INTRODUÇÃO
O solo é responsável, de forma direta ou indireta, pela produção da maioria dos alimentos consumidos e, por essa razão, tem de ser explorado com recurso a práticas agrícolas sustentáveis. A salinização é uma das principais causas da degradação do solo, com particular incidência nos climas áridos e semiáridos onde a agricultura de regadio é fundamental para o desenvolvimento socioeconómico e sobrevivência das populações.
No entanto, práticas de rega desajustadas das condições edafoclimáticas podem levar à acumulação de sais no perfil do solo, ao aumento do potencial osmótico e a quebras nas taxas de transpiração e da fotossíntese das culturas (Minhas et al., 2020). As consequências são a perda de produção das culturas, degradação do solo e desertificação do território.
As alterações climáticas têm afetado Portugal de Norte a Sul, com tendências para temperaturas mais elevadas, que levam a uma maior evapotranspiração, e a precipitação mais irregular no tempo. No Alentejo, mais especificamente no perímetro de rega do Roxo, é praticada agricultura intensiva em solos muitas vezes com problemas estruturais, com capacidade de potenciar os riscos de salinização (Alexandre et al., 2018). É, por isso, importante conhecer e monitorizar a presença de sais no solo de modo a minimizar estes riscos com a adoção de práticas de rega mais sustentáveis.
Para tal, devem ser utilizados modelos capazes de simular a dinâmica da água e o transporte de sais no solo e ajudar assim a prever o efeito das práticas agrícolas na qualidade do solo. No entanto, a utilização destes modelos necessita de um cuidadoso processo de calibração e validação para que as suas previsões sejam minimamente realistas, mas que geralmente está limitado pela falta de informação ao nível da parcela.
Assim, o objetivo principal deste estudo é (i) monitorizar a evolução do teor de água e da salinidade do solo em três culturas permanentes regadas do perímetro de rega do Roxo durante os anos de 2019 e 2020; (ii) simular a dinâmica da água e sais nos três locais de estudo com o modelo HYDRUS-1D (Šimůnek et al., 2008); e (iii) conhecer o balanço de água e sais no solo de modo a prever e prevenir os riscos de salinização do solo resultantes das práticas de rega atuais.
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho foi realizado em três campos experimentais localizados no perímetro de rega do Roxo, Aljustrel, entre 2019 e 2020. As culturas selecionadas foram um olival intensivo da variedade ‘Picual’, instalado num solo Vc (Calcário Vermelho); um amendoal da variedade ‘Monterey’, num solo Sr* (Mediterrâneo Vermelho, com materiais lateríticos, pedregoso); e um pomar de clementinas da variedade ‘Oronules’, num solo Pag (Mediterrâneo Pardo, para-hidromórfico) (SROA, 1970).
Todas as culturas foram regadas através de um sistema gota-a-gota. O teor de água do solo foi monitorizado de forma contínua com recurso a sondas capacitivas (EnviroPro MT, MAIT Industries, Austrália), colocadas na linha da cultura às profundidades de 0.1, 0.3, 0.5 e 0.7 m. O teor de sais dissolvido no solo (TDS) foi determinado em amostras perturbadas colhidas periodicamente às mesmas profundidades. A condutividade elétrica do extrato de saturação do solo (ECe) foi primeiramente determinada nessas amostras e posteriormente convertida para TDS através da seguinte relação:
TDS (g/l) = 0.64 x ECe (dS/m)
A condutividade elétrica da água de rega (ECágua) foi medida com um condutivímetro, sendo o valor médio das amostras 0.72 dS/m.
O modelo HYDRUS-1D foi utilizado para simular o movimento vertical de água e o transporte de sais na região vadosa do solo. Este modelo utiliza a equação de Richards para o cálculo do movimento da água no solo e a equação de convecção-dispersão para o transporte de sais. As propriedades hidráulicas do solo foram descritas com as funções propostas por van Genuchten (1978). A salinidade do solo foi simulada através de um traçador não reativo representando a condutividade elétrica da solução do solo (ECss).
A calibração do modelo foi realizada por modelação inversa dos teores de água do solo medidos às diferentes profundidades, em cada cultura, em 2019. As condições de fronteira superior foram definidas segundo a metodologia dos coeficientes culturais (Kc) duais (Allen et al., 1998), que calcula separadamente a transpiração da cultura da evaporação do solo. As previsões do modelo foram depois validadas com os dados medidos em 2020.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Quadro 1 apresenta o balanço de água para as três culturas monitorizadas para o ano civil de 2019 e 2020. Destacam-se, a título de exemplo, as elevadas dotações anuais de rega aplicadas no amendoal e nas clementinas bem como as perdas por percolação.
Ano | R mm | P mm | Δθ mm | Tp mm | Tr mm | Er mm | DP mm |
Clementinas | |||||||
2019 | 635 | 326 | 7 | 505 | 473 | 217 | 288 |
2020 | 858 | 484 | 4 | 499 | 482 | 219 | 661 |
Amendoal | |||||||
2019 | 649 | 326 | -10 | 697 | 650 | 219 | 117 |
2020 | 772 | 484 | -8 | 543 | 540 | 306 | 444 |
Olival | |||||||
2019 | 356 | 326 | 50 | 418 | 274 | 216 | 161 |
2020 | 323 | 484 | 5 | 413 | 337 | 241 | 282 |
Nota: R, rega; P, precipitação; Δθ, variação do armazenamento de água no solo; Tp, transpiração potencial; Tr, transpiração real; Er, evaporação do solo; DP, perdas por percolação.
O Quadro 2 apresenta o balanço de sais nos três locais monitorizados durante os anos de 2019 e 2020. As entradas correspondem aos sais adicionados pela rega e pela chuva, sendo naturalmente mais elevados nos casos onde as dotações de rega foram maiores. As saídas correspondem aos sais lixiviados da zona da raiz (profundidade de 1.2 m), calculados pelo modelo HYDRUS-1D. Por último, a componente solo representa o armazenamento de sais no solo, correspondendo à diferença entre as entradas e saídas.
Ano | Entradas (ton/ha) | Saídas (ton/ha) | Solo (ton/ha) |
Clementinas | |||
2019 | 3.2 | 5.3 | -2.0 |
2020 | 4.3 | 7.5 | -3.2 |
Amendoal | |||
2019 | 3.2 | 2.7 | 0.5 |
2020 | 3.9 | 7.7 | -3.7 |
Olival | |||
2019 | 1.8 | 2.5 | -0.6 |
2020 | 1.8 | 4.8 | -3.0 |
Olhando para os resultados é fácil perceber que, face às práticas de gestão atuais, os riscos de salinização nos três locais monitorizados são muito reduzidos, uma vez que a maior parte dos sais adicionados com a rega acabam por ser lixiviados para fora da zona das raízes.
Havendo apenas uma exceção na cultura do amendoal no ano de 2019, onde houve um aumento de 0.5 ton/ha no teor de sais presentes no solo. Uma explicação possível desse valor é ter havido uma transpiração real elevada num ano onde a precipitação foi baixa, o que obrigou a que fossem aplicadas dotações de rega mais elevadas feitas com água mais salina que a da chuva, isso conjugado com perdas por percolação baixas, como se pode ver no Quadro 1, propícia o aumento de sais no solo. O facto do solo sobre o qual a cultura está instalada ser um solo mediterrâneo (Sr*) com teor de argila superior a 40% no horizonte B, pode também levar a uma maior dificuldade na lixiviação dos sais e à acumulação dos mesmos nesse horizonte.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo dão a entender que os riscos de salinização nos três locais monitorizados são muito reduzidos, pelo menos a curto prazo, visto que a lixiviação de sais supera quase sempre as quantidades adicionadas na rega. O problema que advém destes valores elevados de lixiviação é a contaminação das águas subterrâneas, não só pelos sais da rega, mas também por outros contaminantes que serão eventualmente arrastados no processo.
No futuro, pretende-se avaliar os riscos de salinização nestes locais tendo em conta diferentes cenários de alterações climáticas.