Porém, isso não se traduziu em maiores exportações absolutas desses elementos pela planta (e.g., Fig. 2B, para a exportação total de P), devido ao facto de se ter obtido um maior rendimento em biomassa em ambas as partes da planta nos tratamentos orgânicos. Aliás, no caso da aplicação de PS_S e de aPS_L, a quantidade de P exportado pela planta foi significativamente superior ao tratamento mineral (Figura 2B).

Figura 2 Concentração de P na parte aérea (A), e valor absoluto de P exportado pela planta (B) (média, n=3). Resultados marcados com a mesma letra não apresentam diferenças significativas (teste de Tukey HSD, p>0,05). 

Relativamente ao pH do solo (Quadro 2), o seu valor sofreu um decréscimo significativo, relativamente ao controlo, apenas no tratamento com adubo mineral, o qual manteve um teor de MO baixo, mas significativamente superior ao de todos os tratamentos em que foram aplicados fertilizantes, orgânicos ou minerais. Esse facto pode ser indicativo de um estímulo à mineralização da MO nos ensaios em que houve um maior rendimento em biomassa.

Quadro 2 Propriedades do solo no final do ensaio (média, n=3). Concentrações reportam à matéria seca. Resultados para o mesmo parâmetro marcados com a mesma letra não apresentam diferenças significativas (teste de Tukey HSD, p>0,05) 

pH MO (g/kg) Pext (mg P2O5/kg) Kext (mg K2O/kg)
PS 5.2 a 5.56 bc 117.1 a 15.3 a
PS_S 4.7 a 5.73 bc 105.8 a 13.8 a
aPS 4.8 a 5.04 c 105.2 a 14.7 a
aPS_L 4.7 ab 5.82 b 102.5 a 15.1 a
aPS_S 4.7 a 5.90 b 117.2 a 15.5 a
NP 4.1 b 5.56 bc 92.4 a 12.5 a
Controlo 5.2 a 8.40 a 113.8 a 29.9 a

De facto, quando se considera a eficiência de recuperação de P pela planta, relativamente ao aplicado pela fertilização (Paplicado), subtraindo ao exportado pela planta nos tratamentos (Pexp), o exportado no controlo (Pexp 0), ERP(%)=(Pexp-Pexp 0)/Paplicado (Figura 3), verifica-se que, no caso da fertilização mineral, o crescimento foi alcançado à custa de P existente no solo, o que levou a um decréscimo, embora não significativo, de P extraível no solo no final do ensaio (Quadro 2). Essa situação não foi tão notória no caso da fertilização orgânica, em que as necessidades de P foram supridas plenamente pelo efluente aplicado.

Fig. 3 Eficiência de recuperação de P (ERP(%)=(Pexp-Pexp 0)/Paplicado) (média, n=3). Resultados marcados com a mesma letra não apresentam diferenças significativas (teste de Tukey HSD, p>0,05). 

CONCLUSÕES

O efluente suinícola, bruto ou tratado, aplicado de modo a fornecer 140 kg P2O5/ha, permitiu a substituição total da adubação de P em fundo na cultura do milho (62 kg P2O5/ha), com ganhos de produtividade, pelo menos até um estágio de crescimento de c.a. 14 folhas (60 dias).

Agradecimentos

Projeto Nutri2Cycle “Transição para uma agricultura mais eficiente no uso do carbono e nutrientes na Europa”, financiado pela União Europeia, programa de investigação e desenvolvimento Horizonte 2020 (Contrato No 773682).

Referências bibliográficas

DR (2022) - Portaria nº 79/2022, de 3 de fevereiro de 2022 - Define o regime aplicável à gestão de efluentes pecuários. Diário da República, 1ª Série, N.º 24, pp. 30-58. [ Links ]

Pedersen, I.F.; Rubæk, G.H.; Nyord, T. & Sørensen, P. (2020) - Row-injected cattle slurry can replace mineral P starter fertiliser and reduce P surpluses without compromising final yields of silage maize. European Journal of Agronomy, vol. 116, art. 126057. https://doi.org/10.1016/j.eja.2020.126057Links ]

Regueiro, I.; Siebert, P.; Liu, J.; Müller-Stöver, D. & Jensen, L.S. (2020) - Acidified animal manure products combined with a nitrification inhibitor can serve as a starter fertilizer for maize. Agronomy, vol. 10, n. 12, art. 1941. https://doi.org/10.3390/agronomy10121941Links ]

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