INTRODUÇÃO
A oliveira (Olea europaea L.) tem elevada importância sócio-económica em Portugal, sendo este o quarto maior produtor europeu de azeite e o oitavo a nível mundial (IOC, 2021). Em Trás-os-Montes, a segunda maior região produtora de azeite em Portugal, o olival tradicional constitui o principal sistema de produção. Estes olivais, normalmente de sequeiro, possuem uma densidade de plantação baixa e reduzido uso de fatores de produção (fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos). O controlo das infestantes é feito mediante a mobilização do solo, com recurso a grade de discos ou escarificador. Esta prática faz com que o solo passe grande parte do ano completamente nu, sem qualquer tipo de vegetação, aumentando a suscetibilidade dos solos à erosão e perda da capacidade de retenção de água, aspeto fundamental para os olivais de sequeiro (Cerdà et al., 2021). O problema da erosão dos solos é ainda mais acentuado na região de Trás-os-Montes, uma vez que, os olivais estão frequentemente localizados em áreas com declive e em solos com baixa fertilidade. Por outro lado, a mobilização poderá perturbar a biota presente no solo, bem como as interações que se estabelecem entre eles e deles com as plantas, causando desequilíbrios difíceis de restaurar (Simões et al., 2014). Estes desiquilibrios poderão culminar num aumento de incidência de pragas e doenças que, no atual contexto de alterações climáticas, em que a frequência de eventos extremos é maior, poderão ter efeitos ainda mais preocupantes.
Existe atualmente algum conhecimento sobre o impacto da mobilização do solo nas suas propriedades químicas e físicas, mas sabemos menos sobre o efeito que poderá ter na composição do coberto vegetal espontâneo. Este aspeto é de extrema importância uma vez que a disponibilidade de plantas úteis em proteção biológica de conservação, por serem habitat e fontes de alimentação alternativas para a entomofauna auxiliar (predadores e parasitoides), pode ficar comprometida pela prática da mobilização do solo. No entanto, esta prática também poderá contribuir para a diminuição de plantas que sejam hospedeiras de pragas e consequentemente contribuir para uma redução da incidência de ataques. Apesar da mobilização ser feita com o principal objetivo de controlar as infestantes, esta prática poderá ter efeitos indesejáveis ao promover a germinação de espécies anuais de infestantes que não foram eliminadas pela mobilização. O processo de mobilização do solo poderá também trazer para a superfície do solo sementes de infestantes que se encontravam enterradas em profundidade, potenciando assim o reaparecimento destas plantas. Estes aspectos são de extrema importância no olival, uma vez que as espécies de infestantes normalmente presente nos seus solos caracterizam-se por possuírem grande capacidade de propagação e germinação, podendo manter-se viáveis durante vários anos, o que as torna extremamente invasoras e competitivas. Face ao exposto, o objetivo deste trabalho é avaliar a influência da mobilização do solo na diversidade e composição da cobertura vegetal espontânea num olival. Pretende-se ainda, verificar se a mobilização do solo poderá ter um maior impacto do que a não mobilização do solo na variação da composição do coberto vegetal ao longo do tempo (1 ano).
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
O olival onde decorreu o estudo encontra-se localizado em Mirandela, região de Trás-os-Montes, nas seguintes coordenadas geográficas 41º 29’ 19.19’’ N e 7º 14’ 53.37’’ O. Este local encontra-se a uma altitude de 351 m e o clima é do tipo Csa (clima temperado com Inverno chuvoso e verão seco e quente) de acordo com a classificação climática de Köppen. O local pertence em termos geomorfológicos ao Maciço Ibérico, mais concretamente à Depressão de Mirandela.
O olival no qual o estudo foi realizado é de sequeiro, com cerca de 10 anos, e encontra-se em modo de produção biológico há cerca de 5 anos. O controlo de infestantes, antes do início do ensaio, era feito pelo destroçamento do coberto vegetal, uma a duas vezes no ano. O espaçamento entre as árvores é de 7 × 7 m, sendo a maioria das cultivares Madural e Cobrançosa. Este olival, com uma área de cerca de 4 ha, foi dividido em duas parcelas (cada uma com cerca de 2 ha), tendo sido uma mobilizada e a outra não mobilizada. A mobilização do solo foi feita na Primavera de 2021, com recurso a um escarificador, a uma profundiadade aproximada de 10 cm da superfície do solo.
Análise da vegetação espontânea
A composição do coberto vegetal espontâneo do olival em estudo foi avaliado imediatamente antes da realização da mobilização (i.e., 18 de maio de 2021), e passado quase um ano depois da mobilização (i.e., 1 de março de 2022). Para tal, foram estabelecidas em cada parcela (mobilizado e não mobilizado) 12 subparcelas com 49 m2 cada, correspondendo a um quadrado em que os 4 vértices eram oliveiras. Em cada uma das subparcelas foi feita a avaliação do coberto vegetal. Para tal, colocou-se sobre o solo uma fita métricae, para um comprimento total de 6 m, foram identificadas as espécies de plantas a cada 20 cm ou a presença de solo. Este processo foi efetuado 2 vezes em cada subparcela. Com os dados obtidos calculou-se a percentagem de cobertura de cada espécie. Os resultados são apresentados por famílias de plantas. Foi avaliado ainda o índice de diversidade de Shannon.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No total deste estudo foram identificadas 81 espécies de plantas, pertencentes a 16 famílias (Figura 1). Independentemente do tratamento, verificou-se uma maior abundância de plantas das famílias Asteraceae (47% do coberto vegetal), seguida por Fabaceae (19%) e Poaceae (16%). Ao nível das espécies, no ano de 2021 as que apresentaram maiores percentagens de cobertura foram Coleostephus myconis L. (43%), Bartsia trixago L. (10%), Anthemis arvensis L. (9%), Rumex bucephalophorus L. (9%) e Trifolium glomeratum L. (9%). Em 2022 Spergula arvensis L. (11%), Poa bulbosa L. (7%), Erodium cicutarium L. (7%), Chamemelum fuscatum (Brot.) Vasc. (7%) e Andryala integrifolia L. (6%) foram as espécies com maior percentagem de cobertura da área de estudos. Espécies pertencentes aos géneros Rumex, Poa e Erodium são frequentemente encontradas em olival e descritas como infestantes (Barros, 2020).
Comparando a composição da vegetação espontânea entre a parcela mobilizada e não mobilizada ao fim de um ano de estudo (Figura 2) verificamos diferenças ao nível de algumas famílias. A mobilização do solo parece promover o desenvolvimento de plantas pertencentes às famílias Caryophyllaceae e Poaceae, e de limitar o desenvolvimento das famílias Asteraceae, Geraniaceae e Polygonaceae, uma vez que estas famílias apresentavam uma maior e menor percentagem de cobertura nos solos mobilizados face aos não mobilizados, respetivamente. Em termos de diversidade de espécies os resultados relativos ao índice de Shannon não mostraram diferenças significativas (p>0,05). Espécies de plantas destas famílias são frequentemente encontradas e referidas como infestantes em olivais (Barros 2020), no entanto plantas da família das Poaceae e Asteraceae são consideradas como espécies de interesse por constituírem fontes de pólen e melada, para entomofauna auxiliar, tai como predadores (Franco, 2010). Familias como a Boraginaceae, Brassicaceae, Campanulaceae, Crassulaceae, Fabaceae, Plantaginaceae e Rosaceae parecem não ser afetadas pela mobilização do solo, apresentando percentagens de cobertura muito similares entre parcelas mobilizadas e não mobilizadas (Figura 2).
Com o intuito de avaliar o impacto da mobilização face à não mobilização do solo na variação da composição do coberto vegetal ao longo do tempo, procedeu-se à comparação do coberto vegetal do ano de 2021 com o de 2022, para ambas as parcelas (mobilizado e não mobilizado). Os resultados apresentados na Figura 3 mostram que, em ambas as parcelas, ocorreu uma redução na abundância das famílias Asteraceae, Fabaceae, Orobanchaceae, Poaceae e Polygonaceae, de 2021 para 2022. No entanto, esta redução foi mais notória e expressiva na parcela não mobilizada. Por exemplo, nesta parcela, a família Fabaceae reduziu cerca de 27 vezes de 2021 para 2022, enquanto que na parcela mobilizada a redução foi de 7 vezes. Este resultado sugere que existe uma maior variação na abundância da vegetação espontânea em solo não mobilizado, ao fim de 1 ano. A diversidade de espécies, avaliada pelo índice de Shannon, reduziu significativamente (p<0,01) até 1,2 vezes de 2021 para 2022, em ambas as modalidades mobilizado e não mobilizado.
CONCLUSÕES
Os resultados, apesar de preliminares, sugerem que a mobilização do solo influência a diversidade e abundância de determinadas espécies de plantas, algumas das quais atrativas para organismos auxiliares. No contexto atual, em que se pretende produzir de uma forma mais sustentável, é fundamental conhecer as várias funções que estas espécies de plantas podem desempenhar tendo em vista a sua exploração para o aumento da biodiversidade funcional da exploração olivícola.